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A CONSTRUÇÃO DA PESSOA "ORIENTAL" NO OCIDENTE: UM ESTUDO DE CASO
SOBRE O SIDDHA YOGA
Maria Macedo Barroso
Mestrado em Antropologia Social
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
Museu Nacional
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Orientador:
Prof. Dr. Luiz Fernando dias Duarte
Rio de Janeiro
1999
ii
A CONSTRUÇÃO DA PESSOA "ORIENTAL" NO OCIDENTE: UM
ESTUDO DE CASO SOBRE O SIDDHA YOGA
Maria Macedo Barroso
Dissertação de Mestrado submetida ao corpo docente do Departamento de
Antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre.
Aprovada por:
________________________________ - Orientador
Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte
__________________________________
Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho
__________________________________________
Prof. Dr. Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho
Rio de Janeiro
1999
iii
Barroso, Maria Macedo
A Construção da Pessoa "Oriental" no Ocidente:
um Estudo de Caso sobre o Siddha Yoga/ Maria
Macedo Barroso. Rio de Janeiro: UFRJ/ PPGAS,
1999.
ix, 209 p.
Dissertação - Universidade Federal do Rio de
Janeiro, PPGAS.
1.1. Religiões. Relações. 2. Religião. Aspectos
Psicológicos. 3. Religião. Índia. 4. Yoga. 5.
Emoções. I. Título. II. Tese (mestrado -
UFRJ/MN/PPGAS)
iv
À minha irmã,
Branca
v
Agradecimentos
A meus pais, Sabino e Nininha, grandes acolhedores de diferenças.
A Antonio Carlos de Souza Lima, que me propiciou o encontro com a antropologia.
A meu orientador, Luiz Fernando Dias Duarte, por ter me dado coragem e meios para buscar
meus próprios caminhos.
A Leila Amaral, Otávio Velho e Carlos Alberto Afonso, por tudo que me ensinaram sobre a
antropologia e a vida.
A meus professores no Mestrado em Antropologia Social: Federico Neiburg, Gilberto Velho,
José Sergio Leite Lopes, Luiz Rodolfo Vilhena (in memorian), Lygia Sigaud, Marcio Goldman e
Moacir Palmeira.
Aos colegas Anthony D’Andrea, Clara Jost Mafra, Emerson Giumbelli, Paulo Hilu da Rocha
Pinto e Sergio Góes Brissac, com quem pude compartilhar o interesse pelas religiões.
Aos colegas de curso, Alcio Braz, Aloir Pacini, Amir Geiger, Ana Lucia Enne, Ana Claudia
Cruz e Silva, André Correia Lourenço, Claudio Costa Pinheiro, Cecília Valdez Michael, Gustavo
Blasquez, Hernan Gómez, Hortense Marcier, Hyppolite Brice Sogbossi, João Paulo Macedo e
Castro, João Felipe Gonçalves, José Gabriel Corrêa, Kátia de Almeida, Pedro Luz, Sílvia
Nogueira, Ricardo Cavalcanti, Rodrigo Grunewald e Valéria Torres e Silva agradeço o bom
convívio e a troca enriquecedora.
Aos funcionários do PPGAS, Adilson Moreira Fontenele, Aurora Fernandes da Silva, Carla Paz
de Freitas, Isabel de Souza Mello, Lourdes Cristina Coimbra, Maria Izabel Moreira, Osmar
Lopes e Rosa Gonçalves Pereira, pelo profissionalismo e a gentileza.
A Afonso Santoro, Eline Decacche Maia, Fatima Regina Nascimento, Lucia Arrais Morales,
Tania Ferreira da Silva e Wallace de Deus Barbosa, a amizade e o apoio, de tantas e diferentes
maneiras.
A Rosa Barroso, a compreensão e o afeto.
A Alain Hoffmann, o encontro e o amor.
Ao Tomaz, que me encheu a vida de luz.
vi
RESUMO
BARROSO, Maria Macedo. A Construção da Pessoa “Oriental” no Ocidente: um Estudo de Caso
sobre o Siddha Yoga.
Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte. Rio de Janeiro: UFRJ/MN/PPGAS, 1999. Diss.
Este trabalho realiza uma etnografia do Siddha Yoga, grupo de origem hindu que se estabeleceu
no Ocidente no início da década de 1970, procurando investigar as motivações ligadas à vinda
dos mestres hindus para o Ocidente, iniciada no final do século XIX. Entre os tópicos
desenvolvidos, especial atenção é dada à dinâmica da construção das categorias de "Oriente" e
"Ocidente" em suas diversas implicações, sobretudo no que diz respeito à formação de um
discurso contracultural no Ocidente; ao estatuto da experiência e das emoções dentro dos
fenômenos religiosos de tipo místico; e ao modo como as religiosidades de origem hindu,
especialmente as iogas, são vivenciadas por devotos ocidentais. Com este objetivo, são mapeadas
as distintas concepções de pessoa envolvidas no processo de difusão destas religiosidades, e sua
importância como matriz de concepções religiosas em circulação crescente na cena religiosa
ocidental contemporânea, como as da Nova Era.
vii
ABSTRACT
BARROSO, Maria Macedo. A Construção da Pessoa “Oriental” no Ocidente: um Estudo de Caso
sobre o Siddha Yoga.
Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte. Rio de Janeiro: UFRJ/MN/PPGAS, 1999. Diss.
This is an ethnography of Siddha Yoga, a group of Hindu origins which settled in the West in the
beggining of the 70's. The research concentrates firstly in the trips of Hindu masters to the West,
which beginned in the end of the XIX century. A special attention is then given to the
construction of the categories "West" and "East" in their global implications, especially those
related to the development of a countercultural discourse in the West; to the general status of
experience and emotions in mystical religious phenomena; and to the way Hindu religiosities,
and particularly the yogic ones, are experienced by Western devotees. The different conceptions
of person (or personhood) involved in the spread of these religiosities are analysed, as well as
their importance as a source of religious conceptions now wide spread in the Western religious
scene, such as the New Age group.
viii
Sumário
Introdução..................................................................................................................... p. 1
Capítulo 1 - Encontros Oriente / Ocidente .................................................................. p. 12
1.1- "Não podem representar a si mesmos: devem ser representados"....................... p. 12
1.2 - A "representação de si mesmos"......................................................................... p. 25
1.3 - Novos sentidos para o Oriente ........................................................................... p. 41
1.4 - Uma identidade transformada ............................................................................ p. 59
Capítulo 2 - A Prática das Religiosidades de Origem hindu como Experiência Reflexiva no
Ocidente....................................................................................................................... p. 70
2.1 - A busca da experiência religiosa no Ocidente através do Oriente....................... p. 70
2.2 - A retomada do interesse pela experiência mística no campo sociológico........... p. 75
2.3 - A experiência mística e o campo das emoções ................................................... p. 78
2.4 - A experiência mística do Oriente como caminho para a interiorização no
Ocidente........................................................................................................................ p. 89
2.5 - Uma comparação entre o sentido das experiências no Siddha Yoga e na Nova
Era................................................................................................................................. p.99
Capítulo 3 - Uma Etnografia do Siddha Yoga ............................................................ p.102
3.1 - Histórico do grupo................................................................................................p.102
3.2 - O shivaísmo do Kashmir......................................................................................p.105
3.3 - Concepções hindus e ocidentais do self...............................................................p.109
3.4 - Tipologia dos processos reflexivos entre os adeptos ocidentais do Siddha
Yoga..............................................................................................................................p.114
3.5 - A reprodução do carisma: a intermitência da experiência religiosa e a necessidade de sua
renovação.................................................................................................................... p.131
3.6 - Tornar-se devoto................................................................................................. p.141
3.7 - A shaktipat: uma iniciação autoreferenciada...................................................... p.150
3.8 - Questões de identidade........................................................................................ p.156
3.9 - As razões dos rompimentos................................................................................. p.161
Conclusão..................................................................................................................... p.165
Bibliografia.................................................................................................................. p.174
Apêndice..................................................................................................................... p.184
ix
“Words are flying out like endless rain into a paper cup
They slither while they pass, they slip away across the universe
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my open mind,
possessing and caressing me
Jai Guru Deva Om
(...)
Sounds of laughter, shades of earth are ringing through my
open views inciting and inviting me
Limitless undying love which shines around me like a million suns
It calls me on and on across the universe
Jai Guru Deva Om”
(Lennon & McCartney)
Introdução
Ao escrever a introdução deste trabalho, percebi o quanto é difícil explicar a razão
das escolhas que fazemos na vida, de um modo geral, e as acadêmicas, em particular. Se
tivéssemos estas explicações, talvez trabalhos como este nunca chegassem a ser feitos, uma vez
que um dos impulsos para levá-lo adiante foi entender um pouco mais algumas das escolhas que
fiz. Posso começar dizendo que como resultado de várias circunstâncias, umas mais e outras
menos sob o meu controle, umas mais e outras menos aleatórias, adquiri a certa altura da vida
algo que poderia ser identificado como uma “visão mística” da realidade. Minha vinda para o
curso de Antropologia está ligada a este fato.
A descoberta de que a disciplina considerava os fenômenos ditos “místicos” como
dignos de interesse e atenção foi o seu grande ponto de atração para mim. Assim, não busquei
inicialmente a antropologia por uma de suas grandes marcas, o interesse pelo outro, mas fui
atraída justamente pela possibilidade de uma compreensão maior sobre mim, ainda que calcada
em experiências pessoais ao longo de minha vida que me colocaram algumas vezes no lugar do
outro dentro de minha própria cultura e meio social.
Ao dar os primeiros passos dentro do campo, contudo, descobri que esta questão
também fazia parte do acervo da disciplina, na verdade de uma maneira central. Como falar do
outro sem falar de si? As questões presentes no Diary in a Strict Sense, de Malinowski (1967),
que em quase quatrocentas páginas examina exaustivamente as vivências emocionais e
psicológicas do autor à época em que realizava seu trabalho de campo na Melanésia, parecem
indicar de forma clara que não são meramente contingentes as relações entre antropologia e
consciência de si, como se conhecer o outro guardasse uma relação estreita com a capacidade de
conhecer-se a si mesmo.
A publicação deste diário, muitos anos depois da morte do antropólogo, provocou
imensa polêmica no campo acadêmico, servindo de pretexto para uma reavaliação do trabalho de
Malinowski, na maior parte das vezes, depreciativa. Segundo seus críticos, este diário, íntimo,
trazia à tona diversas incoerências do autor em relação ao que ele pregava como o método da
disciplina em seus outros diários, os de campo. Ter a possibilidade de ler seus dois tipos de
diário, me fez pensar, para além das discussões sobre coerência levantadas, no quanto o trabalho
2
deste antropólogo era tributário de seu Diary in a Strict Sense, isto é, do árduo processo de
reflexão sobre si mesmo levado a cabo paralelamente à estadia no campo, fato reconhecido pelo
próprio Malinowski.
Com isto, pude perceber que a reflexividade fazia parte da própria história da
disciplina, embora inicialmente houvesse uma “má consciência” por parte dos antropólogos a
respeito dela, expressa pela próprio procedimento de Malinowski de escrever separadamente os
dois tipos de diário, um íntimo e o outro científico, não pretendendo publicar o primeiro. Com o
tempo, assistiríamos a uma mudança de visão dos antropólogos em relação a esta questão,
verificando-se entre alguns uma postura de explicitar o mais possível o papel desempenhado pela
subjetividade na construção do conhecimento, acompanhando o processo de tomada de
consciência dentro da disciplina sobre o fato de que conhecer o outro implica necessariamente
num conhecimento de si.
Alguns antropólogos começaram a falar sobre si mesmos no corpo de seus trabalhos,
e não mais apenas nas introduções, espaço reservado normalmente a comentários mais pessoais.
Neste falar sobre si, explicitavam também suas dúvidas, as idas e vindas do processo de
conhecimento e as dificuldades do encontro de um lugar para a subjetividade durante o trabalho
de campo. O trabalho de Jeanne Favret-Saada, Les mots, la mort et les sorts (1977) ficou sendo
para mim o melhor exemplo desta postura metodológica nova, na qual como que se juntavam em
um único texto os dois diários de Malinowski, o de campo e o stricto sensu, em um
procedimento posteriormente consagrado pelas correntes reflexivistas da disciplina.
Por outro lado, há muito tempo me parecia difícil dissociar meus processos pessoais
de vida de meus projetos acadêmicos e foi com grande alívio que descobri que esta questão
também era contemplada no Diary in a Strict Sense, fazendo parte portanto dos objetos de
reflexão da disciplina.
Na sequência destes comentários, acho que encontro bons elementos para explicar
porque escolhi como tema de dissertação um tipo de religiosidade calcada sobre processos de
auto-conhecimento e crescente expansão de níveis de reflexividade  aspectos que parecem
estar na base da apropriação das tradições hindus de meditação pelos adeptos ocidentais que são
objeto deste meu estudo sobre o Siddha Yoga.
3
Trabalhar com um grupo em que o observar a si mesmo está no centro de prática
espiritual trazia imenso interesse para mim. Mas acho que só posso dizer isto agora, “after the
fact” (Geertz, 1995), construindo minha própria ilusão biográfica (Bourdieu, 1986). Recuperar
minhas reais motivações e perspectivas no momento mesmo em que escolhi o Siddha Yoga como
objeto de estudo foi muito menos “elaborado” do que isto.
O que eu percebia no momento da escolha é que estava, por um lado, fazendo um
acerto de contas comigo mesma, com algo que se tornou constitutivo em mim, o tal “olhar
místico” sobre as coisas, olhar que parecia “sem lugar”, contudo, em minha vida, já que eu não
me fixara como praticante de nenhuma religião, embora criada dentro da tradição católica e tendo
frequentado o próprio Siddha Yoga em determinado momento de minha vida. O acerto comigo
mesma, nesta caso, era finalmente encontrar este “lugar” em minha vida para lidar com as
inquietações geradas por este olhar, mesmo que ele não fosse o lugar mais tradicional para isto: a
academia.
Neste sentido, contudo, a Antropologia, mais uma vez, pareceu ter espaço para
minhas idiossincrasias; o encontro com colegas portadores do mesmo “olhar místico” dentro do
curso aliviou a sensação de solidão, permitindo-me novos e enriquecedores diálogos. Não foram
muitos estes colegas  que ninguém imagine que portadores de olhares místicos preponderem
em um curso de Antropologia Social. Com certeza, não. Mas, eles existiam, e portanto, o “espaço
dos possíveis”, mais uma vez, estava ali, a meu alcance. Vi que os olhares eram os mesmos,
“místicos”, mas, ainda que sob este mesmo rótulo, eram ao mesmo tempo muito diferentes, isto
é, variavam segundo a trajetória individual de cada um de nós. Os “místicos” eram iguais, mas
eram diferentes. Esta percepção conduziu-me para a descoberta de outro ponto central da
disciplina antropológica, o que trata do debate entre as perspectivas essencialistas e
construtivistas, particularmente quando aplicadas ao campo religioso.
Tendo entrado no curso com uma postura que pude identificar depois como
radicalmente essencialista, fui aos poucos sendo confrontada com os limites desta posição e com
as possibilidades oferecidas pelas vertentes construcionistas no campo da religião. De fato, por
mais essencialista que fosse, o próprio encontro no curso com colegas que também se acreditando
“místicos” definiam este místico de forma diferente da minha, obrigou-me a atentar para a
riqueza da contribuição das perspectivas construcionistas, e para algo que, afinal, parece ser um
4
dos grandes legados da antropologia: a demonstração exaustiva e variada sobre a historicidade
dos conceitos e das culturas.
A escolha do Siddha Yoga como tema de dissertação não foi uma decisão fácil,
embora agora, “after the fact”, o pareça. Na verdade, decidir-me sobre este grupo foi um
processo difícil, que tomou meses para se firmar. A dificuldade resultava justamente do tema
estar muito próximo de questões pessoais que eu considerava importantes, questões que ainda
estavam “em curso”, que eram críticas para mim. A escolha implicava em uma exposição dupla,
para a academia e para os antigos companheiros do Siddha Yoga, com os quais eu convivera
durante quase dois anos, entre 1981 e 1982. E mexia com algo ligado a minha própria identidade
no momento de realizar o trabalho de campo: afinal, quem é que estava ali? A antropóloga ou a
devota? O grande ponto para mim era não saber qual seria minha reação ao retomar o contato
com o grupo, isto é, se reencontrá-lo me levaria a uma nova adesão. Junto com isto havia todo o
dilema de saber se minha sensibilidade às propostas do grupo me permitiria um grau de
objetividade e distanciamento mínimos para fazer o trabalho etnográfico.
Sem ter respostas para estas perguntas, recomecei a frequentar, passados cerca de 15
anos sem qualquer contato com o grupo, as reuniões do Centro de Siddha Yoga do Rio de
Janeiro, e a fazer meus primeiros registros etnográficos. Ainda com elas, e com a angústia de não
saber respondê-las, fui até Nova York, conhecer o ashram principal do grupo no Ocidente e ver
pessoalmente, pela primeira vez, Gurumayi, sua líder hoje. Na carta em que explicava as razões
de minha solicitação de estadia no ashram  procedimento de praxe para qualquer interessado
em visitar o Muktananda Ashram, em South Fallsburg  fui obrigada a explicitar minha dupla
condição.
Este fato foi muito marcante para mim, e transformou-se no símbolo do processo
reflexivo que o trabalho com o Siddha Yoga me obrigou a enfrentar. Mais uma vez, a
antropologia confirmava sua vocação de, a cada momento crítico, brindar-me com o estímulo
necessário para seguir adiante, e foi novamente a leitura do Diary in a Strict Sense de
Malinowski que me proporcionou este estímulo. Pude entender através dele que minha única
chance de fazer um bom trabalho era lidar de forma satisfatória com aquela dupla condição,
explicitando a cada passo os dilemas que vivia, ao invés de negar sua existência. E, sobretudo, ter
a paciência de não ter respostas, encarando este fato como constitutivo do processo de
5
conhecimento, e não como uma “falha” que pudesse me paralisar. Ter escolhido o “consentâneo
consigo mesmo”, afinal, tinha seu preço. Ele parecia pequeno, contudo, quando comparado aos
duros momentos de minha vida em que fui obrigada a deixá-lo de lado.
Minha graduação em História, nos anos 70, num momento em que ainda não se
instaurara um diálogo mais amplo daquela disciplina com a Antropologia  algo que a levaria
mais tarde a ter uma abertura maior para abordagens que privilegiavam aspectos subjetivos da
trajetória dos agentes  levara-me a uma imensa frustração, não reparada por minha
profissionalização na área. Trabalhos extremamente áridos para recuperar a história do setor
elétrico brasileiro, em variados arquivos da cidade do Rio de Janeiro, apresentaram-se como
minha principal oportunidade profissional para permanecer na área de pesquisa, a um preço que
depois percebi ser grande demais. Embora tenha adquirido por meio daqueles trabalhos as
ferramentas essenciais para a realização de pesquisas com fontes escritas, primárias e
secundárias, a dedicação de mais de dez anos de minha vida a uma temática que em nada me
interessava, custou-me o preço de um imenso desencanto pelo que fazia. Minha ida para a
antropologia também resultou disso, do desejo de estar mais próxima, no campo profissional, de
meus próprios interesses. Como se vê, encontro mais um argumento para explicar o que fiz e o
que escolhi, e mais uma vez, é claro, “after the fact”.
A valorização de práticas reflexivistas dos sujeitos de conhecimento em relação a
seus objetos de estudo, em oposição à má consciência em relação a isto do tempo de
Malinowski, é um fato consumado hoje, ao menos em algumas correntes das ciências sociais,
como se pode ver claramente pelas questões suscitadas neste texto, escrito por uma socióloga
americana: “Might an acceptance and refinement of our own emotional  as well as cognitive 
ways of knowing enable us, as scholars, to better comprehend the emotional experiences of those
whom we purport to explain?” (McGuire, 1993, p.136). É a mesma autora que destaca a
importância destes mecanismos, particularmente no campo da sociologia da religião: “Exploring
and, perhaps, embracing the emotional component of ways of knowing may be particularly
important for a sociology of religion, since much religious belief and behaviour appears to be
utterly irrational” (Ibid., p.136). E é ela ainda quem descreve em que tipo de argumentos se
apóiam aqueles que se recusam a aceitá-los:
6
“Epistemological assumptions embedded on most methodologies in the
sociology of religion are predicated on the dominant modern paradigm of
rational science, which views emotions, values, and subjective feelings as
inimical to empirical knowledge (...). According to this perspective, researchers
must control (or eliminate) their own emotional reactions; the emotions of
research subjects must, likewise, be purified  i.e., converted in “hard” data,
for example items of “opinion” on a Likert scale. Similarly, rational science
disavows the body as a source of researchers’ experiences; scientific
replicability requires that nothing of the researchers’ self (body or emotions)
influence the findings” (Id., p. 134).
Em seguida, aponta para um caminho que parece oferecer ricas possibilidades de
exploração: “Another suggestive line of inquiry asks how bodily and emotional self-expereince
are linked with ways of knowing” (Id., p.136).
Em seu livro sobre a feitiçaria no Bocage, Jeanne Favret-Saada (Op. cit.) utilizou o
seguinte argumento para justificar a maneira como conduziu seu trabalho de campo: segundo ela,
não era possível estudar a feitiçaria no Bocage sem aceitar participar do jogo que ela instituía,
uma vez que qualquer palavra, naquele contexto, era considerada uma palavra interessada, isto é,
tudo que se dizia passava a ser lido, pelos habitantes da região, como fazendo parte do discurso
da feitiçaria, não havendo assim como escapar de ser ator naquele cenário. Por esta razão, Favret-
Saada desiste de lutar por afirmar sua condição de antropóloga na região e passa a não refutar os
papéis que lhe são atribuídos pelos habitantes do lugar dentro do sistema da feitiçaria. No fio
deste raciocínio, em que se associa a metodologia do trabalho de campo às características do
objeto que se estuda, acho que poderia dizer que, no meu caso, refletir sobre minhas próprias
emoções foi algo essencial para estudar um tipo de religiosidade que transforma a reflexão sobre
as emoções despertadas por suas práticas em um componente central.
Em um trabalho que esteve relacionado de forma central à investigação da dicotomia
Oriente/Ocidente, considero importante também explicitar nesta introdução quem foi o “nós”
implícito dentro dele e quem foi o “eles”. Tratei da construção de um certo “nós”, ocidental, que
incluiu extratos médios intelectualizados de países culturalmente situados como “ocidentais”.
Preocupei-me em mapear, a partir de finais do século XVIII, de que forma este “nós” ocidental
foi se construindo, também, por apropriações de “outros”, por uma releitura própria, a partir de
seus próprios códigos, daqueles “outros”. Procurei mostrar ainda que neste processo não há
apenas os passivos de um lado, de quem o conhecimento é apropriado, e os ativos de outro, os
7
apropriadores de conhecimento, mas mostrar que há agency (assertividade) dos dois lados, e que
ambos se transformam no contato (capítulo 1).
Na análise das construções da dicotomia Oriente/Ocidente, discuti com Said (1990) e
Campbell (1997) duas leituras possíveis desta temática. Na discussão com Said, procurei matizar-
lhe a tese do orientalismo enquanto projeto de dominação, procurando não só ressaltar o aspecto
contracultural que o orientalismo assumiu no Ocidente em alguns momentos, assim como o papel
do próprio Oriente em sua construção. A apropriação e a vinda das iogas pelo e para o Ocidente
foi o campo que utilizei para trabalhar estes aspectos, algo que procuro apresentar no capítulo 1.
Na discussão com Campbell, procurei discutir as dificuldades de recorrer-se ao termo
“orientalização” para definir fenômenos culturais e religiosos recentes no Ocidente, embora
reconheça, tal como ele, que “há algo de novo no ar”. Este novo estaria associado, entre outros
pontos, segundo ele, a um processo de imanentização da divindade, presente em muitas das
expressões mais recentes do campo religioso ocidental, particularmente visíveis na Nova Era. De
onde vem o novo e mesmo se ele é, de fato, novo, é algo que abre campo para toda uma
discussão, sobre a qual damos algumas indicações e interpretações no capítulo 2.
Campbell se prende a uma visão hegemônica dentro das doutrinas cristãs, que
privilegia a transcendência, para caracterizar a imanência como um traço “oriental”. Contudo,
embora de fato as doutrinas cristãs sobre o sagrado geralmente coloquem o acento na visão
transcendente da divindade, isto não quer dizer que a vivência mística da imanência esteja
ausente entre os cristãos. Assim, esta questão parece ser mais complexa, e tratar dela supõe lidar,
a meu ver, com o papel do corpo, da fisicalidade, nos fenômenos ditos místicos. O misticismo,
sob este enfoque, passaria a ser visto, mais do que como ligado a esta ou àquela religião, como
um tipo de temperamento, que pode se manifestar dentro de enquadramentos religiosos variados,
cristãos, muçulmanos ou hindus. No caso do hinduísmo, em seu viés ióguico, há um fomento,
digamos assim, deste temperamento, por todas as disciplinas corporais (físicas e mentais) que
impõe a seus seguidores. Não é de espantar, neste sentido, que o “Oriente” utilizado por
Campbell seja um “Oriente” basicamente hindu.
Estive longe de esgotar a riqueza do tema da ioga, fio condutor de minha análise
sobre os contatos Oriente/Ocidente, e base religiosa do grupo que estudei. As iogas propiciam,
como já disse, um campo raro e fascinante para a compreensão da articulação das disciplinas do
8
corpo e da mente, que abre grandes possibilidades para o questionamento da dicotomia
emoção/razão, tal como intuído recentemente por vários estudiosos, tema que procurei explorar
no capítulo 2. Interessaram-me neste caso, particularmente, as hipóteses ligadas à questão de se
pensar as emoções como “sancionadoras” das estruturas discursivas e culturais criadas, e não
como algo que as “atrapalha”, ou que é mero “resíduo”.
Também procurei compreender que tipos de concepção da pessoa estão envolvidos
com as práticas da ioga na Índia e em como os ocidentais imprimem suas próprias concepções de
pessoa à uma prática que parte de outros supostos neste terreno, objeto principal da etnografia
que realizei sobre o Siddha Yoga, apresentada no capítulo 3. A valorização de elementos
reflexivos, tal como colocada desde o Romantismo, é apresentada como a marca principal da
leitura ocidental que se faz das práticas ióguicas.
Realizei meu trabalho de campo ao longo do ano de 1997, frequentando
semanalmente os satsangs do Centro de Siddha Yoga da cidade do Rio de Janeiro e visitando no
mês de julho daquele ano o ashram do grupo em South Fallsburg, no estado de Nova York. O
formato dos satsangs, recheados de depoimentos pessoais sobre as experiências de devotos do
grupo, fez com que eu optasse por não fazer entrevistas formais com eles, embora também as
tenha realizado, ainda que em pequeno número. Meu trabalho de campo foi um trabalho de
observação e escuta daquilo que era apresentado espontaneamente dentro do grupo. Minha
presença como antropóloga certamente passou desapercebida dentro do grupo no Centro do Rio
de Janeiro. No ashram do Siddha Yoga em Nova York, contudo, conforme já mencionei em
outro momento, minha identidade de antropóloga foi colocada explicitamente.
Minha participação no grupo entre 1981 e 1982, como devota, foi um background
inestimável para este reencontro com ele, desta vez como antropóloga. A este respeito, quero
dizer que, se ter sido nativa, neste caso, auxiliou-me grandemente a ser antropóloga, não estou
entre aqueles que consideram que ser ou ter sido nativo é condição essencial para se fazer boas
etnografias, nem tampouco acho que ter sido ou ser nativo invalida qualquer possibilidade de
objetivar adequadamente o que se viu. Acho que os olhares são diferentes, produzem
conhecimentos diferentes, e que ambos são igualmente válidos, dependendo sempre, como diz o
mestre Otávio Velho, da sensibilidade do pesquisador. Fico com esta opinião. Considero uma
9
sorte ter estado na academia em um momento de abertura suficiente para a convivência e
aceitação destas duas posturas, tão diferentes, em que pesem as disputas em torno da questão.
Com relação às fontes utilizadas, não posso deixar de fazer referência ao papel
essencial desempenhado pela Internet em meu trabalho. O recurso a esta mídia abriu-me
possibilidades de pesquisa absolutamente inimagináveis há alguns anos, poucos, atrás. A busca
por meio de palavras-chave em livrarias virtuais estrangeiras, a que fui levada em função da
quase inexistência de livros em português sobre os temas que eu me propunha a trabalhar, levou-
me a uma seleção dentro de um universo de aproximadamente 1200 títulos. A rapidez e a
facilidade de encomendar os livros, outra revolução permitida pelo veículo, sobretudo em um ano
de paridade entre a moeda nacional e o dólar, foi outro ponto que facilitou enormemente este
trabalho. Poderia dizer que, sem a Internet, não teria sido possível fazê-lo, sem sair do Brasil.
Além da pesquisa bibliográfica e do acesso aos títulos mais recentes dentro das diversas áreas
pesquisadas, a Internet também me permitiu ter acesso a jornais da imprensa indiana, que,
embora não utilizados por mim intensivamente, forneceram-me contudo algumas informações de
enorme valia no que diz respeito à construção da identidade indiana hoje. Embora tenha optado
por manter as fontes utilizadas no original no corpo do texto, coloquei em um apêndice sua
tradução. Não gostaria que este trabalho deixasse de ser entendido em meu país pela barreira da
língua, embora talvez tenha havido um certo preciosismo de minha parte a este respeito, dada a
pouca ou nenhuma circulação de dissertações e teses fora dos meios acadêmicos, e mesmo nele.
A leitura dos depoimentos de ex-devotos do grupo na Internet, embora não tenha sido
trabalhada da forma sistemática como eu planejara inicialmente, auxiliou-me também
enormemente na tarefa de construir hipóteses sobre o perfil dos devotos ocidentais do grupo e
sobre as razões de seus rompimentos e adesões a ele, bem como reconstituir diversos pontos da
trajetória do grupo no Ocidente desde sua chegada. Este material, riquíssimo do ponto de vista
sociológico, compõe hoje um dossiê de mais de 1000 páginas na Internet, ao lado de
depoimentos de ex-devotos de diversos outros grupos religiosos, constituindo uma espécie de
10
Procom espiritual1
. Sua análise minuciosa mereceria um trabalho à parte, que infelizmente não
tive tempo de realizar nesta oportunidade.
Em relação ao tema da religião, motivação principal de meu ingresso no Mestrado,
posso dizer que, ao final deste trabalho, faço minhas as palavras de Firth, para quem este domínio
de Deuses se afigura, antes de mais nada, como um domínio dos homens:
“To an anthropologist such as myself, therefore, religion, including ideas of
God, is clearly a human construct. (...) religion is a human art. It has produced,
like other arts, some of the greatest literary and intelectual constructs, analyses
of thought and emotion, and stirring aesthetic experiences of a creative order in
painting, poetry and music.
(...) the asserted existence of an invisible, transcendent, omniscient, omnipotent
being known as God is highly improbable. It is much more probable that such
an assertion fits the higghly complex world of human imagining, and serves an
array of human purposes not always consciously realized by people themselves.
(...) One does not speak of a musical composition as true (unless in a highly
technical sense) but as beautiful, powerful, aesthetically and emotionaly
satisfying. And so it should be with the imaginative creations of religion”
(Firth, 1996, p.10-11).
1
Agradeço a Anthony D’Andrea a indicação sobre a existência deste dossiê na Internet, assim como a
caracterização do site em que ele se encontra como um Procom espiritual ( “Procom” é a sigla do serviço de defesa
dos consumidores que se sentem lesados no Brasil).
11
Capítulo 1: Encontros Oriente / Ocidente.
1.1) “Não podem representar a si mesmos: devem ser representados”.
É com esta epígrafe, retirada do 18 Brumário de Karl Marx, que Edward Said inicia
seu livro Orientalismo, buscando resumir o cerne da postura que caracterizou a atitude do
Ocidente em relação ao Oriente a partir do final do século XVIII, quando presume que tenha
surgido o orientalismo moderno. Esta disciplina, intimamente associada ao processo de expansão
imperialista sobre o Oriente, nada mais era, segundo este autor, que “... uma visão política da
realidade cuja estrutura promovia a diferença entre o familiar (Europa, Ocidente, “nós”) e o
estranho (Oriente, Leste, “eles”).” (Said 1990, p.54). A constituição deste “outro”, ainda que
variando ao longo do tempo, supôs frequentemente a criação de uma imagem que homogeneizava
suas características: “....os orientais eram em quase todos os lugares quase os mesmos”. (Id.,
p.48).
Na trilha do argumento principal de Said, gostaria de enfocar neste capítulo um outro
viés da produção de imagens do Oriente pelo Ocidente, que, embora também se aproprie daquele
como um “outro”, o faz com o intuito de estabelecer um diálogo com valores hegemônicos do
próprio Ocidente, e não para apoiar seus projetos de dominação. Este viés, que poderíamos
considerar contracultural, resultou em uma série de movimentos, iniciados com o Romantismo,
cujo interesse para meu trabalho está ligado ao fato de que serão eles os responsáveis pelo
estabelecimento de uma visão “positiva” do Oriente, que responderá em grande parte pela
difusão de suas religiosidades entre nós. Tratar-se-á aqui de mapear sucintamente os principais
momentos destas apropriações do Oriente que prepararam o terreno para a “representação de si
mesmos”, isto é, para a vinda de mestres orientais para o Ocidente, iniciada no final do século
XIX, com o objetivo de divulgar eles mesmos suas próprias tradições entre nós2
.
Dentre os contatos entre “Oriente” e “Ocidente”, tomados dentro do discurso
orientalista muito mais como categorias culturais do que geográficas, interessar-nos-ão
2
A ênfase dada aos aspectos da “representação de si mesmos” neste capítulo, procura, na linha da advertência feita
por Marshall Sahlins, endossando ponto de vista defendido por Terence Turner, não deixar-se levar por um discurso
sobre a alteridade que “tende a exagerar o poder que teriam as representações ocidentais de se impor aos ‘outros’,
12
particularmente os processos ligados ao trajeto dos movimentos sectários hindus para os Estados
Unidos, a partir do final do século XIX, por ser este o trajeto inicial do Siddha Yoga, objeto da
etnografia apresentada neste trabalho. A vinda deste grupo para o Ocidente, ocorrida no início
dos anos 1970, embora marcada pelas injunções da Contracultura, por um lado, e pelas novas
concepções do nacionalismo hindu, pós-independência, por outro, não nos parece contudo
explicável apenas a partir destes marcos. A história dos primeiros movimentos sectários hindus a
se deslocarem para os Estados Unidos parece-nos trazer elementos essenciais para que se
compreenda muitas das questões que estarão em jogo nos deslocamentos de gurus indianos para o
Ocidente que se verificaram posteriormente. Entre elas, as que tratam das razões da adesão a
religiosidades que não foram as culturalmente herdadas e as formas como estas religiosidades são
absorvidas em contextos culturais distintos daqueles em que foram geradas.
A presença das tradições orientais no cenário religioso ocidental, afora todas as
transposições devidas a movimentos migratórios de populações asiáticas, é tributária, sem dúvida
nenhuma, da passagem de “serem representados”, iniciada nos marcos da dominação colonial, à
“representação de si mesmos”, cujo momento fundador pode ser localizado no Parlamento
Mundial das Religiões, realizado em 1893, em Chicago, quando pela primeira vez representantes
orientais puderam apresentar eles mesmos suas tradições diante de um público ocidental. Para
que tal ocorresse, contudo, foi necessário que todo um interesse pelo Oriente já houvesse sido
despertado anteriormente, o que de fato se verificou com as apropriações daquela região
realizadas a partir do movimento Romântico.
No caso que nos cabe analisar mais de perto, o da difusão do hinduísmo, vale
ressaltar que a este interesse presente no Ocidente sobre as religiões orientais vieram somar-se
outras razões, de dentro da própria Índia, articuladas a um conjunto de questões formuladas no
contexto de busca de afirmação de uma identidade hindu. Esta afirmação, que serviria de base ao
projeto de independência frente à dominação britânica, concretizado em meados do século XX,
também se propunha a reverter o quadro de enfraquecimento do hinduísmo frente à expansão das
tradições cristãs e muçulmanas na Índia3
.
dissolvendo suas subjetividades e objetivando-os como meras projeções do olhar desejante do ocidente dominador”
(Turner, apud Sahlins, 1997, p.123).
3
Um bom histórico e análise dos processos de afirmação da identidade hindu na Índia a partir do século XIX
encontra-se em Clementin-Ojha e Gaborieau (1994).
13
Assim, o que me parece ser digno de ênfase no caso da expansão das tradições hindus
é que sua presença no Ocidente, originalmente, foi tributária de dois tipos de processos: de um
lado aquele que respondeu pelo surgimento de um amplo interesse pelo Oriente entre camadas
letradas da Europa a partir de finais do século XVIII  a assim chamada “renascença oriental”
 resultante das primeiras traduções de textos orientais em línguas como o sânscrito, o zenda e o
árabe4
; e, de outro, aquele que esteve na base da contestação ao domínio colonial britânico na
Índia, responsável pelo surgimento de uma outra “renascença”, a hindu, iniciada no começo do
século XIX pela ação de reformadores do hinduísmo5
.
A atuação dos representantes das religiões orientais no Parlamento de Chicago pode
ser considerada como o momento inaugural de uma nova relação entre Ocidente e Oriente, que,
substituindo o modelo textual vigente até então, calcado na apropriação intelectual propiciada
pelas primeiras traduções de textos orientais para o Ocidente, instituiu a prática como modo
principal de conhecimento e aproximação. Os desdobramentos da participação de Swami
Vivekananda, representante do hinduísmo em Chicago, que resultaram na criação de diversas
Sociedades Vedanta nos Estados Unidos já no início do século XX, podem ser vistos como
paradigmáticos, em muitos aspectos, da atuação de mestres e grupos que se instalaram
posteriormente naquele país, com a preocupação específica de introduzir suas tradições entre
adeptos ocidentais, utilizando como instrumental principal para isto a perspectiva de uma prática
das mesmas.
4
No caso específico dos textos sânscritos, destacam-se os trabalhos de tradução pioneiros de Sir William Jones,
considerado o “pai” do orientalismo. A partir da criação da Sociedade Asiática, em 1874, na cidade de Calcutá, ele
dedicou-se à tarefa de tornar acessíveis para os europeus, em inglês, os textos fundamentais do hinduísmo, tendo
traduzido, muitas vezes juntamente com Charles Wilkins e com a colaboração de eruditos hindus, a Bhagavad-Gitã
(1875), o Hitopadesa (1787), os Sakuntala (1789), o Gita-Govinda (1792), e as Leis de Manu (1794), entre outros.
Na França, o principal precursor dos estudos orientalistas foi Anquetil-Duperron, que traduziu ciquenta e quatro
Upanishades entre 1786 e 1802. A primeira cátedra de sânscrito na Europa, por sua vez, foi criada no Collège de
France, em 1814 (Varrene, 1990, p. 273).
5
Entre os principais reformadores do hinduísmo podemos citar Ram Mohum Roy, fundador em 1824 da Brahmo
Samaj (Sociedade de Deus), organização que condenava os aspectos politeístas contidos nos Vedas e aceitava alguns
aspectos do cristianismo; Keshub Chandra Sem, sucessor de Roy na Bhramo Samaj, que estabeleceu como símbolo
da sociedade o tridente shivaíta, a meia lua muçulmana e a cruz cristã, simbolizando a abertura a outras religiões
proposta pelo grupo; Dayananda Sarasvati, que criou em 1875 o Arya Samaj (Sociedade Arya), que pregava um
retorno estrito aos Vedas e o expurgo de todos os traços posteriores incorporados às tradições hindus; e
Rabindranath Tagore, que fundou uma universidade pan-índia em 1921, a Vishva Bharati, destinada a revelar e
difundir as riquezas da cultura nacional hindu (Varrene, op. cit., p.248-255).
14
Apropriações do Oriente durante o Romantismo
A primeira das apropriações do hinduísmo que nos interessa discutir foi a realizada
pelo movimento Romântico, sobretudo na Alemanha. Nesta, não apenas o hinduísmo, mas o
“Oriente” como um todo, parecem ter se prestado a apoiar uma revisão crítica do projeto
iluminista, em que se buscou contrapor à ênfase no indivíduo como valor universal aquilo que
punha em destaque o particular, conferindo-se estatuto privilegiado para as questões da
interioridade, do vivido e ao campo dos sentimentos, numa busca incessante de mecanismos que
contribuissem, de alguma forma, para a afirmação do indivíduo em sua singularidade.
Segundo Simmel “after the individual had been liberated in principle from the
rusty chains of guils, hereditary status, and church, the quest for independance continued
to the point where individuals who had been rendered independent in this way wanted
also to distinguish themselves from one another. What mattered now was no longer that
one was a free individual as such, but that one was a particular and irreplaceable
individual” (Simmel 1971a, p.222)
Este novo tipo de individualismo que penetrou a consciência do século XIX
através do Romantismo, apoiou-se em grande parte no conceito de Bildung, ou construção
de si, que “implicava a ênfase suprema na interioridade e na sensibilidade do coração. E
convidava o homem a buscar a felicidade dentro de si mesmo, ao orientar sua vida
prioritariamente em direção de uma fusão harmoniosa de elevação espiritual, refinamento
emocional e individualizada perfeição moral e mental” (Rosenberg, citado por Goldman,
1988, p.125, apud D’Andrea, 1996, p.14).
Este modelo, que parece ter acompanhado o desenvolvimento da pessoa burguesa,
construída, adquirida e culturalmente renascida, por oposição ao modelo já dado, atribuído, da
pessoa aristocrática (Cf.Duarte, 1995) foi aprimorado, em Simmel, através do conceito de auto-
cultivo, algo que não é meramente “...the development of a being beyond the morphological stage
(...), but development in the direction of an original inner core, a fullfilment of this being
according to the law of its own meaning, its deepest dispositions”(Simmel, 1971b, p.229).
Estas formas novas de conceber o indivíduo tiveram um papel central na
maneira pela qual o Oriente foi apropriado pelo romantismo, verificando-se aqui uma
15
questão que complexifica o ponto já mencionado de que o Oriente construído pelo
Ocidente no período da produção orientalista foi fundamentalmente um “outro”. Mais
uma vez, é Said que nos mostra que, se uma das formas de afirmação da identidade
ocidental se fez pela construção de uma alteridade em que o pólo oposto era o Oriente, ao
mesmo tempo, em muitos momentos, este Oriente será acionado enquanto detentor de
semelhanças com o Ocidente6
. É o que ocorreu, a seu ver, em relação à apropriação das
religiões indianas por alguns românticos alemães, que as trataram como uma versão
oriental do panteísmo germano-cristão (Op. cit, 1990, p.77). Assim, podemos verificar
que tanto as semelhanças quanto as diferenças são construídas conforme as necessidades
de afirmação identitária, e sempre a partir da leitura ocidental que se faz do Oriente e
seus povos, e nunca pela versão que é dada por estes sobre si mesmos.
O exemplo fornecido por Said no que se refere à interpretação do Corão pelos
textos orientalistas é bastante esclarecedor neste sentido:
“A invariável tendência a negligenciar o que o Corão queria dizer, ou o
que o muçulmano achava que ele queria dizer, ou o que os muçulmanos
fizessem ou pensassem em quaisquer circunstâncias dadas, implica (...)
que a doutrina corânica (...) era apresentada em uma forma que
convencesse os cristãos. (...) Era com grande relutância que aquilo que os
muçulmanos diziam que os muçulmanos acreditavam era aceito como
aquilo que eles acreditavam. Havia uma imagem cristã cujos detalhes
(mesmo sob a pressão dos fatos) eram abandonados o menos possível, e
cujas linhas gerais nunca eram abandonadas” (Op. cit., p.70).
No caso da apropriação do hinduísmo pelo Romantismo alemão, parece ter ocorrido
um fenômeno semelhante, conforme se verifica neste trecho em que Schopenhauer7
, ao comentar
as relações entre seu próprio pensamento e os Upanishades, não hesita em apontar seu interesse
6
Um bom exemplo deste ponto é a descoberta do indo-europeísmo no campo da filologia, no século XVIII, em que
se buscou destacar as raízes comuns do sânscrito, do grego e do latim. A partir daí, puderam ser criados mecanismos
identitários que aproximavam a Europa do Oriente “bom”, isto é, da Índia clássica ariana, e que a distinguiam do
Oriente “ruim”, semítico. Os “arianos”, neste quadro, ficavam confinados à Europa e a uma parte específica do
Oriente antigo. Sobre as evoluções da filologia enquanto ciência comparada e seu papel dentro do Orientalismo, cf.
Said (1990, p.87-107).
7
Schopenhauer é considerado o ponto de partida para a construção da imagem de um “Oriente místico” no Ocidente,
tendo se aproximado particularmente do hinduísmo e, dentro deste, das concepções do Vedanta. O filósofo alemão
considerava a Índia como a pátria da tolerância e da verdadeira metafísica, em contraste com a tradição judaico-
cristã, que acusava de fanatismo e de incompletude no sentido metafísico (Said, op. cit., 275-276).
16
por aqueles como uma decorrência de sua adequação a suas próprias idéias: “If it does not seem
too vain, I migth express the opinion that each one of the individual and disconnected aphorisms
which make up the Upanishads may be deduced from this thought I am going to impart, though
the converse - that my thougth is to be found in the Upanishads - is by no means the case”
(Versluis, 1993, p.22).
Este tipo de formulação nos serve de ponte para a introdução de um outro conjunto de
questões, ligadas à discussão sobre o que de fato está em jogo nestes encontros e apropriações do
“Oriente” pelo “Ocidente”. O que se busca reconhecer é até que ponto as tradições orientais,
quando acionadas no Ocidente, fornecerão elementos de fato novos para suas culturas, ou apenas
servirão de pretexto, como já apontamos, para o reforço de certos valores, não-hegemônicos em
geral, já presentes dentro delas8
.
Sem pretender me estender aqui sobre estas questões, mas tão somente indicar sua
importância, acho que merece registro o fato de que, sem dúvida, as apropriações românticas das
tradições hindus foram marcadas por esta tentativa de encontrar apoio para suas próprias
8
Uma boa introdução a este debate encontra-se em Campbell (1997). Neste artigo, o autor lança a idéia de que o
Ocidente encontra-se diante de um processo de orientalização, verificável tanto em termos da expansão de uma
teodiceia quanto de uma concepção imanentista da divindade caracteristicamente orientais, a seu ver. No entanto, ao
desenvolver o argumento, o autor deixa claro que, embora chame a estes traços de “orientais”, eles já estariam
presentes, na verdade, dentro de algumas correntes não hegemônicas do próprio pensamento ocidental, não tendo
alcançando, por isto, até então, um bom grau de visibilidade entre nós.
Nos termos do próprio Campbell:
“ (...) não se está afirmando que alguma dessas crenças [que ele chamou de “orientais”] seja realmente nova. Pois,
como a análise de Troeltsch sugere, a crença em uma força divina impessoal tem sida há muito tempo um
ingrediente da tradição cristã ocidental - embora se deva dizer que evidência em favor da reencarnação é mais difícil
de ser encontrada. O que é novo é o movimento dessas crenças de sua posição há muito tempo estabelecida enquanto
característica de grupos cúlticos ou excêntricos para a sua posição atual na vertente principal do credo. (...) Essa é
uma mudança significativa; não é tanto a aparição de novas crenças, mas sim a aceitação ampla de crenças que
anteriormente eram confinadas a uma minoria” (1997, p.16).
Assim, mesmo não sendo dominantes, estas direções culturais é que teriam aberto o caminho para a entrada e a
absorção das tradições orientais entre nós, com as diversas adaptações que acompanharam este processo.
Robert Bellah, a propósito de um outro aspecto das religiões orientais, parece defender ponto de vista semelhante:
“Embora essas crenças [na unidade de todos os seres, apregoada pelas religiões orientais] sejam diametralmente
opostas ao individualismo utilitário [marca central para ele da cultura norte-americana]  para o qual o indivíduo é
a realidade ontológica última  , há elementos na tradição cristã aos quais elas não se opõem totalmente. A teologia
cristã também se referia à unidade do ser e à necessidade de amar a todos os seres. O Novo Testamento fala da Igreja
como um corpo do qual todos nós somos membros. No entanto, o cristianismo tendeu a manter o dualismo último de
criador e criação, que as religões orientais suprimiram. Os místicos cristãos faziam às vezes afirmações
(consideradas heréticas) que expressavam a unidade última entre Deus e o homem, e, de uma forma mediatizada, a
unidade de Deus e o homem através de Cristo é uma crença ortodoxa. Não obstante, o cristianismo americano
raramente enfatizou o aspecto da tradição cristã que destacava a unidade mais do que a distinção entre o divino e o
humano, de tal modo que os ensinamentos orientais salientaram-se como amplamente divergentes” (1986, p.32).
17
formulações. Ao apontar problemas na interpretação de alguns termos religiosos orientais por
Nieztche e Schopenhauer, Versluis comenta que “the ways on which they interpreted Buddhist or
Hindu texts tell us considerably more about Schopenhauer, or Nietzche, than about the texts
themselves” (Ibid., p.23).
Este tipo de questão pode ser situado num debate mais amplo dentro da antropologia,
relacionando-se a uma problemática que atravessa, na verdade, todas as situações de contato
cultural. Falar do eles está sempre relacionado a um aprofundamento do conhecimento que temos
sobre nós mesmos. Se nos distinguimos do outro que estudamos, estudá-lo também é estudar a
quem estuda, o que faz com que, ao menos ao nível epistemológico, a separação entre nós/eles se
torne problematizada.9
Da mesma forma, a apropriação de tradições culturais que não são
originalmente as nossas parece apontar inevitavelmente para algum tipo de articulação com
questões já colocadas por nós.
No caso específico da aproximação do Romantismo com as religiosidades hindus,
parece não haver dúvida de que ocorre um processo deste tipo, sobretudo no que diz respeito à
identificação de um inner core nos indivíduos, conforme descrito no conceito simmeliano de
auto-cultivo. Esta noção parece ter estado na base do diálogo com religiosidades como a do
Siddha Yoga, apoiada em tradições que sustentam, da mesma forma, a idéia de que existe um
self, um centro interior, a ser alcançado. O reconhecimento deste ponto comum, contudo, não
deve induzir ao equívoco de uma identificação mais ampla entre as duas concepções, uma vez
que, em uma delas, o ser é apontado como algo divino, dado e imutável, enquanto que na outra
ele é passível de aperfeiçoamento, é processo, movimento.
O que talvez pudéssemos afirmar, então, e apenas isso, é que a reflexão sobre o
indivíduo trazida pelo Romantismo contribuiu de forma significativa para a possibilidade de
diálogo com as religiosidades hindus em que a idéia da existência de um self distinto do eu e a
busca de meios para atingí-lo são traços característicos10
. Além disto, o contraste estabelecido
entre iluminismo/universal e romantismo/particular, à mesma época, parece ter colocado em
9
Esta temática tem sido objeto de atenção especial por parte dos autores ligados à tradição reflexivista na
antropologia, estando particularmente bem explicitada em Geertz (1983).
10
A própria concepção de verdade religiosa no Romantismo, não como um dado objetivo mas como algo que existe
na subjetividade, conforme apontado por Reardon, sem dúvida conflui para as concepções que apoiam as técnicas de
18
destaque os dois pólos que fornecem a chave para a compreensão ocidental de um conceito
central em tradições hindus como a do Siddha Yoga, o de tat tvam asi (tu és isso)11
, em que o
micro se identifica com o macro, o atman com brahman.
Um outro ponto trazido pelo Romantismo que estará na base de sua “descoberta” das
tradições místicas hindus será a questão da valorização de elementos irracionais em detrimento
da via intelectual de conhecimento privilegiada dentro do iluminismo. A Lebensphilosophie
(filosofia da vida) “fica do lado do sentimento, do instinto, contra o intelecto; do lado dos
românticos e místicos contra os racionalistas; do lado do aristocratismo e dos homens geniais
contra o igualitarismo democrático e o filisteu” (Schmidt, 1945, p.247). Ou, conforme citação
feita por Campbell, o “romantismo é uma maneira de sentir, é um estado de espírito no qual a
sensibilité e a imaginação predominam sobre a razão; ele tende em direção ao novo, ao
individualismo, à revolta, ao escape, à melancolia, à fantasia”, sendo marcado também por uma
“insatisfação com o mundo contemporâneo, ansiedade incontrolável frente à vida, preferência
pelo estranho e curioso, pendor pelo sonho e pela fantasia, inclinação para o misticismo, e
celebração do irracional” (Campbell, 1995, p.181).
Neste sentido, o Oriente funcionou como o espaço ideal para o encontro do exótico e
do distante, e todas as suas tradições místicas como um campo fértil para a busca de mecanismos
outros, que não os da racionalidade, para o desenvolvimento de si: “the German poets had
recognized what later would become even clearer, that the Oriental traditions represented a
potencial alternative to the rationalism and constraints, the empirical blinders of the Enlightment”
(Versluis, op. cit., p.19).
Outras concepções românticas que serão potencializadas no encontro com o Oriente
serão a valorização da experiência, decorrente das concepções sobre a realidade única de cada
acesso à divindade nas tradições místicas hindus a partir da experiência individual (Reardon 1989, p.10, apud Luz,
1998, p.19).
11
Em seu artigo sobre as noções de pessoa e de “eu”, Mauss comenta que a Índia, a mais antiga civilização a ter
noção do indivíduo, de sua consciência, do “eu”, criou o conceito de ahamkara, ou “fabricação do eu”, a partir da
tradição revelada a seus rishis, os sábios videntes. A samkhya, escola que teria precedido o budismo, sustentou o
caráter composto das coisas e dos espíritos, considerando que o “eu” seria a coisa ilusória; o budismo, em sua fase
inicial, decretou que o “eu” era apenas um composto, divisível, a ser aniquilado no monge. As grandes escolas do
bramanismo dos Upanishads, anteriores à própria samkhya e também baseadas em conhecimentos revelados, é que
teriam reproduzido o diálogo de Vishnu mostrando a verdade a Arjuna, no Bhagavad Gita: “tat tvam asi” ou “tu és
isso” (o universo) (Mauss, 1973, p.225-226).
19
indivíduo e dos elementos que constituem sua história, e a recuperação dos ideais de
comunidade, que examinaremos com maior detalhe em outros momentos deste trabalho.
Apropriações do Oriente durante o Transcedentalismo
Na esteira das apropriações românticas do Oriente de interesse direto para nosso
trabalho, estará o surgimento, ainda na primeira metade do século XIX, do Transcendentalismo,
nos Estados Unidos, movimento literário grandemente influenciado pelos poetas e filósofos
alemães e ingleses daquela tradição. Mantendo-se na mesma linha de uma apropriação textual do
Oriente, seus dois principais representantes e responsáveis pelo surgimento do movimento,
Emerson e Thoreau, beneficiaram-se igualmente das primeiras traduções dos textos sagrados
orientais, que colocaram à disposição do público de língua inglesa, já nos finais do século XVIII,
alguns dos textos centrais da tradição hindu.
O encontro do Oriente dentro do Transcendentalismo representou uma contestação às
ortodoxias no campo religioso, abrindo as portas nos Estados Unidos para um tipo de postura
pluralista inédita até aquele momento12
. Pela primeira vez foram reconhecidas como legítimas
naquele país outras fontes de inspiração religiosa, fora da tradição judaico-cristão. Todas as
religiões, dentro desta visão, teriam valor idêntico, refletindo de formas diferentes uma única e
mesma realidade transcendente, algo já colocado pelos idealistas alemães. Na síntese feita por
Versluis:
“...positive Orientalism really is part of the larger American struggle for
religious and cultural pluralism in a nation that is often self-identified with
Judeo-Chistianity alone. In this movement toward religious and cultural
pluralism, Trancendentalism played a significant role, as it appeared just when
the Western world, and especially the United States, was learning about
traditions other than the Judeo-Chiristian. Transcendentalism, then, represents a
transition from the outright rejection of Asian religions to the pluralist
acceptance of them in America. The efforts of the Transcendentalists,
conditioned as they often were by the tenor of their times, opened the way to
12
O interesse pelo Oriente nos Estados Unidos acompanhou de perto o que se verficou na Europa, onde se formaram
diversos scholars americanos, sobretudo na Alemanha. A American Oriental Society foi fundada em 1842. Nas
décadas de 1880 e 1890, iniciaram-se os estudos de religião comparada na maioria das universidades americanas. A
perspectiva universalista dos Unitarianistas norte-americanos também contribuiu para a divulgação do Oriente
naquele país, através da publicação de livros no último quartel do século XIX defendendo a veracidade de todas as
religiões (Jackson, 1994, p.9-11).
20
the publication of Asian writers and to the rooting of Asian traditions in
America” (Ibid., p.166).
Que não se suponha, contudo, que esta “descoberta” do Oriente, e, mais
marcadamente, dos textos hindus, que despertaram um interesse mais direto de Emerson e
Thoreau, representou a entrada em um campo de idéias inteiramente novo para o pensamento
americano. Mais uma vez aqui, se faz necessário chamar atenção para o fato de que o Oriente que
se “descobre” é aquele que conflui para todo um tipo de reflexão já estabelecida anteriormente
dentro das próprias tradições ocidentais. Neste sentido, a novidade de Emerson e Thoreau estaria
no fato de que foi com eles que se viu pela primeira vez “a serious attempt at conjoining Asian
philosophical and religious teachings in Hinduism and Buddhism, and Western thougth”,
inaugurando um novo tipo de sincretismo (Id., p.36).
Neste texto de 1852, William Channing descreve da seguinte forma o
Transcendentalismo: “In part it was a reaction against Puritan Ortodhoxy; in part, an effect of
renewed study of (...) Oriental Pantheists, of Plato and the alexandrians, of Plutarch’s morals,
Seneca and Epictetus (...)” (Versluis, op.cit.., p.6). Considera-se assim a descoberta dos textos
orientais, iniciada nos anos 1840, sobretudo em Emerson, coetânea a um interesse pelos textos
platônicos e neo-platônicos que teriam, segundo a avaliação de muitos estudiosos, diversos
pontos de contato com os ensinamentos budistas e do Vedanta (Id., p.7). Mais uma vez aqui,
Oriente e Ocidente parecem ter se aproximado por suas semelhanças, e não por suas diferenças.
O interesse específico de Emerson por duas das três vias para a liberação
apresentadas na Bhagavad Gita - a do trabalho (karma ioga) e a do conhecimento (jnana ioga),
em detrimento da via da devoção (bhakti ioga) - parece confluir para a questão do intelectualismo
que marca estas primeiras aproximações do pensamento ocidental com o Oriente. A via do
trabalho é associada por Emerson à moral, e a da gnosis à iluminação. Conforme apontado por
Versluis, estas duas vias encontrariam um paralelo dentro da tradição mística cristã, sob a forma
da via positiva, ou a do caminho ativo, do trabalho, e a da via negativa, restrita à contemplação.
A via negativa incluiria e transcenderia a positiva, da mesma forma que a jnana ioga incluiria e
transcenderia a karma ioga (Id., p.56).
Este registro é importante por colocar em destaque o fato já apontado de que nestas
apropriações do Oriente o que muitas vezes está em jogo é encontrar apoio em outras tradições
21
para elementos já presentes em certas correntes do pensamento ocidental, mas que não fazem
parte do mainstream dominante, como no caso das vias místicas dentro do cristianismo, com
muito pouca visibilidade, àquela época, frente às suas correntes mais ascéticas. Neste sentido, os
Transcendentalistas não inovaram, isto é, como todos os europeus que basearam seu orientalismo
apenas em textos, “[they’ve] interpreted Asian religious texts according to their particular bent.
Emerson and Thoreau abstracted, Johnson and Frotingham universalized, and others
Christianized” (Id., p.4).
A informação de que o interesse dos Transcendentalistas pelas religiões asiáticas
esteve relacionado à perspectiva de algumas heresias cristãs em relação ao calvinismo ortodoxo,
esclarece, neste caso específico, que tipo de corrente não hegemônica do pensamento cristão foi
apoiada pela apropriação de tradições orientais. Assim:
“(...) the Transcendentalist interest in Asian religions derived substancially
from the Unitarian affirmation of what from the orthodox Calvinist perspective
were Socinian, Arian, Pelagian, and Arminian heresies. The Socinian and Arian
heresies  which held that Christ was not fully divine (...)  opened the way
for Transcendentalists to affirm that Christ was not the only way to salvation,
that Hinduism, Buddhism, and other world religions also were divine
revelations. The Arminian and Pelagian heresies  wich denied predestination
and held that people could improve themselves and work toward salvation 
allowed the Transcendentalists to become interested in Hinduism, Buddhism,
and other world religions that also affirm that we must work out our salvation
for ourselves” (Id., p.6).
Embora o contato de Emerson e Thoreau com as religiões orientais tenha ficado
restrito à via textual, vale salientar, contudo, uma diferença importante entre ambos, sobretudo se
levarmos em conta os desenvolvimentos posteriores da apropriação ocidental do Oriente, que
passaria a se pautar por uma valorização da experiência, em todos os níveis. Neste sentido,
enquanto Emerson parece ter tido como meta principal “a conversion to a literary religion that
fuses all the world’s religion scriptures” (Id., p. 76), Thoreau, antecipando o acento na
experiência que se verificaria depois, “tried to live by what he had read and reconized as
perennial truth” (Id., p.79), conforme pode ser verificado através das práticas que descreve em
Walden.
Apropriações do Oriente pelas tradições esotéricas e ocultistas ocidentais
22
O terceiro movimento na confluência entre Oriente e Ocidente de interesse para este
trabalho reúne as tradições ocultistas e esotéricas ocidentais, e diz respeito, na verdade, a toda
uma série de momentos de contestação às ortodoxias cristãs em que foram buscados caminhos
alternativos de contato com o sobrenatural. Estes movimentos, localizados em sua grande maioria
após a Renascença, oferecem muitas vezes o elo para que se possa entender o espaço que o
Oriente conquistou dentro do pensamento ocidental a partir do século XVIII. Ao explicar as
correspondências encontradas entre o pensamento romântico de Novalis e os Upanishades, René
Gérard formula esta questão de forma clara, fazendo-nos retornar às raízes acima mencionadas:
“L’obscure correspondance entre Novalis et les Oupanichads ne s’éclaire que si
l’on cesse de vouloir l’expliquer par l’influence de l’Orient redécouvert à la fin
du dix huitième siècle, et si l’on fait appel à cette influence indirecte qui n’a
jamais cessé de s’exercer d’Est en Ouest à travers le néoplatonisme, les
mystiques et illuminés de la Renaissance, aux ères des grandes négations
religieuses. Or, jamais depuis la Renaissance l’occultisme n’a fleuri comme en
cette fin du dix-huitième siècle. Affleurant dans le martinisme, le
swedenborgisme, le hernhutisme de Zizendorf, le rose-crucisme et une
multitude de loges plus ou moins illuminées, grossi par les adeptes du
magnétisme animal, de l’hypnotisme, de somnambulisme, de la télépathie et
autres phénomènes ‘miraculeux’ tenus pour spirituels, soutenu par tous les
mouvements milénaristes qui annonçaient une nouvelle révelation, un nouvel
âge d’or, l’occultisme déferle sur le pré-romantisme, touche tous les milieux et
dépose dans l’élite (...) une réserve de ferments mystiques que le romantisme
sera long à epuiser” (apud Versluis, op. cit., p.21).
Este contato com o Oriente nunca interrompido pela tradição ocultista será
revivificado na segunda metade do século XIX com a criação da SociedadeTeosófica13
, em 1875,
por Helena Blavatsky e Henry Olcott, atualizando um interesse pelo Oriente enquanto
propiciador de um contato com o extraordinário e o sobrenatural fora dos quadros da religião
cristã dominante.
13
Pode-se dizer que a teosofia teve origem no Ocidente com Pitágoras, tendo sido elaborada posteriormente por
figuras como Platão e Plotino bem como pelo movimento neoplatônico de Alexandria, reconhecendo-se suas
afinidades com as tradições gnósticas e cabalísticas e com o sufismo islâmico. Na Europa, ela reapareceu
intermitentemente sob diferentes rótulos: nas doutrinas alquímicas e herméticas e em fraternidades como a Franco-
Maçonaria e o Movimento Rosacruz. No período moderno como um todo, o termo teosofia é associado a figuras
23
Segundo Needleman, tanto o ocultismo, em suas diversas variantes, quanto as
religiões orientais, apresentariam maiores recursos de linguagem para introduzir a questão do self
 isto é, de uma instância internalizada, por vezes sacralizada, do eu  para um público
secularizado. A observação de Needleman nos parece importante por indicar que a temática do
self não é de modo algum estranha à tradição judaico-cristã, dando-nos uma pista para a
compreensão das razões que explicam porque é que este elemento não foi acionado, apesar disto,
a partir daquela tradição. Assim:
“The religious traditions of the West have been of little help in supporting or
deepening this quest for self-knowledge initiated by the development of
scientific psychology. Although the spirituality of the Western religions
contains a profound knowledge of the self, these traditions have on the whole
been unable to comunicate this knowledge in a language and under conditions
that can be accepted by the contemporary secularized seeker” (1995, p.xxiv).
Assim, sem negar que a tradição cristã conhecesse a questão do self, considera que,
por uma deficiência de linguagem, ela não pode apoiar a reflexividade  entendida aqui como a
busca de autoconhecimento. Neste sentido, o que muitas espiritualidades esotéricas parecem ter
propiciado foi “an approach to self-knowledge separable from prior acceptance of a system of
religious belief and moralism” (Ibid., p. xxiv).
O renascimento da tradição ocultista representado pela criação da Sociedade
Teosófica significou também uma capacidade de convivência com o pensamento científico da
época, o que, naquele momento, ainda representava um sério problema para o campo religioso
cristão. Segundo Needleman, os ensinamentos esotéricos, na verdade, “give to the faculties of
knowing, imagination, observation, and speculation places these [esoteric] movements, at least as
regards their overall tone and atmosphere, closer to the modern scientific temperament than to the
religions of faith, trust, and hope that have on the whole defined Western religious culture”. (Ibid,
p.xxiii).
A Sociedade Teosófica, cujos desdobramentos se estenderam à própria Índia, para
onde deslocou sua sede em 1882, inaugurou um fenômeno que ganharia expressão
como Meister Eckart, Giordano Bruno, Emanuel Swedenborg e Jacob Boheme. O Movimento Teosófico a que nos
referimos neste capítulo é o criado no final do século XIX por Helena Blavatsky (Sellon , Weber, 1995, p.311- 312).
24
posteriormente, o da formação de mestres ocidentais nas tradições orientais. Embora os textos
que compuseram o cânone da Sociedade tenham sido produzidos pela própria Helena Blavatsky,
o que foi motivo de polêmicas e acusações contra ela, nas quais foi questionada a forma
“revelada” sob a qual teriam sido transmitidos, seu conteúdo misturou influências de diversas
escolas do pensamento filosófico e religioso hindu14
, contribuindo assim para a difusão das
tradições orientais que preparou o terreno para a representação de si mesmos de que trataremos
no próximo ítem.
Ainda dentro da tradição ocultista, Réné Guénon (1896-1951), já na primeira metade
do século XX, foi uma figura importante no que diz respeito à divulgação do hinduísmo, apesar
de ter sofrido, da mesma forma que Helena Blavatsky, acusações que colocavam em dúvida a
confiabilidade de seus conhecimentos15
. O interesse de Guénon, contudo, para além deste tipo de
discussão sobre sua obra, nos parece residir na forma como as religiosidades orientais foram
absorvidas por ele, fornecendo-nos, mais uma vez, um exemplo de que a busca do Oriente
empreendida pelo Ocidente nos dá elementos para desvendar sobretudo o imaginário do próprio
Ocidente. Assim, após anos de contato com as tradições taoístas, hinduístas e sufistas16
, a
concepção apresentada por Guénon sobre realização espiritual, estará eivada de princípios
14
Em que pesem as polêmicas em torno da autenticidade dos ensinamentos difundidos pela Sociedade Teosófica,
sua atuação foi importante não apenas pelo tipo de aproximação positiva com o Oriente que vem sendo objeto de
nossa atenção, mas também pelo papel que desempenhou no que diz respeito ao fortalecimento de tradições orientais
dentro do próprio Oriente. Neste sentido, destacamos a atuação de Henry Olcott (1832-1907), co-fundador da
Sociedade com Blavatsky (1831-1891), na recuperação da tradição budista no Ceilão (atual Sri Lanka) por meio do
estabelecimento de escolas e universidades budistas no país a partir de 1880 (Sellon e Weber 1995:316); e as
atividades na Índia de Annie Besant (1847-1933), também seguidora da Sociedade, que fundou em 1898 uma de
suas mais importantes universidades, a Benares Hindu University, com o intuito de contribuir para a recuperação do
hinduísmo clássico, que considerava ideal em matéria de religião. O reconhecimento de Besant nos meios hindus
pode ser avaliado pelo fato de que sua militância em favor da independência da Índia levou-a a presidir o Indian
National Congress durante algum tempo. (Varrene, op. cit., p.278).
15
Os meios acadêmicos franceses sempre tiveram uma relação tensa com Guénon e sua obra, considerando-a ela
própria uma nova forma de ocultismo, sobretudo pela ausência de referências confiáveis em relação às fontes
utilizadas. Um bom exemplo disto foi a recusa, em 1921, de seu livro Introduction générale à l’étude des doctrines
hindoues para obtenção de grau acadêmico na Sorbonne (Borella, 1995, p.333-335). Apesar disto, seu
reconhecimento nestes mesmos meios acabaria por ocorrer de forma indireta, posteriormente, através da influência
que seu trabalho iria exercer sobre um dos principais estudiosos do hinduísmo na França, na segunda metade do
século XX, o sociólogo Louis Dumont (ver a este respeito Lardinois, 1995). Além do já mencionado Introduction
génerale... Guénon também publicou outros dois livros sobre o hinduísmo L’homme et son devenir selon le Vedânta
e Études sur l’Hindouisme (Feuga, Michaël, 1998, p.121).
16
A educação de Guénon em sua infância e adolescência na França incluiu estudos sobre estas três tradições. Ao
longo de sua vida, contudo, ele faria uma opção definitiva pelo sufismo, ao qual foi iniciado em 1912, o que
certamente influenciou sua decisão de tornar-se cidadão egípcio, em 1949 (Rawlinson, 1998, p. 71 e Borella, op.
cit.., p. 334).
25
claramente esboçados durante o romantismo. Para ele, o principal objetivo da evolução espiritual
seria “to lead one to the attainment of one’s true destiny, namely, one’s real unification with
one’s own essence: ‘become what you are’, which assumes that now we are not and that modern
individuals ‘remain outside’ of their essences, which is precisely the meaning of the word
existence (from ex-sistere, ‘remain out of’)” (Borella, 1995, p.346).
Poderíamos então avançar, como marco cronológico tentativo para a retomada de
contatos entre Oriente e Ocidente ocorrido sob a égide da expansão imperialista, um primeiro
momento, situado entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XX, em que a
imagem construída do Oriente esteve  para além de todas os empreendimentos examinados por
Said, de constituição do Oriente como um outro a ser dominado  amplamente referida ao
ideário romântico, no qual a construção do self e todos os temas interconectados a ela, como o da
interioridade, singularidade e perfectibilidade, receberão grande destaque. Estes temas, ao serem
cruzados com os da religiosidade e da espiritualidade, fornecerão pistas importantes para a
compreensão dos novos movimentos religiosos que se afirmarão no Ocidente a partir da segunda
metade do século XX, quando deixarão de ser objeto de interesse apenas de uma elite para
alcançar segmentos quantitativamente muito mais expressivos da população.
1.2) A “representação de si mesmos”
A resposta a estas apropriações do Oriente realizadas pelo Ocidente desde finais do
século XVIII só iria se iniciar em finais do século XIX a partir do Parlamento Mundial das
Religiões, realizado em Chicago, em 189317
. Neste, destacaram-se as participações de Swami
Vivekananda e de Soyen Shaku, cujo impacto possibilitou, respectivamente, a instalação das
primeiras Sociedades Vedanta e centros de Zen Budismo nos Estados Unidos, inaugurando-se um
novo momento de contato entre Oriente e Ocidente. Esta nova fase foi marcada pela passagem de
17
O Parlamento Mundial das Religiões, realizado paralelamente à Exposição Universal de 1893, foi uma iniciativa
de correntes liberais protestantes dos Estados Unidos, em que se buscou a participação de porta vozes das principais
religiões mundiais para falar. O evento, ainda que repudiado pelos grupos religiosos mais ortodoxos tanto da Europa
quanto dos Estados Unidos, representou um estímulo importante para o prosseguimento dos estudos de religião
comparada nos meios universitários daqueles países e para a continuação da publicação de traduções de textos
orientais (Ellwood, 1987, p.20). Recentemente, o Parlamento tem sido avaliado como um marco do fim do
triunfalismo protestante na América, e da afirmação da perspectiva religiosa pluralista que ganhou corpo naquele
país ao longo do século XX (Cf. Seager, 1995).
26
uma relação textual18
, empreendida por Românticos, Transcendentalistas e Ocultistas, para uma
relação prática, possibilitada pela instalação das primeiras instituições dirigidas por mestres
orientais voltadas para o ensino de suas religiões para devotos e discípulos ocidentais19
.
A construção de imagens do Ocidente pelo Oriente
A atuação de representantes do campo religioso teve importância estratégica no
percurso realizado para contrapor às imagens criadas para fortalecer e justificar a dominação do
Oriente pelo Ocidente uma imagem positiva do Oriente. Conforme já apontamos, este esforço
encontrou apoio dentro de algumas vertentes do próprio pensamento ocidental, e mesmo da
produção classificada como orientalista. O que nos interessa destacar agora, contudo, é que esta
“representação de si mesmos”, cujo início estamos localizando no século XIX, trouxe consigo a
construção, desta vez pelo Oriente, de um conjunto de imagens do Ocidente, mostrando que esta
clivagem Oriente/Ocidente não ficou restrita a processos simbólicos apenas do Ocidente.
Neste conjunto, destacava-se a visão sobre o materialismo ocidental em oposição à
espiritualidade do Oriente, em geral, e da Índia, em particular. Vivekananda acreditava que as
lideranças hindus não deveriam titubear em utilizar-se destas diferenças em benefício de ambos
os lados: “You must go out and exchange our spirituality for anything they have to give us; for
the marvels of the region of Spirit we will exchange the marvels of the region of matter” (apud
McKean, 1996, p.282) . A Índia é vista, assim, como tendo a missão de curar a civilização
ocidental dos males do materialismo.
18
Uma exceção notável a esta postura textual que preveleceu nas apropriações do Oriente realizadas ao longo do
século XIX, foi Richard Francis Burton (1821-1890). Este inglês, que falava mais de vinte línguas e fez uma das
primeiras versões para o inglês das Mil e Uma Noites e do Kama Sutra, teve uma vivência profunda e pessoal do
islamismo, convertendo-se ao sufismo. Burton, primeiro ocidental a fazer uma peregrinação à Meca, pode ser visto
como um precursor das viagens iniciáticas para o Oriente, vendo a si mesmo como um peregrino, a quem “poucas
coisas importavam além do objetivo místico”, incorporando assim em sua própria vida uma das metas centrais do
Mantiq ut-tayr, principal épico sufista (Rice, 1990, p.469).
19
No caso do zen japonês, foi a participação de Soyen Sahku no Parlamento Mundial das Religiões que ensejou a
ida para os Estados Unidos de seu aluno D. T. Suzuki, figura decisiva para a difusão do zen no Ocidente. Em 1896,
Soyen organizou uma conferência que reuniu cristãos e budistas no Japão e foi outro de seus discípulos, Sasaki
Shigemitsu, que estabeleceu, em 1930, a primeira Sociedade Budista da América, mais tarde conhecida como o First
Zen Institute of New York (Ellwood, op, cit., p.21-22).
27
Esta dualidade entre os dois hemisférios permaneceu presente nas avaliações de
outros renunciantes hindus que seguiram a trilha aberta por Vivekananda em direção ao
Ocidente, constituindo a Índia como sua antítese :
“Brahman is the only reality in India, matter is the only reality in the West; self-
realization is the ultimate goal in India, power and domination are the ultimate
goals in the West; Indians pursues happiness through self-restrain, Westeners
pursue pleasure through self-indulgence; renunciation brings joy to Indians,
possession brings joy to Westeners; nonviolence is the Indian ideal, killing and
conquest is the Western ideal” (Swami Sivananda, apud McKean, op. cit., p.
167)20
.
Estas avaliações parecem reproduzir o mesmo procedimento essencialista utilizado
pelo discurso orientalista, só que, agora, no caminho inverso. Contudo, no caso do hinduísmo,
veremos que a construção que se fará do outro para afirmar a própria identidade, longe de
simplesmente apresentá-lo como uma negação, implicará também em uma série de negociações
de que farão parte tanto a adoção de valores deste outro quanto a flexibilização de alguns de seus
valores próprios, criando-se assim, na tentativa de recuperar uma identidade anterior ao contato
colonial com o Ocidente, uma identidade na verdade nova, por distinguir-se do outro ao mesmo
tempo em que incorporando alguns de seus valores e procedimentos. A “resposta” do Oriente às
imagens que lhe foram atribuídas pelo Ocidente, no caso hindu que estamos analisando, surgiu,
portanto, eivada de complexidade; não bastou negar o Ocidente para afirmar-se, foi preciso
também incorporar seus traços, apropriar-se de seus procedimentos.
Podemos apresentar como exemplo deste fenômeno as primeiras incorporações de
uma postura missionária dentro do hinduísmo, inspiradas em grande parte nas experiências que
cristãos e muçulmanos estabeleceram na Índia, e que se constituiram como resposta a estas; a
absorção de mecanismos de gestão e de comunicação tipicamante ocidentais por parte de grupos
sectários indianos com atuação dentro e fora da Índia; a atuação destes movimentos sectários na
sociedade através de atividades de assistência social calcadas em modelos tipicamente ocidentais;
e a integração de figuras (santos) cristãs e muçulmanas à tradição hindu, buscando afirmar um
caráter universalista através deste procedimento. Este último elemento parece ter desempenhado
20
Swami Sivananda foi o fundador da Divine Life Society, movimento criado em 1937, em Rishikesh, que se
expandiu para o Ocidente no final da década de 1950.
28
um papel decisivo naquilo que poderíamos considerar como uma das estratégias de expansão de
uma religião que, contudo, formalmente, não admitia praticar o proselitismo21
.
A Renascença Hindu e a Missão Ramakrishna
O movimento Ramakrishna, responsável pela inauguração da representação de si
mesmos hindu no Ocidente, teve diversos de seus líderes, a começar por Swami Vivekananda,
ligados ao Brahmo Samaj, associação política com atuação decisiva na assim chamada
“renascença hindu”. A atuação de Vivekananda no Parlamento Mundial da Religiões, inscreveu-
se numa perspectiva de responder e contrapor-se à imagem difundida no Ocidente sobre a Índia,
sobretudo pelos missionários cristãos, fortalecendo uma identidade que estava necessitando ser
restaurada dentro da própria Índia naquele momento. Fazê-lo, contudo, implicou,
paradoxalmente, na necessidade de empreender algumas adaptações, conforme apontamos, na
21
A presença do proselitismo dentro das tradições hindus, em que pese esta auto-imagem de neutralidade religiosa,
esteve presente na Índia pelo menos desde o final do séc. XIX, quando a introdução da prática do suddhi, ritual de
purificação originariamente destinado aos brâmanes, passou a ser usada como meio de (re) conversão ao hinduísmo
de cristãos e muçulmanos. No que diz respeito aos estrangeiros, a questão do proselitismo e da conversão ao
hinduísmo, não se colocaria, ao menos teoricamente, por entrar em conflito com a própria concepção do que é ser
hindu, algo que remete a um sistema não apenas religioso, mas socio-religioso, estando associado apenas a quem
nasce na Índia. Assim, conforme explicação de Hulin e Kapani:
... “ce qu’on appelle l’hindouisme (mot crée par les anglais vers 1830) ne correspond pas à un domaine séparé de la
vie sociale, comme c’est le cas pour la religion de nos jours en Occident. L’hindouisme est essentiellement et
indissolublement un système socio-religieux. Le mot retenu en sanskrit (...) est dharma ce qui, sans contredire l’idée
de religion, signifie plus précisement le fondement cosmique et social, la norme régulatrice de la vie. Il s’agit d’une
loi immanente à la nature des choses, inscrite à la fois dans la société au fond de chacun de nous. Poser à un hindoue
la question: ‘Quelle est votre réligion?’ revient donc à lui demander: ‘Quel est votre way of life?’Plus complètement,
en effet, c’est le mot composé varna-asrama-dharma qui définit le contenu de la religion hindoue, c’est à dire, outre
la morale générale (sadharana-dharma), les devoirs particuliers qui incombent à chacun en fonction de son
appartenance à telle ou telle classe sociale, en fonction de l’étape ou stade de vie où il se trouve et, bien entendu, de
son âge et de son sexe” (1993, p.375).
Contudo, no caso dos estrangeiros em busca de iniciação religiosa através das seitas hindus, a questão se coloca de
uma outra maneira:
“Un étranger, né des parents non hindoues, ne peut évidemment entrer dans ce système socio-religieux. Il ne le
demande d’ailleurs pas. Ce qui l’interèsse, c’est l’accès aux ashram, aux guru. C’est de devenir lui-même un
renonçant, un sannyasin, un guru. Ici la voie est parfaitement tracée: celle-là même qui suivent ceux des hindoues
qui ont renoncé à la vie familiale, avec les droits et devoirs qu’elle comporte, et sont devenus des ‘morts sociaux’,
aus sens de Louis Dumont.
Cela nous permet de clarifier la question du prosélytisme. A l’intérieur du système, elle ne se pose même pas. En
revanche, dans le cadre du renoncement, certains sadhu ou leurs émules occidentaux peuvent avoir une activité
missionaire. C’est le cas de la célèbre Ramakrishna Mission, fondée par Vivekananda, de Maharishi Mahesh Yogi et
de sa ‘méditation transcedentale’, de Sivananda, Yogananda et de nombres d’autres guru, authentiques ou non, dont
on entend parler en Occident” (Id., p.387).
29
própria identidade. Neste sentido, vale registrar que os indivíduos que levaram a cabo a tarefa de
modificar as bases do diálogo com o Ocidente, possuíam geralmente uma sólida formação nas
principais tradições filosóficas e religiosas ocidentais.
A representação de si mesmos levada a cabo pelos hindus dentro da própria Índia
implicou também na reelaboração de sua identidade em termos que incorporaram elementos
modernizantes em detrimento de tradições mais ortodoxas, como a queimação de viúvas e o
casamento de crianças. Considera-se que estas modificações foram decorrentes da absorção de
críticas ocidentais a estes procedimentos por parte das elites hindus que receberam educação em
escolas cristãs durante a dominação britânica.
Estas modernizações não impediram, contudo, que os grupos sectários que se
deslocaram para o Ocidente assumissem um duplo papel a partir de então, prestando-se,
internamente, à afirmação da tradição religiosa, mesmo que com algumas reformas, enquanto
que, no Ocidente, tornaram-se instrumento da destradicionalização no campo religioso. Foi este o
caso da Missão Ramakrishna.
A Missão Ramakrishna pode ser vista como paradigmática dos movimentos sectários
hindus que tentaram se implantar no Ocidente com o objetivo específico de atingir um público
ocidental. O movimento, liderado por Vivekananda22
, foi o primeiro a fazê-lo, conseguindo
manter-se até hoje e firmando um modelo de expansão adotado por diversos dos movimentos que
lhe sucederam. Este modelo incluía a manutenção de centros tanto nos Estados Unidos quanto na
Índia23
, a possibilidade de ordenação de monges ocidentais e o partilhamento da gestão dos
centros no Ocidente com devotos ocidentais, ainda que geralmente sob a liderança de monges
hindus24
.
22
A Missão Ramakrishna foi criada por Swami Vivekananda (1863-1902) em 1898, dois anos após a morte de
Ramakrishna (1837-1896). Com sede estabelecida em Belur Math, mosteiro às margens do Ganges, próximo a
Calcutá, a Missão tinha como duplo objetivo a salvação individual e a doação de comida, educação e sabedoria
espiritual para o povo. Esta perspectiva humanitária, de reforma social, introduzida por Vivekananda, contrariava a
visão de muitos monges do movimento, que viam a auto-realização como único objetivo a ser buscado pelos
devotos. (Jackson, 1994, p.31-32).
23
Praticamente todos os grupos que se deslocaram posteriormente para o Ocidente mantiveram sedes na Índia, como
o próprio Siddha Yoga, o Movimento Hare Krishna, a Divine Life Society e a Self Realization Fellowship.
24
O Movimento Ramakrishna vivenciou alguns momentos de tensão nos Estados Unidos justamente em torno desta
questão, uma vez que as lideranças do movimento na Índia recusaram-se a aceitar a indicação de discípulos
ocidentais para a direção das Sociedades Vedanta nos Estados Unidos. O problema explicitou-se claramente por
ocasião da substituição de Swami Paramananda, falecido em 1940, quando duas monjas norte-americanas, Gayatri
30
Ramakrishna desprezava as distinções de casta e considerava sua doutrina, baseada
nos princípios do advaita vedanta25
, como igualmente válida para cristãos e muçulmanos, sem
que estes tivessem que passar por nenhum tipo de conversão ao hinduísmo: “No discutáis sobre
las doctrinas y las religiones. No hay más que una. Todos los ríos van al océano... La gran
corriente de agua traza a lo largo de la pendiente, según las razas, las edades y las almas, un lecho
diferente; el agua es siempre la misma...” (apud Varrene, 1993, p.261).
Embora Vivekananda tivesse seguido de perto os ensinamentos de Ramakrishna,
diferenças significativas apresentavam-se entre ambos. Segundo Jackson, Ramakrishna, oriundo
de uma família camponesa da região de Bengala, podia ser considerado um representante da
“velha Índia”, dos valores da sociedade camponesa mística e tradicionalista, voltado para a busca
interior de Deus, ao passo que Vivekananda, pertencente à classe média de Calcutá, advogado,
educado em colégios de missionários cristãos, representaria a “Nova Índia”, os valores da
sociedade urbana e uma perspectiva que associava ao misticismo tradicional a necessidade de
reformas na sociedade hindu, encarando a religião como um meio de atuação também sobre a
realidade externa. (Jackson, 1994, p.22)
Neste sentido, Vivekananda aparece como uma figura central para a mediação entre
estes dois mundos, e, de certa forma, paradigmático de um certo tipo de junção entre Oriente e
Ocidente, por reunir em sua pessoa concepções tidas como típicas dos dois mundos. A explicação
de Jackson sobre o significado do “vedanta prático” pregado por Vivekananda é bastante
esclarecedora neste sentido:
“He sometimes spoke of his message as ‘practical Vedanta’, an apt description
in the sense that he advocated both individual enlightment and social reform. A
rising number of Indians favored social reform and many more proclaimed
themselves Vedantists, but few nineteenth-century Indians championed both
social reform and Vedantism. (...) At the very least, his education and years in
the West helped clarify and mold his ideas concerning social reform” (Ibid.,
p.31).
Devi e Sister Daya, foram impedidas de substituí-lo na chefia dos centros de Boston e Los Angeles (Jackson, op.
cit., p.64).
25
O advaita vedanta é a principal escola do Vedanta, fundada por Shankara no séc. IX dc. Esta escola, não-dualista,
baseou seus ensinamentos na seleção de 14 Upanishades produzidos entre os séculos VIII e VI a.c., de onde foi
retirada a célebre frase tat tvam asi (“tu és isso”). Os Upanishades são considerados os últimos Vedas, significado do
termo “Vedanta”. Os primeiros hinos védicos remontariam a cerca de 1500 a.c.
31
A atuação de Swami Vivekananda no Parlamento Mundial das Religiões
No Parlamento Mundial das Religiões, seu discurso, reproduzido na íntegra em
Ellwood (1987, p.51-61), apresentou um conjunto de questões voltadas para o esclarecimento do
que seria o hinduísmo, cujo alvo principal são as interpretações correntes deste realizadas no
Ocidente, sobretudo pelas correntes cristãs. O hinduísmo é difinido em seu discurso como uma
tradição multifacetada, dentro da qual diversos tipos de religiosidade teriam expressão. Ao invés
desta pluralidade ser vista como fraqueza, algo muitas vezes colocado por seus críticos, ela é
apresentada como um sinal de flexibilidade: “From the high spiritual flights of philosophy (...),
from the atheism of Jains to the low ideas of idolatry and the multifarious mythologies, each and
all have a place in the Hindu’s religion” (Ibid., p. 51).
Sua ênfase recai em seguida na explicação sobre as revelações contidas nos Vedas,
particularmente no que diz respeito à doutrina do karma, cuja evidência é afirmada a partir da
possibilidade de acesso a níveis mais profundos de consciência, atingidos por mestres espirituais
(os rishis), nos quais se encontrariam os traços de vidas passadas.
Vivekananda se preocupa também em contrastar os princípios desta doutrina com o
cristianismo, salientando como diferença importante entre ambos a inexistência da noção de
pecado entre os hindus, uma vez que todo ser humano é visto como dotado de uma alma divina,
que constitui o cerne de sua identidade e aquilo que torna a todos “the sharers of immortal bliss,
holy and perfect beings”. Assim, comenta: “Ye divinities on earth sinners? It’s a sin to call a man
so. (...) You are souls immortal, spirits free and blest and eternal; ye are not matter, ye are not
bodies. Matter is your servant, not you the servant of matter” (Id., p.55).
Outro ponto que também se presta a um contraponto com o cristianismo, embora este
não seja mencionado diretamente, é o da convergência das concepções hindus com as posições da
ciência, não havendo nenhum impasse a ser resolvido entre ambos: “Manifestation and not
creation is the word of science of today, and the Hindu is only glad that what he has cherished in
his bosom for ages is going to be taught in more forcible language and with further light by the
latest conclusions of science” (Id., p.58).
32
A explicação sobre a bhakti (devoção) como um fim em si mesmo, independente das
expectativas de recompensa neste ou em outro mundo, procura recuperar a idéia do amor
incondicional a deus como um ítem indispensável no percurso espiritual.
Em seguida, destaca a questão da experiência como elemento central na tradição
hindu, em oposição à ênfase em aspectos doutrinários: “this is the very center, the very vital
conception of Hinduism. The Hindu does not want to live upon words and theories; if there are
existences beyond the ordinary sensual existence, he wants to come face to face with them” (Id.,
p.56).
Apesar da ressalva inicial em relação à variedade de tradições englobadas pelo termo
hinduísmo, Vivekananda propõe à certa altura uma definição geral sobre o que seria a religião
dos hindus, apresentando-a como “a constant struggle to become perfect, to become divine, to
reach god and see God, and in this reaching God, seeing God, becoming perfect, even as the
Father in heaven is perfect, consists the religion of the hindus” (Id., p.56). Esta noção de
perfectibilidade, que parece aproximar-se da noção de perfectibilidade valorizada no Ocidente a
partir do movimento Romântico, aparece entretanto claramente associada aqui à idéia de chegar a
Deus, contrastando assim com a idéia romântica de que a perfectibilidade é um anseio que faz
parte de um processo que nunca alcança um fim.
O politeísmo na Índia, tantas vezes condenado pelos missionários cristãos é
simplesmente negado: “There is no polytheism in India” (Id., p.58). A tese de Vivekananda a este
respeito é a de que a multiplicidade de deuses acionados pelas tradições populares, estreitamente
associada às práticas de idolatria, nada mais são do que parte de uma estratégia adaptada aos
diferentes estágios de desenvolvimento espiritual de cada um. Para algumas, o uso de imagens
facilitaria a chegada a uma compreensão sobre a realidade última de Deus, não havendo por isto
qualquer problema em relação à sua utilização. Assim, comenta:
“The whole religion of the Hindu is centered in realization. Man is to become divine,
realizing the divine, and, therefore, idol, or temple, or church, or books, are only suports, the
helps, of his spiritual childhood.” E continua: “External worship, material worship, says the
Vedas, is the lowest stage, struggling to rise the high; mental prayer is the next stage, but the
highest stage is when the Lord has been realized”. Assim, continua, “If a man can realize his
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  • 1. A CONSTRUÇÃO DA PESSOA "ORIENTAL" NO OCIDENTE: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O SIDDHA YOGA Maria Macedo Barroso Mestrado em Antropologia Social Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando dias Duarte Rio de Janeiro 1999
  • 2. ii A CONSTRUÇÃO DA PESSOA "ORIENTAL" NO OCIDENTE: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O SIDDHA YOGA Maria Macedo Barroso Dissertação de Mestrado submetida ao corpo docente do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovada por: ________________________________ - Orientador Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte __________________________________ Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho __________________________________________ Prof. Dr. Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho Rio de Janeiro 1999
  • 3. iii Barroso, Maria Macedo A Construção da Pessoa "Oriental" no Ocidente: um Estudo de Caso sobre o Siddha Yoga/ Maria Macedo Barroso. Rio de Janeiro: UFRJ/ PPGAS, 1999. ix, 209 p. Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro, PPGAS. 1.1. Religiões. Relações. 2. Religião. Aspectos Psicológicos. 3. Religião. Índia. 4. Yoga. 5. Emoções. I. Título. II. Tese (mestrado - UFRJ/MN/PPGAS)
  • 5. v Agradecimentos A meus pais, Sabino e Nininha, grandes acolhedores de diferenças. A Antonio Carlos de Souza Lima, que me propiciou o encontro com a antropologia. A meu orientador, Luiz Fernando Dias Duarte, por ter me dado coragem e meios para buscar meus próprios caminhos. A Leila Amaral, Otávio Velho e Carlos Alberto Afonso, por tudo que me ensinaram sobre a antropologia e a vida. A meus professores no Mestrado em Antropologia Social: Federico Neiburg, Gilberto Velho, José Sergio Leite Lopes, Luiz Rodolfo Vilhena (in memorian), Lygia Sigaud, Marcio Goldman e Moacir Palmeira. Aos colegas Anthony D’Andrea, Clara Jost Mafra, Emerson Giumbelli, Paulo Hilu da Rocha Pinto e Sergio Góes Brissac, com quem pude compartilhar o interesse pelas religiões. Aos colegas de curso, Alcio Braz, Aloir Pacini, Amir Geiger, Ana Lucia Enne, Ana Claudia Cruz e Silva, André Correia Lourenço, Claudio Costa Pinheiro, Cecília Valdez Michael, Gustavo Blasquez, Hernan Gómez, Hortense Marcier, Hyppolite Brice Sogbossi, João Paulo Macedo e Castro, João Felipe Gonçalves, José Gabriel Corrêa, Kátia de Almeida, Pedro Luz, Sílvia Nogueira, Ricardo Cavalcanti, Rodrigo Grunewald e Valéria Torres e Silva agradeço o bom convívio e a troca enriquecedora. Aos funcionários do PPGAS, Adilson Moreira Fontenele, Aurora Fernandes da Silva, Carla Paz de Freitas, Isabel de Souza Mello, Lourdes Cristina Coimbra, Maria Izabel Moreira, Osmar Lopes e Rosa Gonçalves Pereira, pelo profissionalismo e a gentileza. A Afonso Santoro, Eline Decacche Maia, Fatima Regina Nascimento, Lucia Arrais Morales, Tania Ferreira da Silva e Wallace de Deus Barbosa, a amizade e o apoio, de tantas e diferentes maneiras. A Rosa Barroso, a compreensão e o afeto. A Alain Hoffmann, o encontro e o amor. Ao Tomaz, que me encheu a vida de luz.
  • 6. vi RESUMO BARROSO, Maria Macedo. A Construção da Pessoa “Oriental” no Ocidente: um Estudo de Caso sobre o Siddha Yoga. Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte. Rio de Janeiro: UFRJ/MN/PPGAS, 1999. Diss. Este trabalho realiza uma etnografia do Siddha Yoga, grupo de origem hindu que se estabeleceu no Ocidente no início da década de 1970, procurando investigar as motivações ligadas à vinda dos mestres hindus para o Ocidente, iniciada no final do século XIX. Entre os tópicos desenvolvidos, especial atenção é dada à dinâmica da construção das categorias de "Oriente" e "Ocidente" em suas diversas implicações, sobretudo no que diz respeito à formação de um discurso contracultural no Ocidente; ao estatuto da experiência e das emoções dentro dos fenômenos religiosos de tipo místico; e ao modo como as religiosidades de origem hindu, especialmente as iogas, são vivenciadas por devotos ocidentais. Com este objetivo, são mapeadas as distintas concepções de pessoa envolvidas no processo de difusão destas religiosidades, e sua importância como matriz de concepções religiosas em circulação crescente na cena religiosa ocidental contemporânea, como as da Nova Era.
  • 7. vii ABSTRACT BARROSO, Maria Macedo. A Construção da Pessoa “Oriental” no Ocidente: um Estudo de Caso sobre o Siddha Yoga. Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte. Rio de Janeiro: UFRJ/MN/PPGAS, 1999. Diss. This is an ethnography of Siddha Yoga, a group of Hindu origins which settled in the West in the beggining of the 70's. The research concentrates firstly in the trips of Hindu masters to the West, which beginned in the end of the XIX century. A special attention is then given to the construction of the categories "West" and "East" in their global implications, especially those related to the development of a countercultural discourse in the West; to the general status of experience and emotions in mystical religious phenomena; and to the way Hindu religiosities, and particularly the yogic ones, are experienced by Western devotees. The different conceptions of person (or personhood) involved in the spread of these religiosities are analysed, as well as their importance as a source of religious conceptions now wide spread in the Western religious scene, such as the New Age group.
  • 8. viii Sumário Introdução..................................................................................................................... p. 1 Capítulo 1 - Encontros Oriente / Ocidente .................................................................. p. 12 1.1- "Não podem representar a si mesmos: devem ser representados"....................... p. 12 1.2 - A "representação de si mesmos"......................................................................... p. 25 1.3 - Novos sentidos para o Oriente ........................................................................... p. 41 1.4 - Uma identidade transformada ............................................................................ p. 59 Capítulo 2 - A Prática das Religiosidades de Origem hindu como Experiência Reflexiva no Ocidente....................................................................................................................... p. 70 2.1 - A busca da experiência religiosa no Ocidente através do Oriente....................... p. 70 2.2 - A retomada do interesse pela experiência mística no campo sociológico........... p. 75 2.3 - A experiência mística e o campo das emoções ................................................... p. 78 2.4 - A experiência mística do Oriente como caminho para a interiorização no Ocidente........................................................................................................................ p. 89 2.5 - Uma comparação entre o sentido das experiências no Siddha Yoga e na Nova Era................................................................................................................................. p.99 Capítulo 3 - Uma Etnografia do Siddha Yoga ............................................................ p.102 3.1 - Histórico do grupo................................................................................................p.102 3.2 - O shivaísmo do Kashmir......................................................................................p.105 3.3 - Concepções hindus e ocidentais do self...............................................................p.109 3.4 - Tipologia dos processos reflexivos entre os adeptos ocidentais do Siddha Yoga..............................................................................................................................p.114 3.5 - A reprodução do carisma: a intermitência da experiência religiosa e a necessidade de sua renovação.................................................................................................................... p.131 3.6 - Tornar-se devoto................................................................................................. p.141 3.7 - A shaktipat: uma iniciação autoreferenciada...................................................... p.150 3.8 - Questões de identidade........................................................................................ p.156 3.9 - As razões dos rompimentos................................................................................. p.161 Conclusão..................................................................................................................... p.165 Bibliografia.................................................................................................................. p.174 Apêndice..................................................................................................................... p.184
  • 9. ix “Words are flying out like endless rain into a paper cup They slither while they pass, they slip away across the universe Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my open mind, possessing and caressing me Jai Guru Deva Om (...) Sounds of laughter, shades of earth are ringing through my open views inciting and inviting me Limitless undying love which shines around me like a million suns It calls me on and on across the universe Jai Guru Deva Om” (Lennon & McCartney)
  • 10. Introdução Ao escrever a introdução deste trabalho, percebi o quanto é difícil explicar a razão das escolhas que fazemos na vida, de um modo geral, e as acadêmicas, em particular. Se tivéssemos estas explicações, talvez trabalhos como este nunca chegassem a ser feitos, uma vez que um dos impulsos para levá-lo adiante foi entender um pouco mais algumas das escolhas que fiz. Posso começar dizendo que como resultado de várias circunstâncias, umas mais e outras menos sob o meu controle, umas mais e outras menos aleatórias, adquiri a certa altura da vida algo que poderia ser identificado como uma “visão mística” da realidade. Minha vinda para o curso de Antropologia está ligada a este fato. A descoberta de que a disciplina considerava os fenômenos ditos “místicos” como dignos de interesse e atenção foi o seu grande ponto de atração para mim. Assim, não busquei inicialmente a antropologia por uma de suas grandes marcas, o interesse pelo outro, mas fui atraída justamente pela possibilidade de uma compreensão maior sobre mim, ainda que calcada em experiências pessoais ao longo de minha vida que me colocaram algumas vezes no lugar do outro dentro de minha própria cultura e meio social. Ao dar os primeiros passos dentro do campo, contudo, descobri que esta questão também fazia parte do acervo da disciplina, na verdade de uma maneira central. Como falar do outro sem falar de si? As questões presentes no Diary in a Strict Sense, de Malinowski (1967), que em quase quatrocentas páginas examina exaustivamente as vivências emocionais e psicológicas do autor à época em que realizava seu trabalho de campo na Melanésia, parecem indicar de forma clara que não são meramente contingentes as relações entre antropologia e consciência de si, como se conhecer o outro guardasse uma relação estreita com a capacidade de conhecer-se a si mesmo. A publicação deste diário, muitos anos depois da morte do antropólogo, provocou imensa polêmica no campo acadêmico, servindo de pretexto para uma reavaliação do trabalho de Malinowski, na maior parte das vezes, depreciativa. Segundo seus críticos, este diário, íntimo, trazia à tona diversas incoerências do autor em relação ao que ele pregava como o método da disciplina em seus outros diários, os de campo. Ter a possibilidade de ler seus dois tipos de diário, me fez pensar, para além das discussões sobre coerência levantadas, no quanto o trabalho
  • 11. 2 deste antropólogo era tributário de seu Diary in a Strict Sense, isto é, do árduo processo de reflexão sobre si mesmo levado a cabo paralelamente à estadia no campo, fato reconhecido pelo próprio Malinowski. Com isto, pude perceber que a reflexividade fazia parte da própria história da disciplina, embora inicialmente houvesse uma “má consciência” por parte dos antropólogos a respeito dela, expressa pela próprio procedimento de Malinowski de escrever separadamente os dois tipos de diário, um íntimo e o outro científico, não pretendendo publicar o primeiro. Com o tempo, assistiríamos a uma mudança de visão dos antropólogos em relação a esta questão, verificando-se entre alguns uma postura de explicitar o mais possível o papel desempenhado pela subjetividade na construção do conhecimento, acompanhando o processo de tomada de consciência dentro da disciplina sobre o fato de que conhecer o outro implica necessariamente num conhecimento de si. Alguns antropólogos começaram a falar sobre si mesmos no corpo de seus trabalhos, e não mais apenas nas introduções, espaço reservado normalmente a comentários mais pessoais. Neste falar sobre si, explicitavam também suas dúvidas, as idas e vindas do processo de conhecimento e as dificuldades do encontro de um lugar para a subjetividade durante o trabalho de campo. O trabalho de Jeanne Favret-Saada, Les mots, la mort et les sorts (1977) ficou sendo para mim o melhor exemplo desta postura metodológica nova, na qual como que se juntavam em um único texto os dois diários de Malinowski, o de campo e o stricto sensu, em um procedimento posteriormente consagrado pelas correntes reflexivistas da disciplina. Por outro lado, há muito tempo me parecia difícil dissociar meus processos pessoais de vida de meus projetos acadêmicos e foi com grande alívio que descobri que esta questão também era contemplada no Diary in a Strict Sense, fazendo parte portanto dos objetos de reflexão da disciplina. Na sequência destes comentários, acho que encontro bons elementos para explicar porque escolhi como tema de dissertação um tipo de religiosidade calcada sobre processos de auto-conhecimento e crescente expansão de níveis de reflexividade  aspectos que parecem estar na base da apropriação das tradições hindus de meditação pelos adeptos ocidentais que são objeto deste meu estudo sobre o Siddha Yoga.
  • 12. 3 Trabalhar com um grupo em que o observar a si mesmo está no centro de prática espiritual trazia imenso interesse para mim. Mas acho que só posso dizer isto agora, “after the fact” (Geertz, 1995), construindo minha própria ilusão biográfica (Bourdieu, 1986). Recuperar minhas reais motivações e perspectivas no momento mesmo em que escolhi o Siddha Yoga como objeto de estudo foi muito menos “elaborado” do que isto. O que eu percebia no momento da escolha é que estava, por um lado, fazendo um acerto de contas comigo mesma, com algo que se tornou constitutivo em mim, o tal “olhar místico” sobre as coisas, olhar que parecia “sem lugar”, contudo, em minha vida, já que eu não me fixara como praticante de nenhuma religião, embora criada dentro da tradição católica e tendo frequentado o próprio Siddha Yoga em determinado momento de minha vida. O acerto comigo mesma, nesta caso, era finalmente encontrar este “lugar” em minha vida para lidar com as inquietações geradas por este olhar, mesmo que ele não fosse o lugar mais tradicional para isto: a academia. Neste sentido, contudo, a Antropologia, mais uma vez, pareceu ter espaço para minhas idiossincrasias; o encontro com colegas portadores do mesmo “olhar místico” dentro do curso aliviou a sensação de solidão, permitindo-me novos e enriquecedores diálogos. Não foram muitos estes colegas  que ninguém imagine que portadores de olhares místicos preponderem em um curso de Antropologia Social. Com certeza, não. Mas, eles existiam, e portanto, o “espaço dos possíveis”, mais uma vez, estava ali, a meu alcance. Vi que os olhares eram os mesmos, “místicos”, mas, ainda que sob este mesmo rótulo, eram ao mesmo tempo muito diferentes, isto é, variavam segundo a trajetória individual de cada um de nós. Os “místicos” eram iguais, mas eram diferentes. Esta percepção conduziu-me para a descoberta de outro ponto central da disciplina antropológica, o que trata do debate entre as perspectivas essencialistas e construtivistas, particularmente quando aplicadas ao campo religioso. Tendo entrado no curso com uma postura que pude identificar depois como radicalmente essencialista, fui aos poucos sendo confrontada com os limites desta posição e com as possibilidades oferecidas pelas vertentes construcionistas no campo da religião. De fato, por mais essencialista que fosse, o próprio encontro no curso com colegas que também se acreditando “místicos” definiam este místico de forma diferente da minha, obrigou-me a atentar para a riqueza da contribuição das perspectivas construcionistas, e para algo que, afinal, parece ser um
  • 13. 4 dos grandes legados da antropologia: a demonstração exaustiva e variada sobre a historicidade dos conceitos e das culturas. A escolha do Siddha Yoga como tema de dissertação não foi uma decisão fácil, embora agora, “after the fact”, o pareça. Na verdade, decidir-me sobre este grupo foi um processo difícil, que tomou meses para se firmar. A dificuldade resultava justamente do tema estar muito próximo de questões pessoais que eu considerava importantes, questões que ainda estavam “em curso”, que eram críticas para mim. A escolha implicava em uma exposição dupla, para a academia e para os antigos companheiros do Siddha Yoga, com os quais eu convivera durante quase dois anos, entre 1981 e 1982. E mexia com algo ligado a minha própria identidade no momento de realizar o trabalho de campo: afinal, quem é que estava ali? A antropóloga ou a devota? O grande ponto para mim era não saber qual seria minha reação ao retomar o contato com o grupo, isto é, se reencontrá-lo me levaria a uma nova adesão. Junto com isto havia todo o dilema de saber se minha sensibilidade às propostas do grupo me permitiria um grau de objetividade e distanciamento mínimos para fazer o trabalho etnográfico. Sem ter respostas para estas perguntas, recomecei a frequentar, passados cerca de 15 anos sem qualquer contato com o grupo, as reuniões do Centro de Siddha Yoga do Rio de Janeiro, e a fazer meus primeiros registros etnográficos. Ainda com elas, e com a angústia de não saber respondê-las, fui até Nova York, conhecer o ashram principal do grupo no Ocidente e ver pessoalmente, pela primeira vez, Gurumayi, sua líder hoje. Na carta em que explicava as razões de minha solicitação de estadia no ashram  procedimento de praxe para qualquer interessado em visitar o Muktananda Ashram, em South Fallsburg  fui obrigada a explicitar minha dupla condição. Este fato foi muito marcante para mim, e transformou-se no símbolo do processo reflexivo que o trabalho com o Siddha Yoga me obrigou a enfrentar. Mais uma vez, a antropologia confirmava sua vocação de, a cada momento crítico, brindar-me com o estímulo necessário para seguir adiante, e foi novamente a leitura do Diary in a Strict Sense de Malinowski que me proporcionou este estímulo. Pude entender através dele que minha única chance de fazer um bom trabalho era lidar de forma satisfatória com aquela dupla condição, explicitando a cada passo os dilemas que vivia, ao invés de negar sua existência. E, sobretudo, ter a paciência de não ter respostas, encarando este fato como constitutivo do processo de
  • 14. 5 conhecimento, e não como uma “falha” que pudesse me paralisar. Ter escolhido o “consentâneo consigo mesmo”, afinal, tinha seu preço. Ele parecia pequeno, contudo, quando comparado aos duros momentos de minha vida em que fui obrigada a deixá-lo de lado. Minha graduação em História, nos anos 70, num momento em que ainda não se instaurara um diálogo mais amplo daquela disciplina com a Antropologia  algo que a levaria mais tarde a ter uma abertura maior para abordagens que privilegiavam aspectos subjetivos da trajetória dos agentes  levara-me a uma imensa frustração, não reparada por minha profissionalização na área. Trabalhos extremamente áridos para recuperar a história do setor elétrico brasileiro, em variados arquivos da cidade do Rio de Janeiro, apresentaram-se como minha principal oportunidade profissional para permanecer na área de pesquisa, a um preço que depois percebi ser grande demais. Embora tenha adquirido por meio daqueles trabalhos as ferramentas essenciais para a realização de pesquisas com fontes escritas, primárias e secundárias, a dedicação de mais de dez anos de minha vida a uma temática que em nada me interessava, custou-me o preço de um imenso desencanto pelo que fazia. Minha ida para a antropologia também resultou disso, do desejo de estar mais próxima, no campo profissional, de meus próprios interesses. Como se vê, encontro mais um argumento para explicar o que fiz e o que escolhi, e mais uma vez, é claro, “after the fact”. A valorização de práticas reflexivistas dos sujeitos de conhecimento em relação a seus objetos de estudo, em oposição à má consciência em relação a isto do tempo de Malinowski, é um fato consumado hoje, ao menos em algumas correntes das ciências sociais, como se pode ver claramente pelas questões suscitadas neste texto, escrito por uma socióloga americana: “Might an acceptance and refinement of our own emotional  as well as cognitive  ways of knowing enable us, as scholars, to better comprehend the emotional experiences of those whom we purport to explain?” (McGuire, 1993, p.136). É a mesma autora que destaca a importância destes mecanismos, particularmente no campo da sociologia da religião: “Exploring and, perhaps, embracing the emotional component of ways of knowing may be particularly important for a sociology of religion, since much religious belief and behaviour appears to be utterly irrational” (Ibid., p.136). E é ela ainda quem descreve em que tipo de argumentos se apóiam aqueles que se recusam a aceitá-los:
  • 15. 6 “Epistemological assumptions embedded on most methodologies in the sociology of religion are predicated on the dominant modern paradigm of rational science, which views emotions, values, and subjective feelings as inimical to empirical knowledge (...). According to this perspective, researchers must control (or eliminate) their own emotional reactions; the emotions of research subjects must, likewise, be purified  i.e., converted in “hard” data, for example items of “opinion” on a Likert scale. Similarly, rational science disavows the body as a source of researchers’ experiences; scientific replicability requires that nothing of the researchers’ self (body or emotions) influence the findings” (Id., p. 134). Em seguida, aponta para um caminho que parece oferecer ricas possibilidades de exploração: “Another suggestive line of inquiry asks how bodily and emotional self-expereince are linked with ways of knowing” (Id., p.136). Em seu livro sobre a feitiçaria no Bocage, Jeanne Favret-Saada (Op. cit.) utilizou o seguinte argumento para justificar a maneira como conduziu seu trabalho de campo: segundo ela, não era possível estudar a feitiçaria no Bocage sem aceitar participar do jogo que ela instituía, uma vez que qualquer palavra, naquele contexto, era considerada uma palavra interessada, isto é, tudo que se dizia passava a ser lido, pelos habitantes da região, como fazendo parte do discurso da feitiçaria, não havendo assim como escapar de ser ator naquele cenário. Por esta razão, Favret- Saada desiste de lutar por afirmar sua condição de antropóloga na região e passa a não refutar os papéis que lhe são atribuídos pelos habitantes do lugar dentro do sistema da feitiçaria. No fio deste raciocínio, em que se associa a metodologia do trabalho de campo às características do objeto que se estuda, acho que poderia dizer que, no meu caso, refletir sobre minhas próprias emoções foi algo essencial para estudar um tipo de religiosidade que transforma a reflexão sobre as emoções despertadas por suas práticas em um componente central. Em um trabalho que esteve relacionado de forma central à investigação da dicotomia Oriente/Ocidente, considero importante também explicitar nesta introdução quem foi o “nós” implícito dentro dele e quem foi o “eles”. Tratei da construção de um certo “nós”, ocidental, que incluiu extratos médios intelectualizados de países culturalmente situados como “ocidentais”. Preocupei-me em mapear, a partir de finais do século XVIII, de que forma este “nós” ocidental foi se construindo, também, por apropriações de “outros”, por uma releitura própria, a partir de seus próprios códigos, daqueles “outros”. Procurei mostrar ainda que neste processo não há apenas os passivos de um lado, de quem o conhecimento é apropriado, e os ativos de outro, os
  • 16. 7 apropriadores de conhecimento, mas mostrar que há agency (assertividade) dos dois lados, e que ambos se transformam no contato (capítulo 1). Na análise das construções da dicotomia Oriente/Ocidente, discuti com Said (1990) e Campbell (1997) duas leituras possíveis desta temática. Na discussão com Said, procurei matizar- lhe a tese do orientalismo enquanto projeto de dominação, procurando não só ressaltar o aspecto contracultural que o orientalismo assumiu no Ocidente em alguns momentos, assim como o papel do próprio Oriente em sua construção. A apropriação e a vinda das iogas pelo e para o Ocidente foi o campo que utilizei para trabalhar estes aspectos, algo que procuro apresentar no capítulo 1. Na discussão com Campbell, procurei discutir as dificuldades de recorrer-se ao termo “orientalização” para definir fenômenos culturais e religiosos recentes no Ocidente, embora reconheça, tal como ele, que “há algo de novo no ar”. Este novo estaria associado, entre outros pontos, segundo ele, a um processo de imanentização da divindade, presente em muitas das expressões mais recentes do campo religioso ocidental, particularmente visíveis na Nova Era. De onde vem o novo e mesmo se ele é, de fato, novo, é algo que abre campo para toda uma discussão, sobre a qual damos algumas indicações e interpretações no capítulo 2. Campbell se prende a uma visão hegemônica dentro das doutrinas cristãs, que privilegia a transcendência, para caracterizar a imanência como um traço “oriental”. Contudo, embora de fato as doutrinas cristãs sobre o sagrado geralmente coloquem o acento na visão transcendente da divindade, isto não quer dizer que a vivência mística da imanência esteja ausente entre os cristãos. Assim, esta questão parece ser mais complexa, e tratar dela supõe lidar, a meu ver, com o papel do corpo, da fisicalidade, nos fenômenos ditos místicos. O misticismo, sob este enfoque, passaria a ser visto, mais do que como ligado a esta ou àquela religião, como um tipo de temperamento, que pode se manifestar dentro de enquadramentos religiosos variados, cristãos, muçulmanos ou hindus. No caso do hinduísmo, em seu viés ióguico, há um fomento, digamos assim, deste temperamento, por todas as disciplinas corporais (físicas e mentais) que impõe a seus seguidores. Não é de espantar, neste sentido, que o “Oriente” utilizado por Campbell seja um “Oriente” basicamente hindu. Estive longe de esgotar a riqueza do tema da ioga, fio condutor de minha análise sobre os contatos Oriente/Ocidente, e base religiosa do grupo que estudei. As iogas propiciam, como já disse, um campo raro e fascinante para a compreensão da articulação das disciplinas do
  • 17. 8 corpo e da mente, que abre grandes possibilidades para o questionamento da dicotomia emoção/razão, tal como intuído recentemente por vários estudiosos, tema que procurei explorar no capítulo 2. Interessaram-me neste caso, particularmente, as hipóteses ligadas à questão de se pensar as emoções como “sancionadoras” das estruturas discursivas e culturais criadas, e não como algo que as “atrapalha”, ou que é mero “resíduo”. Também procurei compreender que tipos de concepção da pessoa estão envolvidos com as práticas da ioga na Índia e em como os ocidentais imprimem suas próprias concepções de pessoa à uma prática que parte de outros supostos neste terreno, objeto principal da etnografia que realizei sobre o Siddha Yoga, apresentada no capítulo 3. A valorização de elementos reflexivos, tal como colocada desde o Romantismo, é apresentada como a marca principal da leitura ocidental que se faz das práticas ióguicas. Realizei meu trabalho de campo ao longo do ano de 1997, frequentando semanalmente os satsangs do Centro de Siddha Yoga da cidade do Rio de Janeiro e visitando no mês de julho daquele ano o ashram do grupo em South Fallsburg, no estado de Nova York. O formato dos satsangs, recheados de depoimentos pessoais sobre as experiências de devotos do grupo, fez com que eu optasse por não fazer entrevistas formais com eles, embora também as tenha realizado, ainda que em pequeno número. Meu trabalho de campo foi um trabalho de observação e escuta daquilo que era apresentado espontaneamente dentro do grupo. Minha presença como antropóloga certamente passou desapercebida dentro do grupo no Centro do Rio de Janeiro. No ashram do Siddha Yoga em Nova York, contudo, conforme já mencionei em outro momento, minha identidade de antropóloga foi colocada explicitamente. Minha participação no grupo entre 1981 e 1982, como devota, foi um background inestimável para este reencontro com ele, desta vez como antropóloga. A este respeito, quero dizer que, se ter sido nativa, neste caso, auxiliou-me grandemente a ser antropóloga, não estou entre aqueles que consideram que ser ou ter sido nativo é condição essencial para se fazer boas etnografias, nem tampouco acho que ter sido ou ser nativo invalida qualquer possibilidade de objetivar adequadamente o que se viu. Acho que os olhares são diferentes, produzem conhecimentos diferentes, e que ambos são igualmente válidos, dependendo sempre, como diz o mestre Otávio Velho, da sensibilidade do pesquisador. Fico com esta opinião. Considero uma
  • 18. 9 sorte ter estado na academia em um momento de abertura suficiente para a convivência e aceitação destas duas posturas, tão diferentes, em que pesem as disputas em torno da questão. Com relação às fontes utilizadas, não posso deixar de fazer referência ao papel essencial desempenhado pela Internet em meu trabalho. O recurso a esta mídia abriu-me possibilidades de pesquisa absolutamente inimagináveis há alguns anos, poucos, atrás. A busca por meio de palavras-chave em livrarias virtuais estrangeiras, a que fui levada em função da quase inexistência de livros em português sobre os temas que eu me propunha a trabalhar, levou- me a uma seleção dentro de um universo de aproximadamente 1200 títulos. A rapidez e a facilidade de encomendar os livros, outra revolução permitida pelo veículo, sobretudo em um ano de paridade entre a moeda nacional e o dólar, foi outro ponto que facilitou enormemente este trabalho. Poderia dizer que, sem a Internet, não teria sido possível fazê-lo, sem sair do Brasil. Além da pesquisa bibliográfica e do acesso aos títulos mais recentes dentro das diversas áreas pesquisadas, a Internet também me permitiu ter acesso a jornais da imprensa indiana, que, embora não utilizados por mim intensivamente, forneceram-me contudo algumas informações de enorme valia no que diz respeito à construção da identidade indiana hoje. Embora tenha optado por manter as fontes utilizadas no original no corpo do texto, coloquei em um apêndice sua tradução. Não gostaria que este trabalho deixasse de ser entendido em meu país pela barreira da língua, embora talvez tenha havido um certo preciosismo de minha parte a este respeito, dada a pouca ou nenhuma circulação de dissertações e teses fora dos meios acadêmicos, e mesmo nele. A leitura dos depoimentos de ex-devotos do grupo na Internet, embora não tenha sido trabalhada da forma sistemática como eu planejara inicialmente, auxiliou-me também enormemente na tarefa de construir hipóteses sobre o perfil dos devotos ocidentais do grupo e sobre as razões de seus rompimentos e adesões a ele, bem como reconstituir diversos pontos da trajetória do grupo no Ocidente desde sua chegada. Este material, riquíssimo do ponto de vista sociológico, compõe hoje um dossiê de mais de 1000 páginas na Internet, ao lado de depoimentos de ex-devotos de diversos outros grupos religiosos, constituindo uma espécie de
  • 19. 10 Procom espiritual1 . Sua análise minuciosa mereceria um trabalho à parte, que infelizmente não tive tempo de realizar nesta oportunidade. Em relação ao tema da religião, motivação principal de meu ingresso no Mestrado, posso dizer que, ao final deste trabalho, faço minhas as palavras de Firth, para quem este domínio de Deuses se afigura, antes de mais nada, como um domínio dos homens: “To an anthropologist such as myself, therefore, religion, including ideas of God, is clearly a human construct. (...) religion is a human art. It has produced, like other arts, some of the greatest literary and intelectual constructs, analyses of thought and emotion, and stirring aesthetic experiences of a creative order in painting, poetry and music. (...) the asserted existence of an invisible, transcendent, omniscient, omnipotent being known as God is highly improbable. It is much more probable that such an assertion fits the higghly complex world of human imagining, and serves an array of human purposes not always consciously realized by people themselves. (...) One does not speak of a musical composition as true (unless in a highly technical sense) but as beautiful, powerful, aesthetically and emotionaly satisfying. And so it should be with the imaginative creations of religion” (Firth, 1996, p.10-11). 1 Agradeço a Anthony D’Andrea a indicação sobre a existência deste dossiê na Internet, assim como a caracterização do site em que ele se encontra como um Procom espiritual ( “Procom” é a sigla do serviço de defesa dos consumidores que se sentem lesados no Brasil).
  • 20. 11 Capítulo 1: Encontros Oriente / Ocidente. 1.1) “Não podem representar a si mesmos: devem ser representados”. É com esta epígrafe, retirada do 18 Brumário de Karl Marx, que Edward Said inicia seu livro Orientalismo, buscando resumir o cerne da postura que caracterizou a atitude do Ocidente em relação ao Oriente a partir do final do século XVIII, quando presume que tenha surgido o orientalismo moderno. Esta disciplina, intimamente associada ao processo de expansão imperialista sobre o Oriente, nada mais era, segundo este autor, que “... uma visão política da realidade cuja estrutura promovia a diferença entre o familiar (Europa, Ocidente, “nós”) e o estranho (Oriente, Leste, “eles”).” (Said 1990, p.54). A constituição deste “outro”, ainda que variando ao longo do tempo, supôs frequentemente a criação de uma imagem que homogeneizava suas características: “....os orientais eram em quase todos os lugares quase os mesmos”. (Id., p.48). Na trilha do argumento principal de Said, gostaria de enfocar neste capítulo um outro viés da produção de imagens do Oriente pelo Ocidente, que, embora também se aproprie daquele como um “outro”, o faz com o intuito de estabelecer um diálogo com valores hegemônicos do próprio Ocidente, e não para apoiar seus projetos de dominação. Este viés, que poderíamos considerar contracultural, resultou em uma série de movimentos, iniciados com o Romantismo, cujo interesse para meu trabalho está ligado ao fato de que serão eles os responsáveis pelo estabelecimento de uma visão “positiva” do Oriente, que responderá em grande parte pela difusão de suas religiosidades entre nós. Tratar-se-á aqui de mapear sucintamente os principais momentos destas apropriações do Oriente que prepararam o terreno para a “representação de si mesmos”, isto é, para a vinda de mestres orientais para o Ocidente, iniciada no final do século XIX, com o objetivo de divulgar eles mesmos suas próprias tradições entre nós2 . Dentre os contatos entre “Oriente” e “Ocidente”, tomados dentro do discurso orientalista muito mais como categorias culturais do que geográficas, interessar-nos-ão 2 A ênfase dada aos aspectos da “representação de si mesmos” neste capítulo, procura, na linha da advertência feita por Marshall Sahlins, endossando ponto de vista defendido por Terence Turner, não deixar-se levar por um discurso sobre a alteridade que “tende a exagerar o poder que teriam as representações ocidentais de se impor aos ‘outros’,
  • 21. 12 particularmente os processos ligados ao trajeto dos movimentos sectários hindus para os Estados Unidos, a partir do final do século XIX, por ser este o trajeto inicial do Siddha Yoga, objeto da etnografia apresentada neste trabalho. A vinda deste grupo para o Ocidente, ocorrida no início dos anos 1970, embora marcada pelas injunções da Contracultura, por um lado, e pelas novas concepções do nacionalismo hindu, pós-independência, por outro, não nos parece contudo explicável apenas a partir destes marcos. A história dos primeiros movimentos sectários hindus a se deslocarem para os Estados Unidos parece-nos trazer elementos essenciais para que se compreenda muitas das questões que estarão em jogo nos deslocamentos de gurus indianos para o Ocidente que se verificaram posteriormente. Entre elas, as que tratam das razões da adesão a religiosidades que não foram as culturalmente herdadas e as formas como estas religiosidades são absorvidas em contextos culturais distintos daqueles em que foram geradas. A presença das tradições orientais no cenário religioso ocidental, afora todas as transposições devidas a movimentos migratórios de populações asiáticas, é tributária, sem dúvida nenhuma, da passagem de “serem representados”, iniciada nos marcos da dominação colonial, à “representação de si mesmos”, cujo momento fundador pode ser localizado no Parlamento Mundial das Religiões, realizado em 1893, em Chicago, quando pela primeira vez representantes orientais puderam apresentar eles mesmos suas tradições diante de um público ocidental. Para que tal ocorresse, contudo, foi necessário que todo um interesse pelo Oriente já houvesse sido despertado anteriormente, o que de fato se verificou com as apropriações daquela região realizadas a partir do movimento Romântico. No caso que nos cabe analisar mais de perto, o da difusão do hinduísmo, vale ressaltar que a este interesse presente no Ocidente sobre as religiões orientais vieram somar-se outras razões, de dentro da própria Índia, articuladas a um conjunto de questões formuladas no contexto de busca de afirmação de uma identidade hindu. Esta afirmação, que serviria de base ao projeto de independência frente à dominação britânica, concretizado em meados do século XX, também se propunha a reverter o quadro de enfraquecimento do hinduísmo frente à expansão das tradições cristãs e muçulmanas na Índia3 . dissolvendo suas subjetividades e objetivando-os como meras projeções do olhar desejante do ocidente dominador” (Turner, apud Sahlins, 1997, p.123). 3 Um bom histórico e análise dos processos de afirmação da identidade hindu na Índia a partir do século XIX encontra-se em Clementin-Ojha e Gaborieau (1994).
  • 22. 13 Assim, o que me parece ser digno de ênfase no caso da expansão das tradições hindus é que sua presença no Ocidente, originalmente, foi tributária de dois tipos de processos: de um lado aquele que respondeu pelo surgimento de um amplo interesse pelo Oriente entre camadas letradas da Europa a partir de finais do século XVIII  a assim chamada “renascença oriental”  resultante das primeiras traduções de textos orientais em línguas como o sânscrito, o zenda e o árabe4 ; e, de outro, aquele que esteve na base da contestação ao domínio colonial britânico na Índia, responsável pelo surgimento de uma outra “renascença”, a hindu, iniciada no começo do século XIX pela ação de reformadores do hinduísmo5 . A atuação dos representantes das religiões orientais no Parlamento de Chicago pode ser considerada como o momento inaugural de uma nova relação entre Ocidente e Oriente, que, substituindo o modelo textual vigente até então, calcado na apropriação intelectual propiciada pelas primeiras traduções de textos orientais para o Ocidente, instituiu a prática como modo principal de conhecimento e aproximação. Os desdobramentos da participação de Swami Vivekananda, representante do hinduísmo em Chicago, que resultaram na criação de diversas Sociedades Vedanta nos Estados Unidos já no início do século XX, podem ser vistos como paradigmáticos, em muitos aspectos, da atuação de mestres e grupos que se instalaram posteriormente naquele país, com a preocupação específica de introduzir suas tradições entre adeptos ocidentais, utilizando como instrumental principal para isto a perspectiva de uma prática das mesmas. 4 No caso específico dos textos sânscritos, destacam-se os trabalhos de tradução pioneiros de Sir William Jones, considerado o “pai” do orientalismo. A partir da criação da Sociedade Asiática, em 1874, na cidade de Calcutá, ele dedicou-se à tarefa de tornar acessíveis para os europeus, em inglês, os textos fundamentais do hinduísmo, tendo traduzido, muitas vezes juntamente com Charles Wilkins e com a colaboração de eruditos hindus, a Bhagavad-Gitã (1875), o Hitopadesa (1787), os Sakuntala (1789), o Gita-Govinda (1792), e as Leis de Manu (1794), entre outros. Na França, o principal precursor dos estudos orientalistas foi Anquetil-Duperron, que traduziu ciquenta e quatro Upanishades entre 1786 e 1802. A primeira cátedra de sânscrito na Europa, por sua vez, foi criada no Collège de France, em 1814 (Varrene, 1990, p. 273). 5 Entre os principais reformadores do hinduísmo podemos citar Ram Mohum Roy, fundador em 1824 da Brahmo Samaj (Sociedade de Deus), organização que condenava os aspectos politeístas contidos nos Vedas e aceitava alguns aspectos do cristianismo; Keshub Chandra Sem, sucessor de Roy na Bhramo Samaj, que estabeleceu como símbolo da sociedade o tridente shivaíta, a meia lua muçulmana e a cruz cristã, simbolizando a abertura a outras religiões proposta pelo grupo; Dayananda Sarasvati, que criou em 1875 o Arya Samaj (Sociedade Arya), que pregava um retorno estrito aos Vedas e o expurgo de todos os traços posteriores incorporados às tradições hindus; e Rabindranath Tagore, que fundou uma universidade pan-índia em 1921, a Vishva Bharati, destinada a revelar e difundir as riquezas da cultura nacional hindu (Varrene, op. cit., p.248-255).
  • 23. 14 Apropriações do Oriente durante o Romantismo A primeira das apropriações do hinduísmo que nos interessa discutir foi a realizada pelo movimento Romântico, sobretudo na Alemanha. Nesta, não apenas o hinduísmo, mas o “Oriente” como um todo, parecem ter se prestado a apoiar uma revisão crítica do projeto iluminista, em que se buscou contrapor à ênfase no indivíduo como valor universal aquilo que punha em destaque o particular, conferindo-se estatuto privilegiado para as questões da interioridade, do vivido e ao campo dos sentimentos, numa busca incessante de mecanismos que contribuissem, de alguma forma, para a afirmação do indivíduo em sua singularidade. Segundo Simmel “after the individual had been liberated in principle from the rusty chains of guils, hereditary status, and church, the quest for independance continued to the point where individuals who had been rendered independent in this way wanted also to distinguish themselves from one another. What mattered now was no longer that one was a free individual as such, but that one was a particular and irreplaceable individual” (Simmel 1971a, p.222) Este novo tipo de individualismo que penetrou a consciência do século XIX através do Romantismo, apoiou-se em grande parte no conceito de Bildung, ou construção de si, que “implicava a ênfase suprema na interioridade e na sensibilidade do coração. E convidava o homem a buscar a felicidade dentro de si mesmo, ao orientar sua vida prioritariamente em direção de uma fusão harmoniosa de elevação espiritual, refinamento emocional e individualizada perfeição moral e mental” (Rosenberg, citado por Goldman, 1988, p.125, apud D’Andrea, 1996, p.14). Este modelo, que parece ter acompanhado o desenvolvimento da pessoa burguesa, construída, adquirida e culturalmente renascida, por oposição ao modelo já dado, atribuído, da pessoa aristocrática (Cf.Duarte, 1995) foi aprimorado, em Simmel, através do conceito de auto- cultivo, algo que não é meramente “...the development of a being beyond the morphological stage (...), but development in the direction of an original inner core, a fullfilment of this being according to the law of its own meaning, its deepest dispositions”(Simmel, 1971b, p.229). Estas formas novas de conceber o indivíduo tiveram um papel central na maneira pela qual o Oriente foi apropriado pelo romantismo, verificando-se aqui uma
  • 24. 15 questão que complexifica o ponto já mencionado de que o Oriente construído pelo Ocidente no período da produção orientalista foi fundamentalmente um “outro”. Mais uma vez, é Said que nos mostra que, se uma das formas de afirmação da identidade ocidental se fez pela construção de uma alteridade em que o pólo oposto era o Oriente, ao mesmo tempo, em muitos momentos, este Oriente será acionado enquanto detentor de semelhanças com o Ocidente6 . É o que ocorreu, a seu ver, em relação à apropriação das religiões indianas por alguns românticos alemães, que as trataram como uma versão oriental do panteísmo germano-cristão (Op. cit, 1990, p.77). Assim, podemos verificar que tanto as semelhanças quanto as diferenças são construídas conforme as necessidades de afirmação identitária, e sempre a partir da leitura ocidental que se faz do Oriente e seus povos, e nunca pela versão que é dada por estes sobre si mesmos. O exemplo fornecido por Said no que se refere à interpretação do Corão pelos textos orientalistas é bastante esclarecedor neste sentido: “A invariável tendência a negligenciar o que o Corão queria dizer, ou o que o muçulmano achava que ele queria dizer, ou o que os muçulmanos fizessem ou pensassem em quaisquer circunstâncias dadas, implica (...) que a doutrina corânica (...) era apresentada em uma forma que convencesse os cristãos. (...) Era com grande relutância que aquilo que os muçulmanos diziam que os muçulmanos acreditavam era aceito como aquilo que eles acreditavam. Havia uma imagem cristã cujos detalhes (mesmo sob a pressão dos fatos) eram abandonados o menos possível, e cujas linhas gerais nunca eram abandonadas” (Op. cit., p.70). No caso da apropriação do hinduísmo pelo Romantismo alemão, parece ter ocorrido um fenômeno semelhante, conforme se verifica neste trecho em que Schopenhauer7 , ao comentar as relações entre seu próprio pensamento e os Upanishades, não hesita em apontar seu interesse 6 Um bom exemplo deste ponto é a descoberta do indo-europeísmo no campo da filologia, no século XVIII, em que se buscou destacar as raízes comuns do sânscrito, do grego e do latim. A partir daí, puderam ser criados mecanismos identitários que aproximavam a Europa do Oriente “bom”, isto é, da Índia clássica ariana, e que a distinguiam do Oriente “ruim”, semítico. Os “arianos”, neste quadro, ficavam confinados à Europa e a uma parte específica do Oriente antigo. Sobre as evoluções da filologia enquanto ciência comparada e seu papel dentro do Orientalismo, cf. Said (1990, p.87-107). 7 Schopenhauer é considerado o ponto de partida para a construção da imagem de um “Oriente místico” no Ocidente, tendo se aproximado particularmente do hinduísmo e, dentro deste, das concepções do Vedanta. O filósofo alemão considerava a Índia como a pátria da tolerância e da verdadeira metafísica, em contraste com a tradição judaico- cristã, que acusava de fanatismo e de incompletude no sentido metafísico (Said, op. cit., 275-276).
  • 25. 16 por aqueles como uma decorrência de sua adequação a suas próprias idéias: “If it does not seem too vain, I migth express the opinion that each one of the individual and disconnected aphorisms which make up the Upanishads may be deduced from this thought I am going to impart, though the converse - that my thougth is to be found in the Upanishads - is by no means the case” (Versluis, 1993, p.22). Este tipo de formulação nos serve de ponte para a introdução de um outro conjunto de questões, ligadas à discussão sobre o que de fato está em jogo nestes encontros e apropriações do “Oriente” pelo “Ocidente”. O que se busca reconhecer é até que ponto as tradições orientais, quando acionadas no Ocidente, fornecerão elementos de fato novos para suas culturas, ou apenas servirão de pretexto, como já apontamos, para o reforço de certos valores, não-hegemônicos em geral, já presentes dentro delas8 . Sem pretender me estender aqui sobre estas questões, mas tão somente indicar sua importância, acho que merece registro o fato de que, sem dúvida, as apropriações românticas das tradições hindus foram marcadas por esta tentativa de encontrar apoio para suas próprias 8 Uma boa introdução a este debate encontra-se em Campbell (1997). Neste artigo, o autor lança a idéia de que o Ocidente encontra-se diante de um processo de orientalização, verificável tanto em termos da expansão de uma teodiceia quanto de uma concepção imanentista da divindade caracteristicamente orientais, a seu ver. No entanto, ao desenvolver o argumento, o autor deixa claro que, embora chame a estes traços de “orientais”, eles já estariam presentes, na verdade, dentro de algumas correntes não hegemônicas do próprio pensamento ocidental, não tendo alcançando, por isto, até então, um bom grau de visibilidade entre nós. Nos termos do próprio Campbell: “ (...) não se está afirmando que alguma dessas crenças [que ele chamou de “orientais”] seja realmente nova. Pois, como a análise de Troeltsch sugere, a crença em uma força divina impessoal tem sida há muito tempo um ingrediente da tradição cristã ocidental - embora se deva dizer que evidência em favor da reencarnação é mais difícil de ser encontrada. O que é novo é o movimento dessas crenças de sua posição há muito tempo estabelecida enquanto característica de grupos cúlticos ou excêntricos para a sua posição atual na vertente principal do credo. (...) Essa é uma mudança significativa; não é tanto a aparição de novas crenças, mas sim a aceitação ampla de crenças que anteriormente eram confinadas a uma minoria” (1997, p.16). Assim, mesmo não sendo dominantes, estas direções culturais é que teriam aberto o caminho para a entrada e a absorção das tradições orientais entre nós, com as diversas adaptações que acompanharam este processo. Robert Bellah, a propósito de um outro aspecto das religiões orientais, parece defender ponto de vista semelhante: “Embora essas crenças [na unidade de todos os seres, apregoada pelas religiões orientais] sejam diametralmente opostas ao individualismo utilitário [marca central para ele da cultura norte-americana]  para o qual o indivíduo é a realidade ontológica última  , há elementos na tradição cristã aos quais elas não se opõem totalmente. A teologia cristã também se referia à unidade do ser e à necessidade de amar a todos os seres. O Novo Testamento fala da Igreja como um corpo do qual todos nós somos membros. No entanto, o cristianismo tendeu a manter o dualismo último de criador e criação, que as religões orientais suprimiram. Os místicos cristãos faziam às vezes afirmações (consideradas heréticas) que expressavam a unidade última entre Deus e o homem, e, de uma forma mediatizada, a unidade de Deus e o homem através de Cristo é uma crença ortodoxa. Não obstante, o cristianismo americano raramente enfatizou o aspecto da tradição cristã que destacava a unidade mais do que a distinção entre o divino e o humano, de tal modo que os ensinamentos orientais salientaram-se como amplamente divergentes” (1986, p.32).
  • 26. 17 formulações. Ao apontar problemas na interpretação de alguns termos religiosos orientais por Nieztche e Schopenhauer, Versluis comenta que “the ways on which they interpreted Buddhist or Hindu texts tell us considerably more about Schopenhauer, or Nietzche, than about the texts themselves” (Ibid., p.23). Este tipo de questão pode ser situado num debate mais amplo dentro da antropologia, relacionando-se a uma problemática que atravessa, na verdade, todas as situações de contato cultural. Falar do eles está sempre relacionado a um aprofundamento do conhecimento que temos sobre nós mesmos. Se nos distinguimos do outro que estudamos, estudá-lo também é estudar a quem estuda, o que faz com que, ao menos ao nível epistemológico, a separação entre nós/eles se torne problematizada.9 Da mesma forma, a apropriação de tradições culturais que não são originalmente as nossas parece apontar inevitavelmente para algum tipo de articulação com questões já colocadas por nós. No caso específico da aproximação do Romantismo com as religiosidades hindus, parece não haver dúvida de que ocorre um processo deste tipo, sobretudo no que diz respeito à identificação de um inner core nos indivíduos, conforme descrito no conceito simmeliano de auto-cultivo. Esta noção parece ter estado na base do diálogo com religiosidades como a do Siddha Yoga, apoiada em tradições que sustentam, da mesma forma, a idéia de que existe um self, um centro interior, a ser alcançado. O reconhecimento deste ponto comum, contudo, não deve induzir ao equívoco de uma identificação mais ampla entre as duas concepções, uma vez que, em uma delas, o ser é apontado como algo divino, dado e imutável, enquanto que na outra ele é passível de aperfeiçoamento, é processo, movimento. O que talvez pudéssemos afirmar, então, e apenas isso, é que a reflexão sobre o indivíduo trazida pelo Romantismo contribuiu de forma significativa para a possibilidade de diálogo com as religiosidades hindus em que a idéia da existência de um self distinto do eu e a busca de meios para atingí-lo são traços característicos10 . Além disto, o contraste estabelecido entre iluminismo/universal e romantismo/particular, à mesma época, parece ter colocado em 9 Esta temática tem sido objeto de atenção especial por parte dos autores ligados à tradição reflexivista na antropologia, estando particularmente bem explicitada em Geertz (1983). 10 A própria concepção de verdade religiosa no Romantismo, não como um dado objetivo mas como algo que existe na subjetividade, conforme apontado por Reardon, sem dúvida conflui para as concepções que apoiam as técnicas de
  • 27. 18 destaque os dois pólos que fornecem a chave para a compreensão ocidental de um conceito central em tradições hindus como a do Siddha Yoga, o de tat tvam asi (tu és isso)11 , em que o micro se identifica com o macro, o atman com brahman. Um outro ponto trazido pelo Romantismo que estará na base de sua “descoberta” das tradições místicas hindus será a questão da valorização de elementos irracionais em detrimento da via intelectual de conhecimento privilegiada dentro do iluminismo. A Lebensphilosophie (filosofia da vida) “fica do lado do sentimento, do instinto, contra o intelecto; do lado dos românticos e místicos contra os racionalistas; do lado do aristocratismo e dos homens geniais contra o igualitarismo democrático e o filisteu” (Schmidt, 1945, p.247). Ou, conforme citação feita por Campbell, o “romantismo é uma maneira de sentir, é um estado de espírito no qual a sensibilité e a imaginação predominam sobre a razão; ele tende em direção ao novo, ao individualismo, à revolta, ao escape, à melancolia, à fantasia”, sendo marcado também por uma “insatisfação com o mundo contemporâneo, ansiedade incontrolável frente à vida, preferência pelo estranho e curioso, pendor pelo sonho e pela fantasia, inclinação para o misticismo, e celebração do irracional” (Campbell, 1995, p.181). Neste sentido, o Oriente funcionou como o espaço ideal para o encontro do exótico e do distante, e todas as suas tradições místicas como um campo fértil para a busca de mecanismos outros, que não os da racionalidade, para o desenvolvimento de si: “the German poets had recognized what later would become even clearer, that the Oriental traditions represented a potencial alternative to the rationalism and constraints, the empirical blinders of the Enlightment” (Versluis, op. cit., p.19). Outras concepções românticas que serão potencializadas no encontro com o Oriente serão a valorização da experiência, decorrente das concepções sobre a realidade única de cada acesso à divindade nas tradições místicas hindus a partir da experiência individual (Reardon 1989, p.10, apud Luz, 1998, p.19). 11 Em seu artigo sobre as noções de pessoa e de “eu”, Mauss comenta que a Índia, a mais antiga civilização a ter noção do indivíduo, de sua consciência, do “eu”, criou o conceito de ahamkara, ou “fabricação do eu”, a partir da tradição revelada a seus rishis, os sábios videntes. A samkhya, escola que teria precedido o budismo, sustentou o caráter composto das coisas e dos espíritos, considerando que o “eu” seria a coisa ilusória; o budismo, em sua fase inicial, decretou que o “eu” era apenas um composto, divisível, a ser aniquilado no monge. As grandes escolas do bramanismo dos Upanishads, anteriores à própria samkhya e também baseadas em conhecimentos revelados, é que teriam reproduzido o diálogo de Vishnu mostrando a verdade a Arjuna, no Bhagavad Gita: “tat tvam asi” ou “tu és isso” (o universo) (Mauss, 1973, p.225-226).
  • 28. 19 indivíduo e dos elementos que constituem sua história, e a recuperação dos ideais de comunidade, que examinaremos com maior detalhe em outros momentos deste trabalho. Apropriações do Oriente durante o Transcedentalismo Na esteira das apropriações românticas do Oriente de interesse direto para nosso trabalho, estará o surgimento, ainda na primeira metade do século XIX, do Transcendentalismo, nos Estados Unidos, movimento literário grandemente influenciado pelos poetas e filósofos alemães e ingleses daquela tradição. Mantendo-se na mesma linha de uma apropriação textual do Oriente, seus dois principais representantes e responsáveis pelo surgimento do movimento, Emerson e Thoreau, beneficiaram-se igualmente das primeiras traduções dos textos sagrados orientais, que colocaram à disposição do público de língua inglesa, já nos finais do século XVIII, alguns dos textos centrais da tradição hindu. O encontro do Oriente dentro do Transcendentalismo representou uma contestação às ortodoxias no campo religioso, abrindo as portas nos Estados Unidos para um tipo de postura pluralista inédita até aquele momento12 . Pela primeira vez foram reconhecidas como legítimas naquele país outras fontes de inspiração religiosa, fora da tradição judaico-cristão. Todas as religiões, dentro desta visão, teriam valor idêntico, refletindo de formas diferentes uma única e mesma realidade transcendente, algo já colocado pelos idealistas alemães. Na síntese feita por Versluis: “...positive Orientalism really is part of the larger American struggle for religious and cultural pluralism in a nation that is often self-identified with Judeo-Chistianity alone. In this movement toward religious and cultural pluralism, Trancendentalism played a significant role, as it appeared just when the Western world, and especially the United States, was learning about traditions other than the Judeo-Chiristian. Transcendentalism, then, represents a transition from the outright rejection of Asian religions to the pluralist acceptance of them in America. The efforts of the Transcendentalists, conditioned as they often were by the tenor of their times, opened the way to 12 O interesse pelo Oriente nos Estados Unidos acompanhou de perto o que se verficou na Europa, onde se formaram diversos scholars americanos, sobretudo na Alemanha. A American Oriental Society foi fundada em 1842. Nas décadas de 1880 e 1890, iniciaram-se os estudos de religião comparada na maioria das universidades americanas. A perspectiva universalista dos Unitarianistas norte-americanos também contribuiu para a divulgação do Oriente naquele país, através da publicação de livros no último quartel do século XIX defendendo a veracidade de todas as religiões (Jackson, 1994, p.9-11).
  • 29. 20 the publication of Asian writers and to the rooting of Asian traditions in America” (Ibid., p.166). Que não se suponha, contudo, que esta “descoberta” do Oriente, e, mais marcadamente, dos textos hindus, que despertaram um interesse mais direto de Emerson e Thoreau, representou a entrada em um campo de idéias inteiramente novo para o pensamento americano. Mais uma vez aqui, se faz necessário chamar atenção para o fato de que o Oriente que se “descobre” é aquele que conflui para todo um tipo de reflexão já estabelecida anteriormente dentro das próprias tradições ocidentais. Neste sentido, a novidade de Emerson e Thoreau estaria no fato de que foi com eles que se viu pela primeira vez “a serious attempt at conjoining Asian philosophical and religious teachings in Hinduism and Buddhism, and Western thougth”, inaugurando um novo tipo de sincretismo (Id., p.36). Neste texto de 1852, William Channing descreve da seguinte forma o Transcendentalismo: “In part it was a reaction against Puritan Ortodhoxy; in part, an effect of renewed study of (...) Oriental Pantheists, of Plato and the alexandrians, of Plutarch’s morals, Seneca and Epictetus (...)” (Versluis, op.cit.., p.6). Considera-se assim a descoberta dos textos orientais, iniciada nos anos 1840, sobretudo em Emerson, coetânea a um interesse pelos textos platônicos e neo-platônicos que teriam, segundo a avaliação de muitos estudiosos, diversos pontos de contato com os ensinamentos budistas e do Vedanta (Id., p.7). Mais uma vez aqui, Oriente e Ocidente parecem ter se aproximado por suas semelhanças, e não por suas diferenças. O interesse específico de Emerson por duas das três vias para a liberação apresentadas na Bhagavad Gita - a do trabalho (karma ioga) e a do conhecimento (jnana ioga), em detrimento da via da devoção (bhakti ioga) - parece confluir para a questão do intelectualismo que marca estas primeiras aproximações do pensamento ocidental com o Oriente. A via do trabalho é associada por Emerson à moral, e a da gnosis à iluminação. Conforme apontado por Versluis, estas duas vias encontrariam um paralelo dentro da tradição mística cristã, sob a forma da via positiva, ou a do caminho ativo, do trabalho, e a da via negativa, restrita à contemplação. A via negativa incluiria e transcenderia a positiva, da mesma forma que a jnana ioga incluiria e transcenderia a karma ioga (Id., p.56). Este registro é importante por colocar em destaque o fato já apontado de que nestas apropriações do Oriente o que muitas vezes está em jogo é encontrar apoio em outras tradições
  • 30. 21 para elementos já presentes em certas correntes do pensamento ocidental, mas que não fazem parte do mainstream dominante, como no caso das vias místicas dentro do cristianismo, com muito pouca visibilidade, àquela época, frente às suas correntes mais ascéticas. Neste sentido, os Transcendentalistas não inovaram, isto é, como todos os europeus que basearam seu orientalismo apenas em textos, “[they’ve] interpreted Asian religious texts according to their particular bent. Emerson and Thoreau abstracted, Johnson and Frotingham universalized, and others Christianized” (Id., p.4). A informação de que o interesse dos Transcendentalistas pelas religiões asiáticas esteve relacionado à perspectiva de algumas heresias cristãs em relação ao calvinismo ortodoxo, esclarece, neste caso específico, que tipo de corrente não hegemônica do pensamento cristão foi apoiada pela apropriação de tradições orientais. Assim: “(...) the Transcendentalist interest in Asian religions derived substancially from the Unitarian affirmation of what from the orthodox Calvinist perspective were Socinian, Arian, Pelagian, and Arminian heresies. The Socinian and Arian heresies  which held that Christ was not fully divine (...)  opened the way for Transcendentalists to affirm that Christ was not the only way to salvation, that Hinduism, Buddhism, and other world religions also were divine revelations. The Arminian and Pelagian heresies  wich denied predestination and held that people could improve themselves and work toward salvation  allowed the Transcendentalists to become interested in Hinduism, Buddhism, and other world religions that also affirm that we must work out our salvation for ourselves” (Id., p.6). Embora o contato de Emerson e Thoreau com as religiões orientais tenha ficado restrito à via textual, vale salientar, contudo, uma diferença importante entre ambos, sobretudo se levarmos em conta os desenvolvimentos posteriores da apropriação ocidental do Oriente, que passaria a se pautar por uma valorização da experiência, em todos os níveis. Neste sentido, enquanto Emerson parece ter tido como meta principal “a conversion to a literary religion that fuses all the world’s religion scriptures” (Id., p. 76), Thoreau, antecipando o acento na experiência que se verificaria depois, “tried to live by what he had read and reconized as perennial truth” (Id., p.79), conforme pode ser verificado através das práticas que descreve em Walden. Apropriações do Oriente pelas tradições esotéricas e ocultistas ocidentais
  • 31. 22 O terceiro movimento na confluência entre Oriente e Ocidente de interesse para este trabalho reúne as tradições ocultistas e esotéricas ocidentais, e diz respeito, na verdade, a toda uma série de momentos de contestação às ortodoxias cristãs em que foram buscados caminhos alternativos de contato com o sobrenatural. Estes movimentos, localizados em sua grande maioria após a Renascença, oferecem muitas vezes o elo para que se possa entender o espaço que o Oriente conquistou dentro do pensamento ocidental a partir do século XVIII. Ao explicar as correspondências encontradas entre o pensamento romântico de Novalis e os Upanishades, René Gérard formula esta questão de forma clara, fazendo-nos retornar às raízes acima mencionadas: “L’obscure correspondance entre Novalis et les Oupanichads ne s’éclaire que si l’on cesse de vouloir l’expliquer par l’influence de l’Orient redécouvert à la fin du dix huitième siècle, et si l’on fait appel à cette influence indirecte qui n’a jamais cessé de s’exercer d’Est en Ouest à travers le néoplatonisme, les mystiques et illuminés de la Renaissance, aux ères des grandes négations religieuses. Or, jamais depuis la Renaissance l’occultisme n’a fleuri comme en cette fin du dix-huitième siècle. Affleurant dans le martinisme, le swedenborgisme, le hernhutisme de Zizendorf, le rose-crucisme et une multitude de loges plus ou moins illuminées, grossi par les adeptes du magnétisme animal, de l’hypnotisme, de somnambulisme, de la télépathie et autres phénomènes ‘miraculeux’ tenus pour spirituels, soutenu par tous les mouvements milénaristes qui annonçaient une nouvelle révelation, un nouvel âge d’or, l’occultisme déferle sur le pré-romantisme, touche tous les milieux et dépose dans l’élite (...) une réserve de ferments mystiques que le romantisme sera long à epuiser” (apud Versluis, op. cit., p.21). Este contato com o Oriente nunca interrompido pela tradição ocultista será revivificado na segunda metade do século XIX com a criação da SociedadeTeosófica13 , em 1875, por Helena Blavatsky e Henry Olcott, atualizando um interesse pelo Oriente enquanto propiciador de um contato com o extraordinário e o sobrenatural fora dos quadros da religião cristã dominante. 13 Pode-se dizer que a teosofia teve origem no Ocidente com Pitágoras, tendo sido elaborada posteriormente por figuras como Platão e Plotino bem como pelo movimento neoplatônico de Alexandria, reconhecendo-se suas afinidades com as tradições gnósticas e cabalísticas e com o sufismo islâmico. Na Europa, ela reapareceu intermitentemente sob diferentes rótulos: nas doutrinas alquímicas e herméticas e em fraternidades como a Franco- Maçonaria e o Movimento Rosacruz. No período moderno como um todo, o termo teosofia é associado a figuras
  • 32. 23 Segundo Needleman, tanto o ocultismo, em suas diversas variantes, quanto as religiões orientais, apresentariam maiores recursos de linguagem para introduzir a questão do self  isto é, de uma instância internalizada, por vezes sacralizada, do eu  para um público secularizado. A observação de Needleman nos parece importante por indicar que a temática do self não é de modo algum estranha à tradição judaico-cristã, dando-nos uma pista para a compreensão das razões que explicam porque é que este elemento não foi acionado, apesar disto, a partir daquela tradição. Assim: “The religious traditions of the West have been of little help in supporting or deepening this quest for self-knowledge initiated by the development of scientific psychology. Although the spirituality of the Western religions contains a profound knowledge of the self, these traditions have on the whole been unable to comunicate this knowledge in a language and under conditions that can be accepted by the contemporary secularized seeker” (1995, p.xxiv). Assim, sem negar que a tradição cristã conhecesse a questão do self, considera que, por uma deficiência de linguagem, ela não pode apoiar a reflexividade  entendida aqui como a busca de autoconhecimento. Neste sentido, o que muitas espiritualidades esotéricas parecem ter propiciado foi “an approach to self-knowledge separable from prior acceptance of a system of religious belief and moralism” (Ibid., p. xxiv). O renascimento da tradição ocultista representado pela criação da Sociedade Teosófica significou também uma capacidade de convivência com o pensamento científico da época, o que, naquele momento, ainda representava um sério problema para o campo religioso cristão. Segundo Needleman, os ensinamentos esotéricos, na verdade, “give to the faculties of knowing, imagination, observation, and speculation places these [esoteric] movements, at least as regards their overall tone and atmosphere, closer to the modern scientific temperament than to the religions of faith, trust, and hope that have on the whole defined Western religious culture”. (Ibid, p.xxiii). A Sociedade Teosófica, cujos desdobramentos se estenderam à própria Índia, para onde deslocou sua sede em 1882, inaugurou um fenômeno que ganharia expressão como Meister Eckart, Giordano Bruno, Emanuel Swedenborg e Jacob Boheme. O Movimento Teosófico a que nos referimos neste capítulo é o criado no final do século XIX por Helena Blavatsky (Sellon , Weber, 1995, p.311- 312).
  • 33. 24 posteriormente, o da formação de mestres ocidentais nas tradições orientais. Embora os textos que compuseram o cânone da Sociedade tenham sido produzidos pela própria Helena Blavatsky, o que foi motivo de polêmicas e acusações contra ela, nas quais foi questionada a forma “revelada” sob a qual teriam sido transmitidos, seu conteúdo misturou influências de diversas escolas do pensamento filosófico e religioso hindu14 , contribuindo assim para a difusão das tradições orientais que preparou o terreno para a representação de si mesmos de que trataremos no próximo ítem. Ainda dentro da tradição ocultista, Réné Guénon (1896-1951), já na primeira metade do século XX, foi uma figura importante no que diz respeito à divulgação do hinduísmo, apesar de ter sofrido, da mesma forma que Helena Blavatsky, acusações que colocavam em dúvida a confiabilidade de seus conhecimentos15 . O interesse de Guénon, contudo, para além deste tipo de discussão sobre sua obra, nos parece residir na forma como as religiosidades orientais foram absorvidas por ele, fornecendo-nos, mais uma vez, um exemplo de que a busca do Oriente empreendida pelo Ocidente nos dá elementos para desvendar sobretudo o imaginário do próprio Ocidente. Assim, após anos de contato com as tradições taoístas, hinduístas e sufistas16 , a concepção apresentada por Guénon sobre realização espiritual, estará eivada de princípios 14 Em que pesem as polêmicas em torno da autenticidade dos ensinamentos difundidos pela Sociedade Teosófica, sua atuação foi importante não apenas pelo tipo de aproximação positiva com o Oriente que vem sendo objeto de nossa atenção, mas também pelo papel que desempenhou no que diz respeito ao fortalecimento de tradições orientais dentro do próprio Oriente. Neste sentido, destacamos a atuação de Henry Olcott (1832-1907), co-fundador da Sociedade com Blavatsky (1831-1891), na recuperação da tradição budista no Ceilão (atual Sri Lanka) por meio do estabelecimento de escolas e universidades budistas no país a partir de 1880 (Sellon e Weber 1995:316); e as atividades na Índia de Annie Besant (1847-1933), também seguidora da Sociedade, que fundou em 1898 uma de suas mais importantes universidades, a Benares Hindu University, com o intuito de contribuir para a recuperação do hinduísmo clássico, que considerava ideal em matéria de religião. O reconhecimento de Besant nos meios hindus pode ser avaliado pelo fato de que sua militância em favor da independência da Índia levou-a a presidir o Indian National Congress durante algum tempo. (Varrene, op. cit., p.278). 15 Os meios acadêmicos franceses sempre tiveram uma relação tensa com Guénon e sua obra, considerando-a ela própria uma nova forma de ocultismo, sobretudo pela ausência de referências confiáveis em relação às fontes utilizadas. Um bom exemplo disto foi a recusa, em 1921, de seu livro Introduction générale à l’étude des doctrines hindoues para obtenção de grau acadêmico na Sorbonne (Borella, 1995, p.333-335). Apesar disto, seu reconhecimento nestes mesmos meios acabaria por ocorrer de forma indireta, posteriormente, através da influência que seu trabalho iria exercer sobre um dos principais estudiosos do hinduísmo na França, na segunda metade do século XX, o sociólogo Louis Dumont (ver a este respeito Lardinois, 1995). Além do já mencionado Introduction génerale... Guénon também publicou outros dois livros sobre o hinduísmo L’homme et son devenir selon le Vedânta e Études sur l’Hindouisme (Feuga, Michaël, 1998, p.121). 16 A educação de Guénon em sua infância e adolescência na França incluiu estudos sobre estas três tradições. Ao longo de sua vida, contudo, ele faria uma opção definitiva pelo sufismo, ao qual foi iniciado em 1912, o que certamente influenciou sua decisão de tornar-se cidadão egípcio, em 1949 (Rawlinson, 1998, p. 71 e Borella, op. cit.., p. 334).
  • 34. 25 claramente esboçados durante o romantismo. Para ele, o principal objetivo da evolução espiritual seria “to lead one to the attainment of one’s true destiny, namely, one’s real unification with one’s own essence: ‘become what you are’, which assumes that now we are not and that modern individuals ‘remain outside’ of their essences, which is precisely the meaning of the word existence (from ex-sistere, ‘remain out of’)” (Borella, 1995, p.346). Poderíamos então avançar, como marco cronológico tentativo para a retomada de contatos entre Oriente e Ocidente ocorrido sob a égide da expansão imperialista, um primeiro momento, situado entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XX, em que a imagem construída do Oriente esteve  para além de todas os empreendimentos examinados por Said, de constituição do Oriente como um outro a ser dominado  amplamente referida ao ideário romântico, no qual a construção do self e todos os temas interconectados a ela, como o da interioridade, singularidade e perfectibilidade, receberão grande destaque. Estes temas, ao serem cruzados com os da religiosidade e da espiritualidade, fornecerão pistas importantes para a compreensão dos novos movimentos religiosos que se afirmarão no Ocidente a partir da segunda metade do século XX, quando deixarão de ser objeto de interesse apenas de uma elite para alcançar segmentos quantitativamente muito mais expressivos da população. 1.2) A “representação de si mesmos” A resposta a estas apropriações do Oriente realizadas pelo Ocidente desde finais do século XVIII só iria se iniciar em finais do século XIX a partir do Parlamento Mundial das Religiões, realizado em Chicago, em 189317 . Neste, destacaram-se as participações de Swami Vivekananda e de Soyen Shaku, cujo impacto possibilitou, respectivamente, a instalação das primeiras Sociedades Vedanta e centros de Zen Budismo nos Estados Unidos, inaugurando-se um novo momento de contato entre Oriente e Ocidente. Esta nova fase foi marcada pela passagem de 17 O Parlamento Mundial das Religiões, realizado paralelamente à Exposição Universal de 1893, foi uma iniciativa de correntes liberais protestantes dos Estados Unidos, em que se buscou a participação de porta vozes das principais religiões mundiais para falar. O evento, ainda que repudiado pelos grupos religiosos mais ortodoxos tanto da Europa quanto dos Estados Unidos, representou um estímulo importante para o prosseguimento dos estudos de religião comparada nos meios universitários daqueles países e para a continuação da publicação de traduções de textos orientais (Ellwood, 1987, p.20). Recentemente, o Parlamento tem sido avaliado como um marco do fim do triunfalismo protestante na América, e da afirmação da perspectiva religiosa pluralista que ganhou corpo naquele país ao longo do século XX (Cf. Seager, 1995).
  • 35. 26 uma relação textual18 , empreendida por Românticos, Transcendentalistas e Ocultistas, para uma relação prática, possibilitada pela instalação das primeiras instituições dirigidas por mestres orientais voltadas para o ensino de suas religiões para devotos e discípulos ocidentais19 . A construção de imagens do Ocidente pelo Oriente A atuação de representantes do campo religioso teve importância estratégica no percurso realizado para contrapor às imagens criadas para fortalecer e justificar a dominação do Oriente pelo Ocidente uma imagem positiva do Oriente. Conforme já apontamos, este esforço encontrou apoio dentro de algumas vertentes do próprio pensamento ocidental, e mesmo da produção classificada como orientalista. O que nos interessa destacar agora, contudo, é que esta “representação de si mesmos”, cujo início estamos localizando no século XIX, trouxe consigo a construção, desta vez pelo Oriente, de um conjunto de imagens do Ocidente, mostrando que esta clivagem Oriente/Ocidente não ficou restrita a processos simbólicos apenas do Ocidente. Neste conjunto, destacava-se a visão sobre o materialismo ocidental em oposição à espiritualidade do Oriente, em geral, e da Índia, em particular. Vivekananda acreditava que as lideranças hindus não deveriam titubear em utilizar-se destas diferenças em benefício de ambos os lados: “You must go out and exchange our spirituality for anything they have to give us; for the marvels of the region of Spirit we will exchange the marvels of the region of matter” (apud McKean, 1996, p.282) . A Índia é vista, assim, como tendo a missão de curar a civilização ocidental dos males do materialismo. 18 Uma exceção notável a esta postura textual que preveleceu nas apropriações do Oriente realizadas ao longo do século XIX, foi Richard Francis Burton (1821-1890). Este inglês, que falava mais de vinte línguas e fez uma das primeiras versões para o inglês das Mil e Uma Noites e do Kama Sutra, teve uma vivência profunda e pessoal do islamismo, convertendo-se ao sufismo. Burton, primeiro ocidental a fazer uma peregrinação à Meca, pode ser visto como um precursor das viagens iniciáticas para o Oriente, vendo a si mesmo como um peregrino, a quem “poucas coisas importavam além do objetivo místico”, incorporando assim em sua própria vida uma das metas centrais do Mantiq ut-tayr, principal épico sufista (Rice, 1990, p.469). 19 No caso do zen japonês, foi a participação de Soyen Sahku no Parlamento Mundial das Religiões que ensejou a ida para os Estados Unidos de seu aluno D. T. Suzuki, figura decisiva para a difusão do zen no Ocidente. Em 1896, Soyen organizou uma conferência que reuniu cristãos e budistas no Japão e foi outro de seus discípulos, Sasaki Shigemitsu, que estabeleceu, em 1930, a primeira Sociedade Budista da América, mais tarde conhecida como o First Zen Institute of New York (Ellwood, op, cit., p.21-22).
  • 36. 27 Esta dualidade entre os dois hemisférios permaneceu presente nas avaliações de outros renunciantes hindus que seguiram a trilha aberta por Vivekananda em direção ao Ocidente, constituindo a Índia como sua antítese : “Brahman is the only reality in India, matter is the only reality in the West; self- realization is the ultimate goal in India, power and domination are the ultimate goals in the West; Indians pursues happiness through self-restrain, Westeners pursue pleasure through self-indulgence; renunciation brings joy to Indians, possession brings joy to Westeners; nonviolence is the Indian ideal, killing and conquest is the Western ideal” (Swami Sivananda, apud McKean, op. cit., p. 167)20 . Estas avaliações parecem reproduzir o mesmo procedimento essencialista utilizado pelo discurso orientalista, só que, agora, no caminho inverso. Contudo, no caso do hinduísmo, veremos que a construção que se fará do outro para afirmar a própria identidade, longe de simplesmente apresentá-lo como uma negação, implicará também em uma série de negociações de que farão parte tanto a adoção de valores deste outro quanto a flexibilização de alguns de seus valores próprios, criando-se assim, na tentativa de recuperar uma identidade anterior ao contato colonial com o Ocidente, uma identidade na verdade nova, por distinguir-se do outro ao mesmo tempo em que incorporando alguns de seus valores e procedimentos. A “resposta” do Oriente às imagens que lhe foram atribuídas pelo Ocidente, no caso hindu que estamos analisando, surgiu, portanto, eivada de complexidade; não bastou negar o Ocidente para afirmar-se, foi preciso também incorporar seus traços, apropriar-se de seus procedimentos. Podemos apresentar como exemplo deste fenômeno as primeiras incorporações de uma postura missionária dentro do hinduísmo, inspiradas em grande parte nas experiências que cristãos e muçulmanos estabeleceram na Índia, e que se constituiram como resposta a estas; a absorção de mecanismos de gestão e de comunicação tipicamante ocidentais por parte de grupos sectários indianos com atuação dentro e fora da Índia; a atuação destes movimentos sectários na sociedade através de atividades de assistência social calcadas em modelos tipicamente ocidentais; e a integração de figuras (santos) cristãs e muçulmanas à tradição hindu, buscando afirmar um caráter universalista através deste procedimento. Este último elemento parece ter desempenhado 20 Swami Sivananda foi o fundador da Divine Life Society, movimento criado em 1937, em Rishikesh, que se expandiu para o Ocidente no final da década de 1950.
  • 37. 28 um papel decisivo naquilo que poderíamos considerar como uma das estratégias de expansão de uma religião que, contudo, formalmente, não admitia praticar o proselitismo21 . A Renascença Hindu e a Missão Ramakrishna O movimento Ramakrishna, responsável pela inauguração da representação de si mesmos hindu no Ocidente, teve diversos de seus líderes, a começar por Swami Vivekananda, ligados ao Brahmo Samaj, associação política com atuação decisiva na assim chamada “renascença hindu”. A atuação de Vivekananda no Parlamento Mundial da Religiões, inscreveu- se numa perspectiva de responder e contrapor-se à imagem difundida no Ocidente sobre a Índia, sobretudo pelos missionários cristãos, fortalecendo uma identidade que estava necessitando ser restaurada dentro da própria Índia naquele momento. Fazê-lo, contudo, implicou, paradoxalmente, na necessidade de empreender algumas adaptações, conforme apontamos, na 21 A presença do proselitismo dentro das tradições hindus, em que pese esta auto-imagem de neutralidade religiosa, esteve presente na Índia pelo menos desde o final do séc. XIX, quando a introdução da prática do suddhi, ritual de purificação originariamente destinado aos brâmanes, passou a ser usada como meio de (re) conversão ao hinduísmo de cristãos e muçulmanos. No que diz respeito aos estrangeiros, a questão do proselitismo e da conversão ao hinduísmo, não se colocaria, ao menos teoricamente, por entrar em conflito com a própria concepção do que é ser hindu, algo que remete a um sistema não apenas religioso, mas socio-religioso, estando associado apenas a quem nasce na Índia. Assim, conforme explicação de Hulin e Kapani: ... “ce qu’on appelle l’hindouisme (mot crée par les anglais vers 1830) ne correspond pas à un domaine séparé de la vie sociale, comme c’est le cas pour la religion de nos jours en Occident. L’hindouisme est essentiellement et indissolublement un système socio-religieux. Le mot retenu en sanskrit (...) est dharma ce qui, sans contredire l’idée de religion, signifie plus précisement le fondement cosmique et social, la norme régulatrice de la vie. Il s’agit d’une loi immanente à la nature des choses, inscrite à la fois dans la société au fond de chacun de nous. Poser à un hindoue la question: ‘Quelle est votre réligion?’ revient donc à lui demander: ‘Quel est votre way of life?’Plus complètement, en effet, c’est le mot composé varna-asrama-dharma qui définit le contenu de la religion hindoue, c’est à dire, outre la morale générale (sadharana-dharma), les devoirs particuliers qui incombent à chacun en fonction de son appartenance à telle ou telle classe sociale, en fonction de l’étape ou stade de vie où il se trouve et, bien entendu, de son âge et de son sexe” (1993, p.375). Contudo, no caso dos estrangeiros em busca de iniciação religiosa através das seitas hindus, a questão se coloca de uma outra maneira: “Un étranger, né des parents non hindoues, ne peut évidemment entrer dans ce système socio-religieux. Il ne le demande d’ailleurs pas. Ce qui l’interèsse, c’est l’accès aux ashram, aux guru. C’est de devenir lui-même un renonçant, un sannyasin, un guru. Ici la voie est parfaitement tracée: celle-là même qui suivent ceux des hindoues qui ont renoncé à la vie familiale, avec les droits et devoirs qu’elle comporte, et sont devenus des ‘morts sociaux’, aus sens de Louis Dumont. Cela nous permet de clarifier la question du prosélytisme. A l’intérieur du système, elle ne se pose même pas. En revanche, dans le cadre du renoncement, certains sadhu ou leurs émules occidentaux peuvent avoir une activité missionaire. C’est le cas de la célèbre Ramakrishna Mission, fondée par Vivekananda, de Maharishi Mahesh Yogi et de sa ‘méditation transcedentale’, de Sivananda, Yogananda et de nombres d’autres guru, authentiques ou non, dont on entend parler en Occident” (Id., p.387).
  • 38. 29 própria identidade. Neste sentido, vale registrar que os indivíduos que levaram a cabo a tarefa de modificar as bases do diálogo com o Ocidente, possuíam geralmente uma sólida formação nas principais tradições filosóficas e religiosas ocidentais. A representação de si mesmos levada a cabo pelos hindus dentro da própria Índia implicou também na reelaboração de sua identidade em termos que incorporaram elementos modernizantes em detrimento de tradições mais ortodoxas, como a queimação de viúvas e o casamento de crianças. Considera-se que estas modificações foram decorrentes da absorção de críticas ocidentais a estes procedimentos por parte das elites hindus que receberam educação em escolas cristãs durante a dominação britânica. Estas modernizações não impediram, contudo, que os grupos sectários que se deslocaram para o Ocidente assumissem um duplo papel a partir de então, prestando-se, internamente, à afirmação da tradição religiosa, mesmo que com algumas reformas, enquanto que, no Ocidente, tornaram-se instrumento da destradicionalização no campo religioso. Foi este o caso da Missão Ramakrishna. A Missão Ramakrishna pode ser vista como paradigmática dos movimentos sectários hindus que tentaram se implantar no Ocidente com o objetivo específico de atingir um público ocidental. O movimento, liderado por Vivekananda22 , foi o primeiro a fazê-lo, conseguindo manter-se até hoje e firmando um modelo de expansão adotado por diversos dos movimentos que lhe sucederam. Este modelo incluía a manutenção de centros tanto nos Estados Unidos quanto na Índia23 , a possibilidade de ordenação de monges ocidentais e o partilhamento da gestão dos centros no Ocidente com devotos ocidentais, ainda que geralmente sob a liderança de monges hindus24 . 22 A Missão Ramakrishna foi criada por Swami Vivekananda (1863-1902) em 1898, dois anos após a morte de Ramakrishna (1837-1896). Com sede estabelecida em Belur Math, mosteiro às margens do Ganges, próximo a Calcutá, a Missão tinha como duplo objetivo a salvação individual e a doação de comida, educação e sabedoria espiritual para o povo. Esta perspectiva humanitária, de reforma social, introduzida por Vivekananda, contrariava a visão de muitos monges do movimento, que viam a auto-realização como único objetivo a ser buscado pelos devotos. (Jackson, 1994, p.31-32). 23 Praticamente todos os grupos que se deslocaram posteriormente para o Ocidente mantiveram sedes na Índia, como o próprio Siddha Yoga, o Movimento Hare Krishna, a Divine Life Society e a Self Realization Fellowship. 24 O Movimento Ramakrishna vivenciou alguns momentos de tensão nos Estados Unidos justamente em torno desta questão, uma vez que as lideranças do movimento na Índia recusaram-se a aceitar a indicação de discípulos ocidentais para a direção das Sociedades Vedanta nos Estados Unidos. O problema explicitou-se claramente por ocasião da substituição de Swami Paramananda, falecido em 1940, quando duas monjas norte-americanas, Gayatri
  • 39. 30 Ramakrishna desprezava as distinções de casta e considerava sua doutrina, baseada nos princípios do advaita vedanta25 , como igualmente válida para cristãos e muçulmanos, sem que estes tivessem que passar por nenhum tipo de conversão ao hinduísmo: “No discutáis sobre las doctrinas y las religiones. No hay más que una. Todos los ríos van al océano... La gran corriente de agua traza a lo largo de la pendiente, según las razas, las edades y las almas, un lecho diferente; el agua es siempre la misma...” (apud Varrene, 1993, p.261). Embora Vivekananda tivesse seguido de perto os ensinamentos de Ramakrishna, diferenças significativas apresentavam-se entre ambos. Segundo Jackson, Ramakrishna, oriundo de uma família camponesa da região de Bengala, podia ser considerado um representante da “velha Índia”, dos valores da sociedade camponesa mística e tradicionalista, voltado para a busca interior de Deus, ao passo que Vivekananda, pertencente à classe média de Calcutá, advogado, educado em colégios de missionários cristãos, representaria a “Nova Índia”, os valores da sociedade urbana e uma perspectiva que associava ao misticismo tradicional a necessidade de reformas na sociedade hindu, encarando a religião como um meio de atuação também sobre a realidade externa. (Jackson, 1994, p.22) Neste sentido, Vivekananda aparece como uma figura central para a mediação entre estes dois mundos, e, de certa forma, paradigmático de um certo tipo de junção entre Oriente e Ocidente, por reunir em sua pessoa concepções tidas como típicas dos dois mundos. A explicação de Jackson sobre o significado do “vedanta prático” pregado por Vivekananda é bastante esclarecedora neste sentido: “He sometimes spoke of his message as ‘practical Vedanta’, an apt description in the sense that he advocated both individual enlightment and social reform. A rising number of Indians favored social reform and many more proclaimed themselves Vedantists, but few nineteenth-century Indians championed both social reform and Vedantism. (...) At the very least, his education and years in the West helped clarify and mold his ideas concerning social reform” (Ibid., p.31). Devi e Sister Daya, foram impedidas de substituí-lo na chefia dos centros de Boston e Los Angeles (Jackson, op. cit., p.64). 25 O advaita vedanta é a principal escola do Vedanta, fundada por Shankara no séc. IX dc. Esta escola, não-dualista, baseou seus ensinamentos na seleção de 14 Upanishades produzidos entre os séculos VIII e VI a.c., de onde foi retirada a célebre frase tat tvam asi (“tu és isso”). Os Upanishades são considerados os últimos Vedas, significado do termo “Vedanta”. Os primeiros hinos védicos remontariam a cerca de 1500 a.c.
  • 40. 31 A atuação de Swami Vivekananda no Parlamento Mundial das Religiões No Parlamento Mundial das Religiões, seu discurso, reproduzido na íntegra em Ellwood (1987, p.51-61), apresentou um conjunto de questões voltadas para o esclarecimento do que seria o hinduísmo, cujo alvo principal são as interpretações correntes deste realizadas no Ocidente, sobretudo pelas correntes cristãs. O hinduísmo é difinido em seu discurso como uma tradição multifacetada, dentro da qual diversos tipos de religiosidade teriam expressão. Ao invés desta pluralidade ser vista como fraqueza, algo muitas vezes colocado por seus críticos, ela é apresentada como um sinal de flexibilidade: “From the high spiritual flights of philosophy (...), from the atheism of Jains to the low ideas of idolatry and the multifarious mythologies, each and all have a place in the Hindu’s religion” (Ibid., p. 51). Sua ênfase recai em seguida na explicação sobre as revelações contidas nos Vedas, particularmente no que diz respeito à doutrina do karma, cuja evidência é afirmada a partir da possibilidade de acesso a níveis mais profundos de consciência, atingidos por mestres espirituais (os rishis), nos quais se encontrariam os traços de vidas passadas. Vivekananda se preocupa também em contrastar os princípios desta doutrina com o cristianismo, salientando como diferença importante entre ambos a inexistência da noção de pecado entre os hindus, uma vez que todo ser humano é visto como dotado de uma alma divina, que constitui o cerne de sua identidade e aquilo que torna a todos “the sharers of immortal bliss, holy and perfect beings”. Assim, comenta: “Ye divinities on earth sinners? It’s a sin to call a man so. (...) You are souls immortal, spirits free and blest and eternal; ye are not matter, ye are not bodies. Matter is your servant, not you the servant of matter” (Id., p.55). Outro ponto que também se presta a um contraponto com o cristianismo, embora este não seja mencionado diretamente, é o da convergência das concepções hindus com as posições da ciência, não havendo nenhum impasse a ser resolvido entre ambos: “Manifestation and not creation is the word of science of today, and the Hindu is only glad that what he has cherished in his bosom for ages is going to be taught in more forcible language and with further light by the latest conclusions of science” (Id., p.58).
  • 41. 32 A explicação sobre a bhakti (devoção) como um fim em si mesmo, independente das expectativas de recompensa neste ou em outro mundo, procura recuperar a idéia do amor incondicional a deus como um ítem indispensável no percurso espiritual. Em seguida, destaca a questão da experiência como elemento central na tradição hindu, em oposição à ênfase em aspectos doutrinários: “this is the very center, the very vital conception of Hinduism. The Hindu does not want to live upon words and theories; if there are existences beyond the ordinary sensual existence, he wants to come face to face with them” (Id., p.56). Apesar da ressalva inicial em relação à variedade de tradições englobadas pelo termo hinduísmo, Vivekananda propõe à certa altura uma definição geral sobre o que seria a religião dos hindus, apresentando-a como “a constant struggle to become perfect, to become divine, to reach god and see God, and in this reaching God, seeing God, becoming perfect, even as the Father in heaven is perfect, consists the religion of the hindus” (Id., p.56). Esta noção de perfectibilidade, que parece aproximar-se da noção de perfectibilidade valorizada no Ocidente a partir do movimento Romântico, aparece entretanto claramente associada aqui à idéia de chegar a Deus, contrastando assim com a idéia romântica de que a perfectibilidade é um anseio que faz parte de um processo que nunca alcança um fim. O politeísmo na Índia, tantas vezes condenado pelos missionários cristãos é simplesmente negado: “There is no polytheism in India” (Id., p.58). A tese de Vivekananda a este respeito é a de que a multiplicidade de deuses acionados pelas tradições populares, estreitamente associada às práticas de idolatria, nada mais são do que parte de uma estratégia adaptada aos diferentes estágios de desenvolvimento espiritual de cada um. Para algumas, o uso de imagens facilitaria a chegada a uma compreensão sobre a realidade última de Deus, não havendo por isto qualquer problema em relação à sua utilização. Assim, comenta: “The whole religion of the Hindu is centered in realization. Man is to become divine, realizing the divine, and, therefore, idol, or temple, or church, or books, are only suports, the helps, of his spiritual childhood.” E continua: “External worship, material worship, says the Vedas, is the lowest stage, struggling to rise the high; mental prayer is the next stage, but the highest stage is when the Lord has been realized”. Assim, continua, “If a man can realize his