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Acordos comerciais
e o Brasil
Nº 295 Fevereiro de 2014 Órgão Oficial do Corecon-Rj e Sindecon-Rj
Resumo da monografia de José Roberto Rosa Shirmer intitulada
Instrumentos alternativos de combate à inflação.
Luiz Carlos Delorme
Prado, Francisco Carlos
Teixeira, Elias Jabbour, Paulo Wrobel
e Lia Valls discutem os impactos da
Parceria Transpacífica e outros acordos
comerciais internacionais
sobre o Brasil.
Órgão Oficial do CORECON - RJ
	 E SINDECON - RJ
	 Issn 1519-7387
Conselho Editorial: Carlos Henrique Tibiriçá Miranda, Edson Peterli Guimarães, José Ricardo
de Moraes Lopes, Leonardo de Moura Perdigão Pamplona, Sidney Pascoutto da Rocha, Gilber-
to Caputo Santos, Marcelo Pereira Fernandes, Paulo Gonzaga Mibielli e Gisele Rodrigues. Jor-
nalista Responsável: Mar­celo Cajueiro. Edição: Diagrama Comunicações Ltda-ME (CNPJ:
74.155.763/0001-48; tel.: 21 2232-3866). Projeto Gráfico e diagramação: Rossana Henriques
(rossana.henriques@gmail.com). Ilustração: Aliedo. Fotolito e Impressão: Ediouro. Tiragem:
13.000 exemplares. Periodicidade: Mensal. Correio eletrônico: imprensa@corecon-rj.org.br
As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição das entidades.
É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.
CORECON - CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA/RJ
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ros Efetivos: 1º Terço:  (2014-2014): Arthur Câmara Cardozo, Gisele Mello Senra Rodrigues, João
Paulo de Almeida Magalhães – 2º terço (2012-2014): Gilberto Caputo Santos, Edson Peterli Guima-
rães, Jorge de Oliveira Camargo – 3º terço (2013-2015): Carlos Henrique Tibiriçá Miranda, Sidney
Pascoutto Rocha, José Antônio Lutterbach Soares.  Conselheiros Suplentes: 1º terço: (2014-
2016): Andréa Bastos da Silva Guimarães, Regina Lúcia Gadioli dos Santos, Marcelo Pereira Fer-
nandes – 2º terço: (2012-2014): André Luiz Rodrigues Osório, Leonardo de Moura Perdigão Pam-
plona, Miguel Antônio Pinho Bruno – 3º terço: (2013-2015): Cesar Homero Fernandes Lopes, José
Ricardo de Moraes Lopes, Sérgio Carvalho Cunha da Motta.
Sindecon - Sindicato dos Economistas do estado do RJ
Av. Treze de Maio, 23 – salas 1607 a 1609 – Rio de Janeiro – RJ – Cep 20031-000. Tel.: (21)2262-
2535 Telefax: (21)2533-7891 e 2533-2192. Correio eletrônico: sindecon@sindecon.org.br
Mandato – 2011/2014
Coordenação de Assuntos Institucionais: Sidney Pascoutto da Rocha (Coordenador Geral), An-
tonio Melki Júnior e Wellington Leonardo da Silva.
Coordenação de Relações Sindicais: João Manoel Gonçalves Barbosa, Carlos Henrique Tibiriçá
Miranda, César Homero Fernandes Lopes, Gilberto Caputo Santos.
Coordenação de Divulgação Administração e Finanças: Gilberto Alcântara da Cruz, José An-
tônio Lutterbach, José Jannotti  Viegas e André Luiz Silva de Souza.
Conselho Fiscal: Regina Lúcia Gadioli dos Santos, Luciano Amaral Pereira e Jorge de Oliveira Camargo.
O Corecon-RJ apóia e divulga o programa Faixa Livre, apresentado por Paulo
Passarinho, de segunda à sexta-feira, das 8h às 10h, na Rádio Bandeirantes,
AM, do Rio, 1360 khz ou na internet: www.programafaixalivre.org.br
Acordos comerciais............................................................................3
Francisco Carlos Teixeira Da Silva
O Brasil e os desafios internacionais depois da
crise
Acordos comerciais............................................................................5
Elias Jabbour
China, Brasil e a ALCA do Pacífico
Entrevista: Luiz Carlos Delorme Prado...............................................7
“O pior cenário para o Brasil seria uma ordem
internacional baseada em acordos comerciais, fora
da OMC, que criariam blocos econômicos com
regras propostas por países (ou blocos de países)
liderados pelos EUA ou pela União Europeia.”
Acordos comerciais......................................................................... 11
Paulo Wrobel
Nenhum país é uma ilha
Acordos comerciais......................................................................... 13
Lia Baker Valls Pereira
Os mega-acordos: reflexões para
a agenda de comércio do Brasil
Monografia...................................................................................... 15
José Roberto Rosa Shirmer
Instrumentos alternativos de combate à inflação
2 Editorial Sumário
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Acordos comerciais e o Brasil
A partir do vazamento de informações pelo WikiLeaks em novembro de
2013, o mundo conheceu um pouco mais sobre o tratado negociado pelos EUA
para a criação da Parceria Transpacífica, um mega-acordo comercial reunindo
países asiáticos, norte e sul-americanos e da Oceania. Simultaneamente, EUA
e União Europeia negociam o Acordo Transatlântico. Este cenário bastou para
que os ditos especialistas trombeteassem nos meios de comunicação tristes previ-
sões sobre o isolamento comercial do Brasil. Esta edição do JE reuniu um grupo
de economistas com visões diferentes para aprofundar a discussão destes temas.
Francisco CarlosTeixeira da Silva, do Iuperj e Escola de Comando e Estado-
-Maior do Exército Brasileiro, pergunta como é possível liberalizar o comércio
mundial numa conjuntura de crise e sugere uma negociação global, em que to-
dos renunciassem a subsídios e controlassem melhor suas tarifas.
Elias Jabbour, estudioso da economia da China, afirma que os EUA miram
no gigante asiático ao propor a Parceria Transpacífica e prevê que o novo bloco
afetaria o projeto brasileiro de integração sul-americana.
Luiz Carlos Delorme Prado, do IE/UFRJ, afirma em entrevista que o pior
cenário para o Brasil seria uma ordem internacional baseada em acordos comer-
ciais fora da OMC, que criariam blocos econômicos com regras propostas por
países liderados pelos EUA ou pela União Europeia.
Paulo Wrobel, da PUC-Rio e Universidade Estácio de Sá, defende que as
trocas comerciais geram prosperidade. Ele acredita que um acordo Mercosul-
-União Europeia ajudaria na exportação de produtos brasileiros manufaturados
e semimanufaturados.
Lia Baker Valls, da FGV e Uerj, afirma que os mega-acordos e o tema das
cadeias produtivas apontam a fragilidade das políticas voltadas para a integra-
ção produtiva regional, que devem ser compatíveis com o processo de inserção
competitiva global.
Fora do bloco temático, publicamos o resumo da monografia Instrumentos
alternativos de combate à inflação, de José Roberto Rosa Shirmer. O autor con-
clui que, no período de funcionamento do regime de metas de inflação no Bra-
sil, há evidências de que grande parte das origens das pressões inflacionárias não
pôde ser atenuada através da manipulação da taxa Selic.
3
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Acordos comerciais
Francisco Carlos Teixeira Da Silva*
C
reio que todos concor-
dam que a crise mundial
que eclodiu em 2008 ain-
da não foi debelada. Malgrado si-
nais de recuperação, em especial
nos EUA, a Europa e o Japão estão
longe de alcançar os níveis de 2008
e, com segurança, alguns países (em
especial na Europa, como Portugal,
Grécia, Irlanda e talvez Espanha e
Itália) não voltarão, mesmo depois
da crise, aos patamares de prosperi-
dade e riqueza pré-2008. Da mes-
ma forma, a euforia em torno dos
países do BRICS parece ter arrefe-
cido, com ritmos de crescimento
que dificilmente igualarão aqueles
dos últimos 20 anos. O mundo que
emergirá da crise terá uma geopolí-
O Brasil e os desafios
internacionais depois da crise
tica bastante diversa: velhos países
do Ocidente serão mais pobres, a
Europa perderá relevância e o mun-
do será mais diverso, mais multipo-
lar. Os sinais desta nova geopolíti-
ca já emergem no cenário mundial.
Como em meio a todas as de-
mais grandes crises internacio-
nais do capitalismo – 1873, 1919,
1929, etc. – as saídas são limitadas
e envolvem, inevitavelmente, gran-
des (re)arranjos do comércio in-
ternacional, da posição dos países
e numa ampla transferência de ri-
quezas mundiais. Nem sempre no
sentido em que os manuais clássi-
cos, em especial aqueles de viés li-
beral, apregoam. Em muitas crises,
como em 1873 e 1929, o fecha-
mento de mercados nacionais, o
aumento de tarifas, a imposição de
preferências coloniais (posto que,
então, havia colônias) e a busca de
uma pretensa “autarquia” – como
nos fascismos – foram itens busca-
dos para solucionar a crise.
Na atual crise, no alvorecer de
sua fase final (acreditemos no Re-
latório do Banco Central Alemão,
não no BCE, é claro, quando afir-
ma que a recuperação dos índices
pré-crise é para 2018, com lento
crescimento até lá) negociar livre
comércio é uma tarefa inglória.
Sem a mesma capacidade de
criação de riquezas anterior a 2008
e com um número muito maior de
países industriais do que em quais-
quer das crises anteriores, teremos
um mundo muito mais competiti-
vo, mais pobre (insisto, com mais
desempregados!), menos esfuziante
e menos otimista do que aquele da
Era Clinton. Os anos Bush, com
seu laxismo, seus gastos improdu-
tivos e a ausência de investimentos
massivos em novas tecnologias (co-
mo energia e alimentos) terão que
ser compensados em anos e anos de
mediocridade.
Nestas condições, e neste ho-
rizonte, a questão do comércio in-
ternacional – em face de mercados
internos paralisados ou deprimi-
dos – é crucial. Ocorre, que dada a
extensão da crise, é crucial, simul-
taneamente, para todos. Para al-
guns, onde o peso das exportações
é maior que o consumo interno ou
que o grau de depressão do merca-
do interno (aliado às políticas ditas
de “austeridade”) é muito elevado,
a conquista de novos mercados e a
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
emergirá da crise terá uma geopolí- aumento de tarifas, a imposição de desempregados!), menos esfuziante a conquista de novos mercados e a
4
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Acordos comerciais
liberalização do comércio mundial
são metas centrais.
Contudo, a liberação do co-
mércio internacional implica em
aceitar tarifas mais baixas, que in-
cidiriam diretamente na capaci-
dade de formação de empregos,
principalmente empregos indus-
triais, no seu próprio quintal. De-
vemos insistir aqui numa hipótese
central, num reinventar de ma-
nuais: a explosão de parques in-
dustriais, de variada capacidade e
grau técnico, rebaixou o preço da
produção industrial de consumo
imediato, enquanto as exigências
de grandes populações emergen-
tes, valorizaram as commodities
agrícolas, que, todavia, ainda se
constituem num mercado insegu-
ro e inelástico em face aos demais.
Assim, enquanto internamen-
te defendemos os “nossos empre-
gos” – seja via tarifas, desonera-
ções, elevando ou impondo regras
ditas fitossanitárias – exigimos,
nos fóruns internacionais, a libe-
ração dos mercados alheios. Ao
mesmo tempo, num fenômeno
global, o valor da produção indus-
trial regride, ao lado da racionali-
zação/robótica, que avançam. Co-
mo liberalizar o comércio mundial
numa conjuntura de brutal retra-
ção do emprego? Eis a questão.
Uma posição intermediária se-
ria uma negociação geral, global,
em que todos renunciassem a sub-
sídios e controlassem melhor suas
tarifas, como, por exemplo, na re-
tomada da Rodada de Doha, em
Bali, em 2013. Para tal seria neces-
sário negociar de forma “cruzada”,
aceitando compensações entre se-
tores industriais e do agronegócio,
incluindo ainda serviços. Na ver-
dade, infelizmente, não possuímos
exemplos, na história do capitalis-
mo, de amplos movimentos de li-
beração aduaneira em tempos de
crise. Seria uma novidade, nada
impossível, porém bastante difícil.
Muitos países, em especial na-
queles de parlamentos fortes e/ou
diretamente parlamentaristas, a es-
tabilidade de um governo depende
de um punhado de votos de uma
coalizão partidária frágil ou mes-
mo de “alas” dentro dos próprios
partidos governantes. Para estes ar-
ranjos frágeis, um grupo reduzido
de produtores – como os pecuaris-
tas de luxo do Japão, os produto-
res de Beaujolais na França, ou de
trigo na Itália, sem falar no lobby
de suco de laranja da Flórida ou de
açúcar do Havaí – podem paralisar
negociações internacionais e, mes-
mo, colocar em risco a estabilidade
governamental. Assim, tais nego-
ciações são necessariamente longas,
difíceis e passiveis de serem, post
factum, recusadas no momento de
ratificação parlamentar.
Uma saída, ainda no interior
da liberalização, são negociações de
bloco a bloco, com listas de pro-
dutos estabelecidos, evitando pre-
juízos e aceitando compensações,
sejam elas aos grupos produtores
fragilizados, sejam em setores ter-
ceiros. Neste momento, travam-se
amplas negociações nesta direção,
muito especialmente entre a China
Popular e os Países da “Asean” e da
“APEC”, no contexto geopolítico
da Ásia Meridional e Ásia Orien-
tal. Evidentemente, Japão e EUA
sentem-se fortemente ameaçados
e temem a imposição de uma he-
gemonia chinesa na Ásia do Pací-
fico. Os aliados americanos na re-
gião, como Malásia, Tailândia e
Indonésia, malgrado seus interes-
ses, foram chamados para impe-
dir a criação de regras que venham
a garantir um “quintal” chinês na
região. Mas, os próprios EUA de-
clararam-se prontos para negociar
um tratado de livre comércio com
a União Europeia, trazendo junto
o NAFTA. Para além da crise nas
relações atlânticas (Caso Snowden,
Ucrânia, Síria, ademais crises con-
junturais), a grande questão reside
em outro campo. Desde os primór-
dios da União Europeia, os países
membros dedicaram-se a construir
sua presença nos mercados mun-
diais através de “campeões nacio-
nais”, tais como a Airbus, a Das-
sault, a BP, a Total, montadoras,
etc. Estas empresas possuem seus
maiores concorrentes exatamen-
te nos “campeões nacionais” ame-
ricanos, como a Boeing ou Exxon.
As negociações teriam que condu-
zir a uma recomposição de arranjos
e fusões, além de divisões do mer-
cado mundial. E, mais difícil ain-
da, como poupar a agricultura eu-
ropeia – de grande relevância para
países como França, Espanha, Itá-
lia, Irlanda, Holanda – de um cho-
que com a produção de fazendeiros
altamente tecnificados dos EUA
e apoiados no bilionário “Farmer
Act” do Governo Bush?
No caso do Brasil, o Governo
Dilma desinteressou-se do Mer-
cosul. Claro, este sempre foi uma
imensa teia de interesses contra-
ditórios, vontades pessoais, es-
paço de voluntarismos e de dis-
putas setoriais, como no caso do
açúcar, autopeças, calçados, linha
branca, etc. Mas, como diria Cae-
tano Veloso, “de perto ninguém é
normal”. As disputas no âmbito,
por exemplo, da União Europeia
são crudelíssimas. Além de tudo,
quem não aceita a criação de or-
ganismos de soluções de crise au-
tônomos no Mercosul é a própria
diplomacia brasileira, ciosa com a
limitação da soberania nacional.
A questão central é que o Mer-
cosul prestou pelo menos três
grandes serviços ao Brasil, e seus
(muitos) detratores são um tanto
mal-agradecidos. Vejamos. Em pri-
meiro lugar, do ponto de vista es-
tratégico, o Tratado de Assunção
desfez uma rivalidade e um risco de
guerra de quase trezentos anos, li-
berando as FFAA brasileiras (e seus
orçamentos) de um tresloucado ce-
nário bélico no Cone Sul. O reapa-
relhamento da Amazônia e a defesa
da “Amazônia Azul” só se tornaram
possíveis pelo desmonte do “cená-
rio argentino”. Em segundo lugar,
o Brasil é superavitário com todos
os países membros e associados (ex-
ceto Bolívia, com sua pequena eco-
nomia) e, por fim, a TEC, embo-
ra não tenha sido criada para isso,
é uma defesa impagável para a in-
dústria brasileira (em especial em
face dos produtos chineses, que po-
deriam invadir a região sem a tarifa
única). Isso sim cria um custo rele-
vante para nossos vizinhos de gru-
po. Assim, para além das idiossin-
crasias Cristina/Dilma, o Mercosul
continua sendo uma boa políti-
ca para o Brasil. A ausência de me-
canismos de resolução de crise foi
substituída, com grande êxito, pe-
la diplomacia presidencial, maneja-
da bastante bem por FHC e Lula.
Mas Dilma não gosta, não tem vo-
cação e a diplomacia brasileira, de-
pois de um período de grande pro-
tagonismo, entrou na muda.
Assim, a questão central é a pa-
ralisia das estruturas do Mercosul e
sua incapacidade de assinar “acor-
dos quadros”, como o que estamos
em negociação com a União Euro-
peia ou aquele desejado pela Chi-
na Popular. A ideia de “blocos com
duas velocidades” – permitindo
que alguns países avancem na com-
posição de acordos internacionais e
dando prazos para outros se adap-
tarem às novas regras – seria uma
resposta para a diplomacia brasilei-
ra, hoje tão ensimesmada.
* É professor titular de Relações Interna-
cionais do Iuperj e professor emérito da
Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército Brasileiro.
5
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Acordos comerciais
Elias Jabbour*
A
o que tudo indica – pe-
lo menos aparentemente
– anda a passos céleres a
concretização de um acordo en-
cetando a criação do maior blo-
co econômico até hoje existente.
Sob a rubrica de uma Parceria
Transpacífica (Trans-Pacific Par-
tnership – TPP) reunir-se-ão
40% do PIB global envolvendo
países asiáticos (Brunei, Cinga-
pura, Malásia e Vietnã), norte-
-americanos (Estados Unidos e
Canadá), sul-americanos (Peru e
Chile), além de Austrália e No-
va Zelândia.
O TPP obedece à mesma
lógica do pacto TTIP (Transa-
tlantic Trade and Investment
Partnership) entre os EUA e a
União Europeia. Juntos, o TPP
e o TTIP abrangerão mais de
60% do PIB global.
A possibilidade de um acon-
tecimento desta magnitude não
pode passar despercebida. Cer-
tamente poderá ter algum efei-
to internacional numa época
de gradativo aumento de im-
portância de países como Bra-
sil, China, Rússia e Índia, pos-
sibilitando maior margem de
manobra ao país menos inte-
ressado numa chamada mul-
tipolaridade política e econô-
mica. Refiro-me aos Estados
Unidos da América.
De alguma forma, dois pa-
íses poderão ser afetados ca-
so o acordo se concretize. Por
motivos óbvios, China e Brasil
são os menos interessados nis-
so. O primeiro pela clara ma-
nobra de contenção de sua área
de influência, sobretudo na re-
gião da Ásia do Pacífico, e o se-
China, Brasil e a ALCA do Pacífico
gundo pelo poder de atração
que os Estados Unidos conti-
nuarão a exercer pela banda pa-
cífica e andina de um continen-
te cujos esforços de integração
esbarram justamente nos limi-
tes econômicos do mais impor-
tante de seus membros, o Bra-
sil. Mais adiante voltarei a tocar
nesses aspectos.
Porém, existe uma pedra
neste caminho e tem nome: Es-
tados Unidos. Parece contra-
ditório, mas não é. As notícias
dão conta de uma resistência
norte-americana à abertura de
seu mercado. Os EUA parecem
não ter aprendido com a “in-
teligência” mostrada por seus
generais nos campos de bata-
lha do Vietnã e repetem a mes-
mo comportamento nas me-
sas de negociação deste tratado.
Por exemplo, os EUA pressio-
nam contra medidas visando o
controle do sistema financeiro,
tentam reforçar regras de prote-
ção à propriedade intelectual, o
que afetaria programas de sub-
sídios de remédios contra a AI-
DS oferecidos por países como
o Vietnã. Outro exemplo es-
tá na resistência à abertura de
seu mercado a produtos lácte-
os, produtos estes que – nos Es-
tados Unidos – estão sujeitos a
tarifas de até 300%, o que afeta
diretamente a Nova Zelândia.
O mais intrigante do pro-
cesso de consolidação da TPP é
o grau de sigilo com que estão
ocorrendo as negociações. Pa-
ra atestarmos o grau de sigilo
público e legislativo, é angu-
lar a citação que segue extraí-
da do sítio resistir.info: “Des-
de o princípio das negociações
TPP, o processo de redação e
negociação dos capítulos do
tratado foi envolvido num nível
de secretismo sem precedentes.
O acesso aos rascunhos dos
capítulos do TPP está blindado
em relação ao público geral.
Membros do Congresso dos
EUA só podem ver porções se-
lecionadas dos documentos re-
lativos ao tratado em condi-
ções altamente restritivas e sob
supervisão estrita. Foi revelado
anteriormente que apenas três
indivíduos em cada país TPP
têm acesso ao texto completo
do acordo, ao passo que a 600
“conselheiros comerciais” – lo-
bbyistas que defendem os inte-
resses de grandes corporações
estadunidenses tais como Che-
vron, Halliburton, Monsanto e
Walmart – é concedido acesso
privilegiado a seções cruciais do
texto do tratado.”
A inteligência dos “gene-
rais” norte-americanos à fren-
te das citadas corporações en-
trará em ampla fase de teste na
mesma proporção em que os
dispositivos deste tratado vi-
rem a público. Poderemos as-
sistir a uma resistência igual ou
maior que a vivida com a ten-
tativa de implantação da Área
de Livre Comércio das Améri-
cas (ALCA) no final da déca-
da de 1990. Não tenho dúvidas
de que o caminho para este ti-
po de acordo será muito mais
complicado e tortuoso do que
o verificado na malfadada épo-
ca da ALCA. Outra implicação
reside na própria conjuntura:
não vivemos mais numa época
de plena hegemonia dos postu-
lados livre-cambistas. E o con-
traexemplo vem da própria Ásia
do Pacífico excluída do TPP,
onde um país que tem na defesa
de suas capacidades produtivas
uma expressão concreta, e con-
temporânea, da própria noção
de nacionalidade. Seria dispen-
sável dizer que estou falando da
República Popular da China.
E a China nessa história?
Não deverá passar incólume.
Não sei até onde essa tentativa
de cerco afetará sua performan-
ce econômica, pois a China é
por demais grande e influen-
te para deixar de ser notada,
também, como uma potên-
cia financeira que tem substi-
tuído os postulados de Bretton
Woods (FMI e Banco Mun-
dial) transformando-se na
maior provedora de crédito li-
quido do mundo. E será cada
vez mais notada na mesma pro-
porção em que seu mercado in-
terno for ganhando peso.
A tendência de médio e lon-
go prazo é a China depender
cada vez menos de mercados
externos e mais de seu merca-
do interno. Um mercado inter-
no nada desprezível e baseado
6
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Acordos comerciais
numa fusão monumental entre
mais de uma centena de con-
glomerados empresariais e um
amplo sistema financeiro regido
pelo Estado. E se trata de uma
transição de “modelo” que não
ocorre sem as consequentes do-
res decorrentes de uma conjun-
tura internacional incerta e com
alto grau de inconsequência.
Postas as coisas desta forma,
a grande questão, imediata, que
envolve a relação entre a Chi-
na e o possível TPP está em até
que ponto essa ofensiva norte-
-americana no Pacífico poderá
atrapalhar a transição econômi-
ca interna chinesa. Acredito que
não existe relação causal entre
um processo e outro. O nível de
constrangimento é mais de or-
dem política, geopolítica e es-
tratégica. Está claro que
os EUA estão mirando
seus olhos à China. E
faz tempo. Todos seus
movimentos têm como
alvo estratégico o gi-
gante asiático: desde
as guerras no Iraque
e Afeganistão até o
apoio à Al Qaeda na
Síria, que se de um
lado intenta isolar o Irã e des-
mantelar a força do Hezbollah
no Líbano, por outro busca pri-
var a China de possíveis aliados
estratégicos no Oriente Médio.
Os chineses trabalham com a
noção de tempo histórico. Jogam
o jogo sabendo que nada é eter-
no: os Estados Unidos tendem
a se enrolar nas suas próprias
ações. A intransigência norte-
-americana em insistir na aber-
tura comercial irrestrita de ou-
tros países é um fato muito bem
explorado pela China. Vejam os
exemplos da cada vez maior pre-
sença chinesa na carteira de in-
vestimentos de nossos vizinhos
sul-americanos outrora quase su-
gados pela possibilidade de uma
ALCA. Comparem, também,
as condicionalidades anexas aos
créditos carimbados pelo FMI e
o Banco Mundial e as não condi-
cionalidades dos créditos consig-
nados por instituições chinesas.
O Brasil deverá ser afetado
em seu projeto de integração sul-
-americana. Não há dúvidas dis-
so. Mas não nos atenhamos a te-
ses e sim a um grande fato: antes
de pensarmos nos efeitos, ao Bra-
sil, das estratégias de terceiros pa-
íses, devemos montar nossa pró-
pria estratégia. Estratégia baseada
num pensamento nacional. Bem,
estou falando de estratégia e pen-
samento nacional. Ambas as coi-
sas não combinam – são an-
típodas – com anomalias de
tipo “tripé macroeconômi-
co”. O tripé de nossa políti-
ca monetária é apenas expres-
são da miséria em matéria de
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
-americana no Pacífico poderá
atrapalhar a transição econômi-
ca interna chinesa. Acredito que
não existe relação causal entre
um processo e outro. O nível de
constrangimento é mais de or-
dem política, geopolítica e es-
tratégica. Está claro que
os EUA estão mirando
seus olhos à China. E
faz tempo. Todos seus
movimentos têm como
alvo estratégico o gi-
gante asiático: desde
as guerras no Iraque
e Afeganistão até o
apoio à Al Qaeda na
Síria, que se de um
exemplos da cada vez maior pre-
sença chinesa na carteira de in-
vestimentos de nossos vizinhos
sul-americanos outrora quase su-
gados pela possibilidade de uma
ALCA. Comparem, também,
as condicionalidades anexas aos
samento nacional. Ambas as coi-
sas não combinam – são an-
típodas – com anomalias de
tipo “tripé macroeconômi-
co”. O tripé de nossa políti-
ca monetária é apenas expres-
são da miséria em matéria de
pensamento estratégico que vive-
mos em nosso país. Mantido es-
se atual estado interno de coisas,
pouco poderemos fazer diante de
investidas estratégicas de chine-
ses e norte-americanos. Sempre
teremos uma inflação do toma-
te a combater com os mesmos
remédios que institucionalizam
nosso mercado interno a produ-
tos estrangeiros, notadamente
chineses e coreanos.
Entre o abstrato e a abstra-
ção existe uma distância nada
pequena. Entre uma coisa e ou-
tra estão a acomodação, a covar-
dia intelectual e visão pequena de
nação que nos impede de ir além
da “estratégia” da estabilidade da
moeda. Nosso livre-cambismo
nos condiciona a estarmos ine-
rentes aos efeitos tanto da pre-
ferência pela liquidez da política
externa norte-americana quanto
do princípio da demanda efetiva
que pauta a visão chinesa de es-
tratégia internacional. Quem se
dá conta disso?
* É doutor e mestre em Geografia Huma-
na pela FFLCH-USP e autor de China
Hoje: Projeto Nacional, Desenvolvimento
e Socialismo de Mercado (Anita Garibal-
di/EDUEPB, 2012, 467 p.).
7
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Entrevista: Luiz Carlos Delorme Prado
P: Em tese, é melhor para o Bra-
sil participar de um bloco econô-
mico no qual é o país com maior
PIB e escala industrial (caso do
Mercosul) ou com países desen-
volvidos (caso da finada Alca e
da anunciada Parceria Trans-Pa-
cífico)? Por quê?
R: A Agenda do NAFTA, assim
como a agenda da ALCA e mais
recentemente a agenda da TPPA
(Trans Pacific Patnership Agree-
ment) tem como principais temas
questões que não estão diretamen-
te relacionadas a comércio, mas a
disciplinar aspectos domésticos
das legislações dos países envol-
vidos, particularmente em ques-
“O pior cenário para o Brasil seria uma ordem internacional
baseada em acordos comerciais, fora da OMC, que criariam
blocos econômicos com regras propostas por países (ou
blocos de países) liderados pelos EUA ou pela União Europeia.”
Luiz Carlos Delorme Prado, professor do Instituto
de Economia da UFRJ, é Ph.D em Economia pelo
Queen Mary College da University of London, mes-
tre em Engenharia de Produção pela COPPE-UFRJ
e bacharel em Economia e Direito. Foi conselheiro
do Cade por dois mandatos e presidente do Conse-
lho Federal de Economia.
Nesta entrevista, analisa com profundidade a Par-
ceria Trans-Pacífico explicitando o objetivo princi-
pal dos EUA com o tratado, que é criar regras mais
rígidas para propriedade intelectual e proteção de
investimentos e serviços, dentre outros temas de
interesse da potência. Ele prevê dificuldades para
a aprovação do tratado, em função de resistências
inclusive nos EUA. Prado também analisa o Merco-
sul e a inserção do Brasil no comércio internacional.
tões como Propriedade Intelec-
tual, Proteção de Investimentos,
Compras Governamentais e ou-
tros temas de escassa relevância pa-
ra os países em desenvolvimento.
No caso do Mercosul, apesar dos
muitos problemas do bloco, o que
move as negociações é a procura de
novas alternativas para dinamizar a
economia dos países da região, em
vista da crônica fragilidade da ba-
lança de pagamento dessas nações.
Para entender os efeitos da in-
tegração regional há que se analisar
as implicações da integração entre
países, considerando-se os níveis
de desenvolvimento e os custos e
benefícios do processo. Uma dis-
tinção possível é entre a integração
regional entre países de nível de
desenvolvimento similar e aquela
feita entre países de graus de de-
senvolvimento distintos, que pode
também ser chamada de integra-
ção assimétrica.
No primeiro caso é mais fácil
caminhar para a construção de um
espaço econômico comum. Em
particular, é menos onerosa a for-
mulação de uma estratégia de de-
senvolvimento que promova um
processo de convergência econô-
mica e social entre esses países. É
mais fácil, nessa circunstância, evi-
tar que a integração leve a um mo-
delo de comércio intrarregional na
forma centro-periferia, com alguns
países se especializando na produ-
ção de mercadorias de baixo conte-
údo tecnológico e um país central,
ou um pequeno número de paí-
ses, que seriam os principais bene-
ficiários desta estrutura de comér-
cio internacional. É possível, neste
caso, ampliar o mercado dos pro-
dutores regionais, levando a uma
expansão do comércio intraindus-
trial, permitindo a formulação de
uma estratégia de desenvolvimen-
to regional. Este é o caso mais evi-
dente de jogo de soma positiva,
onde a negociação das partes leva
a um resultado superior à situação
anterior.
8
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Entrevista: Luiz Carlos Delorme Prado
Na integração vertical ou assi-
métrica, os ganhos de integração
dependem da disposição do pa-
ís mais avançado, de compensar
os mais atrasados, com vantagens
ou apoio que reduzam o custo de
ajustamento desses países. Isto foi
feito com diferentes graus de su-
cesso na integração das duas Ale-
manhas na década de 1990 e no
processo de expansão da União
Europeia, neste século. Por ou-
tro lado, se o país mais avança-
do não está disposto a promover a
convergência econômica e social,
mas, ao contrário, está preocupa-
do de minimizar eventuais perdas
decorrentes da integração, os cus-
tos desse processo para os países
menos desenvolvidos são muito
mais elevados e o benefícios da in-
tegração podem ser superados pe-
los custos do processo.
A estratégia de integração
proposta pelos EUA tem mui-
to pouca preocupação em as-
sumir custos para compensar
os diferentes níveis de desen-
volvimento. Esse país propõe,
nos acordos que participa, uma
agenda que prioriza, exclusiva-
mente, temas de seu interesse
e dos grandes grupos empresa-
riais norte-americanos que in-
fluenciam a sua agenda domés-
tica, através de seus lobbies no
Congresso. Em geral, os EUA
são muito pouco sensíveis às de-
mandas de outros países, inclu-
sive porque há grande resistên-
cia no Congresso e na sociedade
norte-americana para assinatu-
ra de novos acordos comerciais.
Isto é agravado pelo fato de que,
pelas peculiaridades do sistema
constitucional norte-americano,
a negociação internacional de tra-
tados comerciais só é possível de
ser feita com a aprovação de uma
legislação de Fast Track – ou seja,
que autorize o executivo a nego-
ciar o tratado, sendo que o Con-
gresso pode apenas confirmá-lo ou
rejeitá-lo, mas não alterá-lo. Este
tipo de autorização não é fácil de
ser obtida no país, particularmen-
te durante governos de presidentes
democratas.
P: Os esforços para a redução de
barreiras comerciais, lideradas
pela OMC, cujo diretor-geral,
aliás, é o brasileiro Roberto Aze-
vedo, são do interesse do Brasil?
Nossa indústria tem condições
de competir, em termos de esca-
la e tecnologia, com a dos paí-
ses centrais? A liberalização, tão
incensada, não nos relegaria ao
papel de exportador de commo-
dities agrícolas e minerais e im-
portador de produtos industria-
lizados?
R: O Brasil tem interesse nas ne-
gociações multilaterais, particu-
larmente, mas não exclusivamen-
te, em questões relacionadas aos
temas de agricultura e agroindús-
tria. É na esfera das negociações
multilaterais (e não nas realiza-
das nos blocos regionais) que as
regras do jogo do comércio inter-
nacional têm de ser estabelecidas.
A atual estrutura do comércio in-
ternacional, produto dos acordos
realizados durante a Rodada Uru-
guai, é muito ruim para os países
em desenvolvimento. Vários dos
compromissos assumidos pelos
países desenvolvidos como con-
trapartida à negociação dos cha-
mados novos temas de comércio
internacional não foram plena-
mente implementados – o fracasso
da Rodada de Doha é reflexo dis-
so. O pior cenário para o Brasil
seria uma ordem internacional
baseada em acordos comerciais,
fora da OMC, que criariam blo-
cos econômicos com regras pro-
postas por países (ou blocos
de países) liderados pelos EUA
ou pela União Europeia. Nes-
se caso, o Brasil e outros gran-
des países em desenvolvimen-
to, como a Índia, teriam muito
pouca influência. Esses grandes
blocos comerciais poderiam ter
regras (particularmente, em te-
mas como propriedade intelec-
tual, proteção de investimento
e outras) que depois seriam im-
postas aos países que não esti-
vessem dispostos a participar
desses blocos, sob pena de re-
dução de oportunidades no co-
mércio internacional. Para o
Brasil, a negociação multila-
teral, ou seja, aquela realizada
nas Rodadas de Negociação da
OMC, é mais favorável do que
as negociações comerciais re-
gionais, lideradas pelos interes-
ses de alguns grandes países in-
dustriais avançados, tais como
as propostas no caso da ALCA
e do TPPA.
 
P: O Mercosul prejudica o Bra-
sil, no sentido que impede o pa-
ís de fazer acordos com outros
blocos e países, como repetem
os “especialistas” da grande im-
prensa brasileira? Qual é o sal-
do da participação do Brasil no
Mercosul?
R: O Mercosul está em um mo-
mento de impasse. A proposta da
criação de um Mercado Comum
não foi adiante. Estamos, ainda,
em uma União Aduaneira incom-
pleta. Não conseguimos montar
uma estratégia de desenvolvimen-
to regional, nem conseguimos de-
senvolver projetos eficazes de con-
vergência econômica regional.
Portanto, o Mercosul precisa sair
do marasmo, avançar na sua estru-
tura institucional e superar a resis-
tência de interesses paroquiais ao
aprofundamento da integração,
para justificar sua existência.
Nesse sentido, o projeto tem
pela frente duas alternativas pola-
res para enfrentar os desafios des-
sa segunda década do século XXI:
Aprofundar a experiência da in-
tegração econômica regional ou
priorizar estratégias flexíveis nas
relações econômicas internacio-
nais. No primeiro caso, será neces-
sário promover novas iniciativas e
negociações para romper os im-
passes que têm impedido o apro-
fundamento do Mercosul, tan-
to na integração econômica como
na superação de suas fragilidades
institucionais. No segundo caso,
implica manter em um equilíbrio
instável as relações econômicas re-
gionais para dar mais flexibilida-
de às negociações comerciais do
Brasil com outros países ou blo-
cos econômicos – o que implicaria
transformar o Mercosul em uma
área de Livre Comércio e abando-
nar a pretensão de criar um Mer-
cado Comum. As duas alternati-
vas têm riscos. No momento, no
entanto, não vejo nenhuma al-
ternativa razoável de negocia-
ção internacional que justifi-
que o abandono ou o recuo no
Mercosul: um projeto de mais
de duas décadas que, apesar dos
problemas, tem sido benéfico
para o Brasil.
 P: Como você avalia o empenho
dos EUA na criação da Parceria
Trans-Pacífico? O objetivo é iso-
lar a China? Mas por que isolar
a China se o G-2 (EUA-China)
se mostra tão proveitoso para as
partes, inclusive com a presen-
ça massiva de filiais de empresas
norte-americanas na China?
R: Em minha opinião, a TPPA
não é um projeto de isolamento
da China, embora possa fazer par-
te da crescente importância que
os EUA têm atribuído à Ásia e à
decisão estratégica de aumentar
sua presença comercial e militar
9
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Entrevista: Luiz Carlos Delorme Prado
no Pacífico. Esta decisão tem sido
conhecida em português por um
neologismo, na verdade um no-
vo anglicismo: “pivoteamento” pa-
ra a região da Ásia e do Pacífico –
como tem sido chamada a decisão
do governo Obama de fazer um
“strategic pivot to Asia-Pacific”. O
principal objetivo desse acordo
é implementar uma agenda que
vem sendo perseguida desde as
negociações da ALCA, ou se-
ja, criar regras mais rígidas pa-
ra propriedade intelectual, pro-
teção de investimento, serviços,
e outros temas de interesse dos
EUA.
Uma leitura de articulistas es-
pecializados em comércio inter-
nacional, tanto em publicações
europeias como asiáticas, mostra
que as propostas norte-americanas
são similares às que foram rejeita-
das na ALCA. Martin Khor, um
especialista em comércio interna-
cional da Malásia e crítico dessas
negociações, publicou há pouco
tempo uma detalhada análise das
propostas. Segundo ele, somen-
te uma pequena parte do TPPA
trata de comércio. A maior parte
dos temas em negociação trata de
compras governamentais, discipli-
na de empresas públicas, proprie-
dade intelectual, defesa de inves-
tidores estrangeiros, inclusive com
direito a acionar Estados nacio-
nais em cortes arbitrais internacio-
nais e outras propostas similares.
Segundo esse autor, estão excluí-
dos das negociações subsídios à
agricultura (mas não à indústria)
e outras práticas que distorcem o
comércio internacional, realiza-
das pelos países ricos – portanto,
as poucas fontes de ganhos para
os países em desenvolvimento são
negadas à esses. Uma especialista
australiana, Deborah Gleeson, pu-
blicou um artigo no jornal britâ-
nico Guardian, em dezembro pas-
sado, com duras críticas ao TPPA,
dizendo que a Austrália (que, ob-
serve-se, é um país rico) terá cus-
tos elevados com o acordo em vis-
ta dos excessivos privilégios dados
aos grandes laboratórios farma-
cêuticos, que levarão a um grande
aumento nos preços dos remédios
naquele país.
Esta não é, portanto, uma
negociação para envolver a Chi-
na ou excluí-la. Os EUA sabem
perfeitamente que a China ja-
mais assinaria um acordo nos
termos que foram propostos.
Aliás, como também não assi-
nariam a Índia, a Rússia, ou ou-
tro país que tem uma agenda in-
dependente nas negociações de
comércio internacional. Mesmo
países menores, mas com fortes
grupos de pressão nacionalis-
tas, como a Malásia, encontra-
rão grandes dificuldades para
aprovar tal acordo. Portanto,
esta é uma proposta de negocia-
ção que é bom que o Brasil fique
fora – não teríamos nada a ga-
nhar se tivéssemos participado
desse acordo.
P: Por que há tanto segredo na
negociação da Parceria Trans-
-Pacífico, cujos detalhes precisa-
ram ser vazados pelo Wikileaks?
R: Há no Congresso dos EUA e,
também, na sociedade, muita re-
sistência à assinatura de novos
tratados comerciais. Além disso,
muitas das medidas propostas no
acordo são extremamente impo-
10
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Entrevista: Luiz Carlos Delorme Prado
pulares em muitos dos países en-
volvidos, inclusive entre os eleito-
res norte-americanos. Segundo o
New York Times, em um artigo de
Lori Wallach e Ben Beachy intitu-
lado Obama´s Covert Trade Deal,
apenas cinco dos 29 capítulos tra-
tam de assuntos tradicionalmen-
te considerados temas comerciais.
No acordo há regras que envolvem
questões como segurança alimen-
tar, regras de investimento, regras
para a internet e comércio eletrô-
nico. Segundo o artigo de Wallach
e Beachy, há no acordo regras que
proíbem restrições a produtos fi-
nanceiros arriscados e outros tipos
de papéis que contribuíram para a
crise financeira de 2008.
Grande parte dessas propos-
tas reflete o interesse de grupos
empresariais desse país. Em espe-
cial, as empresas do ramo farma-
cêutico não estão satisfeitas com
regras de propriedade intelectual
acordadas na OMC – acham que
foi pouco o que obtiveram até en-
tão. Há, também, demandas para
estender direito de copyright e ou-
tras medidas que não são popu-
lares em lugar nenhum do mun-
do. Há provisões que restringem
o poder regulatório doméstico,
em áreas como meio ambiente e
investimento, que sofrem grande
oposição de ONGs e grupos de
ativistas. Finalmente, os EUA es-
tão pressionados pela agenda elei-
toral. A primeira metade de 2014
será decisiva nessas negociações,
porque esse país terá eleições pa-
ra o Congresso em novembro –
nos EUA, como no Brasil, temas
controversos não são tratados no
Congresso perto de eleições.
 
P: A Parceria Trans-Pacífico se-
ria uma tentativa dos EUA de re-
criar a Alca, agora com algumas
nações da Ásia e Oceania?
R: Há muitos pontos negociados
no TPPA similares aos propostos
na fracassada negociação da AL-
CA. Até agora, essa negociação
vem também encontrando resis-
tência. De acordo com a profes-
sora e ativista neozelandesa Jane
Kelsey, nas negociações do TPPA
tem sido usada a tática de “green
room”, ou seja, de encontros com
pequenos grupos de países convi-
dados, para fechar questões mais
controversas e tentar impor aos
outros países esses acertos, sob
forte pressão e acusação de que
os países recalcitrantes estão blo-
queando as negociações. Não fi-
carei surpreso se, tal como no
caso da ALCA, as negociações
chegarem a um impasse – por
exemplo, a data limite do final
do ano de 2013 já foi ultrapas-
sada e não foi possível se chegar
a um acordo. Há agora uma forte
pressão para que um acordo seja
alcançado até o meio do ano. Se
até lá as negociações não forem
concluídas, dificilmente avan-
çarão durante o período eleito-
ral dos EUA, ficando, portanto,
para 2015.
 
P: A Alca – sepultada aos gritos
de Chaves e Maradona em 2005
de “Alca, Alca, al Carajo!” – teria
sido boa para o Brasil e demais
países latino-americanos?
R: Pelas razões que já expliquei,
nem a ALCA é boa para os países
latino-americanos, nem o TPPA é
bom para os países da região que
participam das negociações.
 
P: Na prática, o que significa pa-
ra o Brasil ficar de fora de um
bloco econômico que reúne im-
portantes nações latino-ameri-
canas, os EUA e países asiáticos
e da Oceania?
R: Não há ganhos nem perdas sig-
nificativas para o país por não par-
ticipar desse acordo. Os proble-
mas do comércio internacional do
país têm causas distintas do que a
alegada ausência de acordos de li-
vre comércio.
 
P: O Brasil é frequentemente
comparado com o México. No
final da década de 90, o PIB do
México, então grande produtor
de petróleo, passou o do Brasil.
Dez anos depois, o Brasil virou
BRIC, descobriu imensas reser-
vas de petróleo e viu o seu PIB
se tornar o dobro do que o me-
xicano. Mas nos últimos anos,
o México voltou a atrair gran-
des investimentos estrangeiros
e vai aderir à Parceria Trans-Pa-
cífico, o que bastou para alguns
analistas anteverem que as pers-
pectivas econômicas do Méxi-
co são melhores do que a bra-
sileiras. Como você compara
as perspectivas econômicas das
duas maiores economias latino-
-americanas?
R: O México escolheu apostar seu
futuro na parceria com os EUA.
Não há qualquer indicação de que
a escolha foi boa para esse país. As
dificuldades econômicas brasilei-
ras não estão relacionadas com o
fato de participarmos de nenhum
grande bloco comercial. Esse hu-
mor dos investidores, tratados na
imprensa diária, normalmente re-
fere-se aos investimentos em por-
tfólio, que são fortemente influen-
ciados por fatores de curto prazo,
e não aos investimentos diretos.
Por razões que não são possíveis
de serem tratadas neste espaço, é
minha opinião que o Brasil tem
muito mais perspectivas econômi-
cas a médio e longo prazo do que
o México.
P: Por que os produtos indus-
triais brasileiros são tão caros
em relação aos produzidos na
China e mesmo em outros pa-
íses? O que o Brasil precisa fa-
zer para conseguir competir no
mercado internacional de pro-
dutos manufaturados? Ou nosso
papel na divisão de trabalho in-
ternacional é de produtor e ex-
portador de commodities?
R: Há várias razões que dificul-
tam a competitividade de produ-
tos brasileiros. Um deles é, sem
dúvida, a taxa de câmbio. Mas há
outras razões conhecidas, tais co-
mo os tradicionais problemas bra-
sileiros de infraestrutura, de custo
elevado do capital de giro, de dis-
torções na estrutura tributária (e
não, a meu ver, na carga tributá-
ria total), da baixa taxa de inves-
timento, etc. Há, também, ou-
tros problemas que não têm sido
suficientemente discutidos, como
a perda da capacidade de planeja-
mento e coordenação do Estado
brasileiro, a imposição de custos
excessivos, excesso de burocracia
e falta de previsibilidade em as-
pectos legais nos marcos regula-
tórios. Finalmente, há o fato posi-
tivo de que nossos custos de mão
de obra já não são tão reduzidos
devido ao aumento da renda dos
trabalhadores e à ainda modesta
melhoria na distribuição de renda.
Além disso, a população brasilei-
ra crescerá a taxas cada vez meno-
res nos próximos anos, sendo que
em quinze anos a população bra-
sileira chegará ao máximo e pro-
vavelmente terá um certo declínio.
Portanto, mesmo se o crescimento
brasileiro for relativamente baixo,
o custo da mão de obra no Brasil
continuará crescendo. Por isso, o
Brasil enfrentará o chamado dile-
ma do país de renda média: já não
é possível para o Brasil concorrer
apenas usando o baixo preço da
mão de obra e é, ainda, difícil para
o país concorrer baseando-se em
aumento de produtividade e in-
trodução de progresso técnico.
11
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Acordos comerciais
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Paulo Wrobel*
A
pesar de sonhos de au-
tarquia e “independên-
cia econômica” de que
tanto padecem certas corren-
tes de pensamento econômi-
co e politico, é ilusório pensar
que quanto mais autossuficien-
te uma economia, maior seria a
prosperidade nacional. Em uma
economia de mercado, exata-
mente o oposto é o que geral-
mente acontece, quer dizer,
quanto mais aberta às trocas co-
merciais, mais propensa seria
uma economia a utilizar seus
Nenhum país é uma ilha
fatores de produção de forma
eficiente. A China de 2013, ao
alcançar, mais uma vez na histó-
ria, o patamar de maior potên-
cia comercial do mundo (movi-
mentou mais de US$ 4 trilhões
em trocas comerciais em 2013),
tornou-se uma economia mais
eficiente no emprego de seus
fatores de produção. Como re-
sultado, a China, nos últimos
anos, é o maior parceiro comer-
cial de quase todos os países do
mundo, incluindo o Brasil, pois
sua economia é capaz de ofere-
cer, a preços atraentes, uma ga-
ma enorme de produtos de grau
diferenciado de sofisticação tec-
nológica. Produtos que todos os
países querem adquirir.
O que gostaria de ressaltar
é que historicamente existiria
uma associação discernível en-
tre trocas comerciais e prospe-
ridade, uma vez que a amplia-
ção dos mercados para além das
fronteiras nacionais, mesmo no
caso da China, com seu enor-
me mercado nacional, seria a
melhor maneira de resolver um
dos principais problemas es-
truturais de uma economia de
mercado, qual seja, a limitação
estrutural da demanda.
12 Acordos comerciais
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Os acordos e blocos comer-
ciais não são, obviamente, a
única maneira de ampliar aces-
so aos mercados para além dos
mercados nacionais. O empre-
go eficiente de recursos natu-
rais, a eficiência na produção de
produtos competitivos, a tradi-
ção exportadora em certos pro-
dutos, bem como uma estraté-
gia exportadora coerente e bem
desenhada são alguns dos ele-
mentos que contribuiriam pa-
ra ampliar as exportações, inde-
pendente de acordos ou blocos
comerciais. No caso do Brasil
atual, as exportações patinam,
com taxas de crescimento anu-
al medíocres, em função de al-
guns fatores específicos, dentre
eles a ausência de acordos co-
merciais com mercados signifi-
cativos, que pudessem realmen-
te ampliar a demanda por uma
gama mais variada de produtos
brasileiros. Acordos e blocos
comerciais, ao reduzirem bar-
reiras tarifárias e não tarifárias,
produziriam vantagens compa-
rativas que, se bem aproveita-
das, contribuiriam para a com-
petitividade brasileira.
Com efeito, com exceção do
agronegócio, que, apesar dos
gargalos logísticos, continua
avançando com extrema efici-
ência e competitividade, am-
pliando seus mercados inde-
pendentemente de acordos ou
blocos comerciais, os produ-
tos semi e manufaturados bra-
sileiros vêm perdendo terreno
diante da competição chinesa
e de outros países, particular-
mente os asiáticos. Com exce-
ção de nichos como os aviões
da Embraer, o Brasil avança ca-
da vez mais para se consolidar
como um exportador eficiente
de commodities agrícolas, fer-
ro, outros minerais e, eventu-
almente, petróleo bruto. Guar-
dadas as devidas proporções, a
pauta de exportação brasileira,
hoje, não se diferenciaria mui-
to da pauta que predominou
no Brasil em toda a sua histó-
ria, com um hiato a partir da
industrialização intensiva do
período militar.
Nos últimos vinte anos, o
bloco comercial no qual o Bra-
sil apostou econômica e politi-
camente foi o Mercosul. Após
certo êxito inicial, quando o co-
mercio bilateral com a Argenti-
na disparou devido a uma ba-
se inicial de trocas muito baixa,
o Mercosul já mostrou, há um
bom tempo, seus limites como
uma incompleta união adua-
neira. Muito embora a Argen-
tina se mantenha como o ter-
ceiro maior parceiro comercial
do Brasil, e importador de pro-
dutos manufaturados brasilei-
ros, em particular veículos, os
problemas comerciais bilaterais
persistem e tendem a se agravar
diante das dificuldades da eco-
nomia argentina.
Quanto aos acordos comer-
cias com outros países ou blo-
cos, o Mercosul concluiu, até
agora, acordos comerciais com
a Comunidade Andina, Isra-
el, Autoridade Palestina e Egi-
to. Não diria que se tratam de
mercados de grande envergadu-
ra e potencial para a absorção
de produtos brasileiros em es-
cala necessária para a amplia-
ção da produtividade nacional.
Assim, é urgente que o Mer-
cosul amplie o número e a es-
cala dos países ou blocos com
os quais pretenderia concluir
acordos comerciais, sob pena
de manter o Brasil isolado dos
grandes eixos de comércio, com
exceção das commodities e de
nichos como a Embraer. Neste
momento, está sendo retomada
mais uma rodada de negocia-
ções entre o Mercosul e a União
Europeia, visando um acor-
do de comércio administrado
bloco a bloco, negociações es-
sas que já duram há mais de dez
anos, mas que, ao que tudo in-
dica, ainda claudicam. Até por-
que Argentina e Venezuela pas-
sam por crises cambiais que
dificultam muito a abertura co-
mercial de ambos.
Certou ou errado, o Brasil
foi fundamental para bloque-
ar as negociações que condu-
ziriam a uma zona de livre co-
mercio nas Américas, do Alasca
à Terra do Fogo. As lideranças
brasileiras entenderam que, se a
Alca chegasse a um bom termo,
seria prejudicial à economia
brasileira. Ao invés, a diploma-
cia comercial brasileira resolveu
apostar todas as fichas no suces-
so da rodada Doha de negocia-
ção de liberalização comercial
da OMC, o que se mostrou,
até agora, impossível de se con-
cretizar. Apesar de novo impul-
so devido à nova liderança bra-
sileira na OMC, parece difícil
que a Rodada Doha seja positi-
vamente concluída.
Não com o mesmo ímpeto
dos anos 1980 e 1990, os países
continuam procurando estabe-
lecer acordos comerciais e blo-
cos econômicos, apesar das difi-
culdades associadas às questões
de investimento e de serviços.
A tentativa mais espetacular foi
a retomada, em novas bases, da
negociação comercial entre Es-
tados Unidos e União Euro-
peia. A potencial criação de um
bloco comercial transatlântico
desta magnitude, com cerca de
700 milhões de consumidores
de alta renda e sofisticação, se-
ria uma jogada econômico-po-
litica de alta sabedoria comer-
cial, que faria frente à invasão
de produtos chineses e asiáti-
cos como um todo, tentando
preservar o que resta da pro-
dução industrial e agrícola dos
dois parceiros. Se concretizado,
e trata-se de um grande se, pos-
sivelmente marginalizaria ainda
mais o Brasil como parceiro co-
mercial dos dois grandes.
A conclusão a que chego, par-
tindo do pressuposto de que ne-
nhum país é uma ilha, é a de que
o Brasil necessita, urgentemen-
te, ampliar o número e a quali-
dade de seus acordos comerciais
ou, como alternativa, melhorar
enorme e rapidamente sua efici-
ência produtiva. É claro que um
fator não exclui o outro e ambos
são complementares. Mas como
sabemos que o segundo fator re-
quer uma série de reformas es-
truturais e ganhos logísticos de-
morados, urge que se consigam
acordos comerciais significati-
vos, começando pelo acordo blo-
co a bloco Mercosul-União Eu-
ropeia, com ou sem a Argentina
e a Venezuela. Só assim o Brasil
poderia começar a desentravar
mais seriamente a exportação de
produtos manufaturados e semi-
manufaturados e não estabele-
cer, como já ocorre com a Chi-
na, por exemplo, uma relação
de exportador de commodities e
importador de bens de consumo
e de capital, lembrando uma re-
lação neocolonial que todos nós
tanto criticamos.
* É professor de Relações Internacionais
da PUC-Rio e da Universidade Estácio de
Sá e coordenador da área internacional do
Centro de Estudos e Pesquisas BRICS.
13Acordos comerciais
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Lia Baker Valls Pereira*
A
proposta dos mega-acordos
como o Acordo Trans-Pa-
cífico (TPP, Trans-Pacific
Partnership Agreement) e o Acor-
do Transatlântico de Comércio e
Investimento (TTIP, Transatlantic
Trade and Investment Partnership)
levou a um recrudescimento do de-
bate sobre a agenda de acordos co-
merciais no Brasil1
. Alguns temem
que, além de possíveis perdas de
acesso a mercado, o país possa estar
se “isolando” das cadeias produti-
vas globais (Barbosa, 2013).
Partimos da observação que a
associação entre cadeias produtivas
e acordos comerciais está presen-
te em diversos autores na literatu-
ra recente. Baldwin (2012) consi-
dera que no final dos anos 90 teve
início uma nova forma de globali-
zação identificada com o aumen-
to das cadeias produtivas globais
ou regionais, que incorpora a frag-
mentação dos processos de produ-
ção e das tarefas (serviços).
Os investimentos em cadeias
produtivas com esse nível de frag-
mentação exigem um ambiente
jurídico com regras claras e está-
veis, que assegurem às empresas
a integração de todas as etapas de
produção e dos serviços associadas
ao seu negócio, sem risco de “que-
bras”. Nesse sentido, o ambiente
propício para a formação de ca-
deias pressupõe: eliminação de ta-
rifas de importações de bens inter-
mediários; facilitação de comércio
(simplificação de procedimentos
administrativos); e, redução/eli-
minação de tributos sobre servi-
Os mega-acordos: reflexões para
a agenda de comércio do Brasil
ços comercializáveis. Na formação
das cadeias globais e/ou regionais,
o núcleo das negociações gira em
torno de regras que facilitem o co-
mércio de bens e serviços, além de
dar garantias ao investidor.
O sistema multilateral da Or-
ganização Mundial do Comércio
(OMC), com 159 países mem-
bros, encontra dificuldades para
negociar regras que atendam aos
requisitos das cadeias produtivas
globais/regionais. Nesse contexto
se inserem os novos acordos co-
merciais como o TPP e o TTIP,
que incorporam a ampla agenda
de negociações de regras que ca-
racterizam os acordos que os Esta-
dos Unidos celebram desde o final
da década de 90.
Baldwin (2012) argumen-
ta que países que ficam fora des-
sas negociações, todas com regras
OMC plus, ou seja, mais abran-
gentes e com um nível de compro-
missos que reduz em maior grau a
flexibilidade das políticas domés-
ticas, poderão ficar alijados das ca-
deias globais. A principal questão
a ser ressaltada é, portanto, que o
tema das cadeias produtivas veio
reforçar a agenda de negociações
ampla nos acordos comerciais.
Não é um debate novo. No iní-
cio dos anos 90, Lawrence (1991)
argumentava que a globalização,
entendida como a crescente in-
ternacionalização dos fluxos de
produção e financeiros, requer a
harmonização das políticas do-
mésticas. Os custos de transação
impostos por sistemas regulatórios
distintos oneram o processo de
globalização, que seria a fonte de
dinamismo dos países no contex-
to da economia mundial. Assim,
a inclusão dos novos temas como
investimentos, direitos de proprie-
dade intelectual e serviços na Ro-
dada Uruguai demandados pelos
Estados Unidos e os parceiros das
economias desenvolvidas faziam
parte do processo de globalização.
Uma das motivações dos acor-
dos regionais promovidos, em es-
pecial, pelos Estados Unidos, se
refere, portanto, à agenda penden-
te sobre os “novos temas” da Ro-
dada Uruguai. Assim, no lugar da
globalização como demandante de
regras harmonizadas, a questão do
século XXI são as cadeias produti-
vas globais/regionais.
Lester (2013) discorda da ava-
liação de Baldwin. A consolidação
das cadeias produtivas não depen-
de de acordos formais de comér-
cio regionais ou multilaterais. É
uma opção das políticas domésti-
cas. Países com estratégias simila-
res podem querer ou não reforçar
seus compromissos com regras de
facilitação para a consolidação das
cadeias. A integração produtiva na
Ásia a partir do Japão e agora da
China não foi precedida de acor-
dos formais de comércio.
Quais são, então, as principais
questões trazidas pelos mega-acor-
dos para a agenda de comércio do
Brasil?
A primeira se refere à análi-
se dos possíveis impactos nos flu-
xos de comércio de mercadorias.
No caso do Acordo Transatlân-
tico, uma das principais nego-
ciações se refere às normas fitos-
sanitárias, uso de transgênicos e
regulações afins no comércio agrí-
cola, que são matéria de frequente
controvérsia entre os Estados Uni-
dos e a União Europeia2
. Aqui o
Brasil poderá ter perdas, caso os
dois países consigam fechar uma
negociação nesse tema sensível. O
mercado do Acordo Trans-Pací-
fico representa 21% das exporta-
ções brasileiras (10% é o mercado
dos Estados Unidos, ano 2013).
Chile e Peru já possuem acordos
de livre comércio com o Brasil e
com os Estados Unidos e alguns
dos países asiáticos e da Oceania
já possuem acordos preferenciais
de comércio entre si3
. Além dis-
so, a pauta brasileira não compe-
te com a do Japão. A possibilidade
de desvio de comércio seria poten-
cialmente pequena.
As negociações não se resumem,
porém, ao tema de acesso a mer-
cados. Em meados da década de
90, Bhagwati (1996) argumentou
que nos acordos bilaterais os Esta-
dos Unidos impunham sua visão do
14
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Acordos comerciais
que consideravam “regras justas”.
Assim, o objetivo era obter acordos
sobre novos temas e/ou assegurar re-
gras que teriam poucas chances de
obterem consenso nas negociações
multilaterais. Os mega-acordos re-
petem essa estratégia com um aspec-
to adicional. A criação de um amplo
marco regional que, em última ins-
tância, discipline os que ficarem de
fora, em especial, a China.
No momento há dúvidas quan-
to ao sucesso dessas negociações e
resistências surgem no Congres-
so dos Estados Unidos4
. Contudo
reacendeu o debate sobre a estraté-
gia de acordos comerciais no Brasil.
Do meu ponto de vista, po-
rém, a principal questão que os
novos acordos trazem não é, num
primeiro momento, se o país deve
ou não aderir a essa nova onda de
regionalismo — participar ou não
dos mega-acordos (fazer acordos
com os Estados Unidos e a União
Europeia) — e sim o tema da in-
tegração regional.
O Tratado de Assunção de
1991, que criou o Mercosul, tinha
como objetivo criar um espaço re-
gional que contribuísse para a in-
serção competitiva dos seus países
membros. O conceito de regionalis-
mo aberto que pressupunha o maior
grau de abertura das economias
não era incompatível com o proje-
to de consolidação da indústria lo-
cal. A integração produtiva regional
iria alavancar a presença do Merco-
sul no comércio mundial. Faltaram
políticas públicas de apoio ao pro-
jeto, como melhora da infraestru-
tura, mas também temas que estão
presentes na literatura das cadeias
produtivas, como facilitação e co-
mércio, reduções tarifárias que per-
mitam acesso aos insumos interna-
cionais mais baratos, entre outras.
No caso atual do Brasil, a es-
tratégia de criar cadeias produtivas
nacionais, como sugere o uso fre-
quente e generalizado da exigên-
cia de conteúdo local, é incompa-
tível com a integração produtiva
regional. No ano 2000, a parti-
cipação do Brasil nas exportações
mundiais de manufaturas era de
0,7%, chegou a 0,8% em mea-
dos dos anos 2000 e foi de 0,7%
em 2012, segundo a Organização
Mundial do Comércio. Logo, ana-
lisar as diretrizes da política de co-
mércio exterior privilegiando o te-
ma da competitividade é crucial.
Os mega-acordos e o tema das
cadeias produtivas apontam a fragili-
dade das políticas voltadas para a in-
tegração produtiva regional, que de-
vem ser compatíveis com o processo
de inserção competitiva global.
Por último, uma nota sobre os
acordos com os países desenvolvi-
dos, um tema presente no debate
brasileiro. Um acordo com os Es-
tados Unidos não está na mesa de
negociações do Brasil e a agenda
ampla de regras estadunidense é
incompatível com a consolidação
de negociações multilaterais. No
caso da União Europeia, o acordo
seria um movimento em direção
ao retorno da estratégia do regio-
nalismo aberto, pois não se trata
de compromissos que irão mudar
as regras das políticas domésticas.
BIBLIOGRAFIA
BALDWIN, R. (2012). “WTO 2.0:
Global governance of supply-chain trade”,
CEPR Policy Insight No. 64, December,
http://www.cepr.org.
BARBOSA, R. (2013). “O Brasil fora das
cadeias produtivas globais”. Publicado no
Estado de São Paulo, 26 de fevereiro.
BHAGWATI, J. (1996). “The De-
mands to Reduce Domestic Diversity
among Trading Nations”. In J. Bhag-
wati e R. E. Hudec (eds). Fair Trade
and Harmonization, Vol. 1, Econom-
ic Analysis, pp. 9-40. The MIT Press,
Cambridge, Massachusetts
LAWRENCE, R.Z. (1991). “Perspectivas
del sistema de comercio mundial e impli-
caciones para los países en desarrollo”.In
Pensamiento Iberoamericano, Nº 20, vo-
lume especial, pp. 53-78
LESTER, s. (2012). How much global
trade governance should there be? http://
www.voxeu.org/article/how-much-glob-
al-trade-governance-should-there-be
OMC (2011).“The WTO and Preferen-
tial Trade Agreements”. World Trade Re-
port. www.wto.org
* É pesquisadora do Centro de Economia
Aplicada do Instituto Brasileiro de Eco-
nomia da Fundação Getúlio Vargas. Pro-
fessora Adjunta da Faculdade de Ciências
Econômicas da Uerj.
1 O TPP foi lançado em novembro de
2011 e agrega Austrália, Brunei Darussa-
lam, Canadá, Chile, Japão, Malásia, Mé-
xico, Nova Zelândia, Peru, Cingapura,
Vietnam e Estados Unidos. Em março de
2013, os Estados Unidos e a União Eu-
ropeia anunciaram a abertura de negocia-
ções para o Acordo Transatlântico.
2 Como referência histórica basta lembrar
o uso de hormônios na carne bovina nos
Estados Unidos, que impediu a entrada
desses produtos por mais de 15 anos no
mercado europeu (OMC, 2011).
3 É o caso de Brunei, Malásia e Cin-
gapura, por exemplo, que estão na
ASEAN (Associação de Nações do Su-
deste Asiático)
4 O Presidente Obama está negocian-
do sem a aprovação prévia do Congresso
(Trade Promotion Authority), o que torna
incerta a futura aceitação dos acordos pe-
los congressistas.
15
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Monografia
José Roberto Rosa Shirmer*
A
s teorias que sustentam o
Regime de Metas de Infla-
ção (RMI) brasileiro en-
xergam a inflação como um fenô-
meno ocasionado pelo excesso de
moeda. Nestas teorias de inspira-
ção neoclássica, permanece a visão
de que existe uma dicotomia entre
variáveis nominais e reais. No cur-
to prazo, a política monetária po-
deria afetar as variáveis reais, mas
no longo prazo, somente variáveis
reais (estoque de fatores de produ-
ção, preferências dos trabalhado-
res e tecnologia) podem modificar
outras variáveis reais (nível de pro-
duto e de emprego).
O consenso macroeconômico
sustentado nestas ideias e que vem
se consolidando nas últimas dé-
cadas não apresenta instrumental
analítico suficiente para o Brasil
ultrapassar a condição de subde-
senvolvimento em que se encon-
tra. Além das notáveis carências
na esfera microeconômica (pou-
ca inovação, infraestrutura precá-
ria, dificuldade de qualificação da
mão de obra, entre outras), en-
tendemos que algumas variáveis
macroeconômicas, notavelmen-
te as altas taxas de juros reais e o
câmbio permanentemente sobre-
valorizado, freiam o crescimento
econômico e travam o desenvolvi-
mento do país.
Em contraponto a estas teo-
Instrumentos alternativos
de combate à inflação
O JE dá prosseguimento à publicação de resumos dos textos vencedores do 23º Prêmio de Monografia Economista Celso Furtado. O tra-
balho de conclusão de curso de José Roberto Rosa Shirmer, graduado pela UFF, recebeu menção honrosa no concurso.
rias, os estruturalistas e os pós-
-keynesianos abandonam as hi-
póteses de concorrência perfeita e
pleno emprego. Estas abordagens
creem que um aumento no nível
geral de preços pode ser gerado
por aumento de custos, uma vez
que outros setores não reduziriam
seus preços proporcionalmente e
sim aumentariam, pois tentariam
manter os seus rendimentos reais.
Essas duas abordagens diagnosti-
cam a inflação a partir de variáveis
não monetárias e, portanto, reco-
mendam como parte integrante
das políticas anti-inflacionárias a
execução de políticas complemen-
tares à manipulação dos instru-
mentos monetários tradicionais.
Em outras palavras, o controle da
inflação, nessas abordagens, não é
responsabilidade exclusiva da au-
toridade monetária, mas também
de outras esferas do governo.
Analisando o período em que
vigeu o RMI, concluímos que os
componentes externos são os prin-
cipais elementos para se explicar a
inflação no Brasil. Evidentemente,
o Brasil conseguiu manter a inflação
em níveis historicamente baixos.
Entretanto, o desempenho brasilei-
ro, medido em termos de inflação
e crescimento do PIB, ainda não é
melhor que no resto da America La-
tina e é ainda muito pior que a mé-
dia dos países emergentes.
O RMI foi operacionalizado
essencialmente através da mani-
pulação da taxa básica de juros, a
Selic. O país permaneceu depen-
dendo de uma alta taxa de juros
para atrair capitais e manter a ta-
xa de câmbio valorizada, de forma
a combater as pressões inflacioná-
rias de preços livres de comercia-
lizáveis ou compensar as pressões
decorrentes de preços monitora-
dos e de itens não comercializá-
veis. Isto ocorre porque vários ou-
tros mecanismos de transmissão
das condições monetárias para os
preços são deficientes no Brasil,
tornando a política monetária me-
nos eficaz que em outros países.
Entre as principais peculiari-
dades brasileiras limitantes da efi-
cácia da política monetária apon-
tamos: (i) a inexistência de uma
curva de rendimentos de longo
prazo; (ii) a indexação de contra-
tos; (iii) a participação relativa-
mente pequena do crédito livre na
economia; (iv) a restrição do efei-
to riqueza diante da participação
significativa de títulos públicos in-
dexados à Selic e (v) o comporta-
mento anticíclico dos markups.
Desta forma, parece que a va-
lorização cambial é imprescindível
para que o principal instrumento
do RMI logre controlar os preços,
consistindo no principal mecanis-
mo de passagem da austeridade
monetária para a redução de pre-
ços. Em geral, nos anos em que
descumprimos a meta de inflação,
ocorreu uma desvalorização cam-
bial acentuada. Em contrapartida,
a inflação somente retorna a um
trajeto decrescente quando a taxa
de câmbio se valoriza e/ou ocor-
rem choques de oferta positivos.
No que diz respeito ao período
2009-2012, a análise do IPCA de-
monstra que os grupos que mais
contribuíram para o crescimento
do índice compunham os seguin-
tes grupos: habitação (puxado por
aluguel e taxas), saúde e cuidados
pessoais, despesas pessoais e edu-
cação, leitura e papelaria (impul-
sionado pelos grupos cursos e cur-
sos diversos). No referido período,
estes itens apresentaram compor-
tamento nitidamente não cíclico,
uma vez que cresceram mais nos
anos de menor crescimento eco-
nômico, o que impõe mais uma
dificuldade para o repasse dos
apertos monetários aos preços.
Avaliando pormenorizada-
mente, portanto, a composição da
inflação deve nos levar a algumas
reflexões. Primeiramente, os pre-
ços de saúde e educação, se não
podem ser controlados através de
uma regulação eficiente, pode-
16 Monografia
Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br
Prepare-se para Mestrado em Economia (ANPEC) no Corecon-RJ.
Índice de aprovação de 85%. Consulte no telefone 2103-0118.
riam ao menos perder a relevân-
cia no índice, caso o atendimento
público destes itens tivesse melhor
qualidade e, portanto, maior co-
bertura. Adicionalmente, o item
transportes públicos também é um
preço regulado e a carência de es-
forços para controlar a qualidade e
os preços deste serviço vem geran-
do um cenário bastante dramático
no que diz respeito à mobilidade
urbana. Há, portanto, um eviden-
te espaço para ações estatais que
podem influenciar o rumo da in-
flação destes setores.
Por sua vez, a inflação do item
serviços pessoais foi puxada, so-
bretudo, pelos grupos de serviços
que exigem trabalhadores de bai-
xa qualificação e tem, consequen-
temente, um efeito redistributivo
positivo. Por último, é importan-
te notar que todos estes itens pos-
suem demanda inelástica em rela-
ção às condições de crédito, com
exceção de habitação, que sofre
influência do crédito imobiliário
que, em compensação, não é cré-
dito livre e é menos afetado pelos
apertos da política monetária.
Portanto, analisando estas e
outras estatísticas do período de
funcionamento do RMI no Bra-
sil, encontramos evidências signi-
ficativas para acreditar que grande
parte das origens de pressões infla-
cionárias do país neste período não
pôde ser atenuada através da mani-
pulação da taxa Selic. Desta forma,
ainda é necessário ao Banco Cen-
tral fazer apertos monetários su-
ficientemente austeros para atrair
um volume de capitais que valori-
ze a taxa de câmbio ao ponto de
fazer os preços de itens comerciali-
záveis compensarem as pressões in-
flacionárias iniciais, independente-
mente do que as tenha originado.
Esta estratégia de combate à infla-
ção não tem se mostrado suficien-
te para levar o país a uma trajetória
de crescimento que o faça conver-
gir seu nível de renda per capita
ao dos países desenvolvidos, i.e., o
RMI executado de forma mais rí-
gida não tem sido suficiente para
fazer o país superar sua condição
de subdesenvolvimento e tampou-
co os problemas estruturais que o
fazem estacionar em tal condição.
Embora o governo ainda não
tenha anunciado nenhum paco-
te de medidas para atuar nestes se-
tores, ele tem auxiliado o Banco
Central a cumprir a meta de infla-
ção (ou ao menos a não ultrapassar
o seu limite superior). De manei-
ra incipiente a partir de 2009, mas
de forma mais evidente e intensa a
partir de 2011, o governo federal
tomou diversas iniciativas que in-
fluenciaram diretamente a trajetó-
ria da inflação e em grande medida
também contribuíram para melho-
rar a competitividade da indústria.
Entre as medidas que foram toma-
das, realçamos: as reduções de IPI; a
extinção de impostos federais sobre
produtos da cesta básica; a redução
dos encargos sobre a folha de paga-
mento; as renegociações de contra-
tos, desonerações e ressarcimentos
feitos para reduzir o custo da ele-
tricidade e o controle do preço de
combustíveis através da Petrobras.
Em contrapartida, o Banco
Central tem auxiliado o Ministé-
rio da Fazenda a cumprir seu ob-
jetivo de manter a taxa de câmbio
em patamar menos dramático pa-
ra a competitividade da indústria
nacional, agindo em conformida-
de com o objetivo geral do gover-
no, que é promover a competitivi-
dade, a inovação e o crescimento
da indústria brasileira.
Este setor, por sua vez, ainda
não apresentou melhoras signifi-
cativas, mas decerto as facilidades
de financiamento com o BNDES,
as desonerações fiscais e a taxa de
câmbio mais estável melhoram as
perspectivas de negócios para os
empresários, embora possam não
ser condições suficientes para rea-
nimar os investimentos.
Aparentemente, as esferas admi-
nistrativas do governo federal estão
atuando em melhor sintonia com o
Banco Central e este tem mostra-
do melhor disposição para auxiliar
o governo em suas aspirações desen-
volvimentistas, executando uma po-
lítica monetária mais frouxa e man-
tendo a taxa de câmbio em patamar
mais competitivo para os produ-
tores nacionais. Houve, portanto,
uma flexibilização na condução do
RMI em comparação com a condu-
ção do combate à inflação no perí-
odo compreendido entre a implan-
tação do RMI e a eclosão da crise
financeira global de 2008. Não obs-
tante, ainda falta um esforço delibe-
rado, explícito e organizado de ou-
tros órgãos do governo no combate
à inflação, pois os efeitos de deso-
nerações esporádicas têm curta du-
ração e um custo fiscal não negli-
genciável. É notável que esta falta
de organização prejudica o comba-
te à inflação e pode minar a benéfi-
ca relação de colaboração mútua en-
tre governo e autoridade monetária.
Orientador: Professor Victor Leonardo F.
C. de Araújo
* É graduado em Ciências Econômicas
pela UFF. Atualmente é economista do
BNDES.
xa qualificação e tem, consequen-
temente, um efeito redistributivo
positivo. Por último, é importan-
te notar que todos estes itens pos-
suem demanda inelástica em rela-
ção às condições de crédito, com
exceção de habitação, que sofre
influência do crédito imobiliário
que, em compensação, não é cré-
mente do que as tenha originado.

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Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014

  • 1. Acordos comerciais e o Brasil Nº 295 Fevereiro de 2014 Órgão Oficial do Corecon-Rj e Sindecon-Rj Resumo da monografia de José Roberto Rosa Shirmer intitulada Instrumentos alternativos de combate à inflação. Luiz Carlos Delorme Prado, Francisco Carlos Teixeira, Elias Jabbour, Paulo Wrobel e Lia Valls discutem os impactos da Parceria Transpacífica e outros acordos comerciais internacionais sobre o Brasil.
  • 2. Órgão Oficial do CORECON - RJ E SINDECON - RJ Issn 1519-7387 Conselho Editorial: Carlos Henrique Tibiriçá Miranda, Edson Peterli Guimarães, José Ricardo de Moraes Lopes, Leonardo de Moura Perdigão Pamplona, Sidney Pascoutto da Rocha, Gilber- to Caputo Santos, Marcelo Pereira Fernandes, Paulo Gonzaga Mibielli e Gisele Rodrigues. Jor- nalista Responsável: Mar­celo Cajueiro. Edição: Diagrama Comunicações Ltda-ME (CNPJ: 74.155.763/0001-48; tel.: 21 2232-3866). Projeto Gráfico e diagramação: Rossana Henriques (rossana.henriques@gmail.com). Ilustração: Aliedo. Fotolito e Impressão: Ediouro. Tiragem: 13.000 exemplares. Periodicidade: Mensal. Correio eletrônico: imprensa@corecon-rj.org.br As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição das entidades. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CORECON - CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA/RJ Av. Rio Branco, 109 – 19º andar – Rio de Janeiro – RJ – Centro – Cep 20054-900 Telefax: (21) 2103-0178 – Fax: (21) 2103-0106 Correio eletrônico: corecon-rj@corecon-rj.org.br Internet: http://www.corecon-rj.org.br Presidente: Sidney Pascoutto da Rocha. Vice-presidente: Edson Peterli Guimarães. Conselhei- ros Efetivos: 1º Terço: (2014-2014): Arthur Câmara Cardozo, Gisele Mello Senra Rodrigues, João Paulo de Almeida Magalhães – 2º terço (2012-2014): Gilberto Caputo Santos, Edson Peterli Guima- rães, Jorge de Oliveira Camargo – 3º terço (2013-2015): Carlos Henrique Tibiriçá Miranda, Sidney Pascoutto Rocha, José Antônio Lutterbach Soares. Conselheiros Suplentes: 1º terço: (2014- 2016): Andréa Bastos da Silva Guimarães, Regina Lúcia Gadioli dos Santos, Marcelo Pereira Fer- nandes – 2º terço: (2012-2014): André Luiz Rodrigues Osório, Leonardo de Moura Perdigão Pam- plona, Miguel Antônio Pinho Bruno – 3º terço: (2013-2015): Cesar Homero Fernandes Lopes, José Ricardo de Moraes Lopes, Sérgio Carvalho Cunha da Motta. Sindecon - Sindicato dos Economistas do estado do RJ Av. Treze de Maio, 23 – salas 1607 a 1609 – Rio de Janeiro – RJ – Cep 20031-000. Tel.: (21)2262- 2535 Telefax: (21)2533-7891 e 2533-2192. Correio eletrônico: sindecon@sindecon.org.br Mandato – 2011/2014 Coordenação de Assuntos Institucionais: Sidney Pascoutto da Rocha (Coordenador Geral), An- tonio Melki Júnior e Wellington Leonardo da Silva. Coordenação de Relações Sindicais: João Manoel Gonçalves Barbosa, Carlos Henrique Tibiriçá Miranda, César Homero Fernandes Lopes, Gilberto Caputo Santos. Coordenação de Divulgação Administração e Finanças: Gilberto Alcântara da Cruz, José An- tônio Lutterbach, José Jannotti Viegas e André Luiz Silva de Souza. Conselho Fiscal: Regina Lúcia Gadioli dos Santos, Luciano Amaral Pereira e Jorge de Oliveira Camargo. O Corecon-RJ apóia e divulga o programa Faixa Livre, apresentado por Paulo Passarinho, de segunda à sexta-feira, das 8h às 10h, na Rádio Bandeirantes, AM, do Rio, 1360 khz ou na internet: www.programafaixalivre.org.br Acordos comerciais............................................................................3 Francisco Carlos Teixeira Da Silva O Brasil e os desafios internacionais depois da crise Acordos comerciais............................................................................5 Elias Jabbour China, Brasil e a ALCA do Pacífico Entrevista: Luiz Carlos Delorme Prado...............................................7 “O pior cenário para o Brasil seria uma ordem internacional baseada em acordos comerciais, fora da OMC, que criariam blocos econômicos com regras propostas por países (ou blocos de países) liderados pelos EUA ou pela União Europeia.” Acordos comerciais......................................................................... 11 Paulo Wrobel Nenhum país é uma ilha Acordos comerciais......................................................................... 13 Lia Baker Valls Pereira Os mega-acordos: reflexões para a agenda de comércio do Brasil Monografia...................................................................................... 15 José Roberto Rosa Shirmer Instrumentos alternativos de combate à inflação 2 Editorial Sumário Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Acordos comerciais e o Brasil A partir do vazamento de informações pelo WikiLeaks em novembro de 2013, o mundo conheceu um pouco mais sobre o tratado negociado pelos EUA para a criação da Parceria Transpacífica, um mega-acordo comercial reunindo países asiáticos, norte e sul-americanos e da Oceania. Simultaneamente, EUA e União Europeia negociam o Acordo Transatlântico. Este cenário bastou para que os ditos especialistas trombeteassem nos meios de comunicação tristes previ- sões sobre o isolamento comercial do Brasil. Esta edição do JE reuniu um grupo de economistas com visões diferentes para aprofundar a discussão destes temas. Francisco CarlosTeixeira da Silva, do Iuperj e Escola de Comando e Estado- -Maior do Exército Brasileiro, pergunta como é possível liberalizar o comércio mundial numa conjuntura de crise e sugere uma negociação global, em que to- dos renunciassem a subsídios e controlassem melhor suas tarifas. Elias Jabbour, estudioso da economia da China, afirma que os EUA miram no gigante asiático ao propor a Parceria Transpacífica e prevê que o novo bloco afetaria o projeto brasileiro de integração sul-americana. Luiz Carlos Delorme Prado, do IE/UFRJ, afirma em entrevista que o pior cenário para o Brasil seria uma ordem internacional baseada em acordos comer- ciais fora da OMC, que criariam blocos econômicos com regras propostas por países liderados pelos EUA ou pela União Europeia. Paulo Wrobel, da PUC-Rio e Universidade Estácio de Sá, defende que as trocas comerciais geram prosperidade. Ele acredita que um acordo Mercosul- -União Europeia ajudaria na exportação de produtos brasileiros manufaturados e semimanufaturados. Lia Baker Valls, da FGV e Uerj, afirma que os mega-acordos e o tema das cadeias produtivas apontam a fragilidade das políticas voltadas para a integra- ção produtiva regional, que devem ser compatíveis com o processo de inserção competitiva global. Fora do bloco temático, publicamos o resumo da monografia Instrumentos alternativos de combate à inflação, de José Roberto Rosa Shirmer. O autor con- clui que, no período de funcionamento do regime de metas de inflação no Bra- sil, há evidências de que grande parte das origens das pressões inflacionárias não pôde ser atenuada através da manipulação da taxa Selic.
  • 3. 3 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Acordos comerciais Francisco Carlos Teixeira Da Silva* C reio que todos concor- dam que a crise mundial que eclodiu em 2008 ain- da não foi debelada. Malgrado si- nais de recuperação, em especial nos EUA, a Europa e o Japão estão longe de alcançar os níveis de 2008 e, com segurança, alguns países (em especial na Europa, como Portugal, Grécia, Irlanda e talvez Espanha e Itália) não voltarão, mesmo depois da crise, aos patamares de prosperi- dade e riqueza pré-2008. Da mes- ma forma, a euforia em torno dos países do BRICS parece ter arrefe- cido, com ritmos de crescimento que dificilmente igualarão aqueles dos últimos 20 anos. O mundo que emergirá da crise terá uma geopolí- O Brasil e os desafios internacionais depois da crise tica bastante diversa: velhos países do Ocidente serão mais pobres, a Europa perderá relevância e o mun- do será mais diverso, mais multipo- lar. Os sinais desta nova geopolíti- ca já emergem no cenário mundial. Como em meio a todas as de- mais grandes crises internacio- nais do capitalismo – 1873, 1919, 1929, etc. – as saídas são limitadas e envolvem, inevitavelmente, gran- des (re)arranjos do comércio in- ternacional, da posição dos países e numa ampla transferência de ri- quezas mundiais. Nem sempre no sentido em que os manuais clássi- cos, em especial aqueles de viés li- beral, apregoam. Em muitas crises, como em 1873 e 1929, o fecha- mento de mercados nacionais, o aumento de tarifas, a imposição de preferências coloniais (posto que, então, havia colônias) e a busca de uma pretensa “autarquia” – como nos fascismos – foram itens busca- dos para solucionar a crise. Na atual crise, no alvorecer de sua fase final (acreditemos no Re- latório do Banco Central Alemão, não no BCE, é claro, quando afir- ma que a recuperação dos índices pré-crise é para 2018, com lento crescimento até lá) negociar livre comércio é uma tarefa inglória. Sem a mesma capacidade de criação de riquezas anterior a 2008 e com um número muito maior de países industriais do que em quais- quer das crises anteriores, teremos um mundo muito mais competiti- vo, mais pobre (insisto, com mais desempregados!), menos esfuziante e menos otimista do que aquele da Era Clinton. Os anos Bush, com seu laxismo, seus gastos improdu- tivos e a ausência de investimentos massivos em novas tecnologias (co- mo energia e alimentos) terão que ser compensados em anos e anos de mediocridade. Nestas condições, e neste ho- rizonte, a questão do comércio in- ternacional – em face de mercados internos paralisados ou deprimi- dos – é crucial. Ocorre, que dada a extensão da crise, é crucial, simul- taneamente, para todos. Para al- guns, onde o peso das exportações é maior que o consumo interno ou que o grau de depressão do merca- do interno (aliado às políticas ditas de “austeridade”) é muito elevado, a conquista de novos mercados e a Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br emergirá da crise terá uma geopolí- aumento de tarifas, a imposição de desempregados!), menos esfuziante a conquista de novos mercados e a
  • 4. 4 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Acordos comerciais liberalização do comércio mundial são metas centrais. Contudo, a liberação do co- mércio internacional implica em aceitar tarifas mais baixas, que in- cidiriam diretamente na capaci- dade de formação de empregos, principalmente empregos indus- triais, no seu próprio quintal. De- vemos insistir aqui numa hipótese central, num reinventar de ma- nuais: a explosão de parques in- dustriais, de variada capacidade e grau técnico, rebaixou o preço da produção industrial de consumo imediato, enquanto as exigências de grandes populações emergen- tes, valorizaram as commodities agrícolas, que, todavia, ainda se constituem num mercado insegu- ro e inelástico em face aos demais. Assim, enquanto internamen- te defendemos os “nossos empre- gos” – seja via tarifas, desonera- ções, elevando ou impondo regras ditas fitossanitárias – exigimos, nos fóruns internacionais, a libe- ração dos mercados alheios. Ao mesmo tempo, num fenômeno global, o valor da produção indus- trial regride, ao lado da racionali- zação/robótica, que avançam. Co- mo liberalizar o comércio mundial numa conjuntura de brutal retra- ção do emprego? Eis a questão. Uma posição intermediária se- ria uma negociação geral, global, em que todos renunciassem a sub- sídios e controlassem melhor suas tarifas, como, por exemplo, na re- tomada da Rodada de Doha, em Bali, em 2013. Para tal seria neces- sário negociar de forma “cruzada”, aceitando compensações entre se- tores industriais e do agronegócio, incluindo ainda serviços. Na ver- dade, infelizmente, não possuímos exemplos, na história do capitalis- mo, de amplos movimentos de li- beração aduaneira em tempos de crise. Seria uma novidade, nada impossível, porém bastante difícil. Muitos países, em especial na- queles de parlamentos fortes e/ou diretamente parlamentaristas, a es- tabilidade de um governo depende de um punhado de votos de uma coalizão partidária frágil ou mes- mo de “alas” dentro dos próprios partidos governantes. Para estes ar- ranjos frágeis, um grupo reduzido de produtores – como os pecuaris- tas de luxo do Japão, os produto- res de Beaujolais na França, ou de trigo na Itália, sem falar no lobby de suco de laranja da Flórida ou de açúcar do Havaí – podem paralisar negociações internacionais e, mes- mo, colocar em risco a estabilidade governamental. Assim, tais nego- ciações são necessariamente longas, difíceis e passiveis de serem, post factum, recusadas no momento de ratificação parlamentar. Uma saída, ainda no interior da liberalização, são negociações de bloco a bloco, com listas de pro- dutos estabelecidos, evitando pre- juízos e aceitando compensações, sejam elas aos grupos produtores fragilizados, sejam em setores ter- ceiros. Neste momento, travam-se amplas negociações nesta direção, muito especialmente entre a China Popular e os Países da “Asean” e da “APEC”, no contexto geopolítico da Ásia Meridional e Ásia Orien- tal. Evidentemente, Japão e EUA sentem-se fortemente ameaçados e temem a imposição de uma he- gemonia chinesa na Ásia do Pací- fico. Os aliados americanos na re- gião, como Malásia, Tailândia e Indonésia, malgrado seus interes- ses, foram chamados para impe- dir a criação de regras que venham a garantir um “quintal” chinês na região. Mas, os próprios EUA de- clararam-se prontos para negociar um tratado de livre comércio com a União Europeia, trazendo junto o NAFTA. Para além da crise nas relações atlânticas (Caso Snowden, Ucrânia, Síria, ademais crises con- junturais), a grande questão reside em outro campo. Desde os primór- dios da União Europeia, os países membros dedicaram-se a construir sua presença nos mercados mun- diais através de “campeões nacio- nais”, tais como a Airbus, a Das- sault, a BP, a Total, montadoras, etc. Estas empresas possuem seus maiores concorrentes exatamen- te nos “campeões nacionais” ame- ricanos, como a Boeing ou Exxon. As negociações teriam que condu- zir a uma recomposição de arranjos e fusões, além de divisões do mer- cado mundial. E, mais difícil ain- da, como poupar a agricultura eu- ropeia – de grande relevância para países como França, Espanha, Itá- lia, Irlanda, Holanda – de um cho- que com a produção de fazendeiros altamente tecnificados dos EUA e apoiados no bilionário “Farmer Act” do Governo Bush? No caso do Brasil, o Governo Dilma desinteressou-se do Mer- cosul. Claro, este sempre foi uma imensa teia de interesses contra- ditórios, vontades pessoais, es- paço de voluntarismos e de dis- putas setoriais, como no caso do açúcar, autopeças, calçados, linha branca, etc. Mas, como diria Cae- tano Veloso, “de perto ninguém é normal”. As disputas no âmbito, por exemplo, da União Europeia são crudelíssimas. Além de tudo, quem não aceita a criação de or- ganismos de soluções de crise au- tônomos no Mercosul é a própria diplomacia brasileira, ciosa com a limitação da soberania nacional. A questão central é que o Mer- cosul prestou pelo menos três grandes serviços ao Brasil, e seus (muitos) detratores são um tanto mal-agradecidos. Vejamos. Em pri- meiro lugar, do ponto de vista es- tratégico, o Tratado de Assunção desfez uma rivalidade e um risco de guerra de quase trezentos anos, li- berando as FFAA brasileiras (e seus orçamentos) de um tresloucado ce- nário bélico no Cone Sul. O reapa- relhamento da Amazônia e a defesa da “Amazônia Azul” só se tornaram possíveis pelo desmonte do “cená- rio argentino”. Em segundo lugar, o Brasil é superavitário com todos os países membros e associados (ex- ceto Bolívia, com sua pequena eco- nomia) e, por fim, a TEC, embo- ra não tenha sido criada para isso, é uma defesa impagável para a in- dústria brasileira (em especial em face dos produtos chineses, que po- deriam invadir a região sem a tarifa única). Isso sim cria um custo rele- vante para nossos vizinhos de gru- po. Assim, para além das idiossin- crasias Cristina/Dilma, o Mercosul continua sendo uma boa políti- ca para o Brasil. A ausência de me- canismos de resolução de crise foi substituída, com grande êxito, pe- la diplomacia presidencial, maneja- da bastante bem por FHC e Lula. Mas Dilma não gosta, não tem vo- cação e a diplomacia brasileira, de- pois de um período de grande pro- tagonismo, entrou na muda. Assim, a questão central é a pa- ralisia das estruturas do Mercosul e sua incapacidade de assinar “acor- dos quadros”, como o que estamos em negociação com a União Euro- peia ou aquele desejado pela Chi- na Popular. A ideia de “blocos com duas velocidades” – permitindo que alguns países avancem na com- posição de acordos internacionais e dando prazos para outros se adap- tarem às novas regras – seria uma resposta para a diplomacia brasilei- ra, hoje tão ensimesmada. * É professor titular de Relações Interna- cionais do Iuperj e professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro.
  • 5. 5 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Acordos comerciais Elias Jabbour* A o que tudo indica – pe- lo menos aparentemente – anda a passos céleres a concretização de um acordo en- cetando a criação do maior blo- co econômico até hoje existente. Sob a rubrica de uma Parceria Transpacífica (Trans-Pacific Par- tnership – TPP) reunir-se-ão 40% do PIB global envolvendo países asiáticos (Brunei, Cinga- pura, Malásia e Vietnã), norte- -americanos (Estados Unidos e Canadá), sul-americanos (Peru e Chile), além de Austrália e No- va Zelândia. O TPP obedece à mesma lógica do pacto TTIP (Transa- tlantic Trade and Investment Partnership) entre os EUA e a União Europeia. Juntos, o TPP e o TTIP abrangerão mais de 60% do PIB global. A possibilidade de um acon- tecimento desta magnitude não pode passar despercebida. Cer- tamente poderá ter algum efei- to internacional numa época de gradativo aumento de im- portância de países como Bra- sil, China, Rússia e Índia, pos- sibilitando maior margem de manobra ao país menos inte- ressado numa chamada mul- tipolaridade política e econô- mica. Refiro-me aos Estados Unidos da América. De alguma forma, dois pa- íses poderão ser afetados ca- so o acordo se concretize. Por motivos óbvios, China e Brasil são os menos interessados nis- so. O primeiro pela clara ma- nobra de contenção de sua área de influência, sobretudo na re- gião da Ásia do Pacífico, e o se- China, Brasil e a ALCA do Pacífico gundo pelo poder de atração que os Estados Unidos conti- nuarão a exercer pela banda pa- cífica e andina de um continen- te cujos esforços de integração esbarram justamente nos limi- tes econômicos do mais impor- tante de seus membros, o Bra- sil. Mais adiante voltarei a tocar nesses aspectos. Porém, existe uma pedra neste caminho e tem nome: Es- tados Unidos. Parece contra- ditório, mas não é. As notícias dão conta de uma resistência norte-americana à abertura de seu mercado. Os EUA parecem não ter aprendido com a “in- teligência” mostrada por seus generais nos campos de bata- lha do Vietnã e repetem a mes- mo comportamento nas me- sas de negociação deste tratado. Por exemplo, os EUA pressio- nam contra medidas visando o controle do sistema financeiro, tentam reforçar regras de prote- ção à propriedade intelectual, o que afetaria programas de sub- sídios de remédios contra a AI- DS oferecidos por países como o Vietnã. Outro exemplo es- tá na resistência à abertura de seu mercado a produtos lácte- os, produtos estes que – nos Es- tados Unidos – estão sujeitos a tarifas de até 300%, o que afeta diretamente a Nova Zelândia. O mais intrigante do pro- cesso de consolidação da TPP é o grau de sigilo com que estão ocorrendo as negociações. Pa- ra atestarmos o grau de sigilo público e legislativo, é angu- lar a citação que segue extraí- da do sítio resistir.info: “Des- de o princípio das negociações TPP, o processo de redação e negociação dos capítulos do tratado foi envolvido num nível de secretismo sem precedentes. O acesso aos rascunhos dos capítulos do TPP está blindado em relação ao público geral. Membros do Congresso dos EUA só podem ver porções se- lecionadas dos documentos re- lativos ao tratado em condi- ções altamente restritivas e sob supervisão estrita. Foi revelado anteriormente que apenas três indivíduos em cada país TPP têm acesso ao texto completo do acordo, ao passo que a 600 “conselheiros comerciais” – lo- bbyistas que defendem os inte- resses de grandes corporações estadunidenses tais como Che- vron, Halliburton, Monsanto e Walmart – é concedido acesso privilegiado a seções cruciais do texto do tratado.” A inteligência dos “gene- rais” norte-americanos à fren- te das citadas corporações en- trará em ampla fase de teste na mesma proporção em que os dispositivos deste tratado vi- rem a público. Poderemos as- sistir a uma resistência igual ou maior que a vivida com a ten- tativa de implantação da Área de Livre Comércio das Améri- cas (ALCA) no final da déca- da de 1990. Não tenho dúvidas de que o caminho para este ti- po de acordo será muito mais complicado e tortuoso do que o verificado na malfadada épo- ca da ALCA. Outra implicação reside na própria conjuntura: não vivemos mais numa época de plena hegemonia dos postu- lados livre-cambistas. E o con- traexemplo vem da própria Ásia do Pacífico excluída do TPP, onde um país que tem na defesa de suas capacidades produtivas uma expressão concreta, e con- temporânea, da própria noção de nacionalidade. Seria dispen- sável dizer que estou falando da República Popular da China. E a China nessa história? Não deverá passar incólume. Não sei até onde essa tentativa de cerco afetará sua performan- ce econômica, pois a China é por demais grande e influen- te para deixar de ser notada, também, como uma potên- cia financeira que tem substi- tuído os postulados de Bretton Woods (FMI e Banco Mun- dial) transformando-se na maior provedora de crédito li- quido do mundo. E será cada vez mais notada na mesma pro- porção em que seu mercado in- terno for ganhando peso. A tendência de médio e lon- go prazo é a China depender cada vez menos de mercados externos e mais de seu merca- do interno. Um mercado inter- no nada desprezível e baseado
  • 6. 6 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Acordos comerciais numa fusão monumental entre mais de uma centena de con- glomerados empresariais e um amplo sistema financeiro regido pelo Estado. E se trata de uma transição de “modelo” que não ocorre sem as consequentes do- res decorrentes de uma conjun- tura internacional incerta e com alto grau de inconsequência. Postas as coisas desta forma, a grande questão, imediata, que envolve a relação entre a Chi- na e o possível TPP está em até que ponto essa ofensiva norte- -americana no Pacífico poderá atrapalhar a transição econômi- ca interna chinesa. Acredito que não existe relação causal entre um processo e outro. O nível de constrangimento é mais de or- dem política, geopolítica e es- tratégica. Está claro que os EUA estão mirando seus olhos à China. E faz tempo. Todos seus movimentos têm como alvo estratégico o gi- gante asiático: desde as guerras no Iraque e Afeganistão até o apoio à Al Qaeda na Síria, que se de um lado intenta isolar o Irã e des- mantelar a força do Hezbollah no Líbano, por outro busca pri- var a China de possíveis aliados estratégicos no Oriente Médio. Os chineses trabalham com a noção de tempo histórico. Jogam o jogo sabendo que nada é eter- no: os Estados Unidos tendem a se enrolar nas suas próprias ações. A intransigência norte- -americana em insistir na aber- tura comercial irrestrita de ou- tros países é um fato muito bem explorado pela China. Vejam os exemplos da cada vez maior pre- sença chinesa na carteira de in- vestimentos de nossos vizinhos sul-americanos outrora quase su- gados pela possibilidade de uma ALCA. Comparem, também, as condicionalidades anexas aos créditos carimbados pelo FMI e o Banco Mundial e as não condi- cionalidades dos créditos consig- nados por instituições chinesas. O Brasil deverá ser afetado em seu projeto de integração sul- -americana. Não há dúvidas dis- so. Mas não nos atenhamos a te- ses e sim a um grande fato: antes de pensarmos nos efeitos, ao Bra- sil, das estratégias de terceiros pa- íses, devemos montar nossa pró- pria estratégia. Estratégia baseada num pensamento nacional. Bem, estou falando de estratégia e pen- samento nacional. Ambas as coi- sas não combinam – são an- típodas – com anomalias de tipo “tripé macroeconômi- co”. O tripé de nossa políti- ca monetária é apenas expres- são da miséria em matéria de Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br -americana no Pacífico poderá atrapalhar a transição econômi- ca interna chinesa. Acredito que não existe relação causal entre um processo e outro. O nível de constrangimento é mais de or- dem política, geopolítica e es- tratégica. Está claro que os EUA estão mirando seus olhos à China. E faz tempo. Todos seus movimentos têm como alvo estratégico o gi- gante asiático: desde as guerras no Iraque e Afeganistão até o apoio à Al Qaeda na Síria, que se de um exemplos da cada vez maior pre- sença chinesa na carteira de in- vestimentos de nossos vizinhos sul-americanos outrora quase su- gados pela possibilidade de uma ALCA. Comparem, também, as condicionalidades anexas aos samento nacional. Ambas as coi- sas não combinam – são an- típodas – com anomalias de tipo “tripé macroeconômi- co”. O tripé de nossa políti- ca monetária é apenas expres- são da miséria em matéria de pensamento estratégico que vive- mos em nosso país. Mantido es- se atual estado interno de coisas, pouco poderemos fazer diante de investidas estratégicas de chine- ses e norte-americanos. Sempre teremos uma inflação do toma- te a combater com os mesmos remédios que institucionalizam nosso mercado interno a produ- tos estrangeiros, notadamente chineses e coreanos. Entre o abstrato e a abstra- ção existe uma distância nada pequena. Entre uma coisa e ou- tra estão a acomodação, a covar- dia intelectual e visão pequena de nação que nos impede de ir além da “estratégia” da estabilidade da moeda. Nosso livre-cambismo nos condiciona a estarmos ine- rentes aos efeitos tanto da pre- ferência pela liquidez da política externa norte-americana quanto do princípio da demanda efetiva que pauta a visão chinesa de es- tratégia internacional. Quem se dá conta disso? * É doutor e mestre em Geografia Huma- na pela FFLCH-USP e autor de China Hoje: Projeto Nacional, Desenvolvimento e Socialismo de Mercado (Anita Garibal- di/EDUEPB, 2012, 467 p.).
  • 7. 7 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Entrevista: Luiz Carlos Delorme Prado P: Em tese, é melhor para o Bra- sil participar de um bloco econô- mico no qual é o país com maior PIB e escala industrial (caso do Mercosul) ou com países desen- volvidos (caso da finada Alca e da anunciada Parceria Trans-Pa- cífico)? Por quê? R: A Agenda do NAFTA, assim como a agenda da ALCA e mais recentemente a agenda da TPPA (Trans Pacific Patnership Agree- ment) tem como principais temas questões que não estão diretamen- te relacionadas a comércio, mas a disciplinar aspectos domésticos das legislações dos países envol- vidos, particularmente em ques- “O pior cenário para o Brasil seria uma ordem internacional baseada em acordos comerciais, fora da OMC, que criariam blocos econômicos com regras propostas por países (ou blocos de países) liderados pelos EUA ou pela União Europeia.” Luiz Carlos Delorme Prado, professor do Instituto de Economia da UFRJ, é Ph.D em Economia pelo Queen Mary College da University of London, mes- tre em Engenharia de Produção pela COPPE-UFRJ e bacharel em Economia e Direito. Foi conselheiro do Cade por dois mandatos e presidente do Conse- lho Federal de Economia. Nesta entrevista, analisa com profundidade a Par- ceria Trans-Pacífico explicitando o objetivo princi- pal dos EUA com o tratado, que é criar regras mais rígidas para propriedade intelectual e proteção de investimentos e serviços, dentre outros temas de interesse da potência. Ele prevê dificuldades para a aprovação do tratado, em função de resistências inclusive nos EUA. Prado também analisa o Merco- sul e a inserção do Brasil no comércio internacional. tões como Propriedade Intelec- tual, Proteção de Investimentos, Compras Governamentais e ou- tros temas de escassa relevância pa- ra os países em desenvolvimento. No caso do Mercosul, apesar dos muitos problemas do bloco, o que move as negociações é a procura de novas alternativas para dinamizar a economia dos países da região, em vista da crônica fragilidade da ba- lança de pagamento dessas nações. Para entender os efeitos da in- tegração regional há que se analisar as implicações da integração entre países, considerando-se os níveis de desenvolvimento e os custos e benefícios do processo. Uma dis- tinção possível é entre a integração regional entre países de nível de desenvolvimento similar e aquela feita entre países de graus de de- senvolvimento distintos, que pode também ser chamada de integra- ção assimétrica. No primeiro caso é mais fácil caminhar para a construção de um espaço econômico comum. Em particular, é menos onerosa a for- mulação de uma estratégia de de- senvolvimento que promova um processo de convergência econô- mica e social entre esses países. É mais fácil, nessa circunstância, evi- tar que a integração leve a um mo- delo de comércio intrarregional na forma centro-periferia, com alguns países se especializando na produ- ção de mercadorias de baixo conte- údo tecnológico e um país central, ou um pequeno número de paí- ses, que seriam os principais bene- ficiários desta estrutura de comér- cio internacional. É possível, neste caso, ampliar o mercado dos pro- dutores regionais, levando a uma expansão do comércio intraindus- trial, permitindo a formulação de uma estratégia de desenvolvimen- to regional. Este é o caso mais evi- dente de jogo de soma positiva, onde a negociação das partes leva a um resultado superior à situação anterior.
  • 8. 8 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Entrevista: Luiz Carlos Delorme Prado Na integração vertical ou assi- métrica, os ganhos de integração dependem da disposição do pa- ís mais avançado, de compensar os mais atrasados, com vantagens ou apoio que reduzam o custo de ajustamento desses países. Isto foi feito com diferentes graus de su- cesso na integração das duas Ale- manhas na década de 1990 e no processo de expansão da União Europeia, neste século. Por ou- tro lado, se o país mais avança- do não está disposto a promover a convergência econômica e social, mas, ao contrário, está preocupa- do de minimizar eventuais perdas decorrentes da integração, os cus- tos desse processo para os países menos desenvolvidos são muito mais elevados e o benefícios da in- tegração podem ser superados pe- los custos do processo. A estratégia de integração proposta pelos EUA tem mui- to pouca preocupação em as- sumir custos para compensar os diferentes níveis de desen- volvimento. Esse país propõe, nos acordos que participa, uma agenda que prioriza, exclusiva- mente, temas de seu interesse e dos grandes grupos empresa- riais norte-americanos que in- fluenciam a sua agenda domés- tica, através de seus lobbies no Congresso. Em geral, os EUA são muito pouco sensíveis às de- mandas de outros países, inclu- sive porque há grande resistên- cia no Congresso e na sociedade norte-americana para assinatu- ra de novos acordos comerciais. Isto é agravado pelo fato de que, pelas peculiaridades do sistema constitucional norte-americano, a negociação internacional de tra- tados comerciais só é possível de ser feita com a aprovação de uma legislação de Fast Track – ou seja, que autorize o executivo a nego- ciar o tratado, sendo que o Con- gresso pode apenas confirmá-lo ou rejeitá-lo, mas não alterá-lo. Este tipo de autorização não é fácil de ser obtida no país, particularmen- te durante governos de presidentes democratas. P: Os esforços para a redução de barreiras comerciais, lideradas pela OMC, cujo diretor-geral, aliás, é o brasileiro Roberto Aze- vedo, são do interesse do Brasil? Nossa indústria tem condições de competir, em termos de esca- la e tecnologia, com a dos paí- ses centrais? A liberalização, tão incensada, não nos relegaria ao papel de exportador de commo- dities agrícolas e minerais e im- portador de produtos industria- lizados? R: O Brasil tem interesse nas ne- gociações multilaterais, particu- larmente, mas não exclusivamen- te, em questões relacionadas aos temas de agricultura e agroindús- tria. É na esfera das negociações multilaterais (e não nas realiza- das nos blocos regionais) que as regras do jogo do comércio inter- nacional têm de ser estabelecidas. A atual estrutura do comércio in- ternacional, produto dos acordos realizados durante a Rodada Uru- guai, é muito ruim para os países em desenvolvimento. Vários dos compromissos assumidos pelos países desenvolvidos como con- trapartida à negociação dos cha- mados novos temas de comércio internacional não foram plena- mente implementados – o fracasso da Rodada de Doha é reflexo dis- so. O pior cenário para o Brasil seria uma ordem internacional baseada em acordos comerciais, fora da OMC, que criariam blo- cos econômicos com regras pro- postas por países (ou blocos de países) liderados pelos EUA ou pela União Europeia. Nes- se caso, o Brasil e outros gran- des países em desenvolvimen- to, como a Índia, teriam muito pouca influência. Esses grandes blocos comerciais poderiam ter regras (particularmente, em te- mas como propriedade intelec- tual, proteção de investimento e outras) que depois seriam im- postas aos países que não esti- vessem dispostos a participar desses blocos, sob pena de re- dução de oportunidades no co- mércio internacional. Para o Brasil, a negociação multila- teral, ou seja, aquela realizada nas Rodadas de Negociação da OMC, é mais favorável do que as negociações comerciais re- gionais, lideradas pelos interes- ses de alguns grandes países in- dustriais avançados, tais como as propostas no caso da ALCA e do TPPA.   P: O Mercosul prejudica o Bra- sil, no sentido que impede o pa- ís de fazer acordos com outros blocos e países, como repetem os “especialistas” da grande im- prensa brasileira? Qual é o sal- do da participação do Brasil no Mercosul? R: O Mercosul está em um mo- mento de impasse. A proposta da criação de um Mercado Comum não foi adiante. Estamos, ainda, em uma União Aduaneira incom- pleta. Não conseguimos montar uma estratégia de desenvolvimen- to regional, nem conseguimos de- senvolver projetos eficazes de con- vergência econômica regional. Portanto, o Mercosul precisa sair do marasmo, avançar na sua estru- tura institucional e superar a resis- tência de interesses paroquiais ao aprofundamento da integração, para justificar sua existência. Nesse sentido, o projeto tem pela frente duas alternativas pola- res para enfrentar os desafios des- sa segunda década do século XXI: Aprofundar a experiência da in- tegração econômica regional ou priorizar estratégias flexíveis nas relações econômicas internacio- nais. No primeiro caso, será neces- sário promover novas iniciativas e negociações para romper os im- passes que têm impedido o apro- fundamento do Mercosul, tan- to na integração econômica como na superação de suas fragilidades institucionais. No segundo caso, implica manter em um equilíbrio instável as relações econômicas re- gionais para dar mais flexibilida- de às negociações comerciais do Brasil com outros países ou blo- cos econômicos – o que implicaria transformar o Mercosul em uma área de Livre Comércio e abando- nar a pretensão de criar um Mer- cado Comum. As duas alternati- vas têm riscos. No momento, no entanto, não vejo nenhuma al- ternativa razoável de negocia- ção internacional que justifi- que o abandono ou o recuo no Mercosul: um projeto de mais de duas décadas que, apesar dos problemas, tem sido benéfico para o Brasil.  P: Como você avalia o empenho dos EUA na criação da Parceria Trans-Pacífico? O objetivo é iso- lar a China? Mas por que isolar a China se o G-2 (EUA-China) se mostra tão proveitoso para as partes, inclusive com a presen- ça massiva de filiais de empresas norte-americanas na China? R: Em minha opinião, a TPPA não é um projeto de isolamento da China, embora possa fazer par- te da crescente importância que os EUA têm atribuído à Ásia e à decisão estratégica de aumentar sua presença comercial e militar
  • 9. 9 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Entrevista: Luiz Carlos Delorme Prado no Pacífico. Esta decisão tem sido conhecida em português por um neologismo, na verdade um no- vo anglicismo: “pivoteamento” pa- ra a região da Ásia e do Pacífico – como tem sido chamada a decisão do governo Obama de fazer um “strategic pivot to Asia-Pacific”. O principal objetivo desse acordo é implementar uma agenda que vem sendo perseguida desde as negociações da ALCA, ou se- ja, criar regras mais rígidas pa- ra propriedade intelectual, pro- teção de investimento, serviços, e outros temas de interesse dos EUA. Uma leitura de articulistas es- pecializados em comércio inter- nacional, tanto em publicações europeias como asiáticas, mostra que as propostas norte-americanas são similares às que foram rejeita- das na ALCA. Martin Khor, um especialista em comércio interna- cional da Malásia e crítico dessas negociações, publicou há pouco tempo uma detalhada análise das propostas. Segundo ele, somen- te uma pequena parte do TPPA trata de comércio. A maior parte dos temas em negociação trata de compras governamentais, discipli- na de empresas públicas, proprie- dade intelectual, defesa de inves- tidores estrangeiros, inclusive com direito a acionar Estados nacio- nais em cortes arbitrais internacio- nais e outras propostas similares. Segundo esse autor, estão excluí- dos das negociações subsídios à agricultura (mas não à indústria) e outras práticas que distorcem o comércio internacional, realiza- das pelos países ricos – portanto, as poucas fontes de ganhos para os países em desenvolvimento são negadas à esses. Uma especialista australiana, Deborah Gleeson, pu- blicou um artigo no jornal britâ- nico Guardian, em dezembro pas- sado, com duras críticas ao TPPA, dizendo que a Austrália (que, ob- serve-se, é um país rico) terá cus- tos elevados com o acordo em vis- ta dos excessivos privilégios dados aos grandes laboratórios farma- cêuticos, que levarão a um grande aumento nos preços dos remédios naquele país. Esta não é, portanto, uma negociação para envolver a Chi- na ou excluí-la. Os EUA sabem perfeitamente que a China ja- mais assinaria um acordo nos termos que foram propostos. Aliás, como também não assi- nariam a Índia, a Rússia, ou ou- tro país que tem uma agenda in- dependente nas negociações de comércio internacional. Mesmo países menores, mas com fortes grupos de pressão nacionalis- tas, como a Malásia, encontra- rão grandes dificuldades para aprovar tal acordo. Portanto, esta é uma proposta de negocia- ção que é bom que o Brasil fique fora – não teríamos nada a ga- nhar se tivéssemos participado desse acordo. P: Por que há tanto segredo na negociação da Parceria Trans- -Pacífico, cujos detalhes precisa- ram ser vazados pelo Wikileaks? R: Há no Congresso dos EUA e, também, na sociedade, muita re- sistência à assinatura de novos tratados comerciais. Além disso, muitas das medidas propostas no acordo são extremamente impo-
  • 10. 10 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Entrevista: Luiz Carlos Delorme Prado pulares em muitos dos países en- volvidos, inclusive entre os eleito- res norte-americanos. Segundo o New York Times, em um artigo de Lori Wallach e Ben Beachy intitu- lado Obama´s Covert Trade Deal, apenas cinco dos 29 capítulos tra- tam de assuntos tradicionalmen- te considerados temas comerciais. No acordo há regras que envolvem questões como segurança alimen- tar, regras de investimento, regras para a internet e comércio eletrô- nico. Segundo o artigo de Wallach e Beachy, há no acordo regras que proíbem restrições a produtos fi- nanceiros arriscados e outros tipos de papéis que contribuíram para a crise financeira de 2008. Grande parte dessas propos- tas reflete o interesse de grupos empresariais desse país. Em espe- cial, as empresas do ramo farma- cêutico não estão satisfeitas com regras de propriedade intelectual acordadas na OMC – acham que foi pouco o que obtiveram até en- tão. Há, também, demandas para estender direito de copyright e ou- tras medidas que não são popu- lares em lugar nenhum do mun- do. Há provisões que restringem o poder regulatório doméstico, em áreas como meio ambiente e investimento, que sofrem grande oposição de ONGs e grupos de ativistas. Finalmente, os EUA es- tão pressionados pela agenda elei- toral. A primeira metade de 2014 será decisiva nessas negociações, porque esse país terá eleições pa- ra o Congresso em novembro – nos EUA, como no Brasil, temas controversos não são tratados no Congresso perto de eleições.   P: A Parceria Trans-Pacífico se- ria uma tentativa dos EUA de re- criar a Alca, agora com algumas nações da Ásia e Oceania? R: Há muitos pontos negociados no TPPA similares aos propostos na fracassada negociação da AL- CA. Até agora, essa negociação vem também encontrando resis- tência. De acordo com a profes- sora e ativista neozelandesa Jane Kelsey, nas negociações do TPPA tem sido usada a tática de “green room”, ou seja, de encontros com pequenos grupos de países convi- dados, para fechar questões mais controversas e tentar impor aos outros países esses acertos, sob forte pressão e acusação de que os países recalcitrantes estão blo- queando as negociações. Não fi- carei surpreso se, tal como no caso da ALCA, as negociações chegarem a um impasse – por exemplo, a data limite do final do ano de 2013 já foi ultrapas- sada e não foi possível se chegar a um acordo. Há agora uma forte pressão para que um acordo seja alcançado até o meio do ano. Se até lá as negociações não forem concluídas, dificilmente avan- çarão durante o período eleito- ral dos EUA, ficando, portanto, para 2015.   P: A Alca – sepultada aos gritos de Chaves e Maradona em 2005 de “Alca, Alca, al Carajo!” – teria sido boa para o Brasil e demais países latino-americanos? R: Pelas razões que já expliquei, nem a ALCA é boa para os países latino-americanos, nem o TPPA é bom para os países da região que participam das negociações.   P: Na prática, o que significa pa- ra o Brasil ficar de fora de um bloco econômico que reúne im- portantes nações latino-ameri- canas, os EUA e países asiáticos e da Oceania? R: Não há ganhos nem perdas sig- nificativas para o país por não par- ticipar desse acordo. Os proble- mas do comércio internacional do país têm causas distintas do que a alegada ausência de acordos de li- vre comércio.   P: O Brasil é frequentemente comparado com o México. No final da década de 90, o PIB do México, então grande produtor de petróleo, passou o do Brasil. Dez anos depois, o Brasil virou BRIC, descobriu imensas reser- vas de petróleo e viu o seu PIB se tornar o dobro do que o me- xicano. Mas nos últimos anos, o México voltou a atrair gran- des investimentos estrangeiros e vai aderir à Parceria Trans-Pa- cífico, o que bastou para alguns analistas anteverem que as pers- pectivas econômicas do Méxi- co são melhores do que a bra- sileiras. Como você compara as perspectivas econômicas das duas maiores economias latino- -americanas? R: O México escolheu apostar seu futuro na parceria com os EUA. Não há qualquer indicação de que a escolha foi boa para esse país. As dificuldades econômicas brasilei- ras não estão relacionadas com o fato de participarmos de nenhum grande bloco comercial. Esse hu- mor dos investidores, tratados na imprensa diária, normalmente re- fere-se aos investimentos em por- tfólio, que são fortemente influen- ciados por fatores de curto prazo, e não aos investimentos diretos. Por razões que não são possíveis de serem tratadas neste espaço, é minha opinião que o Brasil tem muito mais perspectivas econômi- cas a médio e longo prazo do que o México. P: Por que os produtos indus- triais brasileiros são tão caros em relação aos produzidos na China e mesmo em outros pa- íses? O que o Brasil precisa fa- zer para conseguir competir no mercado internacional de pro- dutos manufaturados? Ou nosso papel na divisão de trabalho in- ternacional é de produtor e ex- portador de commodities? R: Há várias razões que dificul- tam a competitividade de produ- tos brasileiros. Um deles é, sem dúvida, a taxa de câmbio. Mas há outras razões conhecidas, tais co- mo os tradicionais problemas bra- sileiros de infraestrutura, de custo elevado do capital de giro, de dis- torções na estrutura tributária (e não, a meu ver, na carga tributá- ria total), da baixa taxa de inves- timento, etc. Há, também, ou- tros problemas que não têm sido suficientemente discutidos, como a perda da capacidade de planeja- mento e coordenação do Estado brasileiro, a imposição de custos excessivos, excesso de burocracia e falta de previsibilidade em as- pectos legais nos marcos regula- tórios. Finalmente, há o fato posi- tivo de que nossos custos de mão de obra já não são tão reduzidos devido ao aumento da renda dos trabalhadores e à ainda modesta melhoria na distribuição de renda. Além disso, a população brasilei- ra crescerá a taxas cada vez meno- res nos próximos anos, sendo que em quinze anos a população bra- sileira chegará ao máximo e pro- vavelmente terá um certo declínio. Portanto, mesmo se o crescimento brasileiro for relativamente baixo, o custo da mão de obra no Brasil continuará crescendo. Por isso, o Brasil enfrentará o chamado dile- ma do país de renda média: já não é possível para o Brasil concorrer apenas usando o baixo preço da mão de obra e é, ainda, difícil para o país concorrer baseando-se em aumento de produtividade e in- trodução de progresso técnico.
  • 11. 11 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Acordos comerciais Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Paulo Wrobel* A pesar de sonhos de au- tarquia e “independên- cia econômica” de que tanto padecem certas corren- tes de pensamento econômi- co e politico, é ilusório pensar que quanto mais autossuficien- te uma economia, maior seria a prosperidade nacional. Em uma economia de mercado, exata- mente o oposto é o que geral- mente acontece, quer dizer, quanto mais aberta às trocas co- merciais, mais propensa seria uma economia a utilizar seus Nenhum país é uma ilha fatores de produção de forma eficiente. A China de 2013, ao alcançar, mais uma vez na histó- ria, o patamar de maior potên- cia comercial do mundo (movi- mentou mais de US$ 4 trilhões em trocas comerciais em 2013), tornou-se uma economia mais eficiente no emprego de seus fatores de produção. Como re- sultado, a China, nos últimos anos, é o maior parceiro comer- cial de quase todos os países do mundo, incluindo o Brasil, pois sua economia é capaz de ofere- cer, a preços atraentes, uma ga- ma enorme de produtos de grau diferenciado de sofisticação tec- nológica. Produtos que todos os países querem adquirir. O que gostaria de ressaltar é que historicamente existiria uma associação discernível en- tre trocas comerciais e prospe- ridade, uma vez que a amplia- ção dos mercados para além das fronteiras nacionais, mesmo no caso da China, com seu enor- me mercado nacional, seria a melhor maneira de resolver um dos principais problemas es- truturais de uma economia de mercado, qual seja, a limitação estrutural da demanda.
  • 12. 12 Acordos comerciais Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Os acordos e blocos comer- ciais não são, obviamente, a única maneira de ampliar aces- so aos mercados para além dos mercados nacionais. O empre- go eficiente de recursos natu- rais, a eficiência na produção de produtos competitivos, a tradi- ção exportadora em certos pro- dutos, bem como uma estraté- gia exportadora coerente e bem desenhada são alguns dos ele- mentos que contribuiriam pa- ra ampliar as exportações, inde- pendente de acordos ou blocos comerciais. No caso do Brasil atual, as exportações patinam, com taxas de crescimento anu- al medíocres, em função de al- guns fatores específicos, dentre eles a ausência de acordos co- merciais com mercados signifi- cativos, que pudessem realmen- te ampliar a demanda por uma gama mais variada de produtos brasileiros. Acordos e blocos comerciais, ao reduzirem bar- reiras tarifárias e não tarifárias, produziriam vantagens compa- rativas que, se bem aproveita- das, contribuiriam para a com- petitividade brasileira. Com efeito, com exceção do agronegócio, que, apesar dos gargalos logísticos, continua avançando com extrema efici- ência e competitividade, am- pliando seus mercados inde- pendentemente de acordos ou blocos comerciais, os produ- tos semi e manufaturados bra- sileiros vêm perdendo terreno diante da competição chinesa e de outros países, particular- mente os asiáticos. Com exce- ção de nichos como os aviões da Embraer, o Brasil avança ca- da vez mais para se consolidar como um exportador eficiente de commodities agrícolas, fer- ro, outros minerais e, eventu- almente, petróleo bruto. Guar- dadas as devidas proporções, a pauta de exportação brasileira, hoje, não se diferenciaria mui- to da pauta que predominou no Brasil em toda a sua histó- ria, com um hiato a partir da industrialização intensiva do período militar. Nos últimos vinte anos, o bloco comercial no qual o Bra- sil apostou econômica e politi- camente foi o Mercosul. Após certo êxito inicial, quando o co- mercio bilateral com a Argenti- na disparou devido a uma ba- se inicial de trocas muito baixa, o Mercosul já mostrou, há um bom tempo, seus limites como uma incompleta união adua- neira. Muito embora a Argen- tina se mantenha como o ter- ceiro maior parceiro comercial do Brasil, e importador de pro- dutos manufaturados brasilei- ros, em particular veículos, os problemas comerciais bilaterais persistem e tendem a se agravar diante das dificuldades da eco- nomia argentina. Quanto aos acordos comer- cias com outros países ou blo- cos, o Mercosul concluiu, até agora, acordos comerciais com a Comunidade Andina, Isra- el, Autoridade Palestina e Egi- to. Não diria que se tratam de mercados de grande envergadu- ra e potencial para a absorção de produtos brasileiros em es- cala necessária para a amplia- ção da produtividade nacional. Assim, é urgente que o Mer- cosul amplie o número e a es- cala dos países ou blocos com os quais pretenderia concluir acordos comerciais, sob pena de manter o Brasil isolado dos grandes eixos de comércio, com exceção das commodities e de nichos como a Embraer. Neste momento, está sendo retomada mais uma rodada de negocia- ções entre o Mercosul e a União Europeia, visando um acor- do de comércio administrado bloco a bloco, negociações es- sas que já duram há mais de dez anos, mas que, ao que tudo in- dica, ainda claudicam. Até por- que Argentina e Venezuela pas- sam por crises cambiais que dificultam muito a abertura co- mercial de ambos. Certou ou errado, o Brasil foi fundamental para bloque- ar as negociações que condu- ziriam a uma zona de livre co- mercio nas Américas, do Alasca à Terra do Fogo. As lideranças brasileiras entenderam que, se a Alca chegasse a um bom termo, seria prejudicial à economia brasileira. Ao invés, a diploma- cia comercial brasileira resolveu apostar todas as fichas no suces- so da rodada Doha de negocia- ção de liberalização comercial da OMC, o que se mostrou, até agora, impossível de se con- cretizar. Apesar de novo impul- so devido à nova liderança bra- sileira na OMC, parece difícil que a Rodada Doha seja positi- vamente concluída. Não com o mesmo ímpeto dos anos 1980 e 1990, os países continuam procurando estabe- lecer acordos comerciais e blo- cos econômicos, apesar das difi- culdades associadas às questões de investimento e de serviços. A tentativa mais espetacular foi a retomada, em novas bases, da negociação comercial entre Es- tados Unidos e União Euro- peia. A potencial criação de um bloco comercial transatlântico desta magnitude, com cerca de 700 milhões de consumidores de alta renda e sofisticação, se- ria uma jogada econômico-po- litica de alta sabedoria comer- cial, que faria frente à invasão de produtos chineses e asiáti- cos como um todo, tentando preservar o que resta da pro- dução industrial e agrícola dos dois parceiros. Se concretizado, e trata-se de um grande se, pos- sivelmente marginalizaria ainda mais o Brasil como parceiro co- mercial dos dois grandes. A conclusão a que chego, par- tindo do pressuposto de que ne- nhum país é uma ilha, é a de que o Brasil necessita, urgentemen- te, ampliar o número e a quali- dade de seus acordos comerciais ou, como alternativa, melhorar enorme e rapidamente sua efici- ência produtiva. É claro que um fator não exclui o outro e ambos são complementares. Mas como sabemos que o segundo fator re- quer uma série de reformas es- truturais e ganhos logísticos de- morados, urge que se consigam acordos comerciais significati- vos, começando pelo acordo blo- co a bloco Mercosul-União Eu- ropeia, com ou sem a Argentina e a Venezuela. Só assim o Brasil poderia começar a desentravar mais seriamente a exportação de produtos manufaturados e semi- manufaturados e não estabele- cer, como já ocorre com a Chi- na, por exemplo, uma relação de exportador de commodities e importador de bens de consumo e de capital, lembrando uma re- lação neocolonial que todos nós tanto criticamos. * É professor de Relações Internacionais da PUC-Rio e da Universidade Estácio de Sá e coordenador da área internacional do Centro de Estudos e Pesquisas BRICS.
  • 13. 13Acordos comerciais Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Lia Baker Valls Pereira* A proposta dos mega-acordos como o Acordo Trans-Pa- cífico (TPP, Trans-Pacific Partnership Agreement) e o Acor- do Transatlântico de Comércio e Investimento (TTIP, Transatlantic Trade and Investment Partnership) levou a um recrudescimento do de- bate sobre a agenda de acordos co- merciais no Brasil1 . Alguns temem que, além de possíveis perdas de acesso a mercado, o país possa estar se “isolando” das cadeias produti- vas globais (Barbosa, 2013). Partimos da observação que a associação entre cadeias produtivas e acordos comerciais está presen- te em diversos autores na literatu- ra recente. Baldwin (2012) consi- dera que no final dos anos 90 teve início uma nova forma de globali- zação identificada com o aumen- to das cadeias produtivas globais ou regionais, que incorpora a frag- mentação dos processos de produ- ção e das tarefas (serviços). Os investimentos em cadeias produtivas com esse nível de frag- mentação exigem um ambiente jurídico com regras claras e está- veis, que assegurem às empresas a integração de todas as etapas de produção e dos serviços associadas ao seu negócio, sem risco de “que- bras”. Nesse sentido, o ambiente propício para a formação de ca- deias pressupõe: eliminação de ta- rifas de importações de bens inter- mediários; facilitação de comércio (simplificação de procedimentos administrativos); e, redução/eli- minação de tributos sobre servi- Os mega-acordos: reflexões para a agenda de comércio do Brasil ços comercializáveis. Na formação das cadeias globais e/ou regionais, o núcleo das negociações gira em torno de regras que facilitem o co- mércio de bens e serviços, além de dar garantias ao investidor. O sistema multilateral da Or- ganização Mundial do Comércio (OMC), com 159 países mem- bros, encontra dificuldades para negociar regras que atendam aos requisitos das cadeias produtivas globais/regionais. Nesse contexto se inserem os novos acordos co- merciais como o TPP e o TTIP, que incorporam a ampla agenda de negociações de regras que ca- racterizam os acordos que os Esta- dos Unidos celebram desde o final da década de 90. Baldwin (2012) argumen- ta que países que ficam fora des- sas negociações, todas com regras OMC plus, ou seja, mais abran- gentes e com um nível de compro- missos que reduz em maior grau a flexibilidade das políticas domés- ticas, poderão ficar alijados das ca- deias globais. A principal questão a ser ressaltada é, portanto, que o tema das cadeias produtivas veio reforçar a agenda de negociações ampla nos acordos comerciais. Não é um debate novo. No iní- cio dos anos 90, Lawrence (1991) argumentava que a globalização, entendida como a crescente in- ternacionalização dos fluxos de produção e financeiros, requer a harmonização das políticas do- mésticas. Os custos de transação impostos por sistemas regulatórios distintos oneram o processo de globalização, que seria a fonte de dinamismo dos países no contex- to da economia mundial. Assim, a inclusão dos novos temas como investimentos, direitos de proprie- dade intelectual e serviços na Ro- dada Uruguai demandados pelos Estados Unidos e os parceiros das economias desenvolvidas faziam parte do processo de globalização. Uma das motivações dos acor- dos regionais promovidos, em es- pecial, pelos Estados Unidos, se refere, portanto, à agenda penden- te sobre os “novos temas” da Ro- dada Uruguai. Assim, no lugar da globalização como demandante de regras harmonizadas, a questão do século XXI são as cadeias produti- vas globais/regionais. Lester (2013) discorda da ava- liação de Baldwin. A consolidação das cadeias produtivas não depen- de de acordos formais de comér- cio regionais ou multilaterais. É uma opção das políticas domésti- cas. Países com estratégias simila- res podem querer ou não reforçar seus compromissos com regras de facilitação para a consolidação das cadeias. A integração produtiva na Ásia a partir do Japão e agora da China não foi precedida de acor- dos formais de comércio. Quais são, então, as principais questões trazidas pelos mega-acor- dos para a agenda de comércio do Brasil? A primeira se refere à análi- se dos possíveis impactos nos flu- xos de comércio de mercadorias. No caso do Acordo Transatlân- tico, uma das principais nego- ciações se refere às normas fitos- sanitárias, uso de transgênicos e regulações afins no comércio agrí- cola, que são matéria de frequente controvérsia entre os Estados Uni- dos e a União Europeia2 . Aqui o Brasil poderá ter perdas, caso os dois países consigam fechar uma negociação nesse tema sensível. O mercado do Acordo Trans-Pací- fico representa 21% das exporta- ções brasileiras (10% é o mercado dos Estados Unidos, ano 2013). Chile e Peru já possuem acordos de livre comércio com o Brasil e com os Estados Unidos e alguns dos países asiáticos e da Oceania já possuem acordos preferenciais de comércio entre si3 . Além dis- so, a pauta brasileira não compe- te com a do Japão. A possibilidade de desvio de comércio seria poten- cialmente pequena. As negociações não se resumem, porém, ao tema de acesso a mer- cados. Em meados da década de 90, Bhagwati (1996) argumentou que nos acordos bilaterais os Esta- dos Unidos impunham sua visão do
  • 14. 14 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Acordos comerciais que consideravam “regras justas”. Assim, o objetivo era obter acordos sobre novos temas e/ou assegurar re- gras que teriam poucas chances de obterem consenso nas negociações multilaterais. Os mega-acordos re- petem essa estratégia com um aspec- to adicional. A criação de um amplo marco regional que, em última ins- tância, discipline os que ficarem de fora, em especial, a China. No momento há dúvidas quan- to ao sucesso dessas negociações e resistências surgem no Congres- so dos Estados Unidos4 . Contudo reacendeu o debate sobre a estraté- gia de acordos comerciais no Brasil. Do meu ponto de vista, po- rém, a principal questão que os novos acordos trazem não é, num primeiro momento, se o país deve ou não aderir a essa nova onda de regionalismo — participar ou não dos mega-acordos (fazer acordos com os Estados Unidos e a União Europeia) — e sim o tema da in- tegração regional. O Tratado de Assunção de 1991, que criou o Mercosul, tinha como objetivo criar um espaço re- gional que contribuísse para a in- serção competitiva dos seus países membros. O conceito de regionalis- mo aberto que pressupunha o maior grau de abertura das economias não era incompatível com o proje- to de consolidação da indústria lo- cal. A integração produtiva regional iria alavancar a presença do Merco- sul no comércio mundial. Faltaram políticas públicas de apoio ao pro- jeto, como melhora da infraestru- tura, mas também temas que estão presentes na literatura das cadeias produtivas, como facilitação e co- mércio, reduções tarifárias que per- mitam acesso aos insumos interna- cionais mais baratos, entre outras. No caso atual do Brasil, a es- tratégia de criar cadeias produtivas nacionais, como sugere o uso fre- quente e generalizado da exigên- cia de conteúdo local, é incompa- tível com a integração produtiva regional. No ano 2000, a parti- cipação do Brasil nas exportações mundiais de manufaturas era de 0,7%, chegou a 0,8% em mea- dos dos anos 2000 e foi de 0,7% em 2012, segundo a Organização Mundial do Comércio. Logo, ana- lisar as diretrizes da política de co- mércio exterior privilegiando o te- ma da competitividade é crucial. Os mega-acordos e o tema das cadeias produtivas apontam a fragili- dade das políticas voltadas para a in- tegração produtiva regional, que de- vem ser compatíveis com o processo de inserção competitiva global. Por último, uma nota sobre os acordos com os países desenvolvi- dos, um tema presente no debate brasileiro. Um acordo com os Es- tados Unidos não está na mesa de negociações do Brasil e a agenda ampla de regras estadunidense é incompatível com a consolidação de negociações multilaterais. No caso da União Europeia, o acordo seria um movimento em direção ao retorno da estratégia do regio- nalismo aberto, pois não se trata de compromissos que irão mudar as regras das políticas domésticas. BIBLIOGRAFIA BALDWIN, R. (2012). “WTO 2.0: Global governance of supply-chain trade”, CEPR Policy Insight No. 64, December, http://www.cepr.org. BARBOSA, R. (2013). “O Brasil fora das cadeias produtivas globais”. Publicado no Estado de São Paulo, 26 de fevereiro. BHAGWATI, J. (1996). “The De- mands to Reduce Domestic Diversity among Trading Nations”. In J. Bhag- wati e R. E. Hudec (eds). Fair Trade and Harmonization, Vol. 1, Econom- ic Analysis, pp. 9-40. The MIT Press, Cambridge, Massachusetts LAWRENCE, R.Z. (1991). “Perspectivas del sistema de comercio mundial e impli- caciones para los países en desarrollo”.In Pensamiento Iberoamericano, Nº 20, vo- lume especial, pp. 53-78 LESTER, s. (2012). How much global trade governance should there be? http:// www.voxeu.org/article/how-much-glob- al-trade-governance-should-there-be OMC (2011).“The WTO and Preferen- tial Trade Agreements”. World Trade Re- port. www.wto.org * É pesquisadora do Centro de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Eco- nomia da Fundação Getúlio Vargas. Pro- fessora Adjunta da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj. 1 O TPP foi lançado em novembro de 2011 e agrega Austrália, Brunei Darussa- lam, Canadá, Chile, Japão, Malásia, Mé- xico, Nova Zelândia, Peru, Cingapura, Vietnam e Estados Unidos. Em março de 2013, os Estados Unidos e a União Eu- ropeia anunciaram a abertura de negocia- ções para o Acordo Transatlântico. 2 Como referência histórica basta lembrar o uso de hormônios na carne bovina nos Estados Unidos, que impediu a entrada desses produtos por mais de 15 anos no mercado europeu (OMC, 2011). 3 É o caso de Brunei, Malásia e Cin- gapura, por exemplo, que estão na ASEAN (Associação de Nações do Su- deste Asiático) 4 O Presidente Obama está negocian- do sem a aprovação prévia do Congresso (Trade Promotion Authority), o que torna incerta a futura aceitação dos acordos pe- los congressistas.
  • 15. 15 Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Monografia José Roberto Rosa Shirmer* A s teorias que sustentam o Regime de Metas de Infla- ção (RMI) brasileiro en- xergam a inflação como um fenô- meno ocasionado pelo excesso de moeda. Nestas teorias de inspira- ção neoclássica, permanece a visão de que existe uma dicotomia entre variáveis nominais e reais. No cur- to prazo, a política monetária po- deria afetar as variáveis reais, mas no longo prazo, somente variáveis reais (estoque de fatores de produ- ção, preferências dos trabalhado- res e tecnologia) podem modificar outras variáveis reais (nível de pro- duto e de emprego). O consenso macroeconômico sustentado nestas ideias e que vem se consolidando nas últimas dé- cadas não apresenta instrumental analítico suficiente para o Brasil ultrapassar a condição de subde- senvolvimento em que se encon- tra. Além das notáveis carências na esfera microeconômica (pou- ca inovação, infraestrutura precá- ria, dificuldade de qualificação da mão de obra, entre outras), en- tendemos que algumas variáveis macroeconômicas, notavelmen- te as altas taxas de juros reais e o câmbio permanentemente sobre- valorizado, freiam o crescimento econômico e travam o desenvolvi- mento do país. Em contraponto a estas teo- Instrumentos alternativos de combate à inflação O JE dá prosseguimento à publicação de resumos dos textos vencedores do 23º Prêmio de Monografia Economista Celso Furtado. O tra- balho de conclusão de curso de José Roberto Rosa Shirmer, graduado pela UFF, recebeu menção honrosa no concurso. rias, os estruturalistas e os pós- -keynesianos abandonam as hi- póteses de concorrência perfeita e pleno emprego. Estas abordagens creem que um aumento no nível geral de preços pode ser gerado por aumento de custos, uma vez que outros setores não reduziriam seus preços proporcionalmente e sim aumentariam, pois tentariam manter os seus rendimentos reais. Essas duas abordagens diagnosti- cam a inflação a partir de variáveis não monetárias e, portanto, reco- mendam como parte integrante das políticas anti-inflacionárias a execução de políticas complemen- tares à manipulação dos instru- mentos monetários tradicionais. Em outras palavras, o controle da inflação, nessas abordagens, não é responsabilidade exclusiva da au- toridade monetária, mas também de outras esferas do governo. Analisando o período em que vigeu o RMI, concluímos que os componentes externos são os prin- cipais elementos para se explicar a inflação no Brasil. Evidentemente, o Brasil conseguiu manter a inflação em níveis historicamente baixos. Entretanto, o desempenho brasilei- ro, medido em termos de inflação e crescimento do PIB, ainda não é melhor que no resto da America La- tina e é ainda muito pior que a mé- dia dos países emergentes. O RMI foi operacionalizado essencialmente através da mani- pulação da taxa básica de juros, a Selic. O país permaneceu depen- dendo de uma alta taxa de juros para atrair capitais e manter a ta- xa de câmbio valorizada, de forma a combater as pressões inflacioná- rias de preços livres de comercia- lizáveis ou compensar as pressões decorrentes de preços monitora- dos e de itens não comercializá- veis. Isto ocorre porque vários ou- tros mecanismos de transmissão das condições monetárias para os preços são deficientes no Brasil, tornando a política monetária me- nos eficaz que em outros países. Entre as principais peculiari- dades brasileiras limitantes da efi- cácia da política monetária apon- tamos: (i) a inexistência de uma curva de rendimentos de longo prazo; (ii) a indexação de contra- tos; (iii) a participação relativa- mente pequena do crédito livre na economia; (iv) a restrição do efei- to riqueza diante da participação significativa de títulos públicos in- dexados à Selic e (v) o comporta- mento anticíclico dos markups. Desta forma, parece que a va- lorização cambial é imprescindível para que o principal instrumento do RMI logre controlar os preços, consistindo no principal mecanis- mo de passagem da austeridade monetária para a redução de pre- ços. Em geral, nos anos em que descumprimos a meta de inflação, ocorreu uma desvalorização cam- bial acentuada. Em contrapartida, a inflação somente retorna a um trajeto decrescente quando a taxa de câmbio se valoriza e/ou ocor- rem choques de oferta positivos. No que diz respeito ao período 2009-2012, a análise do IPCA de- monstra que os grupos que mais contribuíram para o crescimento do índice compunham os seguin- tes grupos: habitação (puxado por aluguel e taxas), saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais e edu- cação, leitura e papelaria (impul- sionado pelos grupos cursos e cur- sos diversos). No referido período, estes itens apresentaram compor- tamento nitidamente não cíclico, uma vez que cresceram mais nos anos de menor crescimento eco- nômico, o que impõe mais uma dificuldade para o repasse dos apertos monetários aos preços. Avaliando pormenorizada- mente, portanto, a composição da inflação deve nos levar a algumas reflexões. Primeiramente, os pre- ços de saúde e educação, se não podem ser controlados através de uma regulação eficiente, pode-
  • 16. 16 Monografia Jornal dos Economistas / Fevereiro 2014www.corecon-rj.org.br Prepare-se para Mestrado em Economia (ANPEC) no Corecon-RJ. Índice de aprovação de 85%. Consulte no telefone 2103-0118. riam ao menos perder a relevân- cia no índice, caso o atendimento público destes itens tivesse melhor qualidade e, portanto, maior co- bertura. Adicionalmente, o item transportes públicos também é um preço regulado e a carência de es- forços para controlar a qualidade e os preços deste serviço vem geran- do um cenário bastante dramático no que diz respeito à mobilidade urbana. Há, portanto, um eviden- te espaço para ações estatais que podem influenciar o rumo da in- flação destes setores. Por sua vez, a inflação do item serviços pessoais foi puxada, so- bretudo, pelos grupos de serviços que exigem trabalhadores de bai- xa qualificação e tem, consequen- temente, um efeito redistributivo positivo. Por último, é importan- te notar que todos estes itens pos- suem demanda inelástica em rela- ção às condições de crédito, com exceção de habitação, que sofre influência do crédito imobiliário que, em compensação, não é cré- dito livre e é menos afetado pelos apertos da política monetária. Portanto, analisando estas e outras estatísticas do período de funcionamento do RMI no Bra- sil, encontramos evidências signi- ficativas para acreditar que grande parte das origens de pressões infla- cionárias do país neste período não pôde ser atenuada através da mani- pulação da taxa Selic. Desta forma, ainda é necessário ao Banco Cen- tral fazer apertos monetários su- ficientemente austeros para atrair um volume de capitais que valori- ze a taxa de câmbio ao ponto de fazer os preços de itens comerciali- záveis compensarem as pressões in- flacionárias iniciais, independente- mente do que as tenha originado. Esta estratégia de combate à infla- ção não tem se mostrado suficien- te para levar o país a uma trajetória de crescimento que o faça conver- gir seu nível de renda per capita ao dos países desenvolvidos, i.e., o RMI executado de forma mais rí- gida não tem sido suficiente para fazer o país superar sua condição de subdesenvolvimento e tampou- co os problemas estruturais que o fazem estacionar em tal condição. Embora o governo ainda não tenha anunciado nenhum paco- te de medidas para atuar nestes se- tores, ele tem auxiliado o Banco Central a cumprir a meta de infla- ção (ou ao menos a não ultrapassar o seu limite superior). De manei- ra incipiente a partir de 2009, mas de forma mais evidente e intensa a partir de 2011, o governo federal tomou diversas iniciativas que in- fluenciaram diretamente a trajetó- ria da inflação e em grande medida também contribuíram para melho- rar a competitividade da indústria. Entre as medidas que foram toma- das, realçamos: as reduções de IPI; a extinção de impostos federais sobre produtos da cesta básica; a redução dos encargos sobre a folha de paga- mento; as renegociações de contra- tos, desonerações e ressarcimentos feitos para reduzir o custo da ele- tricidade e o controle do preço de combustíveis através da Petrobras. Em contrapartida, o Banco Central tem auxiliado o Ministé- rio da Fazenda a cumprir seu ob- jetivo de manter a taxa de câmbio em patamar menos dramático pa- ra a competitividade da indústria nacional, agindo em conformida- de com o objetivo geral do gover- no, que é promover a competitivi- dade, a inovação e o crescimento da indústria brasileira. Este setor, por sua vez, ainda não apresentou melhoras signifi- cativas, mas decerto as facilidades de financiamento com o BNDES, as desonerações fiscais e a taxa de câmbio mais estável melhoram as perspectivas de negócios para os empresários, embora possam não ser condições suficientes para rea- nimar os investimentos. Aparentemente, as esferas admi- nistrativas do governo federal estão atuando em melhor sintonia com o Banco Central e este tem mostra- do melhor disposição para auxiliar o governo em suas aspirações desen- volvimentistas, executando uma po- lítica monetária mais frouxa e man- tendo a taxa de câmbio em patamar mais competitivo para os produ- tores nacionais. Houve, portanto, uma flexibilização na condução do RMI em comparação com a condu- ção do combate à inflação no perí- odo compreendido entre a implan- tação do RMI e a eclosão da crise financeira global de 2008. Não obs- tante, ainda falta um esforço delibe- rado, explícito e organizado de ou- tros órgãos do governo no combate à inflação, pois os efeitos de deso- nerações esporádicas têm curta du- ração e um custo fiscal não negli- genciável. É notável que esta falta de organização prejudica o comba- te à inflação e pode minar a benéfi- ca relação de colaboração mútua en- tre governo e autoridade monetária. Orientador: Professor Victor Leonardo F. C. de Araújo * É graduado em Ciências Econômicas pela UFF. Atualmente é economista do BNDES. xa qualificação e tem, consequen- temente, um efeito redistributivo positivo. Por último, é importan- te notar que todos estes itens pos- suem demanda inelástica em rela- ção às condições de crédito, com exceção de habitação, que sofre influência do crédito imobiliário que, em compensação, não é cré- mente do que as tenha originado.