Electra Heart: Um retrato do Sonho Americano por meio dos arquétipos do álbum de marina and the diamonds
1. Estar n
Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda
Artigo Científico
ELECTRA HEART: UM RETRATO DO SONHO AMERICANO POR MEIO DOS
ARQUÉTIPOS DO ÁLBUM DE MARINA AND THE DIAMONDS
Autora: Danielle Katrine Lima da Costa
Orientadora: Msc. Liliana Ribeiro de Lima
Brasília - DF
2012
2. DANIELLE KATRINE LIMA DA COSTA1
ELECTRA HEART: UM RETRATO DO SONHO AMERICANO POR MEIO
DOS ARQUÉTIPOS DO ÁLBUM DE MARINA AND THE DIAMONDS
1
Danielle Katrine está cursando o 5º semestre de Publicidade e Propaganda. Além disso,
atualmente estuda identidade, moda, cultura e música do Brasil. Trabalha com planejamento
estratégico e desenvolve projetos relacionados a área.
3. Electra Heart: um retrato do Sonho Americano por meio dos arquétipos
do álbum de Marina and the Diamonds
Resumo: Desde os anos 60, álbuns conceituais são desenvolvidos.
Começando por Sgt. Peppers Lonely Hearts, dos Beatles, passando por The Rise
and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de David Bowie, Erotica, de
Madonna. Um álbum que tem figurado no cenário fonográfico é Electra Heart de
Marina and the Diamonds. Não apenas por suas batidas sombrias em pop
eletrônico, mas pelo interessante conceito: a desconstrução do Sonho Americano
por meio de quatro arquétipos femininos, representados pela personagem que leva o
mesmo nome do álbum.
Este artigo analisa os quatro arquétipos do álbum conceito Electra Heart, da
cantora galesa/grega Marina and the Diamonds, lançado em março de 2012, que
conta com elementos da Tragédia Grega e o Sonho Americano.
Palavras-chave: arquétipo, identidade, Sonho Americano.
4. Introdução
Desde o final dos anos 60, o mercado fonográfico apropria-se de álbuns-
conceito. Woody Guthrie (em Dust Bowl Ballads, 1940) foi, provavelmente, o
primeiro cantor a elaborar um álbum com músicas temáticas, mas este conceito foi
de fato concreto em 1963, com o álbum Little Deuce Couple, dos Beach Boys, e
definitivamente com The Beatles em Sgt. Peppers Lonely Hearts (1967)2.
Estendendo o cenário, podemos falar que para essa espécie de álbum, os cantores
criam, também, personagens para representar conceito tanto de áudio quanto visual.
Por exemplo, a personagem Dita Parlo foi criada por Madonna para o álbum Erotica
(1993), para expressar o lado sexual da cantora; Beyoncé quis trazer o seu lado
mais agressivo e artístico em I am... Sasha Fierce (2009), seu personagem e alter-
ego.
Neste artigo, é tratado o segundo álbum de estúdio da cantora Marina and the
Diamonds3, Electra Heart, lançado em março de 2012. Electra Heart é um
personagem criado por Marina. Apesar de ser inspirado na vida amorosa da cantora,
não é um alter-ego. O personagem é fictício e representa a ilusão do Sonho
Americano com elementos da Tragédia Grega, desenvolvido por meio de quatro
arquétipos. Para compreender a construção do álbum, é importante entender o
conceito do Sonho Americano, da Tragédia Grega e o que de fato é um arquétipo.
Todos esses conceitos são explicitados no desenvolvimento do artigo, assim como a
forma que os estereótipos visuais participam do álbum. Apesar de praticamente
todas as suas músicas terem como painel o amor, este não é tratado com ênfase. A
intenção é investigar as raízes conceituais do disco.
Ressalto a importância dos Estudos Culturais neste artigo, que contribuem,
sobretudo, para o entendimento da importância da cultura na Comunicação. E o fato
de ser um campo multidisciplinar e de sua visão acerca da subordinação da
sociedade às culturas determinadas pela escola, igreja ou Estado que permite uma
interpretação dos conceitos acima citados. Identidade também é uma constante
utilizada. Enquanto a metodologia de Douglas Kellner contribui acerca da identidade
individual, Zygmunt Bauman e Stuart Hall colaboram com suas metodologias de
identidade social e cultural, respectivamente.
2
SMITH, C. 101 albums that changed popular music. 1. ed. New York: Oxford University
Press, 2009.
3
Disponível em: < http://www.marinaandthediamonds.com/> Acesso em: 25 de out. 2012
5. Em ressalva, de acordo com a obra A Identidade Cultural na Pós-
Modernidade, de Stuart Hall (2000, p. 11), o sujeito sociológico reflete a
complexidade do mundo exterior com seu núcleo interior, onde tal núcleo é formado
pela relação do sujeito com pessoas importantes para ele, assim como os valores,
sentidos e símbolos, a cultura do mundo a qual o sujeito habita. A essência do
álbum está de acordo com este contexto, da relação de Marina consigo mesma - sua
vida, seus relacionamentos - e sua visão de mundo e de Sonho, que cabem nos
arquétipos construídos.
A seguir, tratamos do desenvolvimento do álbum buscando responder a
pergunta: como os arquétipos de Electra Heart representam o Sonho Americano?
1. O que é um álbum conceito
Álbuns conceituais começaram a ser construídos por volta dos anos 40. O
termo refere-se a um disco temático, ou seja, quando um mesmo tema é tratado no
álbum inteiro, incluindo a sequência das faixas e até a melodia das músicas. Artistas
como Woody Guthrie (em Dust Bowl Ballads, 1940), Frank Sinatra (em In the Wee
Small Hours, 1955), Marty Robbins (em Gunfighters Ballads and Trail Songs, 1959)
foram pioneiros em tratar de temas gerais em seus respectivos álbuns. Little Deuce
Coupe (1963), dos Beach Boys, entretanto, foi o primeiro álbum a tratar de um tema
específico, no caso, a cultura automobilística americana. Porém, Sgt. Pepper's
Lonely Hearts Club (1967), dos Beatles, segue uma narrativa em letra e melodia, e
por isso, é considerado de fato o primeiro álbum conceitual ou temático da história.4
Estes álbuns partem de pressupostos pessoais ou intelectuais de seus
idealizadores. Surgem para fazer críticas sociais, experimentalismos, expressar um
alter-ego. Enquanto David Bowie criou Ziggy Stardust, um marciano que vem para
salvar o Planeta Terra que chegaria ao fim em cinco anos, e acaba formando uma
banda e tornando-se estrela do rock, em The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the
Spiders from Mars (1972), Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Gal Costa e
cia fizeram do seu movimento cultural o disco-manifesto homônimo, Tropicália
(1968), com músicas de protesto contra a política do Brasil na época assim como o
então cenário da música brasileira. Observe que cada um destes, independente da
época, estiveram à frente de seu tempo. Geralmente mostrando uma diferente visão
4
SMITH, 2009, p. 37
6. de ser ou de mundo, essas manifestações por meio da arte são constantes não
apenas no ramo da música, mas nas artes em geral. Para esses artistas, o
importante é expressar seus ideais. Uma forma de fazer a sociedade pensar em
determinados temas, fazer trocas de experiências; o compartilhamento de
informação e desenvolvimento de formação de opinião da era moderna.
2. Quem é Marina and the Diamonds?
Marina Lambrini Diamandis é uma cantora e compositora nascida no País de
Gales e criada também na Grécia. Contrário do que muitos pensam, Marina and the
Diamonds é cantora solo, e não uma banda. Diamonds faz referência ao seu
sobrenome e também aos seus fãs, como se os mesmos fossem diamantes. No
início de 2010, lançou seu primeiro álbum, The Family Jewels, com influências do
pop, indie e new wave. Em abril de 2012 lançou Electra Heart, com um estilo musical
muito diferente do primeiro. Electra tem uma sintonia mais dark com fortes
influências do pop eletrônico e candy pop5.
3. O Sonho Americano
Durante o período que morou nos EUA, Marina confessa ter sofrido uma
espécie de choque cultural fascinante e instigante ao mesmo tempo, o que a
inspirou a mergulhar em tal universo e criar o álbum Electra Heart. Segundo ela
mesma, se não tivesse morado nos EUA, o disco teria sido totalmente diferente. Em
entrevista ao site Same Same, afirma:
É um pouco desconcertante, como se fosse um longo sonho acordado,
acho. Todos nós, de fora dos EUA, temos isso de imaginar que é algo
totalmente diferente da realidade. (...) Frequentemente, morando lá, as
coisas pareciam surreais. Me senti fora da realidade eu mesma, e quase
perambulei por lá achando que as coisas não eram reais, e muitas vezes
isso não foi tão bom! Acho que todos nós somos atraídos pela ideia do
escapismo, que está embrenhada naquela cultura, uma mensagem muito
reforçada.
(DIAMANDIS, 2012)
5
CASSIANA. Entrevista ao Liverpool Student Media. Setembro de 2012. Disponível em: <
http://marinaandthediamonds.com.br/entrevista-ao-liverpool-student-media/> Acesso em: 25 de out.
2012.
7. O Sonho Americano consiste basicamente na crença de que os Estados
Unidos são a terra da oportunidade, liberdade, felicidade, prosperidade, onde se
obtém sucesso; a aparência é seu principal reforço. O Sonho surge principalmente
após a Segunda Guerra Mundial, época em que os Estados Unidos precisavam
continuar a projetar sua imagem como um povo de sucesso, independente das
circunstâncias, como um exemplo mundial de primeiro mundo, e se concretiza após
o seu notável desenvolvimento econômico pós-guerra6. Desde então, buscam os
melhores elementos possíveis para formular sua identidade de nação. Pelo fato de a
realidade por diversas vezes contrariar-se com sua definição, o Sonho Americano
chama a atenção de muitos estudiosos, que passaram a verificar, dentro da
sociedade, qual seria a verdade do American Dream, que por experiência e relatos,
resulta mais em fracasso do que sucesso.
O “sonho americano” é a tela, em geral não percebida, diante da qual toda a
escrita americana se encena – a tela da perfectibilidade do homem.
Qualquer um que esteja escrevendo nos Estados Unidos está usando o
“sonho americano” como um pólo irônico de sua história. (...) Afinal, as
histórias que nos contam grande número de obras literárias significativas
são sobre algum tipo de fracasso (...) em relação a essa tela, a esse pano
de fundo.
(ROUDANÉ 1985, p. 374)
O homem, então, acaba assumindo múltiplas identidades na sociedade para
sustentar sua imagem. O filme Beleza Americana (American Beauty. EUA, 1999),
premiado e aclamado por sua representação de contra-cultura, traz um panorama.
Seu título é o nome de uma rosa cultivada nos Estados Unidos, que presente
durante toda a película, é sua marca registrada. A rosa é bonita, mas não tem cheiro
nem espinhos, fazendo, assim, uma alusão à sociedade americana: a valorização da
aparência perante o vazio. Buddy Kane (Peter Gallagher) é o "rei dos imóveis", que
por sinal é o mesmo ramo de Carolyn Burham (Annette Bening), esposa do
protagonista Lester Burham (Kevin Spacey). Em uma conversa, Buddy conta
passageiramente a Carolyn sobre a gama de problemas que tem enfrentado. Então
6
ARRUDA, Daniela. Entenda a mudança de paradigmas do consumo pós-guerra e a abertura
do primeiro shopping center. Fevereiro de 2012. Disponível em: <
http://style.greenvana.com/2011/entenda-a-mudanca-de-paradigmas-do-consumo-do-pos-guerra-a-
abertura-do-primeiro-shopping-center/> Acesso em: 24 de out. 2012.
8. Carolyn o questiona, dizendo que ele parece estar feliz em todos os momentos.
Buddy diz uma frase que responderia o conceito central do Sonho Americano: "Para
ter sucesso, precisa-se projetar uma imagem de sucesso o tempo todo."
Zygmunt Bauman, no livro Identidade (2004), fala sobre como os Estados
Unidos buscam abdicar da população suas próprias biografias para que elas adotem
o american way of life definido, de forma que o mesmo mantenha-se posicionado.
Sobretudo, valores vazios que são com dificuldade sustentados:
Há também um outro fenômeno a observar: a expectativa de vida cada vez
menor da maioria das identidades simuladas. (...) As biografias individuais
são, com demasiada frequência, histórias de identidades descartadas...
Com o Estado político planejadamente neutro e indiferente à "indústria
doméstica" das identidades, e abastendo-se de uma avaliação dos valores
relativos das escolhas culturais bem como de promover um modelo
compartilhado de convívio, há poucos valores, se é que há algum, capazes
de manter a sociedade unida.
(BAUMAN, 2004, p. 88)
Portanto, aparência e felicidade material rondam o Sonho, de forma que
artistas o representam, e pessoas comuns correm atrás dele sem terem a ideal
percepção de que o american way of life trata-se de um simulacro, e não
exatamente uma promessa de vida.
3.1. Interpretação do American Dream sob a ótica de Marina
Observadora do Sonho Americano, desde The Family Jewels a cantora traz
rastros dele em suas composições. Hollywood, faixa número 7 do disco, retrata
fortemente a visão de mundo sobre o Sonho por meio não apenas da música, mas
também do videoclipe7: a busca pelo Sonho Americano, seu reforço e
representações. Toda a estética do vídeo é composta nas cores da bandeira norte-
americana além de ícones de tal cultura, como a líder de torcida, o jogador de
futebol americano, alusão a rainha do baile e claro, o sucesso.
O segundo trecho da música faz referência ao pensamento de estrangeiros
que querem tentar construir uma vida nos Estados Unidos, com a visão de que a
América é o lugar da liberdade, da oportunidade e dos sonhos.
7
HOLLYWOOD. Direção: Kinga Burza. 3 min 31 seg, color. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=n1VTcJfL7RE> Acesso em: 16 nov. 2012.
9. She is a Polish girl in America, tall, tanned, hot, blonde, called Ania
I asked her "Why would you wanna be a hollywood wife?"
"Because I don't want to end up living in a dive on Vine... a dive on Vine."
É destacado o tédio, onde os americanos pensam igual, tem as mesmas ambições.
Assim como os aspirantes ao país, que olham para ele visando uma vida perfeita.
Mais adiante, é explorada a forma em que as mensagens são reforçadas: por meio
do cinema hollywoodiano e suas amarras à cultura.
Your mind is just like mine
All filled up with things benign
You're looking for the golden life
Hollywood infected your brain
You wanna kissing in the rain
Oh, oh, I'm living in a movie scene
Puking American dreams
Seu primeiro álbum trata de temas como crítica à cultura americana,
aceitação social e escolhas, mas todas as músicas são bastante baseadas na vida
de Marina. Faixas como Are You Satisfied? e Oh no! falam do seu rumo ao sucesso,
enquanto Obessessions e I am not a Robot tratam mais do seu íntimo; Mowgli's
Road, metáfora sobre qual caminho seguir. The Family Jewels parte da liberdade de
expressão sonhadora e também realista, ciclo que se fecha em Electra Heart,
mesmo que os dois álbuns não tenham vínculos diretos.
“Hollywood” foi realmente um ponto de partida. Acredito que, depois desse
disco, esse tema já se esgotou. Com esse segundo disco, queria completar
a visão que tinha no primeiro.
(DIAMANDIS, 2011)
4. Tragédia Grega
Os elementos de Tragédia Grega inseridos nas composições do álbum são
basicamente referentes ao exagero emocional. Daisi Malhadas traz a definição de
Aristóteles para a Tragédia (2003, p. 17), onde diz que "a tragédia é a representação
de uma ação nobre e completa, com uma certa extensão, em linguagem poetizada,
cujos componentes poéticos se alternam nas partes da peça, com o concurso de
atores e pelo terror opera a catarse desse gênero de emoções."
10. Em Electra Heart, o amor teatral – exagerado, dramático – e o terror poético
são de grande uso nas faixas. Marina fala sobre o percurso da personagem
alternando os arquétipos, mas em todos eles contém os elementos citados acima. A
melancolia de Teen Idle, decepção e ilusão de Lies. Até as faixas com batidas mais
animadas são sombrias, vide Living Dead.
5. O álbum Electra Heart
5.1. Inspirações femininas
Muito além de referências e experiências visuais, Marina inspirou-se em
mulheres de décadas passadas e cantoras pop que representam o Sonho
Americano, assim como os estereótipos da mulher americana e um lado inocente e
sombrio - que coexiste no álbum. Em entrevista a Les Berlinettes, a cantora reafirma
suas referências do Sonho no universo da música pop8:
É mais pela realidade americana que me interesso, a realidade do dia-a-dia.
Eu gosto de ver como a música pop projeta uma imagem dos cantores pop
que cria uma disparidade entre a pessoa de verdade quando esta não está
cantando e está em casa, e o cantor quando está no palco, a natureza
dualística disso… E eu gosto de brincar com isso, por alguma razão… Ahm,
daí, não sei se respondi à pergunta sobre o “Sonho Americano”, mas acho
que, nos dias de hoje, o representante desse sonho seria… Talvez… Não
sei, um novo artista… Quer dizer, a artista mais bem-sucedida dos últimos
tempos é a Lady Gaga, mas não sei se representaria o “Sonho Americano”
pra mim. Mas ela é… Acho que, em termos de sucesso, ela é sim. Alguém
como Madonna seria o “Sonho Americano”; Britney Spears.
(DIAMANDIS, 2012)
Marilyn Monroe também é uma das referências para o álbum não apenas por
ser um forte ícone de tal cultura. Apesar de sua aparência sensual e glamourosa,
Marilyn era uma mulher triste e melancólica. A faixa State of Dreaming é inspirada
na cantora e atriz. Além desses traços identitários de personalidade, o cabelo de
Marilyn é uma referência visual.
8
CASSIANA. Les Berlinettes conversa com Marina. Disponível em:
<http://marinaandthediamonds.com.br/les-berlinettes-conversa-com-marina/> Acesso em: 15 nov.
2012.
11. Em entrevista ao site Marina and the Diamonds, a cantora destaca a grande
influência de Britney Spears, especialmente por conta da incomum mistura da
inocência com a escuridão transmitida em seus primeiros álbuns. Tal influência
contribui não apenas para Electra Heart, mas para as composições anteriores de
Marina9. Especificamente para Electra Heart, a inspiração vem de Madonna10, não
apenas por ser um ícone do gênero pop, mas também de gênero social.
5.2. Arquétipos de Electra Heart
Arquétipo é um conceito essencialmente da psicologia. O psiquiatra e
psicólogo suíço Carl Gustav Jung (2002, p.53) argumenta que "enquanto o
inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do
inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos." Os conteúdos
pessoais são muitas vezes esquecidos, porém o conteúdo inconsciente coletivo não,
uma vez que, mesmo que não lembrado por determinados indivíduos, vem à
lembrança de outros, e também pela hereditariedade.
Esses modelos ajudam a constituir as personas que encontramos hoje: o
herói, a dona de casa, o estudante. E todos nós estamos em buscas arquetípicas
nos relacionamentos interpessoais.
Buscas arquetípicas são as realizações das tendências básicas do
ser humano, isto é, tendências comuns da vida. A palavra arquetípica
deriva de arquétipo, que quer dizer tendência coletiva a agir de
11
determinada forma padronizada.
No álbum, Marina faz uso dos seguintes arquétipos: a dona de casa, a rainha
da beleza, a destruidora de lares e a ídolo-adolescente. Individualmente, eles estão
presentes nas músicas, caracterizados.
9
ARAÚJO, Erick. Marina fala sobre Britney e sua influência. Disponível em:
<http://marinaandthediamonds.com.br/marina-fala-sobre-britney-e-sua-influencia/> Acesso em: 25
out. 2012
10
Importante destacar que a cantora tem em seu álbum American Life (2003) traz um retrato
da cultura americana. Madonna diz que a maioria das pessoas falam do Sonho Americano sem tê-lo
vivido. Mas ela sim o viveu e pode afirmar que viveu os dois lados, tanto do fracasso quanto do
sucesso, e que mesmo tendo tanta fama e dinheiro não trouxeram-lhe felicidade.
11
Disponível em: <http://www.clinicapsique.com/pdf/txt_arquetipo.pdf> Acesso em: 15 nov.
2012.
12. Uma música – que não está inclusa no álbum, apenas no canal do Youtube12
– chamada The Archetypes, explica basicamente seu manifesto:
Housewife, Beauty Queen, Homewrecker, Idle Teen.
The ugly years of being a fool, ain't youth meant to be
beautiful?
Queen of no identity. I always feel like someone else
A living myth. I grew up in alie. I can be anyone.
A study in identity and illusion. An Ode to Cindy. A living film.
A real fake. And you will never know. Love.
(The Archetypes, 1:12)
São citadas as personas, assim como uma constante das composições, que são as
múltiplas identidades contidas dentro de cada arquétipo. Claro, o painel em que
todas as músicas estão inseridas também é citado: o amor. E também a ilusão, que
seria a crítica ao Sonho Americano.
5.3. Referências Visuais
Reforço visual é também importante para reafirmar conceitos. Para compor
Ziggy Stardust, David Bowie mudou aparência e figurino, passando a usar salto alto,
roupas brilhosas e espalhafatosas; repicou e pintou os cabelos de vermelho, além
de usar maquiagem nos olhos e na boca. Bastante andrógeno e rebelde -
principalmente para a época -, mas exatamente o que o álbum significa. Bowie fez
essas mudanças não apenas para fotos e promoção do disco, mas de fato "vestiu" o
personagem durante suas apresentações em turnê e ao vivo.
De acordo com Douglas Kellner, (2001, p. 337), "a moda possibilita escolher
as roupas, os estilos e as imagens por meio dos quais será possível produzir uma
identidade individual." Ainda utiliza como exemplo Madonna enquanto construção de
identidade visual (p. 341), "o modo como Madonna usava a moda na construção de
sua identidade deixava claro que a aparência e a imagem ajudam a produzir o que
somos, ou pelo menos o modo como somos percebidos e nos relacionamos."
Buscando exatamente o estereótipo da mulher americana da época, em sua
nova fase, Marina usa roupas em tons de cinza e rosa bebê, cabelo loiro - que para
12
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Ww8lYVerLo4> Acesso em: 26 de
Outubro de 2012.
13. ela, associa-se à liberdade13 -, seios grandes, cílios de boneca, além de adotar um
coração próximo à maçã esquerda do rosto - segundo a cantora, em referência a
Maria Antonieta14. Em entrevista (CLAIRE, 2012) sobre seu novo álbum, disse “(...)
tudo foi ficando muito rosa e feminino e obcecado por corações, mas está mais para
kitsch15 anos 70 do tipo Barbieville. “Gatinhas & Gatões”, ”O Vale das Bonecas” e
“Paris, Texas”, filmes antigos dos anos 70, são definitivamente as principais
referências visuais do projeto”.
De acordo com cada arquétipo, a indumentária muda, assim como os arranjos
nos cabelos, mas os traços citados acima são característicos básicos do
personagem.
5.4. Trajetória de lançamento
Antes do lançamento do álbum, videoclipes foram lançados no canal de
Marina no Youtube divididos em parte 1, parte 2, parte 3. Ao mesmo tempo, foi
criado um Tumblr16 com o mesmo nome do disco e diversas fotos divididas por tags,
onde cada uma trata de um arquétipo diferente. Até então, sabia-se apenas que
seria lançado o novo álbum da cantora, e que esses minivideos e o Tumblr faziam
parte do lançamento.
O primeiro vídeo, Parte I: Fear and Loathing17, fala sobre um conflito de
identidades, de ser várias pessoas ao mesmo tempo. No segundo vídeo, Parte II:
Radioactive, Marina começa a mudar seu visual. Seu cabelo está mais claro e ela
usa peruca loira; é quando o personagem Electra Heart começa a de fato surgir. A
música, com uma sonoridade mais pop, faz uma metáfora com radiação, onde a
protagonista tenta de todas as formas proteger-se do amor. Essas duas primeiras
partes dão início ao trajeto de Electra Heart. Em Parte III: The Archetypes, são,
13
CASSIANA. Marina fala com o site Purevolume. Disponível em:
<http://marinaandthediamonds.com.br/marina-fala-com-o-site-purevolume/> Acesso em: 15 nov.
2012.
14
CASSIANA, 2012. passim.
15
Do alemão verkitshen, é uma mistura estética considerada brega, que faz alusão a
tradições de determinadas culturas.
16
Disponível em: < http://electraheart.tumblr.com> Acesso em: 20 de Outubro de 2012.
17
Há um livro homônimo de Hunter S. Thompson, considerado pai do jornalismo gonzo. O
livro foi muito aclamado na época, apesar de ir contra a cultura americana. No tumblr Electra Heart,
Marina cita a obra, que relaciona-se com o desenvolvimento da composição. Em tradução, Medo e
Delírio em Las Vegas: uma jornada selvagem ao coração do Sonho Americano. Título original: Fear
and Loathing in Las vegas.
14. finalmente, apresentados os arquétipos. A música cita todos eles e faz um resumo
do que virá pela frente: confusão de identidade, farsa da verdade, a possibilidade de
ser quem quiser, o amor. Em Parte IV: Primadonna18, começa a jornada de Electra
Hear. Depois, a Parte V: Su-Barbie-A, que apresenta o arquétipo de mesmo nome. A
Parte VI: Power & Control, resgata o arquétipo Primadonna, enquanto a Parte VII:
How to be a Heartbreaker enfatiza a destruidora de lares. Todos os videoclipes
veiculam os arquétipos – ou mostram um caminho para eles19.
5.5. Análise de Electra Heart
Ao ser questionada sobre qual seria o tema do seu novo disco pela revista
Marie Claire (2012), Marina respondeu “é o feminino enjoativo e meio bizarro... acho
que quando falo do assunto ‘amor’; eu sempre evitei esse assunto porque,
francamente, é meio embaraçoso, quando você não tem a vantagem em um
relacionamento amoroso… Então, dessa vez, quis que o disco fosse quase como a
total personificação plastificada do amor, por isso o nome Electra Heart.” Sobretudo,
reforça:
É difícil para mim tentar explicar, porque a Electra Heart é tipo a imagem que
retrata e de certa forma resume e incorpora, na minha opinião, as mentiras e
ilusões e tudo que envolve o sonho americano. Tem um pouco da tragédia
grega. É algo que me fascina muito na cultura americana, a ideia de que, não
importa quem você é, ou qual a sua origem, você pode escapar e fazer
qualquer coisa, pode se reinventar totalmente e tornar-se outro, renovar-se de
certa maneira. Por isso que acho tão atraente. Sendo uma artista, acho essa
noção muito produtiva e ótima para a criatividade.
(DIAMANDIS, 2012)
A jornada de Electra é intensa entre os arquétipos. Bubblegum Bitch (faixa 1,
2:34) abre o disco mapeando o seu tema-conceito – Welcome to life of Electra Heart,
diz um dos versos – e ao mesmo tempo, apresentando o primeiro arquétipo: Teen
Idle.
18
Do clássico da ópera, Prima Donna, a protagonista do espetáculo.
19
Podemos dizer que Marina fez uso do que chamamos de transmídia e storytelling: utilizou
meios diferentes para narrar uma história. O disco é o seu núcleo principal e os minivídeos do
Youtube e fotos promocionais do Tumblr ajudam a aprofundar a história.
15. As quatro primeiras músicas – Bubblegum Bitch, Primadonna (faixa 2, 3:41),
Lies e Homewrecker (faixa 4, 3:22) – já apresentam definitivamente os arquétipos. O
primeiro – Bubblegum Bitch, do arquétipo Teen Idle –, faz uma leitura da
menina/mulher entre a inocência e vulgaridade, obcecada por fama e sucesso.
Primadonna (faixa 2, 3:41) trata da garota que quer ser a número um, adorada por
todos e portadora de um grande ego. ”Would you do anything for me? Buy a big
diamond ring for me? Would you get down on your knees for me? Pop that pretty
question right now, baby”, diz um trecho da música. Homewrecker (faixa 4, 3:22) é,
em tradução livre, destruidora de lares. Está junto aos corações solitários e ao
mesmo tempo, não pertence a ninguém; faz do coração dos homens o seu
brinquedo. Na faixa, a protagonista afirma em um trecho "I'm only happy when I'm on
the run, I break a million hearts just for fun I don't belong to anyone."
Todas as músicas participam, de alguma forma, de algum dos quatro
arquétipos. Teen Idle (faixa 9, 4:14) é a adolescente loira, bonita, com o rosto
carregado de maquiagem, mas que por dentro é vazia. "Yeah, I wish i'd been, I wish
I'd been a teen, teen idol, wish I'd been a prom queen fighting for the title instead of
being 16 and burning up a bible feeling super, super, super, suicidal". Além de,
provavelmente, Living Dead (faixa 8, 4:04) onde a garota lamenta como se estivesse
viva em carne, mas morta de espírito. Primadonna está, além da música de mesmo
título, em Power and Control (faixa 7, 3:46), que trata da rivalidade entre o homem e
a mulher num relacionamento, onde um tem o poder e o outro tem o controle, e em
Starring Role (faixa 5, 3:27), onde a protagonista prefere andar sozinha do que ter
um papel coadjuvante na vida do amado. Su-Barbie-A é representado em Lies (faixa
3, 3:46) e Fear and Loathing (faixa 12, 6:07) - apesar de esta, ao mesmo tempo,
iniciar o trajeto dos arquétipos nos videoclipes e finalizá-lo no álbum. Em Lies,
Electra diz "You only ever touch me in the dark, only if we're drinking can you see my
spark and only in the evening could you give yourself to me, cause the night is your
woman, and she'll set you free", como se fosse a dor de um amor encoberto, que só
pode ser realizado por trás de uma máscara.
Há também músicas que não pertencem explicitamente a algum arquétipo,
mas dão sinais de que pertencem a algum por meio de sua melodia ou colaboram
em seus trajetos, mesmo sendo faixa-extra. Radioactive (faixa 13, 3:47) é o divisor
de águas entre Marina e a personagem Electra Heart, mas que facilmente
pertenceria à Homewrecker por conta do seu desapego - ou medo – do amor.
16. Valley of the Dolls (faixa 10, 4:13), provavelmente participa do arquétipo Su-Barbie-
A. Apesar de que a letra fala das estrelas Hollywoodianas, suas múltiplas
identidades e alusão à pílula Dolls, quando no vídeo Parte V: Su-Barbie-A o
arquétipo é apresentado, a introdução da música é a mesma de Valley of the Dolls, o
que indica que esta participa de tal arquétipo. Buy the Stars (faixa 16, 4:47) é faixa
bônus do álbum, mas que também cabe perfeitamente na mulher suburbana, ou Su-
Barbie-A, assim como Hypocrates (faixa 11, 4:01). The State of Dreaming (faixa 6,
3:36) retrata o estrelato; o Sonho Americano é enfatizado no verso “My life is a play”.
Pela composição, a faixa pertenceria a Primadonna. Sex, yeah! (faixa 14, 3:46)
segue para Lonely Hearts Club (faixa 15, 3:02), onde ambas as composições
quebram a “lenda” do amor verdadeiro, ou do “para sempre.”
Por meio da análise de cada uma das faixas e do álbum por completo, é
perceptível o sucesso, o estrelato, a dor, a ilusão e em especial a identidade
presentes em todas as músicas. Comprovadamente, Primadonna representa a
mulher que simplesmente ama o sucesso e seus frutos, a adoração. Teen Idle, a
mimada que acredita que pode conseguir tudo apenas por ser bonita. Su-Barbie-A
que leva uma vida simulando a felicidade. Homewrecker, que apenas não se importa
com o que está ao seu redor, olhando apenas para si mesma. Ou seja, aqui são
reunidas, mais uma vez, facetas do Sonho Americano, respectivamente sucesso,
aparência, simulacro da felicidade (ou ilusão) e tantas vezes, egoísmo. No vídeo
Parte III: The Archetypes, que introduz Electra, um dos trechos diz “a study in
identity and illusion”, que é absolutamente comprovado. Todos os arquétipos tratam
de diferentes identidades com uma perspectiva em comum, a ilusão, sendo aqui, a
principal crítica e representação do Sonho Americano.
6. Conclusão
O álbum passa por toda uma trajetória, onde várias facetas se encontram
num único personagem. Ao fim, Electra tem suas várias identidades reveladas por
meio de suas trágicas relações amorosas, assim como também utiliza dessas
identidades para ser alguém para cada pessoa. Em todas as composições, é
perceptível o tom de ironia banhado a críticas, uma forma que Marina encontrou, por
meio de Electra, de expressar-se para o mundo, utilizando sua música como veículo
de comunicação. Os arquétipos surgem para identificar tais múltiplas e várias
identidades que se relacionam com o Sonho Americano, e também, para mostrar
17. que é possível se reinventar outra e outra vez – criar outras identidades; o disco é
definitivamente traduzido por identidades.
A música Fear and Loathing não surge por acaso como a primeira parte da
jornada de Electra em seus vídeos promocionais, e por último no disco. Mesmo que
as pessoas assumam identidades diferentes, elas permanecem com a mesma
essência, ainda que disfarçada. Marina canta “I've lived a lot of different lives been
different people many times, I live my life in bitterness and fill my heart with
emptiness.” A partir do seu medo e aversão cria Electra Heart, cumpre sua jornada,
e depois, volta a ser Marina. Em um trecho diz “I'm done with tryin' to have it all and
endin' up with not much at all.” É o retorno.
Quando as cortinas se fecham e as luzes se apagam, não mais existe platéia
nem aplauso e sim quem cada um é verdadeiramente. Esta referência é feita para o
palco da vida. Especificamente aqui, neste último momento do disco, a cantora
abandona Electra Heart, seu personagem e passa – ou volta – a ser Marina.
Após elaborar as pesquisas e posteriormente constatações do disco,
verifiquei possibilidades de outras análises para ir mais afundo no estudo deste
álbum e assim, dar continuação ao artigo. Seriam: gênero, uma vez que trata das
somas e diferenças sociais do homem e da mulher; e formação de identidade
feminina, que é construída a partir de fatores externos de sociedade, civilização,
modernidade, entre outros. Essas duas linhas de pesquisa certamente fechariam o
ciclo de análise do álbum Electra Heart.
18. Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi. São Paulo: Jorge
Zahar, 2005. 112 p.
BELEZA americana. Direção: Sam Mendes. Estados Unidos. Universal Pictures
Brasil, 1999. 1 DVD (122 min), color. Título original: American Beauty.
CASSIANA; ARAÚJO et al. Marina and the Diamonds Brasil. Disponível em:
<http://marinaandthediamonds.com.br/>. Acessos em: 24 out. a 15 nov. 2012.
MALHADAS, Daisi. Tragédia Grega: O mito em cena. São Paulo: Ateliê Editorial,
2003.
SMITH, Chris. 101 albums that changed popular music. 1. ed. New York: Oxford
University Press, 2009.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro:
Dp&a, 2005. 102 p.
JUNG, Carl Gustav. O conceito de inconsciente coletivo: Definição. In: JUNG, Carl
Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
Cap. 2, p. 53.