Este documento discute aspectos metodológicos da pesquisa qualitativa em saúde. Apresenta as características da pesquisa qualitativa e seus principais focos de investigação, técnicas de coleta e análise de dados, além de referenciais teóricos como a fenomenologia e a etnografia.
1. 1º ENCONTRO DOS COMITÊS DE ÉTICA EM
PESQUISA DE SANTA CATARINA
OFICINA DE PESQUISA QUALITATIVA
Metodologia da Pesquisa em Saúde
Aspectos Metodológicos da
Pesquisa Qualitativa
Fátima Batalha
Florianópolis - Agosto 2006
2. OBJETIVOS
· Discutir sobre a especificidade da pesquisa
em saúde;
· Identificar as características inerentes aos
estudos qualitativos que interferem na
análise dos CEPS;
· Apresentar as bases teóricas e
metodológicas da pesquisa qualitativa em
saúde;
· Discutir sobre as potencialidades do
método qualitativo para a pesquisa em
saúde.
3. Parte I - METODOLOGIA DA
PESQUISA EM SAÚDE
UMA BREVE REFLEXÃO:
4. VISÃO SOBRE O CORPO
HUMANO
• Domínio do objetivo às ciências
biomédicas: Separação corpo-mente-
espírito.
• Matéria, máquina, organismo, superobjeto
• Domínio do subjetivo à religião, psicologia,
psicanálise: Alma, Mente, Psiquismo
• Ciências Humanas: Cada sociedade ou
grupo social apresenta formas bastante
específicas de conceber e relacionar-se
com o corpo;
5. VISÃO SOBRE O CORPO
HUMANO
• Nossa visão sobre o Corpo Humano é
construída social e historicamente;
• Sociedades chamadas primitivas:
separação corpo-mente é inexistente;
• Essas questões nos remetem à discussão
sobre:
• A complexidade, a integralidade, a
humanização, a ressignificação e a
necessidade de abordagens holísticas
6. CARACTERÍSTICAS DAS
VISÕES CIENTÍFICAS
CAUSALIDADE SIMULTANEIDADE
Relação causa e efeito Contradição entre aparência e essência
Controle e ordenação das variáveis Relação partes -todos
Especialização e fragmentação Complexidade crescente
Objetividade e neutralidade Relação tempo -espaço
Sujeito separado do objeto Relação sujeito objeto
A essência do fenômeno é inacessível Busca da essência do fenômeno
Métodos de análise quantitativos Métodos de análise quanti e qualitativos
Explicar Compreender
Fato Representação do fato ( fenômeno)
Positivismo, neo positivismo, empiris
mo Materialismo histórico, estruturalismo
lógico
Fonte: Extraído de Leopardi, 2002
7. CARACTERÍSTICAS DAS PRINCIPAIS
CORRENTES DE PENSAMENTO
POSITIVISMO:
• Método: Experimentação com controle das variáveis.
Estabelece relações causais. Métodos quantitativos e
estatísticos. Estudo das partes.
• Sujeito/ objeto: Privilégio do objeto. Posição de
neutralidade. Conhecimento pela aparência.
• Lógica: Formal e matemática. Evidências comprovam
a realidade.
• Teóricos: Bacon, Descartes, Newton, Pascal.
8. CARACTERÍSTICAS DAS PRINCIPAIS
CORRENTES DE PENSAMENTO
FENOMENOLOGIA:
• Método: Parte de uma questão norteadora geral.
Descreve o fenômeno sem buscar relações causais.
• Sujeito / objeto: Relação reflexiva entre sujeito e
objeto e vivida pelo observador.
• Lógica: Hermenêutica. Significados com
fundamentação (interpretação).
• Teóricos: Husserl, Heidegger, Merlau-Ponty, Alfred
Schutz.
9. CARACTERÍSTICAS DAS PRINCIPAIS
CORRENTES DE PENSAMENTO
MATERIALISMO DIALÉTICO:
• Método: Ciências naturais e sociais. Fato é histórico,
processual,intencionalmente concebido. Parte e todo
em relação dinâmica.
• Sujeito/ objeto: Objeto com concretude em si mesmo
e para o sujeito. Possibilidade de enxergar a realidade
tal como ela é e não como parece ser.
• Lógica: Tese – Antítese – Síntese. Movimento e
contradição próprio da transformação.
• Teóricos: Hegel, Marx, Gramsci.
10. Manto de Apresentação (detalhe), s.d.
Tecido, fio e corda 219 x 130 cm
Museu Bispo do Rosario (Rio de Janeiro, RJ)
A saúde é um território complexo.
Não há saídas fáceis!
Não escavar novos saberes é não
saber novos poderes!
(Emerson Merhy, 2006)
11. Os CEPS nas análises de estudos qualitativos:
Quais seriam as interrogações?
“A pesquisa etnográfica na
área da saúde e a apreciação
dos CEPS” Márcia Zago
Roteiro de estudo:
Identificar as especificidades
inerentes aos estudos
qualitativos que interferem na
análise dos CEPS.
Quais seriam as estratégias
facilitadoras para os CEPS?
12. Parte II - ASPECTOS
METODOLÓGICOS DA PESQUISA
QUALITATIVA EM SAÚDE
17. CARACTERÍSTICAS DA
PESQUISA QUALITATIVA
• Desenvolve conceitos, descrições densas, narrativas,
interpretações, sistematizações, que ajudem a
explicar acontecimentos (fenômenos) sociais em
condições naturais (in loco), com ênfase nos
significados, experiências e visões de todos os
participantes.
• Baseia-se numa interação profunda com o(s) objeto(s)
de pesquisa
• Interesse e preocupação em responder questões
como:
– O que é X e como X varia em diferentes circunstâncias?
– E menos: Quantos Xs existem ali?
18. IDÉIAS CHAVE
• Significado e intencionalidade ;
• Porque acontece uma situação dada;
• O sentido que as pessoas dão ao mundo;
• Como as pessoas interpretam o mundo;
• Relativismo – etnocentrismo;
• Cultura e culturas; Dinâmicas culturais;
• Subjetividade e intersubjetividade
• Estudo das pessoas in loco: naturalistic settings;
• Abordagem multi-métodos
19. Pesquisa Clínico Qualitativa
• Busca interpretar os significados de natureza
psicológica e sociocultural trazidos por
indivíduos acerca dos múltiplos fenômenos
pertinentes ao campo dos problemas da
saúde- doença. (Turato, 2003)
20. PRINCIPAIS TÉCNICAS DE
COLETA DE DADOS
• Observação – com ou sem participação;
• Entrevistas – individuais e/ou coletivas, em
profundidade e/ou rápidas, estruturadas e/ou
abertas;
• Questionários
• Grupos Focais – Entrevistas em grupo
• Estudo de Documentos – Imagens – Sons – Vídeos
21. PRINCIPAIS INSTRUMENTOS
DE COLETA DE DADOS
• Roteiro de questionário
• Roteiro de observação participante
• Roteiro de entrevistas
• Roteiro de condução de grupos focais
• Roteiro para análise de documentos e imagens
22. PRINCIPAIS TIPOS
• Etnografias
• Estudos de Caso
• Assessorias Rápidas
• Estudos Clínicos (narrativas e representação)
• Estudos de Serviços de Saúde (usuários e
trabalhadores)
• Redes Sociais e Saúde
• Pesquisa Participante
• Pesquisa Ação
• Avaliação Participativa
23. PRINCIPAIS REFERENCIAIS
TEÓRICOS / METODOLÓGICOS:
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
• Estabelece a especificidade do social em
contraposição ao individual;
• A forma dos indivíduos pensarem e agirem é
determinado pelo social (Durkheim);
• As categorias fundamentais do pensamento são de
origem social;
• Visão de mundo cotidiano, senso comum;
• Sentido das representações, estratégias de ação à
individual e coletivo;
24. PRINCIPAIS REFERENCIAIS
TEÓRICOS / METODOLÓGICOS:
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
• Formas de Conhecimento Socialmente Elaboradas e
Partilhadas com Fins Práticos à contribuem para a:
• Construção da Realidade Comum a um Grupo Social;
• “Aquilo que as opiniões individuais têm em comum, a
lógica que as une.”
• “Uma interpretação que se organiza de forma estreita
com o social e que constitui, para as pessoas, a
realidade mesma.”
• A representação não se pensa como “representação”,
mas como a realidade.
25. PRINCIPAIS REFERENCIAIS
TEÓRICOS / METODOLÓGICOS:
ETNOGRAFIA
É a forma de descrição da
cultura de um
determinado povo através
do estudo e a descrição
dos povos, sua língua,
raça, religião, e
manifestações materiais
de suas atividades.
Baseia-se no fato de que os comportamentos
humanos só podem ser compreendidos e
explicados se tomarmos como referência o
contexto social e o ponto de vista do nativo,
procurando seus significados.
26. OBJETIVOS DA ETNOGRAFIA:
Captar a totalidade da vida tribal,
elaborando uma descrição da anatomia da
cultura, através de um movimento de
apreensão de facetas da vida social .
A partir desta metodologia ocorre a
construção da etnografia, a descrição da
cultura e a teorização antropológica.
Apreender o ponto de vista do nativo,sua
relação com a vida, compreender sua
visão do seu mundo. Devemos estudar o
homem e devemos estudar o que mais
intimamente lhe diz respeito, isto é, a
imposição que lhe faz a vida”
Malinowski, 1922
27. RELATIVIZAÇÃO ETNOGRÁFICA:
“ o que sempre vemos e
encontramos pode ser familiar
mas não é necessariamente
conhecido... O que não vemos
e encontramos pode ser
exótico mas, até certo ponto
conhecido”
DaMatta, 1987
28. UMA MÚSICA ETNOGRÁFICA!!!
Pivete - Chico Buarque
Composição: Francis Hime e Chico Buarque
No sinal fechado Prancha, parafina, olará Já era pára-choque
Ele vende chiclete Dorme gente fina Agora ele se chama
Capricha na flanela Acorda pinel Emersão
E se chama Pelé Sobe no passeio, olerê
Pinta na janela Zanza na sarjeta Pega no Recreio, olará
Batalha algum trocado Fatura uma besteira Não se liga em freio
Aponta um canivete E tem as pernas tortas Nem direção
E até E se chama Mané
Dobra a Carioca, olerê Arromba uma porta No sinal fechado
Desce a Frei Caneca, olará Faz ligação direta Ele transa chiclete
Se manda pra Tijuca Engata uma primeira E se chama pivete
Sobe o Borel E até E pinta na janela
Meio se maloca Dobra a Carioca, olerê Capricha na flanela
Agita numa boca Desce a Frei Caneca, olará Descola uma bereta
Descola uma mutuca Se manda pra Tijuca Batalha na sarjeta
E um papel Na contramão E tem as pernas tortas
Sonha aquela mina, olerê Dança pára-lama
29. PRINCIPAIS REFERENCIAIS TEÓRICOS /
METODOLÓGICOS:
FENOMENOLOGIA
• Questão orientadora: O que é isso? (olhar ingênuo)
• Epoché (olhar o fenômeno como se fosse desconhecido)
• Descrição do fenômeno (como se mostra)
• Interpretação referencial
• Relatório
OUTROS REFERENCIAIS:
• Etnometodologia
• Interacionismo Simbólico
• Teoria Fundamentada em Dados (Grounded Theory)
• Histórias de Vida
• História Oral
30. ANÁLISE E APRESENTAÇÃO
DOS DADOS
• Processo de análise seqüencial
• Análise de conteúdo
• Categorização temática
• Categorização analítica
31. TRIANGULAÇÃO
• Busca a convergência, abrangência e reflexividade na
análise dos dados coletados
• Comparação dos resultados entre dois ou mais
métodos de coleta (entrevista e observação)
• Comparação dos resultados entre duas ou mais
fontes de dados (membros de diferentes grupos de
interesse)
32. USO DAS PESQUISAS
QUALITATIVAS:
• Estudo prévio ao desenho de estudos
epidemiológicos;
• Validação dos achados do estudo epidemiológico ou
produção de uma outra perspectiva sobre o mesmo
fenômeno;
• Desvendar processos sociais ou áreas da vida social
que o quantitativo não pode abordar;
33. DIFERENÇAS E SIMILARIDADES ENTRE OS
MÉTODOS QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS
CRITÉRIOS QUANTITATIVOS QUALITATIVOS
Paradigma Positivismo Fenomenologia
Raciocínio Dedutivo/ indutivo Dedutivo/ indutivo
Objetos Fatos Fenômenos
Objetivos Relação causa e efeito Relação de significado
Desenho Preestabelecido / pré fixado Flexível / ajustável
Surveys / Experimentos Pesquisador como
Questionários fechados, instrumento
Instrumentos escalas, exames Observação livre, entrevistas
laboratoriais, dados semi dirigidas,coleta
randomizados intencional em prontuários
Adequação dos instrumentos Piloto Ensaio de aculturação
Amostragem Randomizada Intencional
Poucos sujeitos
N amostral representantes
representantes com
com características do todo
Amostra características de certa sub
populacional
população
Estatisticamente definida
N definido em campo
Variáveis Controle Não controle
Análise de conteúdo
Análise dos dados Bioestatística
Relevância teórica
Linguagem matemática
Citações literais incluídas na
Apresentação dos resultados usualmente separada da
discussão
discussão
Conceitual dos novos
Estatística para explicar conhecimentos aplicados par
Tipo de generalização dos
outras populações com as compreender outras pessoas
resultados
mesmas variáveis e settings constituídos pelas
mesmas vivências
Fonte: Extraído de Turato (2003, p. 511)
34. BIBLIOGRAFIA:
Bauer, M.W. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Ed. Vozes, 2002.
Barros, N.F. Pesquisa qualitativa em saúde – múltiplos olhares. UNICAMP/FCM, 2005DaMatta,
Roberto. Relativizando – uma introdução à antropologia social, Ed Rocco, Rio,RJ,1987.
Bosi, MLM. Pesquisa qualitativa de serviços de saúde. Ed. Vozes, Petrópolis, 2004.
Durhan, Eunice. A reconstituição da realidade, Ed Ática, São Paulo,SP, 1978.
-----------------. A aventura antropológica, Paz e Terra, Rio de Janeiro, RJ, 1988.
Laplantine, François. Aprender antropologia, Ed Brasiliense, São Paulo, SP, 1993.
Leopardi,M.T. Metodologia da pesquisa em saúde. Ed. Palotti.2002.
Minayo, MCS (1993). O desafio do conhecimento científico: Pesquisa Qualitativa em Saúde
(2a edição). SP-RJ: Hucitec-Abrasco.
Peirano, Mariza. A favor da etnografia, Relume Dumará, Rio de Janeiro, RJ, 1995.
Pope, C.Mays,N. Pesquisa qualitativa na atenção à saúde. ArtMed Ed, 2ª ed. Porto Alegre. 2005.
Schraiber, L.B. Pesquisa qualitativa em saúde: reflexões metodológicas do relato oral e
produção de narrativas em estudo sobre a profissão médica. Ver.Saúde Pública, 29(1):63-
74,1995.
Turato, E. R. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. Ed. Vozes, 2ª ed,2003.
-----------------. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições, diferenças e
seus objetos de pesquisa. Rev. Saúde Pública 2005;39(3):507-14.
Zaluar, Alba. Desvendando máscaras sociais, Francisco Alves, Rio de Janeiro, RJ, 1990
35. ETNOGRAFIAS:
Lévi-Strauss, Claude. O Cru e o Cozido, Ed. Brasiliense, São Paulo, SP,
1991.
Latour, Bruno. A Vida de Laboratório, Relume Dumará, RJ, 1997.
Wacquant, Loïc. Corpo e Alma – Notas Etnográficas de um Aprendiz de
Boxe, Relume Dumará, RJ, 20022.
Malinowski, Bronislaw. Um Diário no Sentido Estrito do Termo, Ed
Record, RJ, 1997.
Benedict,Ruth. O Crisântemo e a Espada, Ed. Perspectiva, SP, 2002.
36.
37.
38.
39. OUTRA MÚSICA ETNOGRÁFICA!!!
Gente Humilde - Chico Buarque
Composição: Garoto, Chico Buarque e Vinicius de Moraes
Tem certos dias São casas simples
Em que eu penso em minha gente Com cadeiras na calçada
E sinto assim E na fachada
Todo o meu peito se apertar Escrito em cima que é um lar
Porque parece Pela varanda
Que acontece de repente Flores tristes e baldias
Como um desejo de eu viver Como a alegria
Sem me notar Que não tem onde encostar
Igual a como E aí me dá uma tristeza
Quando eu passo no subúrbio No meu peito
Eu muito bem Feito um despeito
Vindo de trem de algum lugar De eu não ter como lutar
E aí me dá E eu que não creio
Como uma inveja dessa gente Peço a Deus por minha gente
Que vai em frente É gente humilde
Sem nem ter com quem contar Que vontade de chorar