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CASSIUS MARCELUS CRUZ




DISCURSO BRANCO EM TERRA NEGRA: A REPRESENTAÇÃO DE
         QUILOMBO NA TV EDUCATIVA PARANÁ




                       Trabalho apresentado ao módulo História da África:
                       desafios do Curso de Especialização História e
                       Cultura Africana e Afrobrasileira Educação e Ações
                       Afirmativas no Brasil do Instituto de Pesquisa da
                       Afrodescendência e da Universidade Tuiuti do
                       Paraná

                                        Docente: Prof. Dr. Henrique Cunha Jr.




                     CURITIBA
                       2007
RESUMO


           O conceito de quilombo tem sido objeto de ressemantização nas últimas
décadas e conseqüentemente alvo de disputa nos campos da política institucional e
da academia. No Paraná a emergência desse debate é acompanhada pela
hegemonia do discurso do Estado que é propagado por sua agência de
telecomunicação - TVE/PR – através de 4 documentários produzidos no período de
2006 à 2007 e que ainda é veiculado com freqüência. O presente trabalho analisa a
representação de quilombo utilizado no primeiro dos 4 documentários.



Palavras-Chave: Quilombo, Remanescente de Quilombo, Discurso, Análise do
Discurso e Representação.
Conceitos:
Discurso: instância ideológica da linguagem, que se constitui a partir da prática
social de produção de textos

Análise do Discurso: prática e campo da lingüística e da comunicação cujo objeto é
a analise das construções ideológicas presentes em um texto.

Quilombo: adotamos aqui o conceito de quilombo definido pela Associação
Brasileira de Antropologia (ABA)

                     Quilombo tem novos significados na literatura especializada, também para
                     grupos, indivíduos e organizações. Ainda que tenha conteúdo histórico,
                     vem sendo ressemantizado para designar a situação presente dos
                     segmentos negros em regiões e contextos do Brasil. Quilombo não se
                     refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de
                     comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de
                     população estritamente homogênea. Nem sempre foram constituídos a
                     partir de movimentos insurrecionais ou rebelados. Sobretudo consistem em
                     grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na
                     manutenção e na reprodução de modos de vida característicos, e na
                     consolidação de território próprio. A identidade desses grupos não se
                     define por tamanho nem número de membros, mas por experiência vivida e
                     versões compartilhadas de sua trajetória comum e da continuidade como
                     grupo. Constituem grupos étnicos conceituados pela antropologia como
                     tipo organizacional que confere pertencimento por normas e meios de
                     afiliação ou exclusão (O’DWYER, 1995, p.1)



Remanescentes de Quilombo: utilizamos aqui o conceito de remanescente de
quilombo expresso no Decreto 4887/03, não apenas para afirmar sua legitimidade,
mas também por levar em consideração outro conceito importante para
compreensão dos territórios de maioria afrobrasileira, ou seja, o conceito de
ancestralidade. Assim, remanescentes de quilombos são compreendidos como:
                       “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com
                     trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com
                     presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à
                     opressão histórica sofrida.” (Decreto 4887/03 art. 2°)

Representação ou Paradigma da Representação: Esquema de significação onde
se opera uma tentativa de redução dos fatos a conceitos. O paradigma da
representação é a base do racionalismo científico ocidental e, por conseqüência da
visão de mundo branconcêntrica.
1) INTRODUÇÃO

        Desde a década de 90 diversos fatos tem dado visibilidade às comunidades
remanescentes de quilombos no Paraná. Desde a campanha em apoio a
comunidade do Paiol de Telha – organizada pela CPT (Comissão Pastoral da Terra),
APP-Sindicato, ACNAP (Associação Cultural de Negritude e Ação Popular) entre
outras entidades dos movimentos sociais – até as publicações de trabalhos
acadêmicos sobre esta1 e outras comunidades (Campina dos Morenos2 – Turvo,
Sutil e Santa Cruz3 - Ponta Grossa) tem se tornado público o conhecimento sobre a
existência de quilombos no Paraná. Entretanto, é a partir do levantamento que está
sendo efetuado, desde 2005, pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura que a presença
desses territórios negros vem se tornando oficializada no Paraná.
        Esse fato demarca, além da tomada de hegemonia do discurso sobre a
temática por parte do Governo Estadual, um processo de gradual visibilização das
comunidades negras em um estado, onde predomina um discurso de diferenciação
dos demais entes federados baseado em dois aspectos: a maciça presença de
imigrantes europeus e a ausência de significância física e cultural dos elementos
africano e indígena na formação do desse estado sulino. Tais aspectos apresentam-
se, até os dias de hoje, como a justificativa histórica do desenvolvimento do Paraná.
        Instrumentos importantes para um novo olhar que vem sendo lançado a
partir de uma série de documentários produzidos pela TV Educativa/PR sobre as
comunidades quilombolas paranaenses a partir de dados preliminares do
levantamento do GT Clóvis Moura. Entretanto, quais os discursos embasam as
representações veiculadas nesses documentários? Como são apresentadas essas
comunidades? Tais produções contribuem para a Educação das Relações Étnico
Raciais?
        O objetivo desse trabalho é abordar tais questões a partir da análise do
documentário Terra Negra, primeiro da série anteriormente mencionada, produzido
em 2006.




1
  VANDRESEN, 2004 E HARTUNG, 2004.
2
  PORTELLA, s/d
3
  HARTUNG, 2000 e WALDAMANN, 1992
2) DESCRIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO TERRA NEGRA


        O Documentário Terra Negra, produzido por e veiculado pela TV Educativa
Paraná a partir de 2006, inicia-se com imagens de pés em fuga, mãos em terra e
perfis negros esquadrinhadas em formas de fotografias antigas espalhadas por entre
correntes e instrumentos de tortura, em uma abertura que nos remete ao período da
escravização negro-africana no Brasil. (ver figura 1)


Figura 1: Imagem da Abertura do Documentário Terra Negra




        A abertura é sucedida por imagens do raiar do sol e de famílias das
comunidades quilombolas do Paraná. A narração que acompanha às imagens nos
fala sobre os esforços da permanência de “quilombos do Brasil Império” no Paraná e
sobre o esforço que o Governo, Universidades e sociedade civil organizada vem
realizando para garantir os direitos e “recuperar a identidade desses negros”
        Das imagens das famílias negras a narrativa passa para a exposição do
histórico da escravidão na cidade de Castro e da permanência material de
referências da época como a Fazenda Capão Alto e sua senzala. Essa narrativa
procura articular o sofrimento e os castigos da escravidão com memória quilombola
dizendo que o “horror é lembrado por muitos deles”, trazendo o relato de um
quilombola que fala sobre um senhor que havia pregado a orelha de um escravizado
em uma árvore e depois chamado o mesmo para sair do local deixando um furo
enorme em sua orelha. Acompanhando os relatos são apresentadas imagens de
pés e mãos negras acorrentadas (ver figura 2).


Figura 2: Imagens de mãos negras acorrentadas no documentário Terra Negra




        Essas imagens são gradualmente substituídas por outras de pessoas
negras realizando trabalho rural. Nesse momento passa-se à referenciar a
importância dos negros na formação social e econômica do país a partir de
comentários de um professor de historia que ressalta o quase exclusivismo da mão
de obra negra nos períodos colonial e imperial e o caráter negativo que o trabalho
manual assumiu na mentalidade da época.
        A origem dos quilombos, que então são apresentados como sociedades
independentes, é relacionada à resistência dos africanos escravizados ante à mão
bruta dos opressores. Nesse aspecto quilombo está diretamente ligado à concepção
de resistência e a tentativa de organização autônoma dos escravizados fugidos.
        Em uma narrativa que menciona o isolamento, a perda da identidade
dessas comunidades e a “ascensão social de negros comprometidos com a história
de seu povo”, é apresentado o levantamento que vêm sendo realizado pelo GT
Clovis Moura e que tem como objetivo identificar e mapear essas comunidades com
a finalidade de levar “infra-estrutura e dignidade” à essas comunidades.
        Nesse momento ressalta-se, sobretudo às dificuldades de acesso, devido
ao fato da maioria dessas comunidades serem “totalmente isoladas”, conforme do
presidente do GT Clóvis apresentado no documentário. Segundo ele, essas
comunidades inexistiam para seus próprios municípios.
        Em relação à origem africana o documentário nos fala que os
pesquisadores do GT Clóvis Moura encontraram pessoas que não conheciam a
própria origem perdendo as referências de África e que as únicas manifestações que
se preservam foram as festas religiosas em homenagem aos santos católicos. Esse
fato é justificado no documentário pelo proposital processo de separação de famílias
e de mistura intencional de etnias africanas durante o tráfico negreiro.
        A religiosidade nessas comunidades é definida como uma mistura entre a
“crença africana com a fé católica”.
        Nesse sentido é apresentado um relato em que uma senhora quilombolas
diz que “tudo tem que ser feito com amor e carinho”, demonstrando que a
religiosidade está presente em todas às práticas que realiza.
        Outro relato, do presidente do GT Clóvis Moura, nos remete ao sincretismo
religioso do negro forçado à religião católica, incorporando práticas do catolicismo
popular às suas práticas tradicionais.
        Nesse sentido nos indica que os cânticos aos santos católicos nessas
comunidades, possuem semelhanças (rítmicas) aos cânticos dos orixás do
Candomblé.
          Essa mistura entre catolicismo e religiosidade tradicional é objetivamente
apresentada relacionado-a ao histórico da Fazenda Capão Alto que pertenceu a
padres Carmelitas e que depois foi deixada sob a administração de escravizados.
        Outros aspectos, como a infância, a comunidade e a relação com “os mais
velhos” são apresentados. Em determinado momento é feita a referência a
importância desses elementos no sentido de possibilitar a apreensão de
permanências de “elementos da cultura brasileira, africana e afro-brasileira”
desconhecidas pela maioria da população.
        Em determinado momento o documentário passa a abordar o recente
movimento de organização associativa das comunidades remanescentes de
quilombo. O Governo do Estado, através do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, é
apresentado como o principal fomentador dessas organizações. O discurso inicia-se
com a reflexão dos motivos que relegaram à população negra à uma situação
socialmente marginal. Nesse momento o historiador comentarista nos diz que no
momento pós abolição a população negra não estava “estruturada para concorrer no
mercado de trabalho, assim como é o caso da população branca”. As associações,
fomentadas pelos pesquisadores do GT Clóvis Moura, são apresentadas como uma
tentativa de reverter essa situação histórica.
        Finalizando outros dois aspectos são brevemente abordados aos quais
transcrevemos parte da narrativa e dos relatos usados ao final do documentário: a
miscigenação nas comunidades quilombolas e a valorização do trabalho e do
esforço individual como forma de superar a situação de desigualdade social.
        Na referência à miscigenação o narrador inicia com a seguinte frase: “O
isolamento no mato não impediu a miscigenação dos quilombolas, hoje muitas
comunidades são mestiças”. Essa narrativa é acompanhada por imagens de
pessoas com características físicas variadas e é sucedida pelo relato de um
quilombola falando que antes ali só tinha negros.
        Surgem silhuetas indígena, branca e negra com a seguinte narrativa:
        “Índios, brancos, mulatos, nos olhos e no discurso o orgulho da própria
história e um retrato da nação brasileira.” A imagem então fixa-se em uma mulher
afrodescendente de olhos verdes e que se diz orgulhosa de sua origem.
        O documentário passa então a abordar o segundo aspecto referindo-se à
sabedoria que se aprende, não em livros, mas com a experiência da vida. Nesse
instante um senhor, identificado como comerciante, nos diz::

                      “O sol brilha pra todo mundo, mas quem vai ganhar a sombra é aquele que
                      corre atrás dela né? Então não tem essa de negro. Porque as vezes a
                      pessoa diz: eu sou coitadinho... Ninguém é coitado. As vezes o preconceito
                      que o outro tem de você é falta até de cultura do outro também, falta de
                      entendimento, mas se você correr atrás de seu espaço ele está ali te
esperando. Busque, tem que lutar. Tem que correr atrás dele. Ele está te
                          esperando.”

           Finalizando o documentário, esse relato é sucedido pelo de outro
quilombola que fala sobre casos de sua vida que ressaltam à força e inserção
“prematura” do negro no mundo do trabalho.




3) A REPRESENTAÇÃO DE QUILOMBO E A ANÁLISE DO DISCURSO DO
DOCUMENTÁRIO TERRA NEGRA

           Apesar de vir contribuindo para dar visibilidade à presença negras e das
comunidades quilombolas no Paraná o documentário Terra Negra nos apresenta
uma representação de quilombo que não se enquadra na definição utilizada no
Decreto 4887/03, que regulamenta o art. 68 do Ato dos Dispositivos Constitucionais
Transitórios, indica assim os procedimentos para titulação dos territórios
quilombolas.
           Inicialmente podemos apontar que a representação de quilombo está
baseada na visão Palmarina, de quilombo criado apenas a partir de fugas,
desconsiderando outras formas de territorialização de comunidades negras. Cabe
ressaltar que mesmo às referências à escravidão e aos escravizados ressalta
apenas os castigos e a exploração do trabalho, apontando apenas aspectos de
desumanização.
           Esse aspecto aparece já na abertura do documentário e em outras imagens,
como as anteriormente apresentadas (figuras 1 e 2), mas sobretudo na intenção de
associar a memória do quilombola à memória da escravidão a partir do “horror [que]
é lembrado por muitos deles”.
           Nesse sentido é importante assinalar que os estudos baseados na memória
da população negra rural em áreas onde existiram um maior contingente de
escravizados, nos apontam a escassez desse tipo de relato em virtude de
                                   4
silenciamentos intencionais.           Dessa forma, se no Paraná esses relatos são
realmente “lembrado por muitos”, o Estado apresenta uma tendência diametralmente
oposta em relação às regiões onde a escravidão foi mais intensa em termos de


4
    Ver MATTOS & RIOS, 2005.
números de escravizados e tempo e tempo de utilização da mão de obra
escravizada.
        Seguindo a narrativa do documentário percebemos uma tentativa de
valorização do negro na formação social e econômica brasileira, entretanto essa
tentativa limita-se a enunciar a “quase” exclusividade do trabalho escravo nos
períodos colonial e imperial não se reportando às contribuições técnicas presentes
nos diversos ofícios realizados pelos africanos escravizados, além de contribuições
em outras áreas que não a economia.
        De qualquer forma, é a partir dessa “dialética” entre o trabalho escravo e a
“mão bruta do opressor” que as comunidades quilombolas emergem relacionadas à
resistência. Principal tese de Clóvis Moura (1983) sobre quilombos.
        Outro aspecto ressaltado no documentário em sua representação de
quilombo é o total isolamento dessas comunidades diante do restante da sociedade.
Há uma enorme confusão entre dificuldade de acesso e isolamento. Defendemos
que dificuldade de acesso e isolamento são termos distintos. A dificuldade de
acesso se refere às condições das vias de comunicação e o isolamente às relações
(políticas, econômicas e culturais) mantidas com a sociedade regional. Certamente
muitas das comunidades, principalmente formadas a partir de fugas, escolhiam,
estrategicamente, locais de difícil acesso para se afixarem. Entretanto, como
podemos perceber em diversos casos, como o da Comunidade Remanescente de
João Surá (FERNANDES), a de Paiol de Telhas (HARTUNG, 2004) e as de Santa
Cruz e Sutil (Waldman, Hartung) essas comunidades mantinham intensas relações
com a economia regional. Esse “total isolamento” é ainda menos coerente para a
região dos Campos Gerais, entrecortada pelo caminho dos tropeiros e suas
inúmeras ramificações.
        Seguindo à abordagem dos aspectos econômicos podemos perceber que o
documentário, quando trata da situação de desigualdade social e étnico racial em
que a população negra se encontra, e conseqüentemente a quilombola, nos explica
tal situação pela falta de estrutura para “concorrer no mercado de trabalho, assim
como é o caso da população branca”. Ainda que possamos concordar parcialmente
com tal afirmativa, ela não se apresenta nenhum dado sobre o assunto e apresenta,
teleologicamente, a inserção no mercado do trabalho como a única alternativa
possível para a população negra.
O caso de algumas das Comunidades Remanescentes de Quilombo, como
a do Paiol de Telha (HARTUNG, 2004) nos mostra justamente o contrário, ou seja,
que foram intencionalmente usurpadas por criaram formas de vida comunitárias que,
mesmo mantendo relações com a sociedade mais abrangente, lhes permitia manter
relações alternativas de organização do trabalho, onde o mutirão ou pixirão, substitui
a lógica do assalariamento.
         De certa forma esse argumento serve não apenas para justificar a situação
periférica da população negra, mas também a ação do Governo para levar-lhes
“infra-estrutura e dignidade”. Percebemos aqui a presença de um discurso de
empobrecimento dos quilombolas, tal qual apontado por ALMEIDA (2005), onde
aponta que:

                      Os quilombolas não podem ser reduzidos mecanicamente à categoria
                      “pobres” e tratados com os automatismos de linguagem que os classificam
                      como “carentes”, de “baixa renda” ou na “linha de indigência”. Insistir nisso
                      significa uma despolitização absoluta. Afinal, as comunidades
                      remanescentes de quilombos não são o “reinado da necessidade” nem
                      tampouco um conjunto de “miseráveis”, já que os quilombolas se
                      constituíram enquanto sujeitos, dominando essa necessidade e instituindo
                      um “reinado de autonomia e liberdade.” (p. 11)


         Cabe ressaltar que esse discurso do empobrecimento referido aos
quilombolas pode ter um efeito negativo no processo de construção da auto-estima
negra, já que a tendência comum é afastar-se das identidades socialmente
inferiorizadas.
         Outro aspecto da representação de quilombo apresentada no documentário
se refere à permanência de aspectos da cultura africana nas comunidades,
sobretudo sobe a religiosidade, que segundo o documentário, mistura “crença
africana com a fé católica”. Compreendemos que essa sentença hierarquiza as
influências culturais que agem sobre as comunidades. De um lado a crença africana,
sem fundamentação religiosa coerente, e de outro a fé católica, fundamentada em
um corpo teológico consistente.
         Apesar da semelhança, apontada pelo presidente do GT Clóvis Moura,
entre os cânticos aos santos e o cânticos dos orixás do candomblé. O documentário
insiste em uma abordagem que procura justificar os motivos da mistura entre
elementos do catolicismo com elementos da tradição africana, sem aprofundar-se
nesses últimos aspectos, mesmo quando os relatos, como o da senhora quilombola
do documentário, apontam para a indissociação entre o sagrado e os demais
aspectos da vida cotidiana.
        Cabe ressaltar ainda que o documentário afirma que, “garantir direitos” e
“recuperar a identidade desses negros” faz parte dos esforços das universidades, da
sociedade civil e de órgãos de Governo, como o GT Clóvis Moura.
        Nesse sentido o Grupo de Trabalho Clóvis Moura é apresentado como o
esforço do Estado em organizara a população negra para que ela sai da situação
histórica de exclusão.
        O documentário silencia sobre toda a mobilização dos movimentos negros e
quilombolas para a conquista do direito de titulação de dos territórios de quilombo.
Silencia, principalmente, que a situação de exclusão da maioria dessas está
diretamente relacionada com o histórico de expropriação de suas terras, muitas
vezes conduzidas pelo próprio poder público, como são os casos das comunidades
do Paiol de Telha (HARTUNG, 2004, VANDRESEN, 2004), Santa Cruz e Sutil
(WALDMAN,1992 e HARTUNG, 2004) entre outras. Em uma política de
favorecimento étnico dos imigrantes europeus.
        Associa-se a esse silenciamento o discurso da mestiçagem e o discurso da
ética do trabalho apresentados ao final do documentário, com que a dizer que todos
somos iguais – “índios, brancos e mulatos” –, que o Estado está fazendo sua parte
(o sol brilha para todo mundo) e que os quilombolas só não saíram de sua situação
de exclusão se não se empenharem (só ganha a sombra aquele que corre atrás
dela né?)
4) Considerações Finais
           O documentário Terra Negra, produzido e veiculado a partir de 2006 pela
TV Educativa Paraná, vem dando visibilidade à existência de comunidades
quilombolas do Paraná, entretanto, sua abordagem parte de uma representação que
compreende          quilombo        apenas        como        espaço       de      escravizado         fugido,
desconsiderando outras formas de territorialização negra que o conceito pode
abranger.
           É uma representação que prima pelo discurso histórico como linha
condutora, nesse sentido, fala-se do quilombo no Brasil e não do Brasil desde o
             5
quilombo.        Assim, destaca-se os aspectos objetivos (exploração e tortura da mão
de obra) da dominação do sistema escravista e deixa-se de lado a abordagem da
subjetividade quilombola a partir da singularidade de sua cultura.
           O documentário associa ainda três discursos em sua representação de
quilombo:
1. discurso do empobrecimento: os quilombolas são miserabilizados, a eles é
    necessário uma ação de estado para inseri-los socialmente. Ressaltamos que
    esse discurso pode ter efeitos negativos no processo de construção da auto-
    estima negra;
2. discurso da mestiçagem: se procura amenizar as desigualdades étnicas a partir
    da constatação da diversidade étnica existente nas comunidades quilombolas;
3. discurso da ética do trabalho: o trabalho é apresentado como ação resolutória
    das desigualdades sociais e étnico-raciais.


           Uma representação baseada nesses discursos está carregada de um
posicionamento político diante da situação étnica brasileira que, sem analisar a
singularidade da expropriação dos territórios quilombolas no Paraná, remete,
principalmente, aos próprios negros a obrigação de transformar sua condição social.




5
  Paráfrase de OLIVEIRA,2007 “Enquanto os estudos raciais dão conta de entender o negro no Brasil, postulo
que é preciso fazer mais um ritual de inversão, isto é, compreender o Brasil a partir dos afrodescendentes.” (p.
270)
BIBLIOGRAFIA


ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. O Direito Étnico a Terra. In: Boletim
Orçamento & Política Socioambiental. Ano IV, n° 13, junho de 2005.


FERNANDES, Ricardo Cid. Comunidade Remanescente de Quilombo João Surá.
Relatório Antropológico. Curitiba. INCRA, UFPR, 2007.

HARTUNG, Miriam F. A Comunidade do Sutil: história e etnografia. UFRJ:2000.

__________.    O sangue e o espírito dos antepassados: escravidão, herança e
expropriação no grupo negro Invernada Paiol de Telha – PR. Florianópolis:
NUER/UFSC, 2004.


MATTOS, Hebe Maria & RIOS, Ana Maria Lugão. (org.) Memória do Cativeiro:
família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
2005.


O’DWYER, Eliane Cantarino (org.) Terra de Quilombos, Rio de Janeiro, Boletim da
Associação Brasileira de Antropológica. 1995


OLIVEIRA, Eduardo David de FILOSOFIA DA ANCESTRALIDADE: Corpo e Mito na
Filosofia da Educação Brasileira. Curitiba, Editora Gráfica Popular, 2007.


PORTELLA, Alecxandra V. Campina dos Morenos: um quilombo preservado. Edição
da autora. s/d.

VANDRESEN, Dionísio. Estudo da realidade brasileira a partir dos grandes
pensadores, para entender a história da expropriação da terra dos índio, negros e
posseiros da Região Centro do Paraná. Monografia de Conclusão do Curso
Extensão da Realidade Brasileira da UNOCHAPECÓ, 2004.


WALDMANN, Isolde Maria. Fazenda Santa Cruz dos Campos Gerais e a
Colonização Russa – 1792 – 1990. Ponta Grossa – Paraná, editora Gráfica Planeta
– 1992.

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Texto sobre Quilombo

  • 1. CASSIUS MARCELUS CRUZ DISCURSO BRANCO EM TERRA NEGRA: A REPRESENTAÇÃO DE QUILOMBO NA TV EDUCATIVA PARANÁ Trabalho apresentado ao módulo História da África: desafios do Curso de Especialização História e Cultura Africana e Afrobrasileira Educação e Ações Afirmativas no Brasil do Instituto de Pesquisa da Afrodescendência e da Universidade Tuiuti do Paraná Docente: Prof. Dr. Henrique Cunha Jr. CURITIBA 2007
  • 2. RESUMO O conceito de quilombo tem sido objeto de ressemantização nas últimas décadas e conseqüentemente alvo de disputa nos campos da política institucional e da academia. No Paraná a emergência desse debate é acompanhada pela hegemonia do discurso do Estado que é propagado por sua agência de telecomunicação - TVE/PR – através de 4 documentários produzidos no período de 2006 à 2007 e que ainda é veiculado com freqüência. O presente trabalho analisa a representação de quilombo utilizado no primeiro dos 4 documentários. Palavras-Chave: Quilombo, Remanescente de Quilombo, Discurso, Análise do Discurso e Representação.
  • 3. Conceitos: Discurso: instância ideológica da linguagem, que se constitui a partir da prática social de produção de textos Análise do Discurso: prática e campo da lingüística e da comunicação cujo objeto é a analise das construções ideológicas presentes em um texto. Quilombo: adotamos aqui o conceito de quilombo definido pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) Quilombo tem novos significados na literatura especializada, também para grupos, indivíduos e organizações. Ainda que tenha conteúdo histórico, vem sendo ressemantizado para designar a situação presente dos segmentos negros em regiões e contextos do Brasil. Quilombo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de população estritamente homogênea. Nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados. Sobretudo consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e na reprodução de modos de vida característicos, e na consolidação de território próprio. A identidade desses grupos não se define por tamanho nem número de membros, mas por experiência vivida e versões compartilhadas de sua trajetória comum e da continuidade como grupo. Constituem grupos étnicos conceituados pela antropologia como tipo organizacional que confere pertencimento por normas e meios de afiliação ou exclusão (O’DWYER, 1995, p.1) Remanescentes de Quilombo: utilizamos aqui o conceito de remanescente de quilombo expresso no Decreto 4887/03, não apenas para afirmar sua legitimidade, mas também por levar em consideração outro conceito importante para compreensão dos territórios de maioria afrobrasileira, ou seja, o conceito de ancestralidade. Assim, remanescentes de quilombos são compreendidos como: “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.” (Decreto 4887/03 art. 2°) Representação ou Paradigma da Representação: Esquema de significação onde se opera uma tentativa de redução dos fatos a conceitos. O paradigma da representação é a base do racionalismo científico ocidental e, por conseqüência da visão de mundo branconcêntrica.
  • 4. 1) INTRODUÇÃO Desde a década de 90 diversos fatos tem dado visibilidade às comunidades remanescentes de quilombos no Paraná. Desde a campanha em apoio a comunidade do Paiol de Telha – organizada pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), APP-Sindicato, ACNAP (Associação Cultural de Negritude e Ação Popular) entre outras entidades dos movimentos sociais – até as publicações de trabalhos acadêmicos sobre esta1 e outras comunidades (Campina dos Morenos2 – Turvo, Sutil e Santa Cruz3 - Ponta Grossa) tem se tornado público o conhecimento sobre a existência de quilombos no Paraná. Entretanto, é a partir do levantamento que está sendo efetuado, desde 2005, pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura que a presença desses territórios negros vem se tornando oficializada no Paraná. Esse fato demarca, além da tomada de hegemonia do discurso sobre a temática por parte do Governo Estadual, um processo de gradual visibilização das comunidades negras em um estado, onde predomina um discurso de diferenciação dos demais entes federados baseado em dois aspectos: a maciça presença de imigrantes europeus e a ausência de significância física e cultural dos elementos africano e indígena na formação do desse estado sulino. Tais aspectos apresentam- se, até os dias de hoje, como a justificativa histórica do desenvolvimento do Paraná. Instrumentos importantes para um novo olhar que vem sendo lançado a partir de uma série de documentários produzidos pela TV Educativa/PR sobre as comunidades quilombolas paranaenses a partir de dados preliminares do levantamento do GT Clóvis Moura. Entretanto, quais os discursos embasam as representações veiculadas nesses documentários? Como são apresentadas essas comunidades? Tais produções contribuem para a Educação das Relações Étnico Raciais? O objetivo desse trabalho é abordar tais questões a partir da análise do documentário Terra Negra, primeiro da série anteriormente mencionada, produzido em 2006. 1 VANDRESEN, 2004 E HARTUNG, 2004. 2 PORTELLA, s/d 3 HARTUNG, 2000 e WALDAMANN, 1992
  • 5. 2) DESCRIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO TERRA NEGRA O Documentário Terra Negra, produzido por e veiculado pela TV Educativa Paraná a partir de 2006, inicia-se com imagens de pés em fuga, mãos em terra e perfis negros esquadrinhadas em formas de fotografias antigas espalhadas por entre correntes e instrumentos de tortura, em uma abertura que nos remete ao período da escravização negro-africana no Brasil. (ver figura 1) Figura 1: Imagem da Abertura do Documentário Terra Negra A abertura é sucedida por imagens do raiar do sol e de famílias das comunidades quilombolas do Paraná. A narração que acompanha às imagens nos fala sobre os esforços da permanência de “quilombos do Brasil Império” no Paraná e sobre o esforço que o Governo, Universidades e sociedade civil organizada vem realizando para garantir os direitos e “recuperar a identidade desses negros” Das imagens das famílias negras a narrativa passa para a exposição do histórico da escravidão na cidade de Castro e da permanência material de
  • 6. referências da época como a Fazenda Capão Alto e sua senzala. Essa narrativa procura articular o sofrimento e os castigos da escravidão com memória quilombola dizendo que o “horror é lembrado por muitos deles”, trazendo o relato de um quilombola que fala sobre um senhor que havia pregado a orelha de um escravizado em uma árvore e depois chamado o mesmo para sair do local deixando um furo enorme em sua orelha. Acompanhando os relatos são apresentadas imagens de pés e mãos negras acorrentadas (ver figura 2). Figura 2: Imagens de mãos negras acorrentadas no documentário Terra Negra Essas imagens são gradualmente substituídas por outras de pessoas negras realizando trabalho rural. Nesse momento passa-se à referenciar a importância dos negros na formação social e econômica do país a partir de comentários de um professor de historia que ressalta o quase exclusivismo da mão de obra negra nos períodos colonial e imperial e o caráter negativo que o trabalho manual assumiu na mentalidade da época. A origem dos quilombos, que então são apresentados como sociedades independentes, é relacionada à resistência dos africanos escravizados ante à mão
  • 7. bruta dos opressores. Nesse aspecto quilombo está diretamente ligado à concepção de resistência e a tentativa de organização autônoma dos escravizados fugidos. Em uma narrativa que menciona o isolamento, a perda da identidade dessas comunidades e a “ascensão social de negros comprometidos com a história de seu povo”, é apresentado o levantamento que vêm sendo realizado pelo GT Clovis Moura e que tem como objetivo identificar e mapear essas comunidades com a finalidade de levar “infra-estrutura e dignidade” à essas comunidades. Nesse momento ressalta-se, sobretudo às dificuldades de acesso, devido ao fato da maioria dessas comunidades serem “totalmente isoladas”, conforme do presidente do GT Clóvis apresentado no documentário. Segundo ele, essas comunidades inexistiam para seus próprios municípios. Em relação à origem africana o documentário nos fala que os pesquisadores do GT Clóvis Moura encontraram pessoas que não conheciam a própria origem perdendo as referências de África e que as únicas manifestações que se preservam foram as festas religiosas em homenagem aos santos católicos. Esse fato é justificado no documentário pelo proposital processo de separação de famílias e de mistura intencional de etnias africanas durante o tráfico negreiro. A religiosidade nessas comunidades é definida como uma mistura entre a “crença africana com a fé católica”. Nesse sentido é apresentado um relato em que uma senhora quilombolas diz que “tudo tem que ser feito com amor e carinho”, demonstrando que a religiosidade está presente em todas às práticas que realiza. Outro relato, do presidente do GT Clóvis Moura, nos remete ao sincretismo religioso do negro forçado à religião católica, incorporando práticas do catolicismo popular às suas práticas tradicionais. Nesse sentido nos indica que os cânticos aos santos católicos nessas comunidades, possuem semelhanças (rítmicas) aos cânticos dos orixás do Candomblé. Essa mistura entre catolicismo e religiosidade tradicional é objetivamente apresentada relacionado-a ao histórico da Fazenda Capão Alto que pertenceu a padres Carmelitas e que depois foi deixada sob a administração de escravizados. Outros aspectos, como a infância, a comunidade e a relação com “os mais velhos” são apresentados. Em determinado momento é feita a referência a
  • 8. importância desses elementos no sentido de possibilitar a apreensão de permanências de “elementos da cultura brasileira, africana e afro-brasileira” desconhecidas pela maioria da população. Em determinado momento o documentário passa a abordar o recente movimento de organização associativa das comunidades remanescentes de quilombo. O Governo do Estado, através do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, é apresentado como o principal fomentador dessas organizações. O discurso inicia-se com a reflexão dos motivos que relegaram à população negra à uma situação socialmente marginal. Nesse momento o historiador comentarista nos diz que no momento pós abolição a população negra não estava “estruturada para concorrer no mercado de trabalho, assim como é o caso da população branca”. As associações, fomentadas pelos pesquisadores do GT Clóvis Moura, são apresentadas como uma tentativa de reverter essa situação histórica. Finalizando outros dois aspectos são brevemente abordados aos quais transcrevemos parte da narrativa e dos relatos usados ao final do documentário: a miscigenação nas comunidades quilombolas e a valorização do trabalho e do esforço individual como forma de superar a situação de desigualdade social. Na referência à miscigenação o narrador inicia com a seguinte frase: “O isolamento no mato não impediu a miscigenação dos quilombolas, hoje muitas comunidades são mestiças”. Essa narrativa é acompanhada por imagens de pessoas com características físicas variadas e é sucedida pelo relato de um quilombola falando que antes ali só tinha negros. Surgem silhuetas indígena, branca e negra com a seguinte narrativa: “Índios, brancos, mulatos, nos olhos e no discurso o orgulho da própria história e um retrato da nação brasileira.” A imagem então fixa-se em uma mulher afrodescendente de olhos verdes e que se diz orgulhosa de sua origem. O documentário passa então a abordar o segundo aspecto referindo-se à sabedoria que se aprende, não em livros, mas com a experiência da vida. Nesse instante um senhor, identificado como comerciante, nos diz:: “O sol brilha pra todo mundo, mas quem vai ganhar a sombra é aquele que corre atrás dela né? Então não tem essa de negro. Porque as vezes a pessoa diz: eu sou coitadinho... Ninguém é coitado. As vezes o preconceito que o outro tem de você é falta até de cultura do outro também, falta de entendimento, mas se você correr atrás de seu espaço ele está ali te
  • 9. esperando. Busque, tem que lutar. Tem que correr atrás dele. Ele está te esperando.” Finalizando o documentário, esse relato é sucedido pelo de outro quilombola que fala sobre casos de sua vida que ressaltam à força e inserção “prematura” do negro no mundo do trabalho. 3) A REPRESENTAÇÃO DE QUILOMBO E A ANÁLISE DO DISCURSO DO DOCUMENTÁRIO TERRA NEGRA Apesar de vir contribuindo para dar visibilidade à presença negras e das comunidades quilombolas no Paraná o documentário Terra Negra nos apresenta uma representação de quilombo que não se enquadra na definição utilizada no Decreto 4887/03, que regulamenta o art. 68 do Ato dos Dispositivos Constitucionais Transitórios, indica assim os procedimentos para titulação dos territórios quilombolas. Inicialmente podemos apontar que a representação de quilombo está baseada na visão Palmarina, de quilombo criado apenas a partir de fugas, desconsiderando outras formas de territorialização de comunidades negras. Cabe ressaltar que mesmo às referências à escravidão e aos escravizados ressalta apenas os castigos e a exploração do trabalho, apontando apenas aspectos de desumanização. Esse aspecto aparece já na abertura do documentário e em outras imagens, como as anteriormente apresentadas (figuras 1 e 2), mas sobretudo na intenção de associar a memória do quilombola à memória da escravidão a partir do “horror [que] é lembrado por muitos deles”. Nesse sentido é importante assinalar que os estudos baseados na memória da população negra rural em áreas onde existiram um maior contingente de escravizados, nos apontam a escassez desse tipo de relato em virtude de 4 silenciamentos intencionais. Dessa forma, se no Paraná esses relatos são realmente “lembrado por muitos”, o Estado apresenta uma tendência diametralmente oposta em relação às regiões onde a escravidão foi mais intensa em termos de 4 Ver MATTOS & RIOS, 2005.
  • 10. números de escravizados e tempo e tempo de utilização da mão de obra escravizada. Seguindo a narrativa do documentário percebemos uma tentativa de valorização do negro na formação social e econômica brasileira, entretanto essa tentativa limita-se a enunciar a “quase” exclusividade do trabalho escravo nos períodos colonial e imperial não se reportando às contribuições técnicas presentes nos diversos ofícios realizados pelos africanos escravizados, além de contribuições em outras áreas que não a economia. De qualquer forma, é a partir dessa “dialética” entre o trabalho escravo e a “mão bruta do opressor” que as comunidades quilombolas emergem relacionadas à resistência. Principal tese de Clóvis Moura (1983) sobre quilombos. Outro aspecto ressaltado no documentário em sua representação de quilombo é o total isolamento dessas comunidades diante do restante da sociedade. Há uma enorme confusão entre dificuldade de acesso e isolamento. Defendemos que dificuldade de acesso e isolamento são termos distintos. A dificuldade de acesso se refere às condições das vias de comunicação e o isolamente às relações (políticas, econômicas e culturais) mantidas com a sociedade regional. Certamente muitas das comunidades, principalmente formadas a partir de fugas, escolhiam, estrategicamente, locais de difícil acesso para se afixarem. Entretanto, como podemos perceber em diversos casos, como o da Comunidade Remanescente de João Surá (FERNANDES), a de Paiol de Telhas (HARTUNG, 2004) e as de Santa Cruz e Sutil (Waldman, Hartung) essas comunidades mantinham intensas relações com a economia regional. Esse “total isolamento” é ainda menos coerente para a região dos Campos Gerais, entrecortada pelo caminho dos tropeiros e suas inúmeras ramificações. Seguindo à abordagem dos aspectos econômicos podemos perceber que o documentário, quando trata da situação de desigualdade social e étnico racial em que a população negra se encontra, e conseqüentemente a quilombola, nos explica tal situação pela falta de estrutura para “concorrer no mercado de trabalho, assim como é o caso da população branca”. Ainda que possamos concordar parcialmente com tal afirmativa, ela não se apresenta nenhum dado sobre o assunto e apresenta, teleologicamente, a inserção no mercado do trabalho como a única alternativa possível para a população negra.
  • 11. O caso de algumas das Comunidades Remanescentes de Quilombo, como a do Paiol de Telha (HARTUNG, 2004) nos mostra justamente o contrário, ou seja, que foram intencionalmente usurpadas por criaram formas de vida comunitárias que, mesmo mantendo relações com a sociedade mais abrangente, lhes permitia manter relações alternativas de organização do trabalho, onde o mutirão ou pixirão, substitui a lógica do assalariamento. De certa forma esse argumento serve não apenas para justificar a situação periférica da população negra, mas também a ação do Governo para levar-lhes “infra-estrutura e dignidade”. Percebemos aqui a presença de um discurso de empobrecimento dos quilombolas, tal qual apontado por ALMEIDA (2005), onde aponta que: Os quilombolas não podem ser reduzidos mecanicamente à categoria “pobres” e tratados com os automatismos de linguagem que os classificam como “carentes”, de “baixa renda” ou na “linha de indigência”. Insistir nisso significa uma despolitização absoluta. Afinal, as comunidades remanescentes de quilombos não são o “reinado da necessidade” nem tampouco um conjunto de “miseráveis”, já que os quilombolas se constituíram enquanto sujeitos, dominando essa necessidade e instituindo um “reinado de autonomia e liberdade.” (p. 11) Cabe ressaltar que esse discurso do empobrecimento referido aos quilombolas pode ter um efeito negativo no processo de construção da auto-estima negra, já que a tendência comum é afastar-se das identidades socialmente inferiorizadas. Outro aspecto da representação de quilombo apresentada no documentário se refere à permanência de aspectos da cultura africana nas comunidades, sobretudo sobe a religiosidade, que segundo o documentário, mistura “crença africana com a fé católica”. Compreendemos que essa sentença hierarquiza as influências culturais que agem sobre as comunidades. De um lado a crença africana, sem fundamentação religiosa coerente, e de outro a fé católica, fundamentada em um corpo teológico consistente. Apesar da semelhança, apontada pelo presidente do GT Clóvis Moura, entre os cânticos aos santos e o cânticos dos orixás do candomblé. O documentário insiste em uma abordagem que procura justificar os motivos da mistura entre elementos do catolicismo com elementos da tradição africana, sem aprofundar-se nesses últimos aspectos, mesmo quando os relatos, como o da senhora quilombola
  • 12. do documentário, apontam para a indissociação entre o sagrado e os demais aspectos da vida cotidiana. Cabe ressaltar ainda que o documentário afirma que, “garantir direitos” e “recuperar a identidade desses negros” faz parte dos esforços das universidades, da sociedade civil e de órgãos de Governo, como o GT Clóvis Moura. Nesse sentido o Grupo de Trabalho Clóvis Moura é apresentado como o esforço do Estado em organizara a população negra para que ela sai da situação histórica de exclusão. O documentário silencia sobre toda a mobilização dos movimentos negros e quilombolas para a conquista do direito de titulação de dos territórios de quilombo. Silencia, principalmente, que a situação de exclusão da maioria dessas está diretamente relacionada com o histórico de expropriação de suas terras, muitas vezes conduzidas pelo próprio poder público, como são os casos das comunidades do Paiol de Telha (HARTUNG, 2004, VANDRESEN, 2004), Santa Cruz e Sutil (WALDMAN,1992 e HARTUNG, 2004) entre outras. Em uma política de favorecimento étnico dos imigrantes europeus. Associa-se a esse silenciamento o discurso da mestiçagem e o discurso da ética do trabalho apresentados ao final do documentário, com que a dizer que todos somos iguais – “índios, brancos e mulatos” –, que o Estado está fazendo sua parte (o sol brilha para todo mundo) e que os quilombolas só não saíram de sua situação de exclusão se não se empenharem (só ganha a sombra aquele que corre atrás dela né?)
  • 13. 4) Considerações Finais O documentário Terra Negra, produzido e veiculado a partir de 2006 pela TV Educativa Paraná, vem dando visibilidade à existência de comunidades quilombolas do Paraná, entretanto, sua abordagem parte de uma representação que compreende quilombo apenas como espaço de escravizado fugido, desconsiderando outras formas de territorialização negra que o conceito pode abranger. É uma representação que prima pelo discurso histórico como linha condutora, nesse sentido, fala-se do quilombo no Brasil e não do Brasil desde o 5 quilombo. Assim, destaca-se os aspectos objetivos (exploração e tortura da mão de obra) da dominação do sistema escravista e deixa-se de lado a abordagem da subjetividade quilombola a partir da singularidade de sua cultura. O documentário associa ainda três discursos em sua representação de quilombo: 1. discurso do empobrecimento: os quilombolas são miserabilizados, a eles é necessário uma ação de estado para inseri-los socialmente. Ressaltamos que esse discurso pode ter efeitos negativos no processo de construção da auto- estima negra; 2. discurso da mestiçagem: se procura amenizar as desigualdades étnicas a partir da constatação da diversidade étnica existente nas comunidades quilombolas; 3. discurso da ética do trabalho: o trabalho é apresentado como ação resolutória das desigualdades sociais e étnico-raciais. Uma representação baseada nesses discursos está carregada de um posicionamento político diante da situação étnica brasileira que, sem analisar a singularidade da expropriação dos territórios quilombolas no Paraná, remete, principalmente, aos próprios negros a obrigação de transformar sua condição social. 5 Paráfrase de OLIVEIRA,2007 “Enquanto os estudos raciais dão conta de entender o negro no Brasil, postulo que é preciso fazer mais um ritual de inversão, isto é, compreender o Brasil a partir dos afrodescendentes.” (p. 270)
  • 14. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. O Direito Étnico a Terra. In: Boletim Orçamento & Política Socioambiental. Ano IV, n° 13, junho de 2005. FERNANDES, Ricardo Cid. Comunidade Remanescente de Quilombo João Surá. Relatório Antropológico. Curitiba. INCRA, UFPR, 2007. HARTUNG, Miriam F. A Comunidade do Sutil: história e etnografia. UFRJ:2000. __________. O sangue e o espírito dos antepassados: escravidão, herança e expropriação no grupo negro Invernada Paiol de Telha – PR. Florianópolis: NUER/UFSC, 2004. MATTOS, Hebe Maria & RIOS, Ana Maria Lugão. (org.) Memória do Cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005. O’DWYER, Eliane Cantarino (org.) Terra de Quilombos, Rio de Janeiro, Boletim da Associação Brasileira de Antropológica. 1995 OLIVEIRA, Eduardo David de FILOSOFIA DA ANCESTRALIDADE: Corpo e Mito na Filosofia da Educação Brasileira. Curitiba, Editora Gráfica Popular, 2007. PORTELLA, Alecxandra V. Campina dos Morenos: um quilombo preservado. Edição da autora. s/d. VANDRESEN, Dionísio. Estudo da realidade brasileira a partir dos grandes pensadores, para entender a história da expropriação da terra dos índio, negros e posseiros da Região Centro do Paraná. Monografia de Conclusão do Curso Extensão da Realidade Brasileira da UNOCHAPECÓ, 2004. WALDMANN, Isolde Maria. Fazenda Santa Cruz dos Campos Gerais e a Colonização Russa – 1792 – 1990. Ponta Grossa – Paraná, editora Gráfica Planeta – 1992.