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SÍTIO CONCEIÇÃOZINHA EM GUARUJÁ


                                                  Carlos Eduardo Vicente


                                        Da vida
                       B r e v e h i s t ó r i a c om o p r ó l o g o


    É cedo... cinco e meia. Como eu sei? Sei lá, pelo galo
pessoinha,    sempre    o   primeiro      a   cantar,      e   sempre   no   mesmo
horário, e é claro, também por algo que não sei direito, que é um
negócio que me acorda, não importa o dia, quase sempre antes do
sol nascer.
    É cedo, mas já dá aquela vontade de ir pra beira da “maré”,
procurar “coisas”, quaisquer coisas, desde brinquedos a frutas,
(coco, maçã), peixe grande morto, tatu morto, ou até mesmo algum
bicho esquisito, (outro dia mesmo lembro de um “veado” que
apareceu aqui na maré, cansado de tanto nadar, quem pegou ele
foi o marido da dona Antônia, e todo mundo comeu carne de veado
por quase uma semana). As “coisas” caem de navios e vem parar
aqui na maré, e é a maior alegria encontrar, nem que seja uma
maçã “salobra”, e comer logo cedinho.
    Eu levanto, tomo o café, uns pedaços de mandioca, ou um
angu, peixe com farinha e saio correndo pra maré, passo nos
tambores e já pego umas bananas verdes cozidas (que são as
mesmas que a gente dá aos porcos), aí vou catar as coisas que a
maré traz. Descendo o barranco, eu vou passando pelo mar assim,
a água bem clara a areia bem clara, nós temos um portinho, um
estaleirinho, onde fica nossa canoa, nossa embarcação, e quando
eu desço assim, na maré, aquela água clara, os sirizinhos se
enterrando quando a gente põe o pé na água, e os sirizinhos que
estão   assim   na   beirinha      se    enterram,       os    peixinhos,    aqueles
peixinhos, a gente vai andando, correndo atrás deles assim na



                                                                                   1
beirada da maré, e eles se enterram na areia, eles não correm
direto pro fundo do mar, eles se enterram, e ficam só os olhinhos
deles olhando pra gente. Daí, a gente vendo que não tem nada
interessante, ou que o bom a gente já tinha levado, a gente fica
brincando, pegando um sirizinho, pegando fruta, goiaba, banana,
cana, carambola, e tantas outras, ou então vamos pegar passarinho
até a mãe chamar.
       E   não   tem   jeito,   quando   são   oito,    nove   horas,   mãe    ta
chamando pra catar lenha, pra empilhar lá em cima, pra mãe poder
fazer o almoço, ou pra queimar no fogão à noite. Então eu vou
pegar gravetos, que eu não posso pegar no machado, porque a mãe
não deixa. Depois da lenha, é fazer alguns serviçinhos pra mãe,
varrer o quintal, arrumar uma coisa ou outra, até a hora do
almoço. Ah, que almoço gostoso, aquele vazio no estomago, sempre
o feijãozinho com arroz e mandioca, uma verdura, aqui do quintal
mesmo, frango, peixe, siri, caranguejo, marisco, ou mesmo pitu ou
camarão, que muitas vezes era a gente mesmo que pegava. Cerca
de onze horas, meio dia, depois do almoço, eu sento na áreazinha,
e da área da pra ver pela entrada dos bambuzais, a maré, e nessa
beirada de maré, eu olho o reflexo do sol que bate na água e fica
reluzindo, como se ficasse piscando a água. Então aquilo ali me
enche de vida, me da uma coisa que me faz vibrar, aquilo ali,
quando eu era bem criancinha mesmo, eu imaginava que era uma
quantidade       em    vidas    que   tava   piscando    naquele    mar,      mas
simplesmente eram reflexos do sol bem forte, na água do mar que
reluzia, e eu imaginava que aquilo era um monte de peixe que tinha
ali.
       Essa era a hora também que a mãe vai trabalhar, que ela
trabalha do outro lado, em Santos, na casa da “dona Maria
Velha”, que é a avó do Chiquinho. E a gente tinha que ficar
esperando pra buscar ela quando ela viesse embora, por que ela
não podia levar o barco pro lado de lá senão alguém rouba, que lá
é tudo mato, e isso era todo dia.



                                                                                2
Depois, mais tarde, a gente vai tudo ali pra beira da maré,
pra esperar a mãe, e fica jogando bola na areia da praia, senta
aquele mundo de molecada, era eu, Roberto, Robertino, as meninas
nadando ali na faixa da maré, e a gente fica ligado, porque sabe
que quando ela apontar lá do outro lado e acenar com uma toalha,
ou começar a gritar a gente tem que ir correndo lá buscar ela, mas
moleque é o diabo, passa a hora e esquece, então nós nos
esquecemos ali naquele jogo, e ela sempre apontava do lado de lá,
às quatro horas da tarde, que ela saia três horas da casa da “dona
Maria Velha”, e até cinco horas, era, puxa, se passasse das cinco
horas da tarde, quando a mãe chegasse, ela pegava uma vara e
saia em cima de todo mundo, de lambada, né, e nós ficávamos todo
dia ali, esperando. Mas às vezes tinha outras pessoas que vinham
do lado de lá também, e às vezes nós ficávamos jogando bola ali,
quando olhava do lado de lá, via lá uma coisa, se tava abanando
ou não tava abanando, se estava gritando ou não, pra gente ver,
pra ir lá buscar ela. Se atravessasse o estuário e fosse buscar ela
do lado de lá, ela ficava sempre ali na frente da casa da vó do
Chiquinho, a dona Maria Velha, e às vezes, quando a gente ia
pegar na chata, já ia saindo uma outra chata de lá, aí a gente
falava será que é mãe, ou não é mãe, mas se fosse ela que tava
chegando, tava tudo bem, mas se não fosse ela e a gente chegasse
lá atrasado pra buscar ela, cacete, o pau comia, a vara comia.
Então o que aconteceu foi isso, tava anoitecendo já, e a gente
entretido com o jogo não foi buscar ela, e quando a gente a viu já
tava no meio do estuário, e foi um tal de um correr pra um lado,
outro pra outro, e ficar escondido, mas não adiantou nada, quando
deu já noite, a gente tudo teve que voltar pra casa, por medo do
saci, e de cobra, e outros bichos que gritava, que não dava mais
pra ver nada, e foi um chegando e tomando surra de vara de
aroeira, e era outro chegando e tome vara no lombo, e assim mãe e
pai pegaram todo mundo.
    O que ela ficava mais nervosa era que ela sempre vinha cheia
de coisa, porque ela trazia ainda os alimentos pra gente, trazia o


                                                                  3
pão, trazia o açúcar, trazia o sal, e gente quando moleque, a gente
não ligava pra nada, o negócio era jogar bola e ficar tomando
banho de maré, e muitas vezes a gente esquecia, como hoje, e não
tinha fuga, o “couro comia”.
       Então, com as pernas ardendo, e de banho tomado à gente
ficou no quarto, ouvindo aquela mistura de musica, do radinho à
bateria do pai, e passarinho, era passarinho que não acabava
mais, e bicho, e saci piando, que andava na beira do mangue
pegando quem ficava de noite na maré.
       Á noite, mais tarde, quando o som do rádio já tinha ficado
quieto, e a passarada tinha se acalmado, do meu quarto, que ficava
do lado da saída pro barranco e o bambuzal, dava pra escutar os
sons da noite, então quando eu não dormia cedo, e conseguia ficar
acordado até tarde eu ficava na cama e escutava o barulho da
maré batendo no barranco quando a maré enchia, ou a canoa
batendo lá na água, um pássaro, saracura, ou a coruja cantando no
bambuzal...1




1
  Os fatos narrados neste texto foram coletados em diversas entrevistas com moradores diferentes e
utilizados como sendo parte da vida de um único morador. A alocação dos fatos como ocorridos na vida
de um só morador, um menino, é uma construção literária com base em depoimentos, que apesar de terem
ocorrido com um ou outro morador em momentos distintos, não constituem um fato real e
comprovadamente acontecido. No entanto é muito possível que possam ter ocorrido nessa ordem e
situação citada. Quero aqui deixar claro que esta é uma construção literária fictícia porem, bastante
verossímil. Entendo que a idéia de verossimilhança se encaixa na analise aqui proposta e pode servir
como auxilio no entendimento dos temas que serão abordados. Baseio-me na idéia de narrador expressa
por Walter Benjamin no ensaio homônimo e também nas análises críticas em relação à busca da verdade
científica pela História realizadas por Hayden White em Trópicos do Discurso ao justificar sua idéia de
que a História também é uma ficção literária de seu autor, porém baseada em fontes documentais
deixadas. Como é obviamente impossível reconstruir os fatos exatamente da forma como eles ocorrerram
no passado valho-me da idéia de História verossímil para apresentar um conto de como eles podem ter
ocorrido.


                                                                                                     4
O migrante
                           Da chegada, dificuldades e porquês.2


       “... Mas minha filha, nós levamos uma vida aqui que só Deus,
porque nós viemos de Minas, não conhecia ninguém, o conhecido
que tinha aqui era o irmão do meu marido, que já morava aqui há
tempo,       e     quando        nós      chegamos           aqui      nós      não      tínhamos
conhecimento para arrumar um fiador, e era lá de Santos, porque a
gente só conhecia lá. Aí eu fiquei pensando se nós iríamos ter que
voltar para Minas a pé, porque o que nós íamos fazer, e trouxemos
ainda os três filhos mais velhos e deixamos os mais pequenos lá
com minha mãe para vir aqui arrumar uma moradia, pra depois
irmos até lá e buscar os pequenos [...] ele disse que tinha uma
viúva querendo vender o barraquinho dela por 30 contos de réis
[...] duas semanas depois o seu Jonas veio pra casa da Dona Mira
buscar a chocadeira, e eu e o seu Jonas viemos ver o barraquinho.
Meu marido não quis vir porque ele tinha muito medo de água. Seu
Jonas veio com a chatinha carregada de madeira, quando chegou
mais ou menos perto da margem de cá, a chatinha afundou, encheu
de água, aí, eu fiquei em cima das taboas e o seu Jonas foi
remando, remando até que chegamos na terra. Quando chegamos a
terra, eu fui até aquela casa que vocês viram lá, e o barraquinho
era de fundo de latão, sapé, papelão tapando os buracos pra
proteger da chuva, então eu conversei com ele, e tinha que fazer
outro barraquinho mesmo, porque aquele não dava pra nada. Aí eu
cheguei lá, falei com o meu marido, e o jeito que teve foi nós vir. E
a gente conseguiu carona com um Sr. Chamado Zé Pedreiro, na
chatinha dele, e nós viemos com ele, metemos as caras, derrubamos
aquele      barraquinho,           que     não     tinha     nada      para      aproveitar,         e
trabalhamos vários dias e fizemos uma casinha que pelo menos

2
  Este item somente diz respeito aos moradores mais antigos que vieram de outras regiões, e procura
entender e explicitar os motivos que vão fazer os moradores deixar seus lares e se dirigirem para a
comunidade. Logo, aqueles moradores cuja vinda para a região seja anterior ao inicio do século XX e que
suas famílias já estejam na quarta geração serão considerados pelo presente trabalho como moradores
natos, assim sendo, prescindíveis na analise proposta nesse item.


                                                                                                     5
dava pra agüentar o sol e a chuva, e tinha uma cozinha e um
quarto, só isso que nós fizemos, e fomos lá pra Minas, porque já
estava em tempo de ir buscar os meninos. Fomos lá e trouxemos os
meninos, e aí foi todo mundo trabalhar, que os meninos já estavam
acostumados.          Todo      mundo       ajudou,       meu      filho     mais     velho      era
empregado em Santos e ajudava a gente com coisas que comprava.
E graças a Deus, nesse tempo, tinha aqui um povo muito bom,
minha filha, e hoje em dia não tem mais não, mas quando, naquela
época, dissemos que vínhamos para cá, nós ganhamos tanta coisa,
e foi quando ficou mais fácil pra gente fazer nossa casinha, e eu
estou aqui até hoje. Fui buscar meu pai, minha mãe, já passado
tempo, lá em Teixeira de Freitas, os trouxe pra cá [...] passado um
tempo, minha filha veio pra cá sem casa pra morar, e a casinha,
que já era a segunda que nós tínhamos feito já estava ruinzinha
[...] riqueza nunca teve, nunca teve mar de rosas em canto nenhum.
Em Minas era muito ruim porque a gente trabalhava nas roças e
quando chegava a época das secas, o gado dos patrões quebrava as
cercas e comia as roças todas, e era feijão, e não sobrava nada, é
nunca foi um mar de rosas, e olhando a dificuldade que a gente
teve lá e aqui, aqui é melhor. E só a morte vai me tirar daqui, ou
então se aparecer dono...”.3
       O depoimento acima dá uma idéia clara de como se constituiu
a comunidade, pois de fato, mesmo dentre os moradores mais
antigos a predominância é de migrantes de outras regiões. 4 Outra
observação muito importante é o grau de dificuldades para a
sobrevivência que tinha a maioria dos moradores antes de passar a
habitar a região (esse tipo de dificuldades é uma constante nos
depoimentos), o que nos leva a crer que, desde seu início, a região
serviu como área de fuga para vários moradores que encontravam
dificuldades para moradia em outras localidades.


3
 Dejanira Batista dos Santos, moradora da comunidade a aproximadamente 44 anos.
4
 Entretanto este é um dado que torna ainda mais interessante a formação da comunidade, pois apesar da
grande maioria ser oriunda de estados, e regiões diferentes, todos assimilaram uma identidade cultural
muito própria do caiçara. Seja a questão da pesca, seja a coleta em mangues, seja os tipos de culturas
plantadas, notamos a similaridade do relacionamento de todos com o meio e entre si.


                                                                                                    6
Assim como nas periferias de outros centros urbanos no Brasil
a comunidade sofreu o impacto do que foi chamado Êxodo Rural. A
partir da década de quarenta começou a fluir para a comunidade e
em torno, um fluxo cada vez maior de migrantes de outras regiões
impulsionados       pelas   dificuldades   da   vida   no    campo,    e    pela
possibilidade de emprego e melhores condições de vida.5
       Vamos encontrar os primeiros migrantes (isso até o final da
década de cinqüenta) como oriundos de diversos estados, com
predominância dos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e mais
fortemente do Paraná, além é claro dos próprios moradores da
Baixada Santista que por motivo de fuga dos aluguéis dirigiu-se
para a área.6
       Nas décadas de sessenta, setenta e meados de oitenta serão os
migrantes do êxodo rural que começarão a ocupar a região. Serão
basicamente pessoas do norte e nordeste do Brasil que muitas vezes
interromperão suas trajetórias e se fixarão na comunidade.7
       Até que finalmente, nas últimas ocupações o fato que vai
ocorrer é basicamente a “mudança de bairro”. Moradores de outras
áreas, para fugir do aluguel vão passar a ocupar a área.
“São      pessoas   desempregadas    que   vêm    fugir     do   aluguel,   são
pessoas, principalmente de Vicente de Carvalho, diferentemente de
até a década de 70, que eram pessoas do Nordeste, que fugiam pra
cá, mas era uma mini-ocupação. De 90 pra cá, já é uma ocupação
do próprio município ocasionada principalmente pela falta de
dinheiro, e vão para as áreas de mata.”8


       Apesar do clima de nostalgia e de saudade que permeia grande
parte dos depoimentos a vida nos primeiros tempos era muito
difícil:
        “... aqui não tinha hospital [...] Mas era tudo pra Santa Casa
de Santos, tudo pegava a chatinha e ia embora, é, quando uma

5
  Colocar fonte.
6
  Idem a nota 37.
7
  Idem.
8
  Idem a nota 27.


                                                                               7
mulher ia ganhar neném, pegava a chatinha e ia embora, com
chuva, com vento, com tudo, eu mesma fui uma que foi pra ganhar
uma filha minha, [...] Chuva e vento, me encapotaram toda e eu
com a dor, eu com a dor, a minha cunhada falava pra eu esperar
que a gente já ia chegar, e meu marido acelerava, acelerava até
chegar do outro lado, e quando chegamos do outro lado a água
vinha no joelho, pra cima do joelho e minha cunhada ia na frente
por causa de algum buraco, né? Que a ambulância não vinha ali,
tinha que ir mais pra lá, ai foi quando ela foi indo na frente que
podia ter algum buraco, e aí dava a dor, uma dor horrível, e eu
segurava nele e ficava assim no meio da água, e parava e ia, e
parava e ia, e quase que eu ganho a criança no meio da água...”9
          As dificuldades eram muitas, a falta de hospital ou pronto
socorro          próximo,   de   comércio   local,   (tudo   necessitava   ser
comprado em Santos), representavam um grande obstáculo para a
permanência na comunidade.
          “... água era na casa da minha avó, tinha que pegar do lado
de lá, entendeu? Tinha que atravessar de chata com os baldes pra
trazer água, entendeu nós íamos buscar na INAPE, e quando era no
tempo do Jayme Dayge, a ordem que tinha era não dar água pra
ninguém, entendeu? [...] Aí a gente ia buscar em Santos, tinha uma
mulher que dava água pra gente, mas pra mim era mais fácil
buscar em Santos, porque eu tinha uma chatinha, e ia buscar água
na casa da minha avó...”10
          “Água encanada, a primeira água encanada que veio foi em
74, com o sobrinho do Domingos de Souza, Antônio de Souza Neto,
[...] que colocou um chafariz lá na rua [...] ele era vice-prefeito
nessa época, [...] no regime da Ditadura Militar [...] porque ele
dizia que vinha roubar goiaba aqui na Conceiçãozinha, gostava
muito do sítio, colocou água em amizade com os colonos, [...]
depois nós puxamos essa água pra todo o bairro, nós pusemos
cinco mil metros de canos e colocamos em cada ponta de rua um

9
    Idem a nota 1.
10
     Idem a nota 39.


                                                                            8
chafariz.            [...]    Nós   tínhamos        a    água    de direito,              né?       E    água
legalizada, cobrada pela Sabesp, ela veio em 88. [...] Então a luz a
luz      veio        depois,      aliás,   [...]    em    83    e     aí   foi    o       Maurici         que
colocou.”11
          As necessidades mais básicas eram difíceis de se obter, água
encanada, luz, telefone, tudo isso foi fruto de anos de espera, e
ainda        existem          certas    áreas      da   comunidade         em      que,         devido      à
localização, a água encanada só chega, como dizem os próprios
moradores, “um fiapinho”. Quanto à rede de esgotos, não existe
ainda, em nenhuma rua, bem como também não existem calçamentos
ou pavimentação.
          De acordo com os próprios moradores, grande parte do atraso
na        implementação                desses      benefícios         seria       motivada               pela
irregularidade na questão da propriedade da terra. Ou seja, nenhum
morador          da      comunidade         tinha,       ou    tem,    ainda,         a    propriedade
reconhecida de seu terreno. E isto seria pelo fato de que a área era,
e é, considerada área da União.
          Segundo relatos até o final da década de oitenta as construções
de       alvenaria           na   comunidade        eram       proibidas         devido         á       mesma
alegação de ilegalidade no tocante a propriedade das terras.
          Hoje temos na comunidade, grande quantidade de moradias de
alvenaria, e sendo que já há um processo de verticalização com a
construção de diversos sobrados. Essa quebra da proibição no
tocante a construções de alvenarias iniciou-se no final da década de
oitenta, quando da construção da primeira Igreja de alvenaria na
comunidade, que foi ameaçada de demolição, e gerou uma grande
mobilização no Bairro. Pouco tempo depois novas construções
foram sendo erguidas até que hoje, talvez 20% das construções da
comunidade são de alvenaria.12
          Alguns moradores se referem à espera de horas para se obter
água para seus afazeres domésticos, entretanto havia também em



11
     Idem nota 27.
12
     Idem.


                                                                                                            9
épocas          anteriores,           quando    a   comunidade     ainda   tinha   poucos
moradores outras formas de obtenção de água:
          “... eu ia lavar roupa no poço, o poço era a nascente, a gente
esvaziava, esvaziava, deixava limpinho, né? Aí a água crescia, aí
quando a gente ia a água já tava na metade, e subia, branquinha, a
gente olhava assim limpinha, aquela nascente mesmo...”13
          Com o tempo as nascentes foram sofrendo a influência da
ocupação, aterramento e poluição, e atualmente não existe mais
nenhuma nascente no bairro.
           “aí o povo, coitado, que tinha necessidade, começou a vim
procurar              eles,   [...]    que     queriam   comprar    um     pedacinho   de
terra[...] eles faziam isso, quando o “freguês” chegava, eles
falava “ó, faz o teu barraquinho aqui”, as pessoas pegava, era
tudo mato, tudo aquelas madeiras, e aqueles montes de terra, e no
meio era aquelas poças de água, eu sei que eles arrancavam
aqueles tocos, ajeitava tudo o terreno, quando tava tudo certinho
lá, pra fazer a casa, eles chegava e tirava o “freguês”, “á, aqui
não pode, aqui vai passar uma rua”, dava ao “freguês” outro
lugar, mais distante, quando o “freguês” ia pra outro lugar, eles
já pegava aquele que tava prontinho e vendia, e foi ficando assim,
ficando assim, até que foi um dia o povo deu pra reclamar, [...] aí,
o finado Juvêncio, que morava aqui, foi lá na Capitania, aí ele
chegou lá, contou o caso, aí, veio um oficio pra nós, [...] isso aí já
foi depois que os homens foram tudo lá, aí quando eu fui eles já
mandou uma carta e disse “ó, dona Dejanira, a senhora conhece
esses freguês”, eu falei “conheço”, a senhora leva essas duas
cartas, e dá uma ao Capitão Sinópolis, e dá outra a Tomas, mas a
senhora não dá a ninguém pra entregar a eles, a senhora entregue
a eles, não pra outro, aí eu vim, fui lá no Itapema, descobri eles
lá, entreguei as cartas, aí filho, daí pra cá, Deus ajudou que o
povo deixou de perseguir a gente com história de tirar a gente
daqui, [...] aí a Capitania também veio aqui, falo com nós, que
isso aqui era pra ser da Base (Base aérea de Santos), tinha os
13
     Idem a nota 1.


                                                                                       10
poços, os tanques, ali do ladinho da maré, ali, do ladinho aonde
eles fizeram os estaleiros de pesca, ali tinha uns tanques muito
bonitos, que era da base, diz que era pra ser a Base, mas depois
trocaram o terreno daqui por aquele de lá onde a Base hoje é
habitada, ali, naquele pedaço...”.14
          -A gente não lembra quem era, mas esses caras queriam
expulsar a gente. A única coisa que eu me lembro é que num dia de
domingo de manhã estávamos lá[...], e encostou uma lancha, e o
cara que tava na lancha desceu na areia e perguntou se tinha
gente, se o meu pai estava, minha mãe disse que ele só voltava de
tarde, e ele ficou de voltar e disse que eles eram donos da área
onde estava o sítio. Passado um tempo, num dia de sábado, a gente
tinha se arrumado para ir assistir a missa na Igreja Matriz e
chegou essa mesma lancha azul, meu pai convidou eles pra tomar
um café, daí eu ouvi ele fala pro meu pai: “olha, nós estamos
avisando o senhor pra vocês não mexerem mais nas matas, não
plantar         mais   nada,    que essa     área   é uma       área    particular,   e
futuramente essa área, ninguém poderá mais ficar morando nela”.
Meu pai contestou dizendo que aquela área era do pai dele, que
morava lá desde 1898. Os caras disseram novamente que não era
pra       plantar      mais    nada,   meu   pai    retrucou,    e     ficou   naquela
discussão, e eles foram embora dizendo pro meu pai procurar não
sei quem. Minha mãe ficou com medo, e vieram mais uma vez. Daí
depois eu ouvi meu pai falando pra minha mãe que os caras
estavam a fim de tirar mesmo eles dali.Chegou um dia, nós saímos
para um casamento de uma tia, tia Nica (Emília), voltamos dois
dias depois e tinham dado um tiro no cachorro, na porta de casa.15
          Após a fixação no bairro, a própria permanência era difícil,
pois diversos estratagemas como os acima expostos eram utilizados
por pessoas ou grupos interessados na área.
          O caráter desses estratagemas é diferenciado de acordo com o
morador e a época. Todos têm uma história e alguém, ou algumas

14
     Idem a nota 47.
15
     Idem nota 27.


                                                                                      11
pessoas que tentaram em determinada época tirar proveito da
ingenuidade no tocante à posse da terra. E novamente essa situação
foi propiciada pela complicada questão da área ser ou não da
União, de os moradores terem ou não algum direito sobre ela.
          De acordo com os depoimentos levantados, é notável hoje o
grau de convicção que a maior parte dos antigos moradores tem
com respeito ao fato da terra não ser, legalmente deles:
          “e sei que a gente vai vivendo, e se por acaso aparecer dono
que indenize esses nossos anos de dificuldade, porque nós vivemos
uma vida, a gente não se considera invasor. Nós estamos morando
no sitio.”16
        . “... e eu gostaria se eu pudesse ser o verdadeiro dono daqui,
porque eu gosto muito daqui, e nós estamos aqui, mas não sabemos
o que pode acontecer, porque se fosse uma gleba de terra de um
particular já tinha loteado tudo, mas como é da União, então nós
estamos aguardando o que vai acontecer, agora não é certo a gente
perder nosso dinheiro [...] E na Conceiçãozinha, muita gente foi
avançando, eu não avancei, eu comprei e fiquei, e faz mais de
trinta anos que eu estou vivendo na Conceiçãozinha.”17
        A mesma convicção que os moradores tem no entendimento de
que a terra não é, por direito legal, deles, eles tem em afirmar a
“posse de fato”, devido às dificuldades passadas por eles para se
estabelecer na comunidade.
        A atuação de militância política no Bairro vai influenciar muito
a noção dos moradores de que a posse “de fato” seria deles.
          “... começa com a vinda da Edméia Ladewig (assistente
social), com o pessoal do Projeto Rondon. Ela começa a trabalhar
com os pescadores, para transformar o Sítio Conceiçãozinha numa
agrovila. Daí começam as discussões com a comunidade sobre a
posse da terra, organização da pesca, e essas idéias ajudam na
criação          da    Sociedade   de   Melhoramentos   da   Conceiçãozinha
(SOMECON). Também nessa mesma época, a Edméia tenta formar

16
     Idem a nota 47.
17
     Idem a nota 4.


                                                                         12
junto com os pescadores uma associação de pescadores, para que
pudessem entrar em contato com a sua cultura e que a pesca
fizesse parte da renda familiar. Fundam a União dos pescadores
(UNIPESC), mas que não estava juridicamente legalizada por falta
de instrumentos e por ainda estar em período de Ditadura Militar.
Freqüentemente a Base Aérea estava cadastrando as pessoas do
Sítio, pois se dizia proprietária da área, e iam construir um
aeroporto naquela área. Sendo assim a SOMECON conseguiu ser
legalizada em 79/80, já a UNIPESC só foi legalizada em 1996”.18
          No depoimento acima, é visível a influência de indivíduos
estranhos a comunidade na organização da mesma.(a pessoa citada,
Edméia           Ladewig,    foi     importante   quadro        do   Partido   dos
Trabalhadores na década de oitenta. Faleceu no ano de ________).
          Essa influência vai se fazer sentir na formação da maior
liderança comunitária do bairro, Newton Rafael Gonçalves, que
exerce presença constante em todas as discussões pertinentes a
situação          da   comunidade.    Notamos,    como     no    depoimento    em
questão, a diferença no estilo da fala, mais politizado, e mais
engajado em uma defesa da comunidade e das tradições culturais.
          Ainda hoje a área é uma área em litígio, sem uma definição de
posse ou propriedade favorável aos moradores, que, entretanto,
persistem na disputa, se recusando a sair.




18
     Idem a nota 27


                                                                                13

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  • 1. SÍTIO CONCEIÇÃOZINHA EM GUARUJÁ Carlos Eduardo Vicente Da vida B r e v e h i s t ó r i a c om o p r ó l o g o É cedo... cinco e meia. Como eu sei? Sei lá, pelo galo pessoinha, sempre o primeiro a cantar, e sempre no mesmo horário, e é claro, também por algo que não sei direito, que é um negócio que me acorda, não importa o dia, quase sempre antes do sol nascer. É cedo, mas já dá aquela vontade de ir pra beira da “maré”, procurar “coisas”, quaisquer coisas, desde brinquedos a frutas, (coco, maçã), peixe grande morto, tatu morto, ou até mesmo algum bicho esquisito, (outro dia mesmo lembro de um “veado” que apareceu aqui na maré, cansado de tanto nadar, quem pegou ele foi o marido da dona Antônia, e todo mundo comeu carne de veado por quase uma semana). As “coisas” caem de navios e vem parar aqui na maré, e é a maior alegria encontrar, nem que seja uma maçã “salobra”, e comer logo cedinho. Eu levanto, tomo o café, uns pedaços de mandioca, ou um angu, peixe com farinha e saio correndo pra maré, passo nos tambores e já pego umas bananas verdes cozidas (que são as mesmas que a gente dá aos porcos), aí vou catar as coisas que a maré traz. Descendo o barranco, eu vou passando pelo mar assim, a água bem clara a areia bem clara, nós temos um portinho, um estaleirinho, onde fica nossa canoa, nossa embarcação, e quando eu desço assim, na maré, aquela água clara, os sirizinhos se enterrando quando a gente põe o pé na água, e os sirizinhos que estão assim na beirinha se enterram, os peixinhos, aqueles peixinhos, a gente vai andando, correndo atrás deles assim na 1
  • 2. beirada da maré, e eles se enterram na areia, eles não correm direto pro fundo do mar, eles se enterram, e ficam só os olhinhos deles olhando pra gente. Daí, a gente vendo que não tem nada interessante, ou que o bom a gente já tinha levado, a gente fica brincando, pegando um sirizinho, pegando fruta, goiaba, banana, cana, carambola, e tantas outras, ou então vamos pegar passarinho até a mãe chamar. E não tem jeito, quando são oito, nove horas, mãe ta chamando pra catar lenha, pra empilhar lá em cima, pra mãe poder fazer o almoço, ou pra queimar no fogão à noite. Então eu vou pegar gravetos, que eu não posso pegar no machado, porque a mãe não deixa. Depois da lenha, é fazer alguns serviçinhos pra mãe, varrer o quintal, arrumar uma coisa ou outra, até a hora do almoço. Ah, que almoço gostoso, aquele vazio no estomago, sempre o feijãozinho com arroz e mandioca, uma verdura, aqui do quintal mesmo, frango, peixe, siri, caranguejo, marisco, ou mesmo pitu ou camarão, que muitas vezes era a gente mesmo que pegava. Cerca de onze horas, meio dia, depois do almoço, eu sento na áreazinha, e da área da pra ver pela entrada dos bambuzais, a maré, e nessa beirada de maré, eu olho o reflexo do sol que bate na água e fica reluzindo, como se ficasse piscando a água. Então aquilo ali me enche de vida, me da uma coisa que me faz vibrar, aquilo ali, quando eu era bem criancinha mesmo, eu imaginava que era uma quantidade em vidas que tava piscando naquele mar, mas simplesmente eram reflexos do sol bem forte, na água do mar que reluzia, e eu imaginava que aquilo era um monte de peixe que tinha ali. Essa era a hora também que a mãe vai trabalhar, que ela trabalha do outro lado, em Santos, na casa da “dona Maria Velha”, que é a avó do Chiquinho. E a gente tinha que ficar esperando pra buscar ela quando ela viesse embora, por que ela não podia levar o barco pro lado de lá senão alguém rouba, que lá é tudo mato, e isso era todo dia. 2
  • 3. Depois, mais tarde, a gente vai tudo ali pra beira da maré, pra esperar a mãe, e fica jogando bola na areia da praia, senta aquele mundo de molecada, era eu, Roberto, Robertino, as meninas nadando ali na faixa da maré, e a gente fica ligado, porque sabe que quando ela apontar lá do outro lado e acenar com uma toalha, ou começar a gritar a gente tem que ir correndo lá buscar ela, mas moleque é o diabo, passa a hora e esquece, então nós nos esquecemos ali naquele jogo, e ela sempre apontava do lado de lá, às quatro horas da tarde, que ela saia três horas da casa da “dona Maria Velha”, e até cinco horas, era, puxa, se passasse das cinco horas da tarde, quando a mãe chegasse, ela pegava uma vara e saia em cima de todo mundo, de lambada, né, e nós ficávamos todo dia ali, esperando. Mas às vezes tinha outras pessoas que vinham do lado de lá também, e às vezes nós ficávamos jogando bola ali, quando olhava do lado de lá, via lá uma coisa, se tava abanando ou não tava abanando, se estava gritando ou não, pra gente ver, pra ir lá buscar ela. Se atravessasse o estuário e fosse buscar ela do lado de lá, ela ficava sempre ali na frente da casa da vó do Chiquinho, a dona Maria Velha, e às vezes, quando a gente ia pegar na chata, já ia saindo uma outra chata de lá, aí a gente falava será que é mãe, ou não é mãe, mas se fosse ela que tava chegando, tava tudo bem, mas se não fosse ela e a gente chegasse lá atrasado pra buscar ela, cacete, o pau comia, a vara comia. Então o que aconteceu foi isso, tava anoitecendo já, e a gente entretido com o jogo não foi buscar ela, e quando a gente a viu já tava no meio do estuário, e foi um tal de um correr pra um lado, outro pra outro, e ficar escondido, mas não adiantou nada, quando deu já noite, a gente tudo teve que voltar pra casa, por medo do saci, e de cobra, e outros bichos que gritava, que não dava mais pra ver nada, e foi um chegando e tomando surra de vara de aroeira, e era outro chegando e tome vara no lombo, e assim mãe e pai pegaram todo mundo. O que ela ficava mais nervosa era que ela sempre vinha cheia de coisa, porque ela trazia ainda os alimentos pra gente, trazia o 3
  • 4. pão, trazia o açúcar, trazia o sal, e gente quando moleque, a gente não ligava pra nada, o negócio era jogar bola e ficar tomando banho de maré, e muitas vezes a gente esquecia, como hoje, e não tinha fuga, o “couro comia”. Então, com as pernas ardendo, e de banho tomado à gente ficou no quarto, ouvindo aquela mistura de musica, do radinho à bateria do pai, e passarinho, era passarinho que não acabava mais, e bicho, e saci piando, que andava na beira do mangue pegando quem ficava de noite na maré. Á noite, mais tarde, quando o som do rádio já tinha ficado quieto, e a passarada tinha se acalmado, do meu quarto, que ficava do lado da saída pro barranco e o bambuzal, dava pra escutar os sons da noite, então quando eu não dormia cedo, e conseguia ficar acordado até tarde eu ficava na cama e escutava o barulho da maré batendo no barranco quando a maré enchia, ou a canoa batendo lá na água, um pássaro, saracura, ou a coruja cantando no bambuzal...1 1 Os fatos narrados neste texto foram coletados em diversas entrevistas com moradores diferentes e utilizados como sendo parte da vida de um único morador. A alocação dos fatos como ocorridos na vida de um só morador, um menino, é uma construção literária com base em depoimentos, que apesar de terem ocorrido com um ou outro morador em momentos distintos, não constituem um fato real e comprovadamente acontecido. No entanto é muito possível que possam ter ocorrido nessa ordem e situação citada. Quero aqui deixar claro que esta é uma construção literária fictícia porem, bastante verossímil. Entendo que a idéia de verossimilhança se encaixa na analise aqui proposta e pode servir como auxilio no entendimento dos temas que serão abordados. Baseio-me na idéia de narrador expressa por Walter Benjamin no ensaio homônimo e também nas análises críticas em relação à busca da verdade científica pela História realizadas por Hayden White em Trópicos do Discurso ao justificar sua idéia de que a História também é uma ficção literária de seu autor, porém baseada em fontes documentais deixadas. Como é obviamente impossível reconstruir os fatos exatamente da forma como eles ocorrerram no passado valho-me da idéia de História verossímil para apresentar um conto de como eles podem ter ocorrido. 4
  • 5. O migrante Da chegada, dificuldades e porquês.2 “... Mas minha filha, nós levamos uma vida aqui que só Deus, porque nós viemos de Minas, não conhecia ninguém, o conhecido que tinha aqui era o irmão do meu marido, que já morava aqui há tempo, e quando nós chegamos aqui nós não tínhamos conhecimento para arrumar um fiador, e era lá de Santos, porque a gente só conhecia lá. Aí eu fiquei pensando se nós iríamos ter que voltar para Minas a pé, porque o que nós íamos fazer, e trouxemos ainda os três filhos mais velhos e deixamos os mais pequenos lá com minha mãe para vir aqui arrumar uma moradia, pra depois irmos até lá e buscar os pequenos [...] ele disse que tinha uma viúva querendo vender o barraquinho dela por 30 contos de réis [...] duas semanas depois o seu Jonas veio pra casa da Dona Mira buscar a chocadeira, e eu e o seu Jonas viemos ver o barraquinho. Meu marido não quis vir porque ele tinha muito medo de água. Seu Jonas veio com a chatinha carregada de madeira, quando chegou mais ou menos perto da margem de cá, a chatinha afundou, encheu de água, aí, eu fiquei em cima das taboas e o seu Jonas foi remando, remando até que chegamos na terra. Quando chegamos a terra, eu fui até aquela casa que vocês viram lá, e o barraquinho era de fundo de latão, sapé, papelão tapando os buracos pra proteger da chuva, então eu conversei com ele, e tinha que fazer outro barraquinho mesmo, porque aquele não dava pra nada. Aí eu cheguei lá, falei com o meu marido, e o jeito que teve foi nós vir. E a gente conseguiu carona com um Sr. Chamado Zé Pedreiro, na chatinha dele, e nós viemos com ele, metemos as caras, derrubamos aquele barraquinho, que não tinha nada para aproveitar, e trabalhamos vários dias e fizemos uma casinha que pelo menos 2 Este item somente diz respeito aos moradores mais antigos que vieram de outras regiões, e procura entender e explicitar os motivos que vão fazer os moradores deixar seus lares e se dirigirem para a comunidade. Logo, aqueles moradores cuja vinda para a região seja anterior ao inicio do século XX e que suas famílias já estejam na quarta geração serão considerados pelo presente trabalho como moradores natos, assim sendo, prescindíveis na analise proposta nesse item. 5
  • 6. dava pra agüentar o sol e a chuva, e tinha uma cozinha e um quarto, só isso que nós fizemos, e fomos lá pra Minas, porque já estava em tempo de ir buscar os meninos. Fomos lá e trouxemos os meninos, e aí foi todo mundo trabalhar, que os meninos já estavam acostumados. Todo mundo ajudou, meu filho mais velho era empregado em Santos e ajudava a gente com coisas que comprava. E graças a Deus, nesse tempo, tinha aqui um povo muito bom, minha filha, e hoje em dia não tem mais não, mas quando, naquela época, dissemos que vínhamos para cá, nós ganhamos tanta coisa, e foi quando ficou mais fácil pra gente fazer nossa casinha, e eu estou aqui até hoje. Fui buscar meu pai, minha mãe, já passado tempo, lá em Teixeira de Freitas, os trouxe pra cá [...] passado um tempo, minha filha veio pra cá sem casa pra morar, e a casinha, que já era a segunda que nós tínhamos feito já estava ruinzinha [...] riqueza nunca teve, nunca teve mar de rosas em canto nenhum. Em Minas era muito ruim porque a gente trabalhava nas roças e quando chegava a época das secas, o gado dos patrões quebrava as cercas e comia as roças todas, e era feijão, e não sobrava nada, é nunca foi um mar de rosas, e olhando a dificuldade que a gente teve lá e aqui, aqui é melhor. E só a morte vai me tirar daqui, ou então se aparecer dono...”.3 O depoimento acima dá uma idéia clara de como se constituiu a comunidade, pois de fato, mesmo dentre os moradores mais antigos a predominância é de migrantes de outras regiões. 4 Outra observação muito importante é o grau de dificuldades para a sobrevivência que tinha a maioria dos moradores antes de passar a habitar a região (esse tipo de dificuldades é uma constante nos depoimentos), o que nos leva a crer que, desde seu início, a região serviu como área de fuga para vários moradores que encontravam dificuldades para moradia em outras localidades. 3 Dejanira Batista dos Santos, moradora da comunidade a aproximadamente 44 anos. 4 Entretanto este é um dado que torna ainda mais interessante a formação da comunidade, pois apesar da grande maioria ser oriunda de estados, e regiões diferentes, todos assimilaram uma identidade cultural muito própria do caiçara. Seja a questão da pesca, seja a coleta em mangues, seja os tipos de culturas plantadas, notamos a similaridade do relacionamento de todos com o meio e entre si. 6
  • 7. Assim como nas periferias de outros centros urbanos no Brasil a comunidade sofreu o impacto do que foi chamado Êxodo Rural. A partir da década de quarenta começou a fluir para a comunidade e em torno, um fluxo cada vez maior de migrantes de outras regiões impulsionados pelas dificuldades da vida no campo, e pela possibilidade de emprego e melhores condições de vida.5 Vamos encontrar os primeiros migrantes (isso até o final da década de cinqüenta) como oriundos de diversos estados, com predominância dos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e mais fortemente do Paraná, além é claro dos próprios moradores da Baixada Santista que por motivo de fuga dos aluguéis dirigiu-se para a área.6 Nas décadas de sessenta, setenta e meados de oitenta serão os migrantes do êxodo rural que começarão a ocupar a região. Serão basicamente pessoas do norte e nordeste do Brasil que muitas vezes interromperão suas trajetórias e se fixarão na comunidade.7 Até que finalmente, nas últimas ocupações o fato que vai ocorrer é basicamente a “mudança de bairro”. Moradores de outras áreas, para fugir do aluguel vão passar a ocupar a área. “São pessoas desempregadas que vêm fugir do aluguel, são pessoas, principalmente de Vicente de Carvalho, diferentemente de até a década de 70, que eram pessoas do Nordeste, que fugiam pra cá, mas era uma mini-ocupação. De 90 pra cá, já é uma ocupação do próprio município ocasionada principalmente pela falta de dinheiro, e vão para as áreas de mata.”8 Apesar do clima de nostalgia e de saudade que permeia grande parte dos depoimentos a vida nos primeiros tempos era muito difícil: “... aqui não tinha hospital [...] Mas era tudo pra Santa Casa de Santos, tudo pegava a chatinha e ia embora, é, quando uma 5 Colocar fonte. 6 Idem a nota 37. 7 Idem. 8 Idem a nota 27. 7
  • 8. mulher ia ganhar neném, pegava a chatinha e ia embora, com chuva, com vento, com tudo, eu mesma fui uma que foi pra ganhar uma filha minha, [...] Chuva e vento, me encapotaram toda e eu com a dor, eu com a dor, a minha cunhada falava pra eu esperar que a gente já ia chegar, e meu marido acelerava, acelerava até chegar do outro lado, e quando chegamos do outro lado a água vinha no joelho, pra cima do joelho e minha cunhada ia na frente por causa de algum buraco, né? Que a ambulância não vinha ali, tinha que ir mais pra lá, ai foi quando ela foi indo na frente que podia ter algum buraco, e aí dava a dor, uma dor horrível, e eu segurava nele e ficava assim no meio da água, e parava e ia, e parava e ia, e quase que eu ganho a criança no meio da água...”9 As dificuldades eram muitas, a falta de hospital ou pronto socorro próximo, de comércio local, (tudo necessitava ser comprado em Santos), representavam um grande obstáculo para a permanência na comunidade. “... água era na casa da minha avó, tinha que pegar do lado de lá, entendeu? Tinha que atravessar de chata com os baldes pra trazer água, entendeu nós íamos buscar na INAPE, e quando era no tempo do Jayme Dayge, a ordem que tinha era não dar água pra ninguém, entendeu? [...] Aí a gente ia buscar em Santos, tinha uma mulher que dava água pra gente, mas pra mim era mais fácil buscar em Santos, porque eu tinha uma chatinha, e ia buscar água na casa da minha avó...”10 “Água encanada, a primeira água encanada que veio foi em 74, com o sobrinho do Domingos de Souza, Antônio de Souza Neto, [...] que colocou um chafariz lá na rua [...] ele era vice-prefeito nessa época, [...] no regime da Ditadura Militar [...] porque ele dizia que vinha roubar goiaba aqui na Conceiçãozinha, gostava muito do sítio, colocou água em amizade com os colonos, [...] depois nós puxamos essa água pra todo o bairro, nós pusemos cinco mil metros de canos e colocamos em cada ponta de rua um 9 Idem a nota 1. 10 Idem a nota 39. 8
  • 9. chafariz. [...] Nós tínhamos a água de direito, né? E água legalizada, cobrada pela Sabesp, ela veio em 88. [...] Então a luz a luz veio depois, aliás, [...] em 83 e aí foi o Maurici que colocou.”11 As necessidades mais básicas eram difíceis de se obter, água encanada, luz, telefone, tudo isso foi fruto de anos de espera, e ainda existem certas áreas da comunidade em que, devido à localização, a água encanada só chega, como dizem os próprios moradores, “um fiapinho”. Quanto à rede de esgotos, não existe ainda, em nenhuma rua, bem como também não existem calçamentos ou pavimentação. De acordo com os próprios moradores, grande parte do atraso na implementação desses benefícios seria motivada pela irregularidade na questão da propriedade da terra. Ou seja, nenhum morador da comunidade tinha, ou tem, ainda, a propriedade reconhecida de seu terreno. E isto seria pelo fato de que a área era, e é, considerada área da União. Segundo relatos até o final da década de oitenta as construções de alvenaria na comunidade eram proibidas devido á mesma alegação de ilegalidade no tocante a propriedade das terras. Hoje temos na comunidade, grande quantidade de moradias de alvenaria, e sendo que já há um processo de verticalização com a construção de diversos sobrados. Essa quebra da proibição no tocante a construções de alvenarias iniciou-se no final da década de oitenta, quando da construção da primeira Igreja de alvenaria na comunidade, que foi ameaçada de demolição, e gerou uma grande mobilização no Bairro. Pouco tempo depois novas construções foram sendo erguidas até que hoje, talvez 20% das construções da comunidade são de alvenaria.12 Alguns moradores se referem à espera de horas para se obter água para seus afazeres domésticos, entretanto havia também em 11 Idem nota 27. 12 Idem. 9
  • 10. épocas anteriores, quando a comunidade ainda tinha poucos moradores outras formas de obtenção de água: “... eu ia lavar roupa no poço, o poço era a nascente, a gente esvaziava, esvaziava, deixava limpinho, né? Aí a água crescia, aí quando a gente ia a água já tava na metade, e subia, branquinha, a gente olhava assim limpinha, aquela nascente mesmo...”13 Com o tempo as nascentes foram sofrendo a influência da ocupação, aterramento e poluição, e atualmente não existe mais nenhuma nascente no bairro. “aí o povo, coitado, que tinha necessidade, começou a vim procurar eles, [...] que queriam comprar um pedacinho de terra[...] eles faziam isso, quando o “freguês” chegava, eles falava “ó, faz o teu barraquinho aqui”, as pessoas pegava, era tudo mato, tudo aquelas madeiras, e aqueles montes de terra, e no meio era aquelas poças de água, eu sei que eles arrancavam aqueles tocos, ajeitava tudo o terreno, quando tava tudo certinho lá, pra fazer a casa, eles chegava e tirava o “freguês”, “á, aqui não pode, aqui vai passar uma rua”, dava ao “freguês” outro lugar, mais distante, quando o “freguês” ia pra outro lugar, eles já pegava aquele que tava prontinho e vendia, e foi ficando assim, ficando assim, até que foi um dia o povo deu pra reclamar, [...] aí, o finado Juvêncio, que morava aqui, foi lá na Capitania, aí ele chegou lá, contou o caso, aí, veio um oficio pra nós, [...] isso aí já foi depois que os homens foram tudo lá, aí quando eu fui eles já mandou uma carta e disse “ó, dona Dejanira, a senhora conhece esses freguês”, eu falei “conheço”, a senhora leva essas duas cartas, e dá uma ao Capitão Sinópolis, e dá outra a Tomas, mas a senhora não dá a ninguém pra entregar a eles, a senhora entregue a eles, não pra outro, aí eu vim, fui lá no Itapema, descobri eles lá, entreguei as cartas, aí filho, daí pra cá, Deus ajudou que o povo deixou de perseguir a gente com história de tirar a gente daqui, [...] aí a Capitania também veio aqui, falo com nós, que isso aqui era pra ser da Base (Base aérea de Santos), tinha os 13 Idem a nota 1. 10
  • 11. poços, os tanques, ali do ladinho da maré, ali, do ladinho aonde eles fizeram os estaleiros de pesca, ali tinha uns tanques muito bonitos, que era da base, diz que era pra ser a Base, mas depois trocaram o terreno daqui por aquele de lá onde a Base hoje é habitada, ali, naquele pedaço...”.14 -A gente não lembra quem era, mas esses caras queriam expulsar a gente. A única coisa que eu me lembro é que num dia de domingo de manhã estávamos lá[...], e encostou uma lancha, e o cara que tava na lancha desceu na areia e perguntou se tinha gente, se o meu pai estava, minha mãe disse que ele só voltava de tarde, e ele ficou de voltar e disse que eles eram donos da área onde estava o sítio. Passado um tempo, num dia de sábado, a gente tinha se arrumado para ir assistir a missa na Igreja Matriz e chegou essa mesma lancha azul, meu pai convidou eles pra tomar um café, daí eu ouvi ele fala pro meu pai: “olha, nós estamos avisando o senhor pra vocês não mexerem mais nas matas, não plantar mais nada, que essa área é uma área particular, e futuramente essa área, ninguém poderá mais ficar morando nela”. Meu pai contestou dizendo que aquela área era do pai dele, que morava lá desde 1898. Os caras disseram novamente que não era pra plantar mais nada, meu pai retrucou, e ficou naquela discussão, e eles foram embora dizendo pro meu pai procurar não sei quem. Minha mãe ficou com medo, e vieram mais uma vez. Daí depois eu ouvi meu pai falando pra minha mãe que os caras estavam a fim de tirar mesmo eles dali.Chegou um dia, nós saímos para um casamento de uma tia, tia Nica (Emília), voltamos dois dias depois e tinham dado um tiro no cachorro, na porta de casa.15 Após a fixação no bairro, a própria permanência era difícil, pois diversos estratagemas como os acima expostos eram utilizados por pessoas ou grupos interessados na área. O caráter desses estratagemas é diferenciado de acordo com o morador e a época. Todos têm uma história e alguém, ou algumas 14 Idem a nota 47. 15 Idem nota 27. 11
  • 12. pessoas que tentaram em determinada época tirar proveito da ingenuidade no tocante à posse da terra. E novamente essa situação foi propiciada pela complicada questão da área ser ou não da União, de os moradores terem ou não algum direito sobre ela. De acordo com os depoimentos levantados, é notável hoje o grau de convicção que a maior parte dos antigos moradores tem com respeito ao fato da terra não ser, legalmente deles: “e sei que a gente vai vivendo, e se por acaso aparecer dono que indenize esses nossos anos de dificuldade, porque nós vivemos uma vida, a gente não se considera invasor. Nós estamos morando no sitio.”16 . “... e eu gostaria se eu pudesse ser o verdadeiro dono daqui, porque eu gosto muito daqui, e nós estamos aqui, mas não sabemos o que pode acontecer, porque se fosse uma gleba de terra de um particular já tinha loteado tudo, mas como é da União, então nós estamos aguardando o que vai acontecer, agora não é certo a gente perder nosso dinheiro [...] E na Conceiçãozinha, muita gente foi avançando, eu não avancei, eu comprei e fiquei, e faz mais de trinta anos que eu estou vivendo na Conceiçãozinha.”17 A mesma convicção que os moradores tem no entendimento de que a terra não é, por direito legal, deles, eles tem em afirmar a “posse de fato”, devido às dificuldades passadas por eles para se estabelecer na comunidade. A atuação de militância política no Bairro vai influenciar muito a noção dos moradores de que a posse “de fato” seria deles. “... começa com a vinda da Edméia Ladewig (assistente social), com o pessoal do Projeto Rondon. Ela começa a trabalhar com os pescadores, para transformar o Sítio Conceiçãozinha numa agrovila. Daí começam as discussões com a comunidade sobre a posse da terra, organização da pesca, e essas idéias ajudam na criação da Sociedade de Melhoramentos da Conceiçãozinha (SOMECON). Também nessa mesma época, a Edméia tenta formar 16 Idem a nota 47. 17 Idem a nota 4. 12
  • 13. junto com os pescadores uma associação de pescadores, para que pudessem entrar em contato com a sua cultura e que a pesca fizesse parte da renda familiar. Fundam a União dos pescadores (UNIPESC), mas que não estava juridicamente legalizada por falta de instrumentos e por ainda estar em período de Ditadura Militar. Freqüentemente a Base Aérea estava cadastrando as pessoas do Sítio, pois se dizia proprietária da área, e iam construir um aeroporto naquela área. Sendo assim a SOMECON conseguiu ser legalizada em 79/80, já a UNIPESC só foi legalizada em 1996”.18 No depoimento acima, é visível a influência de indivíduos estranhos a comunidade na organização da mesma.(a pessoa citada, Edméia Ladewig, foi importante quadro do Partido dos Trabalhadores na década de oitenta. Faleceu no ano de ________). Essa influência vai se fazer sentir na formação da maior liderança comunitária do bairro, Newton Rafael Gonçalves, que exerce presença constante em todas as discussões pertinentes a situação da comunidade. Notamos, como no depoimento em questão, a diferença no estilo da fala, mais politizado, e mais engajado em uma defesa da comunidade e das tradições culturais. Ainda hoje a área é uma área em litígio, sem uma definição de posse ou propriedade favorável aos moradores, que, entretanto, persistem na disputa, se recusando a sair. 18 Idem a nota 27 13