Este documento discute como a identidade individual e social são formadas e como as marcas refletem essas identidades. Explica que cada pessoa tem uma identidade única baseada em suas experiências e características. As pessoas também desenvolvem uma identidade social ao se identificarem com grupos com propósitos e causas comuns. Grandes marcas refletem essas identidades coletivas e nos ajudam a expressar quem somos através de símbolos e significados compartilhados.
César Queiroz | As pessoas e sua identidade, as marcas e seus criadores
1. AS PESSOAS E SUA IDENTIDADE,
AS MARCAS E SEUS CRIADORES.
Cesar Queiroz
Sócio e Estrategista da 2DA
“‘‘Na vida as pequenas coisas com significado valem infinitamente mais do
que as grandes sem sentido algum’’
” Carl Gustav Jung
Somos únicos. É o que me vem à mente ao ler Schumacher1 expressar sobre
nossa distinta capacidade: a autoconsciência. No universo dessa unicidade
é muito intrigante cada pessoa com sua história singular, seu próprio
caminho, suas experiências, emoções, seu legado. Cada um no íntimo com
seus sonhos, visões, desejos. No fundo motivações e valores que inspiram,
direcionam, dão forma. Cada um do seu jeito de ser. Cada um com seu jeito
de pensar e de sentir, visivelmente mostrando manias, preferências e no
mais profundo, aspirações.
É curiosa essa combinação e configuração de elementos que formam a
identidade do indivíduo. Combinação e configuração única, proprietária
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de cada ser. Identidade acessada a partir de sinais expressos - ora
implícitos, ora explícitos - nas formas de discursos, de comportamentos
e de um olhar interpretativo.
Esse emaranhado de características individuais se une e se organiza, indo
além do indivíduo, criando no coletivo pertencimento e principalmente senso
de propósito. Entra em cena a identidade social, grupos de pessoas unidas
por alguma razão. A razão para alguns é salvar o mundo. Para outros, a
busca da liberdade. Há aqueles que buscam a valorização de uma minoria.
E por que não lembrar daqueles que procuram a elevação do bom gosto?
Surgem as perguntas: quem somos nós? O que nos define como grupo?
‘‘Entendemos a identidade social como a parte do autoconceito do indivíduo
que deriva do seu conhecimento de pertencimento a um grupo (ou grupos)
junto com o significado emocional atrelado a esse pertencimento’’.” diz Tajfel2,
psicólogo social britânico. As pessoas se identificam e se unem como forma
de maximizar distinções; querem sentir e mostrar determinada singularidade.
1
SCHUMACHER, E. F. (1978). A Guide for the Perplexed.
2
TAJFEL, H. (1974). Social identity and intergroup behaviour. Social Science Information, 13, 65-93.
2. Assim o pertencimento a grupos não só expressa quem são, como também
confere autoestima, fazendo cada um sentir-se bem consigo mesmo.
Os grupos giram assim em torno de uma ideia, uma causa, essa centrada
no core da identidade coletiva. Não é surpresa que ideias transformam o
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mundo. Seja para melhor ou pior. Basta lembrarmos de ‘‘Hail Hitler’’!;
‘‘I have a dream’’; ‘‘Save the planet’’; ‘‘I want you’’”; ‘‘Peace and love’’; ‘‘Just do it’’.
Figura 1: Hail Hitler Figura 2: Save the planet
02
Figura 3: I have a dream Figura 4: I want you
Figura 5: Peace and love Figura 6: Just do it
3. Essas ideias levantam a questão sobre qual a relação das marcas3
com os grupos. Não seriam elas importantes e até necessárias? Nas
palavras de Olins4 ‘‘o processo de formação das marcas é um processo
principalmente sobre envolvimento e associação; a demonstração visível
e externa de afiliação pessoal.’’ As marcas nos ajudam a expressar quem
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somos. Elas funcionam como atalhos, são como abreviações mergulhadas
em uma banheira de significados. As admiramos e defendemos porque
elas, sem muito esforço, comunicam sobre nós. Facilmente expõem e,
muitas vezes, escancaram distinções e peculiaridades.
Não foi à toa que sua origem comercial se estendeu para os esportes,
política, movimentos sociais, arte, terceiro setor, educação, moda,
regiões e até nações. Concordando com Olins, o impacto das marcas
é imensurável social e culturalmente, chegando a ser o presente mais
significativo dado à cultura popular pelo comércio. Basta ver as pessoas
nas ruas de todo o mundo vestidas dos pés à cabeça com nomes e
símbolos de refrigerantes, universidades, figuras políticas times de
futebol, museus, ongs, regiões, países.
03 Figura 7: Camiseta Obama.
Figura 8: Camiseta Coca-Cola.
Figura 10: Camiseta Seleção brasileira.
Figura 9: Camiseta Herald Tribune.
Foto por: Ken Tsang - Flickr
3
Marcas aqui é visto como a representação da identidade, idéia core de um grupo.
A representação pode se dar por meio do comportamento, músicas, imagens, estilo.
4
OLINS, Wally (2003). Olins on Brand.
4. O mais intrigante dessa coletividade é sua relação com o processo de
geração das marcas. Jung5 ajuda muito a entender essa relação ao definir
o que ele chama de inconsciente coletivo:
‘‘Em complemento à consciência, que é solidamente de natureza pessoal
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e que acreditamos ser a única psique empírica (...) existe um sistema
psíquico secundário de natureza impessoal, universal, coletivo que
é idêntico em todos os indivíduos. Esse inconsciente coletivo não se
desenvolve individualmente mas é herdado. Ele consiste de formas
preexistentes, os arquétipos, que podem apenas se tornar consciente
secundariamente e que dão forma definida a certos conteúdos psíquicos.’’6”
Mundo Exterior
Inconsciente
Pessoal
Inconsciente Coletivo
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Figura 11: Representação do Inconsciente Coletivo
Enquanto o conteúdo do inconsciente individual consiste principalmente
de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é composto pelos
arquétipos. Eles são formas definidas presentes na psique, que
influenciam, invisivelmente, o coletivo. Na Grécia, por exemplo, os
arquétipos foram chaves na construção dos mitos.
Apesar de tomarem inúmeras formas, existem algumas imagens
arquetípicas recorrentes como a da mãe, do pai, do herói, do sábio, do
mentor. É vasta sua influência, não restrita à Grécia nem ao tempo.
Fortemente direcionam respostas emocionais e de comportamento de
grupos, evocando profundos sentimentos nas pessoas. Sua onipresença é
tanta que torna nítida sua influência, por exemplo, na arte.
5
JUNG, C. G. (1981). The Archetypes and The Collective Unconscious (Collected Works of C.G.
Jung Vol.9)
6
O conceito de arquétipo não é novo, como aponta Jung (1981, pág 43) a pesquisa mitológica
o chama de ‘‘motifs’’, Levy-Bruhl ao estudar a psicologia dos primitivos o chama de
‘‘representations collectives’’, no campo de religião comparativa Hubert e Mauss o chama de
‘‘categorias da imaginação’’ e Adolf Bastian o chamava de ‘‘pensamentos primordiais.’’
5. Por que semelhantes estórias aparecem em todo o mundo? É o que
pergunta Booker7 questionando-se, por exemplo, sobre estórias como a
da Cinderela ser encontrada na Europa, da Sérvia à Escócia. Da Rússia à
Espanha. Mas a mesma estória ser encontrada na China como também
na África? Aí, complica. Como aponta o autor:
As pessoas e sua identidade, as marcas e seus criadores.
‘‘Sem de forma alguma querer diminuir a genialidade dos grandes
contadores de estórias, se existe uma coisa que vemos emergir nas
últimas cem páginas é a extensão que as estórias contadas até pelos
maiores deles não são suas próprias. Suas habilidades se encontram
no poder que têm de criar novas roupagens para vestir um tema que é
latente, tácito, não apenas em suas mentes como naquelas do público’’.8”
Pensar que a estória de Hamlet, Lolita, Don Quixote e inúmeros outros
não é do próprio autor (na sequência, Shakespeare, Vladimir Nabokov,
Miguel de Cervantes) é quase que absurda e chocante. No entanto a
habilidade desses autores se encontra na sensibilidade em captar e
expressar criativamente uma história, uma ideia gerada a partir de uma
estrutura latente, tácita, herdada e localizada no inconsciente coletivo, de
todos, do criador como dos leitores.
No mais profundo, a essência das mensagens que os autores comunicam
é sempre a mesma. A chave então para o entendimento das estórias está
em enxergar como elas estão enraizadas em um nível inconsciente que é
coletivo a toda a humanidade.
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Figura 13: Hamlet (Shakespeare). Figura 14: Lolita (Vladimir Nabokov). Figura 12: Don Quixote
(Miguel de Cervantes).
7
BOOKER, Christopher (2004). The seven basic plots. Why we tell stories.
8
Idem 6
6. E o que a marca tem com isso?
Como as grandes estórias, as marcas não são criadas do nada. São criadas
a partir do que existe. E o que existe são pessoas, grupos, identidades,
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arquétipos. Fazendo o paralelo com os artistas, não são os empreendedores,
homens de negócio, políticos, ativistas, visionários, esportistas quem criam
as grandes marcas. Eles são, no entanto, como artistas sensíveis e criativos,
dão cor e forma a uma estrutura que existe, que é herdada e compartilhada
entre as pessoas.
Nessa perspectiva os criadores são pessoas comuns como eu e você. Não
é apenas o que são mas o que representam que as tornam poderosas.
Nós as criamos em grupos e as usamos para representar quem somos.
Muitas falham porque nada significam, não estão preparadas para o fim que
consciente ou inconscientemente buscamos. As que surgem como ícone,
como símbolo de uma ideia, essas sim, são dignas porque representam o
que existe, e o que existe são pessoas, pessoas de carne e osso, reais, em
busca de significado.
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