1. 1
PREAL
Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe
Partnership for Educational Revitalization in the Americas
Nº 25
Formação de Formadores:
Estado da Prática.
Denise Vaillant (a)
Outubro de 2003
Revisão Técnica: Helena Bomeny e Raquel B. Emerique
Tradução de Paulo M. Garchet, paulo@garchet.com
(a) A autora é Doutora em Educação pela Universidade de Québec, Montreal, Canadá; atualmente
ocupa um cargo na Administración Nacional de Educación Pública de Uruguay, é professora
universitária, consultora de vários organismos internacionais e autora de numerosas publicações
sobre o tema de formação docente, mudança planejada em educação e inovação educativa. As
opiniões expressas neste trabalho são de responsabilidade da autora e não comprometem, nem o
PREAL, nem as instituições que o patrocinam.
2. 2
O apoio para este projeto foi dado pelo Diálogo Interamericano através do Programa para
Reforma Educacional na América Latina e Caribe. O PREAL é co-dirigido pelo Diálogo
Interamericano em Washington, D.C. e pela Corporação Para Desenvolvimento de Pesquisa
- CINDE, Santiago de Chile. É financiado pela Agência dos Estados Unidos Para
Desenvolvimento Econômico (USAID - U.S. Agency for Internacional Development), pelo
Centro Internacional de Desenvolvimento de Pesquisas do Canadá (IDRC - International
Development Research Centre), pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
pelo Fundo GE (GE Fund) e outros doadores.
3. 3
Documentos editados pelo PREAL Brasil:
Série PREAL DOCUMENTOS:
- 01: Educação Pré-Escolar na América Latina: o atual “Estado da Prática”. Robert G.
Myers.
- 02: Reforma da Educação Vocacional e Técnica na América Latina. David N. Wilson.
- 03: A última Palavra em Padrões Nacionais para Educação. Diane Ravitch.
- 04: Salas de Aulas Eficazes, Escolas Eficazes: Uma Base de Pesquisa Para Reforma da
Educação na América Latina. Robert E. Slavin.
- 05: As Atuais Reformas Educativas na América Latina: Quatro Atores, Três Lógicas e
Oito Tensões. Cecilia Braslavsky e Gustavo Cosse.
- 06: Ensino e Aprendizagem: em Busca de Novos Caminhos. Glória Calvo.
- 07: Educação na América Latina: Problemas e Desafios. Jeffrey M. Puryear.
- 08: A Reforma da Educação Chilena: Contexto, Conteúdos, Implantação. Cristian Cox.
- 09: Descentralização Educacional: Questões e Desafios. E. Mark Hanson.
- 10: América Latina e o Desafio do Terceiro Milênio: Educação de Melhor Qualidade
Com Menores Custos. Inés Aguerrondo.
- 11: Avaliações Educacionais na América Latina: Estágio Atual e Desafios Futuros.
Laurence Wolff.
- 12: Um estudo sobre os princípios e a prática dos vales-educação. Edwin G. West.
- 13: Desenvolvimento de Índices Financeiros da Educação Internacionalmente
Comparáveis: A Experiência da OECDNT e Suas Implicações Para o Mercosul. Stephen
M. Barro.
- 14: Aspectos Políticos das Implantações de Reformas Educativas. Javier Corrales.
- 15: Reformas Educativas na América Latina. Balanço de Uma Década. Marcela
Gajardo.
- 16: Educação: Cenários de Futuro. Novas Tecnologias e Sociedade da Informação.
José Joaquim Brunner.
- 17: Os Efeitos da Descentralização do Sistema Educacional Sobre a Qualidade da
Educação na América Latina. Donald R. Winkler e Alec Ian Gershberg.
- 18: As Escolas Aceleradas: Uma Década de Evolução. Henry M. Levin.
- 19: Sindicalismo Docente e Reforma Educativa na América Latina na Década de 1990.
Guillermina Tiramonti.
- 20: Os Próximos Passos: Como Avançar na Avaliação de Aprendizagens na América
Latina? Pedro Ravela (ed.), Richard Wolfe, Gilbert Valverde e Juan Manuel Esquivel
- 21: Autonomia Escolar na Nicaragua: Restabelecendo o Contrato Social. Gustavo
Arcia e Humberto Belli
- 22: Como os Sistemas Nacionais de Avaliação Educativa da América Latina
Apresentam Seus Resultados? Pedro Ravela.
- 23: Carreiras, Incentivos e Estruturas Salariais Docentes. Alejandro Morduchowicz.
- 24: A educação primária na América Latina: a agenda inconclusa. Laurence Wolff,
Ernesto Schiefelbein & Paulina Schiefelbein.
- 25: Formação de Formadores: Estado da Prática. Denise Vaillant.
4. 4
Série PREAL DEBATES
- 01: A Educação Para o Século XXI: o Desafio da Qualidade e da Eqüidade. Maria
Helena Guimarães de Castro.
- 02: As Diretrizes Curriculares Nacionais Para o Ensino Médio. Guiomar Namo de
Mello.
- 03: Obstáculos à Reforma Educacional no Brasil. David N. Plank, José Amaral
Sobrinho e Antônio Carlos da Ressurreição Xavier.
- 04: A Nova Lógica das Lideranças Empresariais Sobre a Educação no Brasil. Maria
Teresa Cavalcanti de Oliveira.
- 05: Contexto Socioeconômico e Descentralização Financeira no Ensino Fundamental
em Minas Gerais. Laura da Veiga, Bruno Lazzrotti Diniz Costa e Fátima Beatriz C.
Teixeira P. Fortes.
- 06: Desempenho Escolar e Desigualdades Sociais: Resultados Preliminares de
Pesquisa. Maria Ligia de Oliveira Barbosa.
- 07: O Desenvolvimento da Ação Sindical do Ensino Privado Brasileiro. Marcos
Marques de Oliveira.
- 08: Financiamento da Educação na América Latina: Lições da Experiência. Alberto de
Mello e Souza.
- 09: Recursos Públicos em Educação. Nicholas Davies.
- 10: O Direito de Aprender. Rudá Ricci.
- 11: Seleção e Partilha: Desigualdades Sociais, Mérito e Excelência na Universidade.
Glaucia V. Bôas
- Preal Debates Especial: Capital Social e Cultura: As Chaves Esquecidas do
Desenvolvimento. Bernardo Kliksberg
Peça seu exemplar:
PREAL Brasil. CPDOC – Fundação Getulio Vargas.
Praia de Botafogo, 190 sala 1410
CEP 22253-900 – Rio de Janeiro - RJ
Telefones: 2559-5678. FAX: 2551-2649
E-mail: bomeny@fgv.br
pronko@fgv.br
Home page: www.cpdoc.fgv.br
5. 5
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO/ 6
2. A FORMAÇÃO DE FORMADORES: ESTADO DA ARTE / 7
2.1 Os estudos sobre políticas de formação docente/ 8
2.2 Contribuições teóricas e metodológicas/ 11
2.3 Trabalhos sobre perfil e competências/ 13
2.4 Estudos de Caso/ 15
2.4.1 O caso do Chile: formação através de atualização e estudos de pós-graduação/ 15
2.4.2 O caso do Uruguai: formação através de programas de atualização/ 19
3. INSTITUIÇÕES E FORMADORES: DEFINIÇÃO DE UMA TIPOLOGIA/ 22
3.1 Formadores: a quais profissionais nos referimos?/ 22
3.2 O formador na formação inicial de docentes/ 23
3.3 Os formadores e as práticas de ensino/ 26
4 QUAL FORMAÇÃO DAR AOS FORMADORES?/ 28
4.1 Formação pedagógica/ 28
4.2 Formação nos conteúdos disciplinares/ 29
4.3 Conhecimento didático do conteúdo a ser ensinado/ 30
4.4 Conhecimento do contexto/ 30
4.5 A título de síntese: competências e capacidades do formador / 31
5. MULTIPLICIDADE E DIVERSIDADE DE ESTRATÉGIAS/ 34
5.1 Estratégias para iniciação dos formadores em sua tarefa/ 35
5.2 Estratégias durante o desempenho profissional dos formadores/ 36
6. POR UMA DEFINIÇÃO DE POLÍTICAS EDUCATIVAS DESTINADAS AOS
FORMADORES DE DOCENTES/ 36
7. BIBLIOGRAFIA/ 40
ANEXO 1: / 47
A situação dos docentes na América Latina
ANEXO 2:/ 48
Nível de estudos dos professores em alguns países da América Latina
ANEXO 3: / 50
Modalidades e requisitos da Formação de Docentes, por país, na América Latina
ANEXO 4: / 57
Proposta de algumas normas para a formação de formadores
6. 6
1. INTRODUÇÃO Fundado em três premissas inter -
relacionadas, Villegas-Reimers 2 afirma
O desempenho dos mestres e que existe hoje um renovado interesse na
professores depende de um conjunto de formação de formadores na região:
fatores entre os quais estão os incentivos,
os recursos, a carreira docente e os • a qualidade do sistema educativo de
formadores. Um bom corpo docente um país depende, em grande parte, de
requer bons mestres que, por sua vez, seus docentes;
precisam de boa formação, boa gestão e • a correlação entre a preparação
boa remuneração. profissional dos docentes e suas
Na América Latina, apesar disto, é práticas em sala;
comum encontrarem-se docentes mal • as práticas docentes e seu efeito
preparados, mal administrados e mal relevante sobre o desempenho
remunerados, sendo muito difícil esperar acadêmico e o aprendizado dos
que façam um bom trabalho. A formação estudantes.
docente e a formação de formadores
encontram-se em um estado deficitário O estudo que realizamos aprofunda o
que se evidencia nos documentos escritos papel do formador como figura chave no
sobre o tema e em vários estudos desempenho profissional dos docentes e
empíricos onde se assinala que os compreende quatro capítulos:
docentes têm consciência de sua
preparação insuficiente. Em um estudo • descrição dos estudos mais recentes
sobre o estado da arte realizado há poucos sobre as políticas e estratégias
anos, Messina 1 afirma que um ponto adotadas pelos países da América
escassamente explorado no campo da Latina e do Caribe em matéria de
pesquisa sobre formação docente é o formação de formadores. A análise
conhecimento pedagógico dos próprios remete aos documentos publicados a
formadores. Tal carência caminha de partir da década de 1990 e delimita a
mãos dadas com a ausência de políticas pesquisa através de áreas temáticas.
sobre formação de formadores e com a Primeiro, analisam-se as informações
própria tendência destes a entender o existentes sobre as políticas de
problema da formação com “algo” formação docente e de formadores.
externo a si mesmos e referentes às Em segundo lugar, sintetizam-se as
“condutas de entrada” dos estudantes atuais publicações que tragam
candidatos a professor, às condições contribuições teóricas e
institucionais, às deficiências do currículo metodológicas que fundamentem a
do curso de formação e à falta de formação de for madores. Em
recursos. seguida, identificam-se os trabalhos
sobre perfil e competência dos
formadores. Por último, são
apresentados estudos de caso sobre a
atualização dos formadores que
1
Messina, Graciela (1999): “Investigación en o
2
investigación acerca de la formación docente: un • Villegas -Reimers, Eleonora (1998): The
estado del arte en los noventa.” preparation of teachers in Latin America. The
Revista Iberoamericana de Educación. Número World Bank, Human Development Department.
19. Formación Docente.
7. 7
ensinem no nível da formação inicial Ministérios da Educação e organizações
dos docentes; governamentais e não governamentais.
Para analisar a situação da
• análise dos problemas e desafios que América Latina (Seção 2), foram
a formação de formadores coloca levantados os estudos (livros, artigos,
diante da América Latina e monografias, etc.) realizados durante a
identificação de diversas instituições década de 1990 até o presente. Este
que se ocupam da formação de levantamento permitiu-nos identificar os
mestres e professores. Busca-se temas e problemas, os debates e as
conceituar a figura do formador e as principais posições, e os vazios
diferentes funções que desempenha; registrados. Devemos indicar a
• apresentação da formação de dificuldade que implica um estudo do
formadores nos âmbitos pedagógico e estado-da-arte capaz de dar conta de
disciplinar a partir da necessidade de “tudo” que existe no campo da formação
docentes que conheçam os conteúdos de formadores na América Latina e no
das matérias acadêmicas que ensinam, Caribe. Os países de nosso continente,
mas que também tenham suficiente apesar das muitas características comuns,
conhecimento pedagógico; têm, entre si, importantes diferenças
idiomáticas, étnicas, imigratórias,
• finalmente, examinam-se a históricas, políticas, educativas,
multiplicidade e a diversidade das econômicas e culturais.
estratégias para formação de Nos limites deste documento
formadores, propondo alguns seria, certamente, impossível rastrear
caminhos para uma definição de todas e cada uma das semelhanças e
políticas educativas. Com o intuito de diferenças entre as nações latino-
realizar os propósitos do estudo, americanas.
foram realizadas entrevistas com No caso das Seções 3, 4 e 5
informantes chaves, além de uma recorreu-se, não só a uma bibliografia
análise documental. Quatro pontos latino-americana, como também a
centrais, pelo menos, foram publicações de fora da região.
considerados:
1. desenvolvimento dos fundamentos 2. A FORMAÇÃO DE FORMADORES:
teóricos da formação de formadores; O ESTADO DA ARTE
2. descrição das estratégias
utilizadas; A temática que nos interessa tem
3. normas e indicadores para a sido pouco estudada, e a análise dos
formação de formadores; estudos publicados na América Latina e
4. evolução e atuais discussões no Caribe revela que poucos trabalhos de
acerca dos processos de formação dos pesquisa exploraram a temática dos
formadores. formadores. Nos últimos doze anos, na
América Latina, dos cerca de oitenta
Entre as fontes consultadas estão a artigos e livros sobre formação docente
bibliografia recente sobre o tema, as que examinamos, apenas cinco têm como
publicações dos principais centros de eixo a formação de formadores. O
pesquisa educativa e os websites dos formador latino-americano dispõe de
poucas informações e conhecimentos em
8. 8
que possa apoiar suas atividades de publicados a partir da década de 1990, e
formação. limita o estudo através de áreas temáticas.
No plano internacional, há autores Primeiro, analisam-se as informações
que se ocupam da formação de existentes sobre as políticas de formação
formadores, ainda que o estado incipiente docente e de formadores. Em segundo
desta última explique a orientação lugar, sintetizam-se as atuais publicações
normativa da maioria dos estudos. Raras que tragam contribuições teóricas e
são as pesquisas que tentam estudar a metodológicas que fundamentem a
dinâmica do “ofício de formador”. formação de formadores. Em seguida,
Caso se consulte a revisão da identificam-se os trabalhos sobre perfil e
pesquisa educativa de Abraham e Rojas competência dos formadores. Por último,
(1997), realizada entre 1985 e 1995 na são apresentados estudos de caso sobre a
América Ibérica, constatamos que a atualização dos formadores que ensinem
temática de formação de formadores não no nível da formação inicial dos docentes.
está, explicitamente, incluída. Esta
constatação da inexistência do tema na
América Ibérica contrasta com o contexto 2.1 OS ESTUDOS SOBRE POLÍTICAS DE
investigador da educação nos Estados FORMAÇÃO D OCENTE
Unidos. A revisão de Casanova e
Berliner (1997), realizada entre 1972 e Alguns dos documentos
1995, demonstra o interesse que desperta estudados 4 advogam a necessidade de
o tema dos formadores naquele país. uma profunda reforma do sistema escolar
Por seu lado, no estudo sobre o convencional e das condições de trabalho
estado da arte realizado por Messina 3 , em do pessoal docente – sua formação em
1999, a formação de formadores continua particular. Um “novo docente” encontra-
sem aparecer de forma explícita. Apesar se no epicentro da reforma educativa. Ele
disto, o estudo reconhece que um ponto deve passar da função de “solista” à de
pouco explorado no campo da pesquisa “acompanhante” do aluno. Já não é tanto
sobre formação docente é o conhecimento aquele que passa os conhecimentos, mas
pedagógico dos próprios formadores, o que ajuda o aluno a encontrá-los,
carência que caminha lado-a-lado com a organizá-los e manejá -los.
falta de políticas de formação de As políticas e reformas educativas
formadores e da própria tendência destes modernas exigem um docente ideal que,
a entender o problema da formação como na realidade, não existe. Ainda que na
“algo” externo a si mesmos e referidos às formulação de políticas se evoque o
“condutas de entrada” dos estudantes, docente ideal, em sua aplicação não se
candidatos a professor, às condições adotam as medidas para criá -lo. A
institucionais, às deficiências do currículo mudança educativa continua sendo
da formação e à falta de recursos. percebida como um esforço rápido e
Como já dissemos acima, a análise curto, e não como um processo de longo
que se segue restringe-se aos documentos prazo.
3
Messina, Graciela (1999): Investigación en o
4
investigación acerca de la formación docente: un Ver, por exemplo, Torres, R.M. (1996): Sin
estado del arte en los noventa.Revista reforma de la formación docente no habrá
Iberoamericana de Educación. Número 19. reforma educativa, Perspectivas N? 3, setembro,
?
Formación Docente. Unesco, Paris.
9. 9
A questão docente e, em necessita de um aperfeiçoamento através
particular, a formação docente, é um dos de um maciço esforço de formação no
desafios contemporâneos mais críticos ao emprego.
desenvolvimento educativo, e implica As análises e propostas
uma profunda redefinição do modelo elaboradas, em 1999, pela Comisión
convencional de formação dos mes tres e Centroamericana sobre la Reforma
professores no quadro de uma Educativa para la Educación en
revitalização geral da profissão docente. Centroamérica Panamá y República
Segundo o estudo mencionado5 , Dominicana 7 (Comissão Centro-
há escassa correlação entre a formação Americana sobre a Reforma Educativa
docente e o aprendizado escolar na para a Educação na América Central, no
educação básica. O modelo de tal Panamá e República Dominicana), criada
formação é obsoleto, tanto para a pelo Programa de Promoção da Reforma
formação inicial, como para a formação Educativa na América Latina e no Caribe
em serviço. A escola transmissora – que (PREAL), destacam que, apesar de haver
confunde ensino com aprendizado e consenso na região sobre a importância
informação com conhecimento – continua decisiva da educação e da formação de
se perpetuando nos programas, cursos e docentes, o que hoje vem sendo feito no
manuais de capacitação docente. intuito de melhorá-las é marcantemente
Em nossa revisão bibliográfica, insuficiente.
constatamos que os estudos que abordam Programas curtos e planos de
a política de formação docente insistem estudos altamente teóricos sacrificam a
em negligenciar sua abordagem. Carnoy e prática em sala de aulas e a preparação
de Moura6 (1997:39) afirmam que a das matérias, aspectos fundamentais na
formação normalista está passando por formação de bons mestres. As carreiras
um período de transição em todo o se caracterizam por um baixo prestígio,
mundo. “...as populações de jovens um corpo docente mal capacitado, ênfase
recebem, na média, níveis cada vez mais exagerada no método baseado na
elevados de escolaridade e os sistemas de exposição oral frontal, e muito pouca
educação exigem que os mestres tenham atenção a técnicas pedagógicas
maior conhecimento das matérias de uma apropriadas para os alunos
formação pedagógica mais avançada. desfavorecidos. Tais deficiências se
Apesar disto, a formação normalista vêem agravadas pela má qualidade da
pouco mudou na América Latina, educação escolar básica e média que
deixando sérias dúvidas sobre sua muitos – se não a maioria – dos aspirantes
eficácia”. Estes autores também afirmam a mestres recebem antes de ingressar no
que os países da América Latina e do curso de pedagogia.
Caribe têm um duplo desafio diante de si: Por seu lado, na Cumbre
de um lado, a formação da qualidade Latinoamericana de la Educación Básica
antes do emprego, já que, na região, (Cúpula Latino-Americana sobre
muitos mestres estão muito mal Educação Básica), realizada entre 7 e 8 de
preparados e, de outro, o corpo docente
5 7
Idem PREAL, Relatório da Comissão
6
Carnoy, M. e de Moura Castro, C. (1997): Que Centroamericana sobre a Reforma Educativa de la
rumo deve tomar o melhoramento da educação na Comisión Centroamericana sobre la Reforma
América Latina. BID, Departamento de Educativa (1999): Para la Educación, Mañana es
Desenvolvimento Sustentável, agosto, 1997. muy tarde.
10. 10
maio de 20018 , um grupo de dirigentes de últimos anos à capacitação em serviço
empresas, governo e educação da surge do reconhecimento, em quase toda
América Latina estabeleceu que os a região, de que grande parte dos
mestres tendem a estar muito mal professores de cada país está mal
preparados, a serem mal remunerados e a preparada para um bom desempenho em
serem administrados de forma deficiente. sala de aulas.
A maior parte exibe um nível educacional Aparentemente, a capacitação em
significativamente inferior a seus pares serviço que muitos deles receberam foi
dos países desenvolvidos. Poucos contam insuficiente, inadequada ou ambas.
com um grau universitário. Assim, mais que justificar a capacitação
Segundo o documento citado, a em termos de “contínua”, ou “ao longo de
formação que os docentes recebem toda a vida”, a hipótese de trabalho
costuma ser de baixa qualidade, com aplicada majoritariamente na América
ênfase exagerada na teoria, pouca Latina surge dentro de uma perspectiva
importância dada à prática de aula e uma diferente: considera-se o treinamento
preparação insuficiente em como algo que deva compensar qualquer
conhecimentos específicos como coisa que falte aos docentes em termos de
matemática e ciências. Os salários dos habilidades, motivação ou conhecimento.
mestres não são bons o bastante para As aulas de capacitação em serviço são
atrair melhores candidatos, e a qualidade vistas, assim, como uma resposta geral à
da docência não se vê retribuída em incapacidade dos professores para ensinar
termos de remuneração. no nível esperado pela sociedade ou
O documento resultante da requerido por uma série de normas dadas.
Cumbre Latinoamericana de Educación Tais respostas, contudo, têm sido
Básica apresenta um resumo das políticas parciais. Da forma que foi
em matéria de formação e tradicionalmente dada, a capacitação
aperfeiçoamento docente, destacando-se tende a tratar o professor isoladamente,
que, em média, os professores latino- separado dos grandes contextos da turma,
americanos recebem menos horas de da escola e da comunidade. Alguns
formação profissional que seus colegas países latino-americanos vêm recorrendo
dos países desenvolvidos – e a ao aperfeiçoamento docente como forma
preparação que recebem é deficiente. Os de compensar as deficiências da formação
mestres do ensino básico têm, na região, inicial dos professores 10 buscando:
dois anos menos de formação profissional
que os dos países desenvolvidos. Ø Aperfeiçoar os conhecimentos e
Navarro e Verdisco9 (2000) habilidades pedagógicas dos
afirmam que a prioridade dada nos professores mal capacitados;
Ø Fornecer conhecimentos
8
especializados em matérias em
Cumbre Latinoamericana de Educación Básica que se diagnosticam claras
(2001): Briefing Book. Preal, The Conference
deficiências;
Center of the Americas. Biltmore
Hotel, Miami, Florida, 7-8 de maio, 2001.
9
Navarro, Juan Carlos e Verdisco, Aimée (2000): o Seminário Internacional “Perspectivas e
Teacher Training in Latin America: innovations Propostas para o Desenvolvimento”.
10
and trends. BID, Departamento de Villegas-Reimers, Eleonora (1998): The
Desenvolvimento Sustentável, Unidade de preparation of teachers in Latin America.
Educação. Technical Papers Series: Propostas de Departamento de Desenvolvimento Humano do
Políticas. Documento de Trabalho elaborado para Banco Mundial.
11. 11
Ø Facilitar a introdução de reformas profissionais idôneos para ensinar
educativas, de inovações ao nos Institutos Pedagógicos;
currículo e de novas técnicas ou Ø Envolver os formadores em um
novos textos de estudo. programa de formação contínua
que inclua estudos de pós -
Em outros países da região, na década graduação;
de noventa presenciou-se o início da Ø Assegurar sua dedicação exclusiva
formulação de políticas integrais de ao trabalho nos Institutos
formação docente, abrangendo as etapas Pedagógicos;
inicial e contínua. Este foi o caso da Ø Aumentar sua s remunerações de
Colômbia, que em 1997-98 decretou o modo a compensar a perda de
estabelecimento de um Sistema Nacional renda por outros empregos;
de Formação de Educadores. Também o Ø Facilitar estudos de
Equador propôs-se estabelecer uma rede complementação pedagógica para
nacional para coordenar a formação os formadores oriundos de outras
docente no nível primário. No México, carreiras profissionais.
firmou-se, em 1992, um Acordo Nacional
para a Modernização da Educação Básica 2.2 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS E
(Acuerdo Nacional para la METODOLÓGICAS
Modernización de la Educación Básica)
onde se estabeleciam planos de ação É difícil analisar os estudos que
referidos às formações inicial e tratam da formação de formadores devido
contínua. 11 O Paraguai, desde início de às imprecisões destes conceitos –
1994, conta com um sistema de formação “formador” e “formação”. Para alguns
docente que compreende três programas: autores, a formação dos educadores e a
formação inicial, formação contínua e, formação dos formadores são quase
depois, formação de profissionalização. sinônimas devido ao fato de que o
Raros são os documentos examinados interesse pelos conhecimentos e sua
que propõem linhas de políticas dirigidas transmissão se assemelham, assim como
aos formadores. Entre eles podemos citar ocorre com a evolução de suas funções.
as publicações do PLANCAD12 , no Peru, Outros autores não estabelecem
nas quais é proposta o impulso a políticas diferenças entre educação e formação de
que permitam: adultos. Não nos deteremos aqui em um
debate sobre este assunto. A expressão
Ø Estabelecer um sistema de “educação de adultos” é definida como o
avaliação e seleção de desenvolvimento, no educando, de
capacidades gerais de pensar e aprender,
11
Ponce, Ernesto A. (1998):” La formación inicial enquanto o conceito “formação” refere-se
y la formación continua de profesores de ao desenvolvimento de habilidades mais
educación básica. El caso de México”. Revista específicas, com vistas ao desempenho de
Latinoamericana de Innovaciones Educativas, X uma função particular. Nos trabalhos que
(30), 165-193.
12
PLANCAD (1999): La docencia revalorada: a conceituam13, a figura do formador na
reflexiones y propuestas de política. Documento América Latina é definida como a do
de trabalho preparado para o Seminário
13
Internacional “Perspectivas y propuestas para el Ver, entre outros, Huberman, S. (1996): Cómo
desarrollo magisterial” (Perspectivas e propostas aprenden los que enseñan: la formación de los
para o desenvolvimento do magistério). Tarea, formadores. Aique, Didáctica.
Lima.
12. 12
próprio docente, do mestre, do professor que poderiam integrar outros estilos mais
que tem contato direto com seus alunos, ativos. Os materiais e a capacitação
seja nos níveis iniciais, primário e médio, docente apropriados melhorariam os
seja no terciário. O formador de resultados de cursos e o uso de guias de
formadores é quem se dedica à formação aprendizagem interativos facilitaria
de mestres e professores, e realiza processos adequados de aprendizagem.
diversas tarefas, não apenas na formação Tendo experimentado uma aula
inicial e permanente de docentes, como interativa, onde diversas alternativas
também em planos de inovação, metodológicas jamais aplicadas por eles
assessoria, planejamento e execução de que, por conseguinte imaginavam-nas de
projetos nas áreas de educação, formal e difícil aplicação, passa a parecer-lhes
informal. simples incorporar novos métodos na sala
Os textos examinados afirmam de aulas, desde que disponham dos
que o formador deve possuir grande materiais e da capacitação adequada. A
experiência docente, rigorosa formação formação e a capacitação recebidas pelos
científica e didática, conhecer as professores são pouco orientadas pela
principais linhas de aprendizado que as prática, o que se traduz em uma
sustentam, estar apto a trabalhar com incoerência entre a metodologia que se
adultos e, finalmente, preparado para pretende promover (aprendizado ativo e
ajudar os docentes a realizar as mudanças participativo) e a metodologia utilizada na
comportamental, conceitual e formação e capacitação dos docentes.
metodológica hoje exigidas pelo sistema Entre as conclusões do
educativo. mencionado estudo estão aquelas que se
Se nos referirmos mais referem aos formadores: estes devem usar
especificamente às contribuições métodos ativos (servir de modelos para os
metodológicas para a formação de alunos) se desejam que, mais adiante,
formadores, há pouquíssimos trabalhos empreguem métodos similares ao ensinar
que apresentam o tema. Entre eles a seus respectivos alunos.
encontra-se um recente estudo14 que Outra pesquisa realizada em
examina as características profissionais 199915 tentou responder à pergunta: É
dos formadores de acordo com as técnicas possível melhorar a preparação dos
com as quais foram formados ou formadores de professores? Em pesquisa
capacitados, com sua disposição de realizada em 14 oficinas de sete países
melhorar seu estilo de ensino e, ainda, se latino-americanos, 80% dos formadores
contaram com um apoio material de professores declararam-se capazes de
adequado, por exemplo. A informação pôr em prática aulas centradas nos alunos
colhida em seminários de capacitação se contassem com os materiais
realizados no Chile sugere que os pertinentes.
professores tendem a utilizar um estilo de Segundo as pesquisas sobre
ensino frontal, similar ao que receberam, professores de que dispomos, quatro
tanto em sua educação básica e média, aspectos fundamentais são examinados no
como em sua formação profissional, mas desempenho dos formadores de docentes:
14 15
Schiefelbein, E. e Schiefelbein P. (1998): Schiefelbein, E. e Schiefelbein, P. (1999): ¿Es
Expectativas y cambios metodológicos: Una posible mejorar la preparación de los formadores
visión desde el mundo de los profesores. UST - de profesores? Una experiencia positiva en siete
CIDE, Chile. países de América Latina. UST-CIDE.
13. 13
(i) a formação profissional dos docentes, dentro do setor educativo privado no
(ii) o nível de domínio de determinadas México. Em 1995 foi elaborada a Misión
técnicas essenciais ao exercício 2005 (Missão 2005), desenvolvendo-se
profissional como docente, (iii) o os perfis de estudantes e professores com
interesse em experimentar o uso de estratégias estreitamente vinculadas às
materiais interativos que permitam novas tecnologias. Entre as competências
focalizar o aprendizado no aluno e, a serem desenvolvidas, o ITESM deu
finalmente, (iv) a capacidade dos ênfase à capacidade de avaliar suporte
docentes de modificarem suas práticas computadorizado (software) educativo. A
pedagógicas nos processos de formação formação de formadores se estruturou,
dos futuros professores. entre outras, em torno da capacidade de
No geral, poucas são as horas que avaliar os programas educativos visando
os professores dedicam a sua formação e revelar e valorizar suas possibilidades no
à reflexão coletiva nos processo educativo.
16
estabelecimentos. Freqüentemente, este
espaço se reduz à realização de oficinas e 2.3 OS TRABALHOS SOBRE PERFIL E
experiências de assistência técnica COMPETÊNCIAS
concebidas, em muitos casos, como mera
passagem de informações, sem animar Alguns dos trabalhos
processos de reflexão mais profundos e examinados 18 ressaltam as competências
permanentes. A formação requer tempo e básicas que um formador deve ter para
uma estrutura de capacitação. Deve ser poder conduzir processos de ensino-
teórica e prática; por áreas integradas de aprendizado de qualidade no século XXI.
conhecimento, e não por matérias, Nesta perspectiva, os formadores devem
respeitando, por outro lado, os conflitos e desenvolver nos futuros docentes
processos que exigem as mudanças de competências para participação na vida
interpretações que os próprios professores pública, para um desenvolvimento
outorgam a suas práticas. produtivo na vida moderna e na
construção das bases para a educação
Finalmente, e em relação às permanente. O formador já não será o
contribuições metodológicas encontradas único detentor dos conhecimentos e o
nas publicações examinadas, recente responsável exclusivo por suas geração e
trabalho17 reflete sobre o impacto e os transmissão. Antes, deverá assumir a
desafios das novas tecnologias para os função de dinamizador da incorporação
formadores de formadores com base na de conteúdos.
experiência acumulada na aplicação Em um dos documentos
19
pedagógica do modelo educativo do considerados afirma -se que a profissão
Instituto Tecnológico y de Estudios docente exige certa clareza quanto até
Superiores de Monterrey (ITESM).
O ITESM é, inquestionavelmente, 18
Ver, por exemplo, Graciela Bar (2000): “Perfil
uma das instituições de maior prestígio
y competencias del docente. OEI, I Seminário
Oficina “Perfil del docente y estrategias de
16
Ver, Martinic, Sergio (2002): “La Reforma formación”.
19
Educativa en Chile. Logros y problemas”. Revista Braslavsky, Cecilia (1999): “Bases,
Digital UMBRAL Nº 8, janeiro de 2002. orientaciones y criterios para el diseño de
17
González Pérez, Orlando E. (2000): Comisión programas de formación de profesores”. Revista
III: Nuevas tecnologías en la formación de Iberoamericana de Educación, Número 19,
formadores: impacto y retos. IBE, Genebra. janeiro-abril de 1999.
14. 14
onde ir. Os docentes reproduzem o que cidadãos produtivos. A competência
aprenderam quando eram alunos e se interativa faz que aprendam cada vez
formaram. Por isto, é imprescindível mais a conhecer e compreender a cultura
refletir sobre qual é o perfil de docente das crianças e dos jovens, as
que se deseja promover para, então, peculiaridades das comunidades, as
avançar na questão do como fazê-lo no formas de funcionamento da sociedade
caso daqueles que já estão em exercício. civil e sua relação com o Estado, de
Quando se trata do perfil que os exercer a tolerância e a cooperação entre
docentes devem ter, é comum diferentes. A competência especificadora
constatarem-se duas tendências. refere-se a que hoje parece conveniente
A primeira é uma que, nas escolas primárias ou de educação
supersimplificação: diz-se que deve saber genérica, haja professores que possam
e saber ensinar. A segunda é uma falta de especificar competências por meio de
hierarquização: apresentam-se grandes saberes disciplinares mais sólidos e que,
relações de qualidades e conhecimentos nas escolas secundárias, possam eles
que os professores deveriam ter. especificar as outras competências através
No estudo mencionado 20 , afirma- de conhecimentos mais profundos sobre
se que os docentes deverão ter cinco as instituições e sobre os que a elas estão
competências, duas das quais têm a ver, submetidos.
sobretudo, com a resolução de problemas Nos últimos anos, na América
ou desafios mais conjunturais e que Latina, contata -se um interesse em
podem denominar-se pedagógico-didática precisar a base de conhecimentos que o
e político-institucional. Outras duas docente precisa saber para ensinar.
competências são mais estruturais e Surgiram vários documentos de
podem denominar-se produtiva e Ministérios com orientações para a
interativa. A quinta competência refere- formação docente. Um bom exemplo são
se a um necessário processo de os Referenciais para Formação de
especialização e orientação de toda sua Professores do Brasil, e os distintos
prática profissional e pode denominar-se relatórios sobre o tema elaborados por
especificadora. Guiomar Namo de Mello 21 . Este
A competência pedagógico- conjunto de orientações para a formação
didáctica refere-se aos critérios de seleção de professores do ensino fundamental
entre uma série de estratégias conhecidas explicita a bagagem de conhecimentos de
para intervir intencionalmente, que necessitam para terem bons
promovendo os aprendizados dos alunos. desempenhos. Tais conheciment os se
A competência político-institucional tem descrevem como “um conjunto de saberes
a ver com a capacidade dos docentes em teóricos e práticos que não deve
articular a macropolítica referida ao confundir-se com a somatória de
conjunto do sistema educativo com a conceitos e técnicas”. 22
micropolítica do que é necessário
programar, instituir e avaliar nas
21 Ver, entre outros, Namo de Mello, Guiomar
instituições. (2000): Formação inicial de professores para a
A competência produtiva permite Educação Básica: uma (re-)visão radical.
aos docentes compreender o mundo em Documento preparado para o Seminário sobre
que vivem e viverão, e intervir como Prospectivas da Educação, UNESCO/OREALC.
22
MEC, Secretaria de Educação Fundamental,
Brasil (1999): Referenciais para Formação de
20
Idem Professores. Brasília, p.85.
15. 15
Outro exemplo é oferecido pelo 2.4 OS ESTUDOS DE C ASO
Programa PLANCAD, do Peru, que
define o melhoramento dos docentes em Tal como indicamos nas páginas
termos de “saberes fundamentais” e anteriores, há pouquíssimas inovações,
“funções básicas”. Aqui se precisam as projetos e programas no âmbito da
capacidades cognitivas requeridas e se formação de formadores. Uma
descrevem os propósitos das ações de conseqüência lógica do que acabamos de
formação. Os documentos do Programa dizer é a escassez de estudos que
PLANCAD estabelecem aquilo que um analisem experiências nesse âmbito.
professor deve saber e executar se Contudo, entre as distintas ações levadas
pretende que seus alunos aprendam e se à frente 26 há dois casos amplamente
eduquem bem. 23 estudados e documentados. Referimo-
No México, por exemplo, são nos aos casos do Chile e do Uruguai, que
estabelecidas cinco categorias para definir exporemos nas próximas páginas.
o que deve saber e entender o docente
principiante e que se referem a 2.4.1 O caso do Chile: a formação a través
conhecimentos de conteúdos, habilidades de atualização e estudos de pós-graduação
básicas, estratégias de ensino apropriadas,
identidade profissional e ética e A maior parte dos programas de
compreensão das demandas sociais da formação docente no Chile são
escola e seu entorno. 24 Outro bom conduzidos por universidades. Em
exemplo de progresso nesta direção é a conseqüência, a opção foi impulsionar a
recente formulação de padrões para mudança “a partir de dentro”, criando
formação docente inicial, elaborada no condições para que as instituições
Chile25 , onde, a partir de padrões formulem suas propostas de
uniformes de qualidade serão medidos melhoramento. Isto foi feito dentro do
aspectos que vão, desde a forma como os Programa de Fortalecimiento de la
docentes preparam suas aulas e seu Formación Inicial Docente (FFID)27 , que
desempenho em sala, até o método com consistiu em um concurso de projetos de
que avaliam seu trabalho. melhoramento aberto a todas as
instituições, públicas e privadas. O
programa foi acompanhado de uma oferta
de bolsas para estudantes destacados do
secundário, com o intuito de incentivá-los
a optar pela docência como profissão.
23
PLANCAD (1999): La docencia revalorada: Foram selecionadas 17 de 32
reflexiones y propuestas de política. Documento instituições para receber apoio econômico
de trabalho preparado para o Seminário
Internacional “Perspectivas y propuestas para el
e desenvolverem seus projetos. Projetos
desarrollo magisterial”. Tarea, Lima.
24 26
Ponce, Ernesto A. (1998): La formación inicial Vários são os países que promoveram, nos
y la formación continua de profesores de últimos anos, distintas atividades vinculadas à
educación básica. El caso de México. Revista formação de formadores. Entre eles podemos
Latinoamericana de Innovaciones Educativas, X citar os casos de Argentina, Brasil, Chile,
(30), 165-193. Colômbia, Honduras, Peru, República
25
Ministerio de Educación, División de Dominicana e Uruguai.
27
Educación Superior, Programa de Fortalecimiento Ávalos, Beatrice (1999): Mejorando la
de la Formación Inicial Docente, Chile (2000): Formación de Profesores: el Programa de
Estándares reguladores para la formación inicial Fortalecimiento de la Formación Inicial Docente
de docentes. en Chile (FFID). São José da Costa Rica.
16. 16
que propuseram mudanças em nível de
aprendizado prático e nas condições para
assegurar a melhoria da qualidade. Um
dos objetivos do Projeto FFID 28 foi a
melhoria dos níveis de formação
acadêmica dos formadores,
proporcionando-lhes tanto oportunidades
de atualização como de estudos de pós
graduação, segundo os planos de
desenvolvimento de cada universidade.
Os Projetos FFID consideraram
formadores os professores dos
departamentos encarregados, em cada
uma das universidades, da formação
docente.
A atualização e os estudos de pós -
graduação significaram investimentos,
tanto por parte das universidades, como
do próprio projeto. Em termos gerais, a
análise dos currículos de formadores
entregues no ano de 2001 revela um
aumento no número de professores com
pós-graduação (ver quadro abaixo):
28
A obtenção dos dados apresentados aqui foi
facilitada pela Coordenadora do Programa FFID,
Dra. Beatrice Ávalos.
17. 17
QUADRO No 1
Características acadêmicas dos formadores (de 1997 e 2001)
Licenciado / outros títulos Mestrado Doutorado
profissionais
Ano No % No % No %
1997 1410 57 716 29 340 14
2001 243 36 303 45 129 19
Fonte: Informações fornecidas pelas universidades nas postulações de 1997 e informações de 675 currículos
entregue pelas universidades em 2001.
Durante os quatro anos de centros no exterior onde se desenvolviam
desenvolvimento dos projetos FFID atividades inovadoras de formação
foram oferecidas oportunidades de docente. O quadro seguinte refere-se ao
atualização para os formadores que, via tipo de viagens realizadas e respectivos
de regra, se expressaram como visitas a beneficiários.
Quadro No 2
Formadores beneficiados com estadias no exterior, por duração e tipo de financiamento:
Duração das Estadias Com Financiamento do FFID Com Financiamento
da Universidade
No % No %
Menos de 30 dias 424 95 17 100
Entre 30 y 60 dias 23 5 O O
Total beneficiados 447 100 17 100
Fonte: Informações fornecidas pelas Universidades.
Como se pode observar, a maior para estas visitas, um bom número delas
parte dos beneficiados tiveram foi organizado pelos próprios formadores.
financiamento do Projeto FFID, e as Entre as universidades estrangeiras que
estadias foram por períodos relativamente organizaram programas para os visitantes
curtos, geralmente de duas a três que foram considerados de alto valor
semanas. Em geral, os beneficiados estão as Universidades Northern Iowa,
ficaram em instituições universitárias, California (Los Angeles), Oregon e
estrangeiras principalmente, ainda que Colorado nos Estados Unidos, várias
alguns dos formadores tenham visitado universidades espanholas (Córdoba,
inovações em universidades nacionais, Sevilha e Granada, entre otras),
como a Universidad Católica de Temuco, universidades de Israel, centros franceses
Pontifícia Universidad Católica de Chile e como o Centre International d’Études
a antiga Universidad Educares (hoje Pédagogiques, universidades inglesas
Andrés Belo). Ainda que, em geral, os como Reading e Brighton, Heidelberg na
coordenadores ou outras autoridades das Alemanha, Montreal e Toronto no
universidades realizassem os contatos Canadá, e várias universidades latino-
18. 18
americanas no México, no Brasil, na seguinte se refere ao número de
Argentina e na Colômbia, entre outros beneficiados e ao tipo de programa,
países. realizado ou em curso, com contribuição
Com relação à oportunidade de do projeto FFID.
estudos de pós -graduação, o quadro
Quadro No. 3
Estudos de pós-graduação realizados com contribuição de fundos do FFID
Mestrado Doutorado Total
No % No %
Cursando ou deixando o curso 77 41 109 59 186
Graduado 12 75 4 25 16
Fontes: Dados proporcionados pelas universidades.
Há também um número de com recursos da universidade e/ou
formadores, ou cursando, ou que próprios, como mostra o quadro seguinte:
concluíram estudos de pós-graduação
Quadro No. 4
Estudos de pós-graduação realizados com recursos da universidade ou com recursos
próprios
Mestrado Doutorado Total
No . % No %
Cursando ou deixando o curso 30 35 56 65 86
Graduado 10 48 11 52 21
Fonte: Dados proporcionados pelas universidades.
com a Universidad Complutense, da
Estes estudos foram realizados em Espanha, e a Universidad Autónoma de
programas nacionais (especialmente os de Barcelona. Um programa similar, mas
magistério) e em universidades anterior ao FFID existe entre a
estrangeiras. Há um número de Universidad de Concepción e a
convênios firmados com estas Universidade de Estocolmo, na Suécia.
universidades para realizar os programas Inquestionavelmente, o Prometo
de doutorados em dois campi (um FFID conseguiu melhorar a formação
nacional e outro estrangeiro). É o caso do acadêmica dos formadores através de
programa da Universidade Playa Ancha oportunidades de atualização e estudos de
de Valparaiso com a Universidad de pós-graduação segundo os planos da de
Oviedo, a Universidad Cardenal Raúl desenvolvimento de cada universidade.
Silva Henríquez com a Universidad O caso do Chile é de grande interesse
Autónoma de Madrid e a Universidad porque constitui uma das poucas
Metropolitana e de Ciências da Educação tentativas, na América Latina, de criação
19. 19
de um sistema de desenvolvimento bolsas de estudo, programa este que se
profissional para os formadores. destina a atrair futuros docentes que
deixam o ensino médio com um bom
2.4.2 O caso do Uruguai: a formação histórico escolar e dificuldades
através de programas de atualização 29 econômicas que lhes impeçam o acesso à
educação superior. O programa de bolsas
A partir de 1997, o Uruguai está de estudo cobre o transporte, a
imerso no desenvolvimento de um novo alimentação e o alojamento, com isto
projeto de formação de professores: os eliminando todos os problemas de
Centros Regionales de Profesores subsistência que os estudantes da região
(CERP)30 . O programa se propõe a criar possam ter.
de centros de educação terciária de Um dos pontos centrais nos CERP
altíssimo nível acadêmico com o fim de é a existência de um importante
formar professores para o exercício da percentual de formadores em tempo
docência em estabelecimentos de Ensino integral, com uma dedicação de 40 hor as
Médio. Um dos principais eixos desta semanais, das quais pelo menos 20 são
inovação é a relação horas-período de horas de docência direta. As 20 horas
formação. Aumenta-se o número de horas restantes são dedicadas a outras formas de
de aulas e diminui-se a quantidade de docência e outras atividades, entre as
anos de formação, com relação às quais devem ser destacadas: horas de
instituições tradicionais de formação consulta aos estudantes, orientação de
inicial de docentes no país. estudos, coordenação de uma carreira,
Os CERP formam unidades área ou atividade, coordenação com os
acadêmicas de forte concentração horária. centros educativos para atualização dos
As jornadas são de 40 horas semanais, professores, em serviço.
com aulas de presença obrigatória de Entre março e abril de 1997 foram
segunda a sexta e obrigam os alunos a desenvolvidos os primeiros cursos de
uma dedicação exclusiva aos estudos. A formação para os aspirantes a formadores
duração do plano de estudos é de três dos Centros Regionais de Professores do
anos, com um total de 4.200 horas entre Litoral e do Norte. Posteriormente, em
aulas e trabalhos de prática docente. março de 1998, iniciou-se o segundo
A criação dos CERP somente tem curso de formação de formadores, com a
sentido em escala regional, e para torná-la inauguração do Centro Regional de
viável foi estabelecido um programa de Professores do Leste e, em dezembro,
foram iniciados os cursos de formação de
29 formadores que se prolongaram até
Para uma descrição mais detalhada dos
programas de formação de formadores, ver fevereiro de 1999, ano em que
Vaillant D.; Mancebo E. Las transformaciones en começaram a funcionar os Centros
la formación del personal docente. Revista Regionais do Sul e do Sudoeste. No ano
Trimestral de educação comparada da UNESCO. de 2000, realizou-se um quarto curso para
“Los Formadores de Jóvenes en América Latina-
prover os cargos vagos no sexto CERP,
Desafíos, Experiencias y Propuestas” BIE,
Genebra, Suíça, 2001. criado no centro de país.
30
Para descrição e análise mais detalhadas do
“modelo CERP”, ver: Vaillant, Denise e
Wettstein, Germán (eds.) (1999): Centros
Regionales de Profesores. ANEP-AECI,
Montevidéu.
20. 20
Quadro No. 5
Participantes dos programas implementados para
Formação de Formadores dos Centros Regionales de Profesores (CERP). 1997-2000
Curso Ano Participantes
Curso de formação de formadores do 1º ano dos CERPs e capacitação de 1997 116
docentes de Ensino Médio
Curso de formação de formadores para o 2º ano dos CERPs e capacitação 1998 152
de docentes do Ensino Médio
Curso de formação de formadores para o 3º ano dos CERPs 1998/1999 200
Curso de Atualização do 1º ano dos CERPs 1999 30
Curso de Atualização do 2º ano dos CERPs 1999 30
Curso de formação de formadores para os 1º, 2º e 3º anos dos CERPs (para 2000 42
concursar)
570
Fonte: Secretaría de Capacitación y Perfeccionamento Docente, ANEP.
Os participantes no curso de fundamental, na animação das atividades
formação são profissionais universitários de sensibilização para a inovação e na
ou docentes egressos dos Institutos de resolução de diversos problemas
Formación Docente interessados em acadêmico-administrativos que surgiram
ocupar um cargo de formador. O desenho durante a realização dos cursos.
dos Programas esteve a cargo de Se nos referirmos mais
destacados docentes especialistas de especificamente aos beneficiários dos
diversas áreas disciplinares: Ciência da Programas de Formação, como é a
Educação, Matemática, Língua e aceitação do programa por parte dos
Literatura, Ciências Sociais e Ciências da futuros formadores? De onde vem esta
Natureza. aceitação? Segundo algumas entrevistas e
A um Coordenador Geral por área questionários aplicados entre 1997 e
disciplinar foi dada a responsabilidade de 2000, os principias motivos de aceitação
planejar e implementar o programa, para do programa se devem a ao vínculo do
cujo desenho contribuíram de forma programa com a prática.
22. 22
Os dados dos questionários O programa de atualização
revelam que os futuros formadores disciplinar e pedagógica para os futuros
encontram-se diante de uma imprecisão formadores dos CERPs teve sucesso por
de papéis, ou funções. Pouco se conhece duas razões principais: respondeu às
da figura do formador; seu papel não está necessidades de atualização disciplinar,
definido; não existe uma construção aportando novos conteúdos, materiais e
prévia de um perfil para este “novo” ator metodologias aos formadores; e serviu
educativo. Os formadores são docentes, como um instrumento de fundação de
muitas vezes com status mal definido identidade e desenvolvimento
dentro do sistema e com dificuldades para profissional.
serem aceitos como profissionais. Os formadores aceitaram o
Trabalham, geralmente, poucas horas em programa de formação proposto porque
tarefas de formação docente e exercem nele encontraram um alto grau de
uma profissão que a instituição ainda não compatibilidade com sua prática
definiu. profissional, e porque constituía um
Os objetivos e conteúdos dos modelo. Para os formadores, o programa
programas de formação vincularam-se à permitiu elevar o nível de seus
intervenção nos planos de formação dos conhecimentos, mas também constituiu
CERPs. A atualização se propôs a atuar um primeiro passo no caminho da
na utilização possível de materiais e fundação de identidade e
métodos de ensino novos, e na integração desenvolvimento profissionais.
de valores novos ou revisados.
coletivos que assumem princípios e
3. INSTITUIÇÕES E FORMADORES: valores em relação as beneficiários da
DEFININDO UMA TIPOLOGIA formação.
Deste ponto de vista, o formador é
3.1 OS FORMADORES : A QUE um mediador entre os conhecimentos e as
PROFISSIONAIS NOS REFERIMOS? pessoas que devem adquiri-los. É
precisamente esta função de mediação
Nesta seção tentaremos conceituar que provoca dificuldades, nos próprios
a figura do formador e as diferentes formadores, relacionadas com a definição
funções que pode desempenhar. Uma de sua tarefa. O mediador do
primeira abordagem seria definir o aprendizado deve demonstrar coerência
formador 31 como toda pessoa que se entre discurso e prática, deve assumir
dedica profissionalmente à formação, em pessoalmente os valores que pretende
seus distintos níveis e modalidades. O transmitir; deve vivenciar o compromisso
formador é um profissional capacitado e com a profissão.
certificado para exercer uma atividade de Falar de formador supõe assumir
formação; possui conhecimentos teórico e um conceito de alta dispersão semântica,
prático, compromisso com sua profissão, que precisa ser aparada. Em primeiro
capacidade e iniciativa para aprender e lugar, pode-se entender que formador é
inovar em seu âmbito de atuação. Além sinônimo de docente e, neste caso, a
disto, como profissional, pertence a formação de formadores abarcaria todo o
31
campo de conhecimento que entendemos
Para aprofundar o tema, ver Vaillant D., por formação do Professorado em seus
Marcelo C. (2001): Las tareas del formador.
diferentes níveis: Educação Inicial,
Ediciones Aljibe, Málaga-Espanha.
Primária e Secundária, Formação
23. 23
Profissional, Educação de adultos ou Uma sexta acepção da figura do
Universitária. formador de formadores encontra-se no
Em segundo lugar, poderíamos âmbito da educação não formal,
entender o formador como o Professional especificamente no que se denomina
que forma os docentes. Neste caso, formação ocupacional ou formação
estamos nos referindo à formação dos contínua. Vale ressaltar que, neste
professores que, na realidade, formam os âmbito, fala-se de formador, ao contrário
docentes da Educação Inicial, Primária e do contexto escolar em que se prefere o
Secundária, Formação profissional, termo “professor”.
Institutos de Formação Docente e nas
Faculdades ou Institutos de Pedagogia ou 3.2 O FORMADOR NA FORMAÇÃO INICIAL
Ciências da Educação. Um caso especial DE DOCENTES
desta denominação seria constituído por
aqueles profissionais de ensino que Ao longo da história, a formação
participam na formação inicial de inicial de docentes tem sido feita em
docentes como tutores de práticas. Aqui instituições específicas, por pessoal
nos referimos à formação de formadores especializado e mediante um currículo
para incluir os profissionais que que estabelece a seqüência e os conteúdos
assessoram e orientam os futuros do programa de formação.
docentes ao longo das práticas que A formação inicial cumpre,
integram sua formação inicial. Se basicamente, duas funções: em primeiro
avançarmos um pouco mais, porém, lugar, a de formar os futuros docentes
distanciando-nos da formação inicial, capaz de assegura uma preparação
encontraremos uma quarta acepção para o compatível com as funções profissionais
termo formador: são os professores que mestres e professores devem
mentores que assessoram e orientam os desempenhar. Em segundo lugar, a
professores iniciantes. Neste caso, a formação inicial tem a função de fornecer
formação de formadores envolve a um certificado para o exercício docente.
capacitação dos professores mentores que O principal objetivo da formação inicial
apóiam os docentes nos primeiros anos de há de ser ensinar a “competência de
ensino, através de programas de inserção classe ou conhecimento do ofício”, de
profissional. forma que os professores sejam
O conceito formador tem uma indivíduos capazes de ensinar.32
quinta acepção. Dentro do âmbito De um ponto de vista mais geral, a
escolar, o lançamento das Reformas formação de mestres e professores deve
Educativas trouxe consigo a disseminação contribuir para que os mesmos se formem
de uma nova figura, figura esta que como pessoas, compreendam sua
recebe diferentes denominações em responsabilidade no desenvolvimento da
função do país observado. Basicamente, escola e adquiram uma atitude reflexiva
fala-se de assessores de formação. A
formação de formadores se relaciona com
os programas para os profissionais de
ensino que desempenham atividades
32
voltadas para o planejamento, Ver McNamara, D. e Desforges, C. (1990): The
desenvolvimento e avaliação da formação social sciences, teacher education and the
objectification of craft knowledge. Em Bennet, N.
permanente do professorado.
e McNamara, D. (eds.): “Focus on Teaching”,
Longman, Londres.
24. 24
sobre seu ensino. 33 No nível de formação Como podemos apreciar no Anexo
inicial, os formadores de formadores são 3, há grande heterogeneidade na América
aqueles profissionais encarregados de Latina já que a formação inicial de
desenhar e/ou desenvolver um currículo docentes é dada em universidades, em
que inclua os componentes necessários escolas normais com categoria de ensino
para propiciar aos futuros docentes um superior, em escolas normais de nível
legítimo aprendizado de como ensinar. médio, em institutos profissionais, etc.
Diker e Terigi (1997) constatam Este fenômeno gerou circuitos de
que, em nível internacional, a formação formação diferenciados em termos de
inicial tem sido objeto de numerosas qualidade.
reformas desde os princípios da década de Por sua vez, Roggi 34 também se
1980. Tais reformas propuseram pergunta em que nível funcionam os
mudanças em três grandes aspectos: centros de formação docente: no nível
médio, no nível de estudos superiores não
• o saber dos docentes, buscando universitários, ou na universidade?
incrementar sua idoneidade para Afirma o autor que, na América Latina, a
enfrentar as novas demandas da resposta tem sido diversa: a linha é levá-
sociedade do conhecimento; los ao nível universitário ou ao nível
• a cultura institucional dos centros de superior não universitário. Há países que
formação docente, de forma a colocaram a formação docente no nível
desenvolver organizações menos universitário (Costa Rica e Chile). Na
burocráticas e mais flexíveis; maior parte dos países latino-americanos,
• a distribuição de responsabilidades e as antigas escolas normais foram se
os mecanismos de controle do transformando em Institutos Superiores
desempenho. com cursos que variam de dois a cinco
anos e cujo requisito de ingresso é a
No caso da América Latina, prévia conclusão do secundário. 35
Messina (1997) mostra que, nas duas Há, também, países, como o
últimas décadas, houve um tendên na cia Brasil, onde todas as alternativas
região a transferir os programas de coexistem. O Brasil encontra-se em um
formação inicial dos docentes do Ensino processo de transição para o nível
Médio para o Superior, aumentando superior: tanto as Escolas Normais, como
levemente os anos de escolaridade os Institutos Superiores continuam
exigidos para obter o título docente. aceitando matrículas, e algumas carreiras
De fato, entre 1975 e 1995 a universitárias seguem formando
escolaridade total aumentou em 16 dos 19 professores do ensino médio. Trata-se de
países considerados por Messina em seu uma situação que responde à realidade do
estudo. Em geral, os países aumentaram heterogêneo sistema educativo brasileiro,
o número de anos dos planos de formação sendo que a tendência é levar a formação
docente e, em muitos casos, houve docente para o nível terciário.
aumento da escolaridade exigida para
ingresso aos estudos docentes. 34
Roggi, L. (1999): El rol del docente en la
escuela del nuevo milenio. Relatório. Primeiro
Colóquio Universidad Torcuato di Tella - The
University of New Mexico. Buenos Aires, UTDT.
33 35
Ver Edmunson, P. (1990): A normative look at Ver Anexo 2: Nível de estudos de professores
the curriculum in teacher education. Phi Delta em alguns países da América Latina.
Kappan, Maio, pp. 718.
25. 25
Em recente documento do IIPE36 , variedade as universidades
afirma-se que, na maioria dos países pluridisciplinares e as faculdades de
latino-americanos, a formação de educação de índole estatal.
docentes para o nível primário ou para a Por outro lado, no levantamento
educação básica desenvolve-se, que realizamos sobre as modalidades e
fundamentalmente, em Institutos requisitos da formação docente, país por
Superiores não universitários, ainda que a país, na América Latina, constatamos a
tendência seja a transferência desta mesma heterogeneidade institucional que
formação às universidades. 37 No caso da aparece no estado da arte sobre formação
formação de docentes para o nível médio, inicial de docentes. 39 Como se pode
a oferta de nível universitário convive apreciar no Anexo 2, a ancoragem
com a que se desenvolve nos Institutos institucional da formação docente varia
Superiores. muito segundo o país, com o conseqüente
Um estudo realizado pela OEI 38 impacto em nível dos formadores.
revela que as instituições formadoras Os trabalhos examinados mostram
apresentam, na América Latina, grande que a passagem de instituição não
variedade institucional. Uma variedade assegura automaticamente mudanças nos
que se refere, não apenas a instituições de processos de formação. Em muitos casos,
categorias distintas (universidades segue predominando, para a formação de
pluridisciplinares ou pedagógicas, docentes do ensino básico, uma
institutos profissionais de educação concepção “generalista” que associa a
superior, de nível terciário, e escolas formação com os conteúdos que o
normais), como, dentro delas, as unidades docente deve transmitir.
acadêmicas responsáveis pela formação Para os docentes de nível médio,
de docentes correspondem em contrapartida, predomina uma visão
indistintamente a Faculdades, de referida à especialidade em uma
Educação ou outro tipo, a Escolas disciplina com uma fraca e dissociada
profissionais, a Institutos e Centros de formação pedagógica. Tal como
Ciências da Educação, a Departamentos assinalam alguns estudos, a transferência
ou Áreas de Educação, assim como a de dependência a um ou outro nível do
Institutos Profissionais e Escolas circuito da formação não assegura
Normais, sejam elas de caráter estatal, automaticamente um melhoramento da
sejam privadas. Predominam nesta qualidade do processo. Este, como outros
temas, depende de um conjunto de
36 fatores. Os docentes latino-americanos
O documento de referência constitui o relatório
carecem, muitas vezes, de conhecimentos
final do projeto “Los docentes y los desafíos de la
profesionalización”, maio de 2000. O primeiro e habilidades pedagógicas para
volume refere -se ao estado da arte sobre os desenvolver as atividades e produzir os
estudos acerca de docentes. No segundo, conhecimentos esperados. Diversos
sintetizam-se os resultados de uma pesquisa feita estudos qualitativos realizados revelaram
junto a uma amostra representativa de mestres e
que os mestres têm uma base cultural e
professores.
37
Ver Anexo 3: Alguns dados sobre a formação profissional insuficiente para ensinar
de docentes na América Latina. programas curriculares que buscam
38
Enrique Pascual K. (1999): Informe de la
formación de profesores de pre y postgrado desde
39
las instituciones formadoras más importantes en Ver Anexo 3, Denise Vaillant, 2002.
América Latina. Revista Iberoamericana de Modalidades e requisitos da formação docente por
Educación. Número 19. Formación Docente. países na América Latina.
26. 26
desenvolver habilidades cognitivas futuros docentes, eles aprendem a
complexas. Chamam a atenção para isto, “controlar a disciplina” dos alunos, mas,
entre outros, Rivero (1999) com respeito em geral, enfrentam suas práticas e suas
ao professores peruanos; Tatto e Vélez primeiras experiências como docentes
(1997) em relação aos professores com estratégias para tal finalidade.
mexicanos, e Delannoy e Sedlacek (2000) Em segundo lugar, os estudos
referindo-se a diversos estudos feitos no sobre formação docente mostram, quase
Brasil. sem exceção, o “choque da prática”. Os
Se nos referimos à qualidade dos aprendizados que os docentes realizam
processos, um relatório do IIPE- em seus primeiros passos na profissão
UNESCO40 assinala a baixa eficácia da têm um peso ao menos equivalente ao da
formação docente inicial como instância formação de graduação. A escola aparece
preparatória para os primeiros passos dos ao docente principiante como uma
docentes no campo profissional. Onde realidade “já feita”, e nela ele aprende os
aprendem os docentes a desempenhar sua rituais, as formas de trabalho vendo atuar
tarefa? Os novos docentes, ou bem se seus colegas com mais experiência,
refugiam em imagens prévias do ensino ouvindo seus conselhos, interagindo com
escolar que construíram em sua passagem a direção, com pais e alunos, etc.
como estudantes pelos níveis anteriores à
formação docente, ou se submetem às 3.3 OS FORMADORES E AS PRÁTICAS DE
exigências do contexto escolar imediato ENSINO
em que devem trabalhar.
Em primeiro lugar, os docentes Podemos falar de experiências
aprendem em sua trajetória escolar práticas para referir-nos ao que Zeichner
42
prévia. Quanto um estudante ingressa na define como “todas as variedades de
formação inicial, tem um histórico de observação e de experiência docente em
escolarização com 14 anos, em média.41 um programa de formação inicial do
Nesse longo histórico escolar, os futuros professorado: experiências de campo que
docentes aprenderam o que se pode e o precedem o trabalho em cursos
que não se pode fazer em uma escola, acadêmicos, as primeiras experiências
suas rotinas, as relações de poder e as [...] e as práticas de ensino e os programas
hierarquias dos distintos indivíduos que de iniciação” (1992: 297).
convivem nas instituições educativas. As experiências práticas de ensino
Estes produtos, internalizados ao longo da representam uma ocasião privilegiada
vida escolar dos estudantes, constituem-se para investigar o processo de aprender e
em um “fundo de saber” que, em boa ensinar. Por várias razões, os formadores
medida, orienta as formas como de docentes devem interessar-se pelas
assumirão seus próprios papéis como práticas como componentes formativos:43
docentes (Davini, M.C., 1995). Neste
sentido, Terigi e Diker (1997) dão o 42
Zeichner, K. (1992): Rethinking the practicum
exemplo da disciplina em sala. Em
in the professional development school
nenhuma matéria da formação inicial dos partnership. In Journal of Teacher Education, vol.
43, N? ? , 1992.
4
40 43
IIPE-UNESCO (2001): Formación Docente Ver Vaillant, D. e Marcelo, C. (2000): ¿Quién
Inicial. Informes Periodísticos N? ? . Buenos
5 educará a los educadores? Teoría y práctica de la
Aires, IIPE. formación de formadores. ANEP, AECI,
Montevidéu.
41
Ver anexo 2
27. 27
processos de memorização e com pouco
• pesquisas feitas, tanto na América tempo destinado à formação em pesquisa
Latina como em nível internacional educativa (García -Sípido, 1994). Este tipo
revelam que os docentes de formação dificulta o acesso a outros
reconhecem que as práticas de métodos de ensino, pois os professores
ensino foram os componentes mais não aplicam na prática os métodos
importantes de suas formações; interativos, cuja descrição conhecem
• poucas pesquisas dão informações apenas de memória.
sobre as práticas de ensino, como se Recente estudo realizado na
desenvolvem e que resultados Venezuela44 assinala que, tanto os
conseguem; mestres jovens como os de idade mais
• as práticas de ensino constituem avançada consideram que a formação
um dos componentes mais universitária em educação é bastante boa
destacados da formação inicial dos na parte teórica, mas carece da dimensão
docentes, pois permitem estabelecer prática: nem forma para o trato com as
relações entre os centros educativos crianças, nem oferece ferramentas para
e os Institutos de Formação. levar a teoria à prática. Os mestres
normalistas mencionam, também, que os
Ainda que as práticas de ensino novos mestres não contam com
continuem sendo o elemento mais ferramentas para manejar relações
valorizado pelos docentes, tanto em interpessoais em sala de aulas. Os
formação, como em exercício, às vezes mestres entrevistados explicaram que as
espera-se demasiado delas, mantendo aulas nas universidades são dadas por
expectativas pouco realistas a seu professores universitários que
respeito. desconhecem por professores
Na realidade, como afirma universitários que desconhecem o
Zabalza, “as práticas não são práticas no trabalho em aula. Que, ao contrário, a
sentido estrito, mas apenas uma formação dada nas escalas normais ficava
abordagem da prática. São simulações da a cargo de “formadores modelos”,
prática, e não se pode esperar que gerem também denominados “mestres de
o conhecimento prático que se deriva da mestres”, isto é, indivíduos com ampla
prática” (Zabalza, 1989:16). Os experiência de aulas e que ofereciam uma
formadores deveriam planejar formação através do exemplo e da
adequadamente as práticas para que se demonstração.
convertam em uma ocasião de Apesar das fragilidades
aprendizado e para que sejam um constatadas, há, na América Latina,
componente fundamental da formação algumas propostas de interesse que se
profissional. Um curso prático é uma referem à transformação das práticas em
situação pensada e organizada para a educação, como o PUI – Programa
tarefa de aprender uma prática (ver
Schön, 1992:45-46). 44
Banco Inter-Americano de Desenvolvimento
Diagnóstico elaborado pela (2000): Reforming Primary and Secondary
Organização de Estados Ibero-americanos Education in Latin America and the Caribbean:
(OEI) sobre os Institutos de Formação an IDB Strategy. Departamento de
Docente latino-americanos conclui que os Desenvolvimento Sustentável, Série Estratégia do
Setor e Documentos de Políticas, N? ?EDU-113.
professores são formados em aulas
Washington, DC: Banco Inter-Americano de
fundamentalmente teóricas, centradas em Desenvolvimento.
28. 28
Universitario de Investigación, da utilizar com seus alunos os
Universidade Nacional de Colômbia. 45 conhecimentos teóricos adquiridos
O Programa PUI nasceu do durante sua própria formação.
interesse de um grupo de professores A formação de formadores é um
procedentes de disciplinas outras que não território pouco explicado e menos
a pedagogia que se interessaram por explorado ainda, cujos espaços para
analisar a situação dos ensinos médio e reflexão praticamente inexistem na
básico na Colômbia e se interrogam sobre bibliografia pedagógica e nos diversos
as formas como a universidade pode cenários educativos, públicos e privados.
contribuir para transformá -los. Trata-se Ocorre com este tema o mesmo que
de um projeto de educação permanente no ocorre com o ensino: a crença de que o
qual os professores universitários e dos único que se requer para ensinar é o
ensinos básico e médio se educam conhecimento do se ensina – o conteúdo
conjuntamente em um processo ou matéria a ser ensinado. Esta tem sido
intersubjetivo de reflexão e diálogo. Cada uma crença bastante difundida e que foi
grupo disciplinar ou profissional assume acompanhada de um déficit de
a tarefa de preparar os diversos projetos consideração social a respeito do valor e
de pesquisa que poderiam sustentar uma da complexidade que a tarefa de ensinar
proposta para a formação do professorado representa. Pois bem, poderia parecer
com vistas a operar mudanças na cultura que qualquer um pode exercer a função
escolar. de formador de formadores, desde que
seja especialista em alguma disciplina.
4. QUE FORMAÇÃO DAR AOS Nada mais distante da realidade, como
FORMADORES ? tentaremos demonstrar. 47
Um ponto pouco explorado no 4.1 A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA
campo da pesquisa em formação docente
é o conhecimento pedagógico e Os primeiros programas de
disciplinar dos próprios formadores.46 formação pedagógica de formadores que
Instala-se hoje na formação de surgem no nível internacional e regional
formadores a mesma discussão existente postulam a especificidade pedagógica na
em torno da necessidade de formar prática com a clientela adulta. Muitas das
docentes que conheçam os conteúdos das atuais propostas de formação de
matérias acadêmicas que ensinam, mas formadores têm, todavia, a função de
que também tenham suficiente fazer perceber o caráter específico dos
conhecimento de pedagogia para ensinar modos de aprendizado dos adultos.
os estudantes a aprender. A discussão Dominicé 48 (1990) afirma que,
centra-se em como ensinar o docente a com os aportes da Psicossociologia ao
campo da dinâmica de grupos e da
45
relação pedagógica, começa a impor-se
Ver Rodríguez, José Gregorio. I Seminario um conhecimento da formação de
Taller sobre Perfil del Docente y Estrategias de
Formación. Lima-Peru, setembro de 1999.
46 47
Ver Messina, Graciela (1999): Investigación en Ver Vaillant, D. e Marcelo, C. (2000): ¿Quién
o investigación acerca de la formación docente: educará a los educadores? Teoría y práctica de la
un estado del arte en los noventa. Revista formación de formadores. ANEP, AECI,
Iberoamericana de Educación. Número 19. Montevidéu.
48
Formación Docente. Dominicé, P. (1990): L’histoire de vie comme
processus de formation. Paris, L’Harmattan.