3. Direitos Humanos
e cidadania
O exercício pleno da cidadania só é possível quando os
direitos humanos, isto é, aqueles que são atribuídos a
qualquer ser humano, podem ser garantidos na prática.
No Brasil, o Ministério Público passou a exercer um papel
fundamental no que diz respeito a esse tema com a
Constituição Federal de 1988. Foi a partir da “Constituição
Cidadã”, assim chamada em função dos avanços trazidos,
que o MP passou a ser uma das instituições encarregadas
da defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais. O objetivo do
CapacitaPOA - sistema permanente de ensino é contribuir
para o entendimento da atuação de órgãos estratégicos,
como é o caso do Ministério Público em todos os
seus níveis – Estadual, Federal, do Trabalho e Militar. A
meta é preparar os participantes para trabalharem de
forma cada vez mais integrada, cooperativa e solidária,
propícia à consolidação de um sistema de participação e
governança. Bom aprendizado!
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4. Direitos Humanos
Os filhos ainda estavam dormindo. Joana levantou, tomou
café, se arrumou em silêncio e olhou pela janela: era
madrugada, fazia frio. No sábado, eles podiam dormir até
um pouco mais tarde, mas ela precisava ir para o trabalho,
o primeiro que tinha conseguido com carteira assinada
e direitos sociais, tudo certinho. Deixou um bilhete com
algumas instruções e saiu.
Antes de tomar o ônibus, ainda olhou para a casa modesta
e pensou: “É minha. Não importa que seja simples, que seja
pequena, que seja longe: É minha. E meus filhos estão lá
dentro.
Tem sido assim desde que mandou o Chicão embora.
Sai com o coração na mão, não sabe o que ele pode
aprontar. Fazia tempo que o marido não deixava dinheiro
pra comprar uma caixa de leite que fosse. Não queria
mais trabalhar, dizia que pagavam pouco, qualquer
troquinho que achasse se metia no boteco do Amauri e
bebia tudo. Pendurava. O Amauri vinha cobrar e Joana
não tinha escolha. Desconfiava até que o Chicão andava
metido com o tráfico, porque deu de circular por aí com
o pessoal do ponto. Como era grande, pode ser que
tenham pegado ele pra segurança.
Mas não queria um marido assim,
preferia cuidar dos filhos sozinha.
O pior é que o encosto ainda
continuava lá, casado com ela sem
estar, de verdade. De vez em quando,
aparecia no barraco. Violento.
Botando banca. Dizendo que ou
voltava, ou levava as crianças com ele.
Então, Joana tinha que ir para a casa da mãe uns dias, até
baixar a poeira. Depois voltava, mais tranquila. Quando
chegou na casa da patroa, quase se desmanchou com o
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5. peso do que estava sentindo.
A dona Inácia, que não era boba, percebeu que alguma coisa
não ia bem.
– Credo, Joana, como tu estás quieta hoje! Aconteceu alguma
coisa? – perguntou. Dona Inácia era da fronteira, usava os
verbos bem certinho, como deve ser.
– Nada, não, dona Inácia. Coisa de mulher, preocupação...
– Então, desembucha. Sou mulher também, sei dessas coisas.
Quem sabe não posso te ajudar?
Joana largou a vassoura. Enrolou a flanela na mão e desandou
a chorar.
– É que o Chicão, dona Inácia, tá indo demais lá em casa. E tá
ameaçando levar as crianças com ele. Bate na porta, chuta as
paredes, diz que vai voltar. Um inferno! O que que eu faço?
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6. Direitos Humanos
Dona Inácia consolou a empregada.
– Minha filha, não sabia que a coisa estava feia assim. Por que
vocês brigaram?
– Ele não queria fazer mais nada em casa, dona Inácia.
Perdeu o emprego, passava o dia bebendo pelos cantos
e acho que até tá metido com o pessoal do tráfico.
Quando bebia, me ameaçava, ameaçava as crianças,
chutava as cadeiras. Um inferno! O Jonatan, meu
mais velho, tava ficando igual. Até que um dia eu
troquei a fechadura da porta e não deixei ele
entrar mais.
– Fizeste muito bem, minha filha. Mas não podes deixar a
coisa assim...
– Assim como?
– Assim, solta no ar. Ele precisa ajudar a criar os filhos, ora.
– Não quero. Só quero me ver livre dele.
– Mas de jeito nenhum. Onde já se viu? Homem bota filho no
mundo, depois se cansa e a mulher ainda diz que não precisa
ajudar a cuidar? Precisa, sim.
Conforme a – Não quero, dona Inácia. Depois vou ficar devendo pra
Constituição
Federal, as
ele, entende? Vai sair dizendo por aí que é ele quem cria
mulheres têm os meus filhos, que bota comida em casa, que compra
assegurada uniforme da escola, essas coisas. Sabe como é, o povo acaba
a igualdade
de direitos e acreditando. Mulher não tem vez, dona Inácia. O homem
oportunidades, sempre tem razão.
sem que haja
qualquer distinção – Mas deixa de bobagem, minha filha. Tu tens o direito de
entre homens e não querer mais ele e, ainda assim, cobrar a participação
mulheres.
do Chicão na criação dos filhos. É um dever dele. E um
direito teu.
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7. O que são direitos humanos?
Os direitos humanos são direitos básicos de todo e qualquer
ser humano. De uma maneira mais ampla, podemos dizer
que são quaisquer direitos atribuídos a um ser humano,
seja este mulher, homem, criança, adolescente, trabalhador,
presidiário, policial, negro, branco, indígena, idoso, pessoa
com deficiência, etc. A garantia desses direitos, bem como o
acesso a eles é o que permite alcançar a cidadania plena.
Ao longo da história, foram criados instrumentos
internacionais que garantissem esses direitos, como a
Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).
Da mesma forma, eles passaram a ser incluídos nas
legislações de alguns países, como na Constituição Federal
do Brasil de 1988 - em especial os Títulos I, Dos Princípios
Fundamentais, e o Título II, Dos Direitos e Garantias
Fundamentais. No país, também existem outras leis
voltadas aos direitos humanos (Estatuto do Idoso, Estatuto
da Criança e do Adolescente, Lei de Execuções Penais, etc).
Entre os principais temas e segmentos, estão:
Assistência social
Crianças e adolescentes
Educação
Idosos
Igualdade racial
Moradia
Meio ambiente
Mulheres
Pessoas com deficiência
Previdência Social
Saúde
Segurança alimentar
Segurança pública
7
8. Direitos Humanos
A Lei Maria da – Não sei, não.
Penha (Lei 11.340)
criminaliza a – Olha só, minha filha. Tem uma lei nova, de 2006, que se
violência contra chama Lei Maria da Penha. Sabia? Conhece?
a mulher, seja no
âmbito privado – Não, não sei de nada disso, dona Inácia.
ou público (no – Pois é, minha filha. É uma lei que protege famílias como a tua,
trabalho, na rua,
que são vítimas desses machões aí. Eles são muito valentes contra
em casa, etc). A lei
não pune apenas mulheres e crianças que não podem se defender. Mas eu queria
as agressões ver eles levantarem a mão para um juiz. Ou para um policial.
físicas e sexuais,
mas também as – Polícia, dona Inácia?
psicológicas, morais – É, minha filha: Polícia. É o jeito de parar com esse tipo de
e patrimoniais.
coisa. Claro, ninguém gosta. É marido. Dormiu com a gente...
– Dona Inácia!!
– É pai dos teus filhos. Mas isso dá o direito de botar banca,
de ser o machão da casa? Nem dinheiro ele leva pra dentro!
Dona Inácia começava a se exaltar.
– Mas Polícia?
– Está bem. Se não queres dar parte na Polícia, pelo menos
procura o Ministério Público. Aposto que eles podem te ajudar.
– Não sei do que a senhora está falando, dona Inácia.
– Joana, é assim. Sabe a Justiça?
– Sei, sim, senhora.
– Pois então! O Ministério Público é uma parte da Justiça que
cuida de manter os direitos da gente, entende?
– Não.
– Olha: a gente tem um monte de direitos
garantidos na Constituição, né? Direito
à educação, direito à igualdade, direito à
informação, um monte de coisas. Então,
quem cuida de garantir esses direitos
para nós são os membros do Ministério
Público. No teu caso, podes conversar com eles pra
garantir teus direitos individuais, sobre os filhos, sobre a família,
direito à guarda das crianças, essas coisas. E também garantir o
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9. cumprimento das leis, até os direitos dos consumidores.
– É mesmo?
– É. Quando o meu Quinzinho ficou doente, o plano de
saúde não queria saber de fazer a cirurgia de próstata que ele
precisava. Diziam que não tinha direito, que o plano não cobria,
espernearam o quanto puderam. Mas o médico autorizou. Foi
o doutor Marino que me alertou: “Dona Inácia, ele disse, seu
marido tem o direito de ser atendido pelo plano de saúde,
está na lei. Pede ajuda ao Ministério Público que eles emitem
uma ordem judicial e o plano tem que acatar. E não é que
aconteceu isso mesmo? O advogado encaminhou tudo.
– Puxa vida.
– Fiquei freguesa, minha filha. E eles não lidam só com
direitos individuais ou sociais, não. Também denunciam
crimes e até combatem a corrupção. Fora que também
trabalham para garantir a manutenção da democracia. Estão
sempre de orelha em pé.
– Eu não sabia disso. Mas o que um advogado pode fazer
por mim, dona Inácia? Nem sei falar direito. Como é que vou
explicar a minha situação pra eles?
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10. Direitos Humanos
O que o Ministério Público faz?
O Ministério Público do Rio Grande do Sul atua em
defesa da cidadania e dos direitos humanos por meio de
seus promotores e procuradores de Justiça, que exercem
suas atribuições nas mais diversas áreas e instâncias.
Questões relativas ao cidadão, como o direito à saúde,
à assistência social, direitos dos idosos, direitos dos
deficientes, direito à igualdade racial, orientação sexual
e acesso à educação são exemplos de direitos humanos a
serem defendidos pelo Ministério Público.
Para bem defender esses direitos dos cidadãos, o
Ministério Público possui Promotorias de Justiça em
todas as comarcas do Estado, sendo que em algumas
cidades há Promotorias de Justiça Especializadas em
Defesa Comunitária ou em Defesa dos Direitos Humanos.
Além dessa estrutura, o Ministério Público conta com o
trabalho do Centro de Apoio Operacional dos Direitos
Humanos – órgão da Procuradoria-Geral de Justiça,
responsável pelo apoio logístico aos agentes ministeriais
com atuação na área da cidadania e dos direitos humanos.
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11. – Ah, eles nem ligam pra isso. Estão acostumados. No teu
caso específico, minha filha, a lei pode assegurar que o Chicão
se afaste da tua casa de uma vez. Tá na lei. Eles entregam uma
notificação e ele não pode mais ir lá. Se for, pode ser preso.
– Nossa!
– Eles podem obrigar ele a frequentar programas de recuperação,
entende? Ele pode estar precisando de um psicólogo, de um
psiquiatra, de alguma ajuda especializada. Claro, homem sempre
acha que isso é frescura. Mas com um empurrãozinho da lei, ele
acaba indo e se ajudando. E ajudando a família toda.
– É.
– O Ministério Público pode também te ajudar com a pensão.
Mesmo que ele declare que não tem salário, que não tem
de onde tirar, tá lá no despacho: uma cesta básica por mês.
Então, tem que se virar, se não vai em cana.
– Dona Inácia!
– É, cana, cadeia, vai ver o sol nascer quadrado. Isso é bom,
porque tira ele daquela coisa sem compromisso. Tem que
botar uma cesta básica por mês em casa, vai se virar, arranjar
trabalho, algum jeito vai dar.
– Pois é.
Direitos da Criança e do Adolescente
Entre as muitas tarefas que o Ministério Público executa na
área da infância e da juventude, estão assegurar o acesso
das crianças e adolescentes à educação, combatendo a
evasão escolar; zelar pelo direito à convivência familiar
e comunitária; defendê-las contra todo tipo de violência
e negligência, mesmo quando praticadas pelos próprios
pais; atuar quando um adolescente comete ato infracional;
garantir às crianças e adolescentes o atendimento à saúde
que necessitarem, incluindo medicamentos; buscar em
todos municípios a implantação do Conselho Tutelar e do
Conselho de Direitos.
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12. Direitos Humanos
– Mas tem que estar com os documentos em dia: certidão de
nascimento, certidão de casamento, carteira de identidade,
comprovante de residência, CPF... É bom juntares tudo isso
numa pastinha, para facilitar.
– E esse Ministério Público cuida de mais o quê? É que a
minha menorzinha tem que fazer uma operação e eu não
consigo vaga no SUS.
Documentos mínimos necessários
RG/Carteira de identidade
CPF (Certificado de Pessoa Física)
Comprovante de endereço (menos telefone celular)
Certidão de nascimento ou casamento
Junte também todos os documentos vinculados à sua causa,
como notas fiscais (em caso de problemas comerciais),
certificados de garantias, comprovantes de pagamentos,
extratos bancários e carnês, entre outros. Quanto mais
documentada estiver a sua situação, melhor poderá ser a
defesa de seus direitos.
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13. – Ah, então vai lá. O direito à saúde também é constitucional, eles O Brasil é um dos
poucos países
podem te ajudar a conseguir medicamentos, a fazer cirurgias, a ter no mundo que
consultas especializadas, a conseguir vaga em hospital. Os caras garantem o direito
são danados. à saúde para toda
a população de
– E a vila? O pessoal lá tem problema com luz, sabe? Tem forma gratuita, em
qualquer situação
muito gato, a Companhia não quer regularizar antes do que seja – prevenção,
loteamento ser legalizado, fica um empurra-empurra cura ou tratamento.
daqueles. Os atendimentos
devem ser
– Também cuidam disso. O direito à moradia também é garantidos com
constitucional, sabia? qualidade, através
do Sistema Único de
– O que isso quer dizer, dona Inácia? A senhora usa uns Saúde (SUS), e nada
pode ser cobrado.
termos difíceis...
– Quer dizer que todo mundo, todas as pessoas que
nascem neste país têm direito a morar, mesmo que não
sejam donas de nenhuma casa ou apartamento. Ou até
de um terreno. Esses direitos têm que ser cobrados do
Estado. Olha, tem que ver se a vila de vocês não é
uma Aeis.
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14. Direitos Humanos
– Xi, danou-se. Agora que não entendo mais nada. O que a
senhora falou aí, dona Inácia?
– Aeis, Joana. É Áreas Especiais de Interesse Social. Quando
uma vila está localizada numa área onde a regularização é
prioridade. Aí fica tudo mais fácil.
– Nossa.
– É muita coisa, Joana.
– Mas deve ser difícil falar com eles, né? Acho que não tenho
nem roupa pra isso, dona Inácia!
A patroa deu uma risada gostosa e logo franziu o nariz.
– Que cheiro é esse, dona Inácia?
– Meu feijão!!!! – gritou a patroa. E saiu correndo para a cozinha.
Dica!
Depois de conhecer a história de Joana e conferir
os conselhos da dona Inácia, é sua vez de ir atrás
de mais informações sobre a atuação do Ministério
Público no Rio Grande do Sul. No site da instituição
(www.mp.rs.gov.br), você encontra informações
sobre legislação e os endereços em todo o Estado
para encaminhar denúncias, verbalmente ou
por escrito, sobre violação dos direitos humanos
que serão investigadas pelo MP. Na Capital, os
encaminhamentos podem ser feitos para:
Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos
de Porto Alegre
Rua Santana, 440 - 7º Andar - Santana - CEP: 90040371
(51) 3295.8911/8911
e-mail: dhumanos@mp.rs.gov.br
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15. Expediente
Prefeitura Municipal de Porto Alegre
Secretaria de Coordenação Política e Governança Local
Produção: Signi - Estratégias para Sustentabilidade
Coordenação: Cristiane Ostermann (MTb 8256)
e Karen Mendes Santos (MTb 7816)
Edição: Carol Lopes
Textos: Flávio Ilha
Conselho Editorial: Adriana Burger, Adriana Furtado,
Ana Paula Dixon, Beatriz Rosane Lang, Cézar Busatto,
Débora Balzan Fleck, Eloisa Strehlau, Francesco Conti, Ilmo Wilges,
Jandira Feijó, Jorge Barcellos, Júlio Pujol, Lisandro Wottrich,
Luciano Fedozzi, Plinio Alexandre Zalewski Vargas, Ricardo Erig,
Rodrigo Puggina, Simone Dani, Themis Regina Barreto Krumenauer
e Valéria Bassani.
Projeto gráfico: Carolina Fillmann | Design de Maria
Diagramação: Daniela Olmos
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão: Press Revisão
Impressão: Hotprint
Tiragem: 1.500 exemplares
Apoio à produção das cartilhas: Departamento Municipal de Água e
Esgotos - DMAE
Novembro | 2010
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