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de oferecer conteĂșdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadĂȘmicos, bem como o simples
teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.
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Sobre nĂłs:
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ser acessĂveis e livres a toda e qualquer pessoa. VocĂȘ pode encontrar mais obras em nosso site:
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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e nĂŁo mais lutando por dinheiro e
poder, entĂŁo nossa sociedade poderĂĄ enfim evoluir a um novo nĂvel."
3. Lilian Reis
Amores Complicados
E, se vocĂȘ se visse cercado de interrogaçÔes sobre... âessa coisa de amorâ?
Amores Complicados Ă©
SequĂȘncia de âEu, meu pai e meus outros amoresâ.
Capa: Adriana Brazil
Copy right © 2013 Lilian Reis
lilianarreis@gmail.com
www.lilianreis.com.br
4. "Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia, por escrito, da autora, poderå ser
reproduzido ou transmitido, sejam quais forem os meios empregados. EletrĂŽnicos, mecĂąnicos,
fotogråficos, gravação, ou quaisquer outros".
Made in Brazil.
5. âĂ um erro tentar ver muito longe no futuro. A corrente do destino, somente pode ser puxada
um elo por vez.â
Winston Churchill
7. SumĂĄrio
Agradecimentos:
PrĂłlogo
Um
Dois
TrĂȘs
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e trĂȘs
Vinte e quatro
Vinte e cinco
Vinte e seis
Vinte e sete
Vinte e oito
Vinte e nove
Trinta
Trinta e um
Trinta e dois
Trinta e trĂȘs
Trinta e quatro
8. Trinta e cinco
Trinta e seis
Trinta e sete
Trinta e oito
Trinta e nove
Quarenta
Quarenta e um
Quarenta e dois
Quarenta e trĂȘs
Quarenta e quatro
Quarenta e cinco
Quarenta e seis
EpĂlogo
9. Agradecimentos:
Sempre a Deus em primeiro lugar.
A todos que acreditaram em meu trabalho e me encorajaram a continuar. Um obrigada
especial, Ă s amigas e escritoras Bruna Dal Ferro, Daniele Nhasser e Mallerey CĂĄlgara. A todos
que me prestigiaram com suas generosas palavras de apoio e pelos efusivos elogios. Acho que
por isso devo continuar...
10. PrĂłlogo
Jade
AS COISAS NĂO PODERIAM ESTAR MAIS ESTRANHAS. MINHA VIDA NA fazenda,
apĂłs todos os acontecimentos esteve Ăłtima. Por alguns meses - poucos diria. Depois daquele
inesquecĂvel acampamento sentime realizada. Feliz, pois pensei que encontrara meu amor,
aquele que tanto desejei que me consumisse e que desse sentido Ă minha vida tĂŁo
âmovimentadaâ. Poderia dizer que nĂŁo queria que aqueles dias avançassem, porque sentia um
medo inexplicĂĄvel de que tudo fosse acabar. E nĂŁo me perguntem por que. Eu apenas sentia.
âCoisa de feeling[1].â Alguns chamariam de âcoisa de malucaâ. Ă noite quando ia dormir rezava
para que aquela alegria nĂŁo tivesse fim, pois acreditava ter encontrado meu caminho. NĂŁo era
mais aquela garota mimada e arrogante. NĂŁo pensava que o mundo girasse em torno de mim, e,
definitivamente, aprendi a valorizar os sentimentos e as pessoas. O ano que passou foi o pior ano
de minha vida. Por quĂȘ? Porque acordei um dia numa cama de hospital e descobri que perdera
minha mĂŁe e padrasto. Tive de me mudar para a fazenda, que apelidei de âfim do mundoâ, e
abdicar de meu mundinho particular de futilidades, porque era menor e nĂŁo podia morar sozinha.
Isso foi apenas o inĂcio. Quando cheguei Ă cidade que chamaria de âminhaâ, senti que nĂŁo estava
tudo bem. A cidade era linda, fofa, na verdade, parecia cenĂĄrio de novela, mas nĂŁo era o Rio.
Não havia academias de dança, baladas, teatros, tampouco, praia. Isso ainda poderia piorar?
Sim. Cheguei Ă fazenda, e, na boa, quando olhei ao redor meu estĂŽmago se rebelou. Mato nos
quatro cantos. Nada estava bem para mim. No entanto, aos poucos, tudo foi se encaixando. As
coisas melhoraram gradualmente, e, quando percebi, estava completamente inserida Ă quela
nova realidade. Havia me apaixonado pelo lugar e pelas pessoas - principalmente pelas pessoas.
Encontrei um novo sentido para minha vida, me encontrei e descobri outros amores.
EntĂŁo, agora temos outra histĂłria para contar...
11. Um
Duke
Rio de Janeiro
DEITADO NA CAMA DE JADE EU DESABEI. COMO PUDE TER ME enganado tanto?
Melissa nĂŁo era a pessoa que pensei. Ela ignorou meus sentimentos, foi fria e cruel. Nessas horas
me lembrava das palavras de Bernardo sobre o mundo paralelo[2]. Ele dizia que praticamente
todas as pessoas das grandes cidades, eram frias e valorizavam coisas e nĂŁo sentimentos.
Olhava para o teto decorado com adesivos de estrelas e me lembrava dos momentos felizes
que passamos juntos, deitados sob a luz da lua. Lembrava-me de seus cabelos curtos e
ligeiramente desfiados, da tatuagem de borboleta, no pescoço, que eu mesmo a levei para fazer
no EstĂșdio do Skin, e como me esquecer daquelas mĂŁos pequenas e dos dedos leves tocando
minha face? Sentia-me frustrado. Por que me deixei envolver tanto? Mas, Ă© que foi tĂŁo bom!
FicĂĄvamos horas sob o velho carvalho, lĂĄ pelas bandas da Rocha Alta, entretanto Melissa se
cansou. Agora ela estava em seu ambiente, e havia sua vida e seus amigos que nĂŁo foram nada
legais comigo. Era um bando de pessoas egoĂstas e metidas. Tinha sua mĂŁe escandalosa que
gritava o tempo todo. Era completamente histérica, alienada e verdadeiramente sem noção. E
havia ainda seu pai, que nĂŁo era nada pai, se, comparado a Bernardo. Antes mesmo de acabar o
verĂŁo, Melissa anunciou que voltaria para casa, porque jĂĄ estava farta de andar a cavalo, nadar
na cachoeira gelada, rolar na grama Ășmida pela relva e cansada de ver Jade agarrada a Fred.
Quando disse isso, imaginei que estivesse com ciĂșmes da amiga. Mas droga! O que ela queria?
Jade estava apaixonada, e quando se estĂĄ in love [3]- como ela mesma dizia, nĂŁo se tem vontade
de fazer mais nada, apenas ficar juntos. Sem conseguir contra argumentar, acabei deixando
minha futura ex-namorada voltar para casa. Porém, alguns dias depois, lutando para me
esquecer de meu âpossĂvel amor que viria de longeâ, minha âmenina do Rioâ, foi inevitĂĄvel.
Decidi partir para tentar convencĂȘ-la a ficar comigo, independentemente do lugar. A casa do
Leblon jĂĄ estava desocupada naquela ocasiĂŁo, entĂŁo Jade a ofereceu a mim. Aceitei porque
precisava de tempo. Melissa, por telefone, antes mesmo de eu viajar, tentou dissuadir-me, no
entanto, como estava mesmo ligado a Ă quela maluca, resolvi partir, embora ela tivesse deixado
bem claro, que nĂŁo desejava se âamarrarâ. EntĂŁo, nĂŁo me canso de perguntar: âQual era o
problema delaâ? Estava decepcionado. O pior Ă© que ela escorregava mais do que sabĂŁo. Eu a
havia tratado tĂŁo bem em Estrela do Campo, e agora que ela, mesmo a contra gosto, era anfitriĂŁ
em sua cidade, estava evitando-me. No fundo, sentia que gostava de mim. Mas, por que fugia?
12. â„â„â„
Remexia o tempo todo, estava sem lugar e irritado. Pensava em permanecer no Rio, mas nĂŁo
tinha certeza. Queria estudar e esta era uma boa oportunidade, embora soubesse que minha
adaptação seria difĂcil, uma vez que era do interior e curtia a vida no campo. Talvez, optasse
mesmo por um curso a distĂąncia - como meu irmĂŁo. NĂŁo tinha nada a ver com aquela vida que
um dia fora a de Jade. Se ficasse, as coisas seriam diferentes e contrĂĄrias. Teria de me
acostumar. Sentiria na pele o que Jade sentiu quando fora obrigada a se mudar.
Estava deslocado, e pelo jeito, nĂŁo poderia contar com Melissa que me havia dado o maior
fora. Achei complicada a minha situação. Na verdade, achava que não era para ser, afinal, o que
senti por Melissa era mais parecido com atração fĂsica. Embora, estivesse muito ligado a ela, em
todos os sentidos. Nossa! Em relação a sentimentos eu era um fracasso. Nem tinha certeza do que
sentia. Compreendi também que talvez a tivesse usado, mesmo que inconscientemente como
uma âtĂĄbua de salvaçãoâ. Queria arrancar Jade de meu coração e Melissa apareceu na hora
certa. Era bonita e faceira, então entrei de cabeça. Para falar mais verdade ainda, não sabia o
que estava dizendo. Achava que amava as duas, cada uma de um modo. Seria possĂvel amar
duas?
Apertei os olhos num sinal claro de esgotamento. Sentia-me acabado com esses conflitos
emocionais, que atrapalhavam e diminuĂam minha capacidade fĂsica e mental. Sentia que meus
dias passavam em cĂąmara lenta e que as dores pelo corpo e cabeça nĂŁo me dariam alĂvio - o que
agravava também a depressão e o stress.
Mais uma vez me lembrei da Ășltima conversa que tive com Melissa, pouco antes de ela voltar
para casa, para sua vida intensa e cheia de acontecimentos...
15/01/2012
â Mas, Mel ainda falta alguns dias! - argumentei aproximando-me dela que estava na
varanda, de costas. Sentia-me triste. Meu cérebro ainda não havia assimilado tudo que Melissa
dissera, estava visivelmente tenso.
â Du, nĂŁo me leve a mal! - virou-se para mim irritada com ela mesma. â Mas ao contrĂĄrio
de Jade, nĂŁo aguento mais ver mato â tocou meu rosto. Eu me sentia pĂ©ssimo e estava
visivelmente abatido. Tinha a impressĂŁo de que meus dias alegres se acabariam. Continuou: -
NĂŁo sou como ela que agora acha que aquele âmatinhoâ ali dĂĄ uma boa fotografia â apontou
para o horizonte e olhou para mim novamente, com cara de coisa alguma. - DĂĄ pra entender? â
13. perguntou.
Ela sabia que partindo antes do previsto, me magoaria. Mas o que Melissa queria? Me amarrei
sim! Pra valer! Por isso me assustei quando ela disse que partiria. Foram tantas promessas e
declaraçÔes. Lembrou-se por um momento do pedido que a amiga fizera: para que não
alimentasse minhas esperanças, porque era como se fosse seu irmão. Mel deu-me as costas,
pensativa. Com olhos marejados e os braços cruzados, prosseguiu. Sabia que tinha de ser
convincente.
â Gosto mesmo Ă© da paisagem urbana e nĂŁo aguento mais andar a cavalo! - enfatizou,
novamente. Depois se lamentou: - Sinto muito Du mas esta cidade nĂŁo Ă© para mim. Ă pequena e
sem graça.
Nesse momento, levou a mĂŁo ao estĂŽmago que revirava.
â AlguĂ©m aqui te maltratou? â quis saber, pois achava que ela havia desistido rĂĄpido demais,
para alguém que chegara tão animada e elogiando tudo.
â Claro que nĂŁo! NĂŁĂŁooo â salientou. â NĂŁo se trata disso Du.
Oh Deus! Isso vai ser difĂcil! â ela pensou.
â Uau! â exclamei balançando a cabeça. - Pensei que gostasse daqui. Cansou rĂĄpido demais!
â virei Melissa e perguntei, segurando-a pelo braço: â E a gente? - aproximei-a ainda mais e pude
sentir seu hĂĄlito gostoso bem perto de meu nariz. Ela fechou os olhos. Esse momento foi tenso e
torturante porque queria tomå-la em meus braços e beijå-la. Mas me segurei. Uma lågrima
brotou de meus olhos, porém não a deixei cair. Não queria acreditar no que estava acontecendo.
Ali, parado perto de Melissa, sentia o ar frio da fazenda soprar em meu rosto e me recusava a
acreditar que talvez Melissa ainda nĂŁo fosse âmeu amor que viria de longeâ.
â Du... â Mel ameaçou falar, mas afastou-se ofegante. Aquela conversa tensa, era difĂcil
para ambos. Novamente senti que nĂŁo queria magoar-me, porque escolhia as palavras. Mas,
também percebi que não aguentaria permanecer ali nem mais um dia, então, tentou acabar logo
com aquilo. Porém, ainda titubeava. Insisti. Fui atrås dela, que se encostara à pilastra, sentindo-se
pressionada. Ela baixou os olhos para evitar o contato visual. Acredito que tinha medo de
fraquejar. Sua cabeça trabalhava a mil por hora e seus pensamentos pareciam torturå-la.
âTenho de dar o fora da fazenda. NĂŁo quero âessa coisa de amorâ. NĂŁo Ă© um lindo par de olhos
azuis que me prenderĂŁo a um lugar como este, e nem desejo passar no meio do nada o restante de
minhas fĂ©rias. Deus! Quero voltar para casa! Para meu mundo. Quero ver o marâ!
â Entenda! â Mel disse, dessa vez olhando para mim. - Curti cada momento que passamos
14. juntos, mas deu! â continuou resoluta, embora sua voz vacilasse, emendou: - Se para ficar com
vocĂȘ tiver de permanecer aqui, tĂŽ fora!
â Puxa, nunca pensei que a franqueza doesse tanto! â eu disse desanimado.
â Prefiro ser honesta com vocĂȘ a ficar te enrolando! â afirmou tentando parecer fria.
â EstĂĄ bem, mas e como a gente fica? â minha voz saĂa estragulada.
â NĂŁo fica! â pensou por um segundo. Ela nĂŁo conseguia encarar-me por muito tempo. Mas
caramba! Por que lutava contra seus sentimentos?
Desviou os olhos. Mel parecia pisar em ovos.
â Du ouça! â segurou minha mĂŁo, impaciente. - Foi legal... â pausou balançando a cabeça,
nervosa. NĂŁo estava preocupada apenas comigo. Ela sabia que Jade provavelmente lhe daria
uma bronca. - Curti muito, mas cara, quero minha casa, quero a praia!
Pausou novamente levantando o pescoço como se procurasse a ar e acrescentou: â Quero
sentir a brisa do mar chicotear meu rosto â pensou antes de falar e disparou com rudeza: - Aqui o
que sinto Ă© cheiro de cocĂŽ de vaca!
Sentiu-se må, mas tinha de ser convincente. Fuzilei-a com olhar de reprovação. Melissa disse
por fim: â Pensei que Jade se importasse comigo, mas...
â ESPERA AĂ! - objetei. Minha voz dessa, vez projetou-se tĂŁo alta e grossa, quanto o
estrondear de um trovĂŁo. Continuei: - Sei que veio por causa de Jade, mas agora vocĂȘ estĂĄ
comigo! Temos uma histĂłria, ou nĂŁo? - relaxei rapidamente e sorri esperançoso. Continuei: â
Ah qual Ă©? - segurei seu braço. â Jura que nĂŁo estĂĄ gostando? A gente se dĂĄ tĂŁo bem, e... â deixei
as palavras no ar. - A nĂŁo ser que esteja fingindo.
â Du, a gente se curte sim. VocĂȘ Ă© um gato e... Ă© um cara gostoso, e nĂŁo! NĂŁo estou fingindo.
Me desculpe, nĂŁo sei explicar o que deu em mim. Ă que, eu, eu estou com medo!
Deu um sorriso nervoso. Depois tocou minha face vermelha pelo frio e roçou o dorso da mão
em minha barba raspada. Segurei sua mĂŁo, prendendo-a. Beijei aquela palma macia e delicada
de olhos fechados.
â Medo? Por quĂȘ? Machuquei vocĂȘ? Te fiz algum mal?
â NĂŁo gato. VocĂȘ Ă© o cara mais amĂĄvel que conheci. Mais doce e apaixonante. NĂŁo sei o que
deu em mim. Provavelmente vou me arrepender pelo resto de minha vida por tĂȘ-lo magoado,
mas nĂŁo tente me entender. Nem eu mesma consigo.
â Mel, por favor! â supliquei. â Estou gostando muito de vocĂȘ! Acho que depois que veio para
15. cĂĄ consegui me esquecer de... â pensei depois continuei: - Acho que consegui tirar alguĂ©m de
minha cabeça. Alguém que me perturbava e que não era para ser.
â Ahh nĂŁo gostei disso nĂŁo! VocĂȘ me usou? â ela perguntou puxando a mĂŁo.
Ă claro, dei mancada, nĂŁo deveria ter lhe dito aquilo. Mel apertou os olhos, levantou as mĂŁos e
prosseguiu.
â Tudo bem. NĂŁo importa. Du eu sinto muito cara, mas... â afastou-se um pouco e se virou-se
para não me encarar. Os argumentos de Melissa fizeram com que minhas feiçÔes endurecessem
tĂŁo rĂĄpido quanto o espocar de um flash.
â EntĂŁo para vocĂȘ nĂŁo signifiquei nada nĂŁo Ă© Mel? Ă assim?
â O que quer dizer? â Melissa virou-se abruptamente e me perguntou irritada.
â Pensa que sĂł porque âficamosâ, temos de nos casar? Ah qual Ă©! Du caia na real!
Ela decidiu pegar pesado.
â Sou uma garota acostumada Ă s coisas da cidade grande â emendou esticando os braços. â
Olhe sĂł para minhas mĂŁos! VĂȘ? EstĂŁo cheias de calos de tanto segurar rĂ©deas de cavalo. Estou
pĂĄlida, porque sĂł ando de blusa de frio â disparou um tanto ĂĄspera: - Du, este lugar Ă© um freezer
de tĂŁo gelado! Compreende meus motivos? Hum? - perguntou-me ainda fitando meus olhos. E
como nĂŁo disse nada, continuou. Dessa vez gesticulando: â Saiba que gosto mesmo Ă© do calor,
do sol escaldante, de mexer na areia com os pĂ©s. Gosto de pegar onda... uau! â exclamou
saudosa balançando a cabeça e sibilando. â NĂŁo tem nada a ver com vocĂȘ, honey[4]! Ă o tipo de
vida que levo.
â Ă assim que fazem lĂĄ em sua cidade? â perguntei segurando-a pelos ombros. - Usam e
abusam dos sentimentos dos outros e depois pulam fora, como se a pessoa fosse um... sei lĂĄ, um
objeto? - agarrei-a pela cintura encostando minha testa Ă dela. Melissa nĂŁo era indiferente.
Fechou os olhos e permaneceu assim. Ela arfava bastante. Sem conseguir me segurar, tomei seus
lĂĄbios e a beijei como se fosse a Ășltima vez. Quase pirei. Melissa mexia muito comigo. Segurei
aquele rosto perfeito entre minhas mĂŁos e olhei dentro de seus olhos. Ela gostava de mim.
Gostava muito, mas tinha medo de compromisso. Isso, ela explica depois, em detalhes.
Ela pensava que se ficasse na fazenda, certamente se amarraria pra valer. Mel decidiu fugir
dos prĂłprios sentimentos, por isso simulou ser fria e tentou demostrar que nĂŁo ligava. Empurrou-me
com força. Depois, se virou para tentar se recuperar. Aquele beijo fez suas pernas
vacilarem.
â Cara, tĂĄ fazendo isso parecer dramĂĄtico demais! â berrou, engolindo a saliva. Dessa vez
16. tentou parecer mais dura. - Como disse, se para a gente âficarâ eu tiver que permanecer aqui,
nĂŁo quero! â ainda que tentasse falar baixo sua voz projetava-se alterada. Continuou: - Sinto
muito Du, nĂŁo pertenço a este lugar. E jĂĄ chega! Preciso sair. â ela deu alguns passos e parou
quando ouviu minha voz.
â Pense bem Mel! Faltam poucos dias, terĂĄ sua vida de volta! Ă sĂł esperar mais quinze dias,
por favor!
â Mas... â Mel virou-se abruptamente, sem paciĂȘncia alguma, e com a expressĂŁo cansada
disparou: - Que diferença faria? VocĂȘ mora aqui! Admita Du! Isso nunca daria certo.
Pertencemos a mundos diferentes.
â Ă que... â pensei e depois declarei com segurança: - Ă que vou para o Rio, Mel.
â Como Ă© que Ă©?! â Melissa indagou sem acreditar. Afinal queria fugir do amor e este a
cercava por todos os lados.
â Ă. Vou para estudar, decidi que farei cursinho no Rio â repeti.
Melissa deu as costas para mim, irritada. Entrou batendo os pés e a porta com força. Levantei
os ombros e abri as mĂŁos tentando entender o que dera nela. Abri a porta e gritei cheio de
dĂșvidas: â MEL! NĂO QUE FICAR AQUI, OU NĂO ME QUER EM SUA VIDA? â nĂŁo
entendia a atitude dela. Pensava que ela nĂŁo quisesse ficar comigo por causa do lugar. Voltou-se
para mim vacilante e respondeu tambĂ©m alto: - JĂ DISSE! â depois, acrescentou, sentindo a
garganta se estreitar: - Pra mim jĂĄ deu!
â Quero ir com vocĂȘ! â declarei, sentindo uma lĂĄgrima brotar. Limpei-a, imediatamente.
Estava desesperado, pois entendia que Mel, talvez fosse a âsoluçãoâ para os conflitos internos.
Aqueles que enfrentava e que me dominavam hå meses. Melissa subiu as escadas em direção ao
quarto que ocupava e se fechou para arrumar as malas. As pernas quase nĂŁo sustentavam seu
corpo. Sem conseguir dar mais um passo, encostou-se Ă porta, ofegante.
â âQue drogaâ! â gritou para ela mesma, pensativa.
Melissa nĂŁo queria admitir, mas gostara de ficar comigo. E pelo jeito, eu de ficar com ela,
porque estava fazendo aquele momento tenso, parecer o fim do mundo. Mel jamais poderia
imaginar que em apenas dois meses, ficasse âtĂŁo mexidaâ. TambĂ©m fiquei. Essa questĂŁo ainda
estava cercada de interrogaçÔes em minha cabeçaâ. Amar seria assim tĂŁo complicado? â eu
pensava.
Ela continuou falando sozinha:
â Tenho de dar o fora desse lugar âenfeitiçadoâ! Bem que Jade disse que aqui Ă© âmĂĄgicoâ
17. Putz!
NĂŁo me dei por vencido. Segui Melissa e abri a porta do quarto abruptamente, disposto a
desabafar.
â TĂĄ maluco? â afastou-se, assustada encostando-se ao armĂĄrio.
â EntĂŁo para vocĂȘ fui apenas um âficante de verĂŁoâ? NĂŁo signifiquei nada? â Questionei
nervoso, avançando até quase tocå-la. A respiração ruidosa e acelerada.
â Ahhh! NĂŁo coloque as coisas assim!
â Diga o que fui para vocĂȘ Melissa! Porque percebo que nĂŁo estĂĄ cansada somente da
fazenda, estĂĄ cansada de mim!
â Du sinto muito!
Ela baixou ou olhos, sentindo-se um pouco intimidada.
â A gente curtiu muito. Foi âsuperâ, ficar com vocĂȘ. Nos divertimos, mas o que queria? â
perguntou-me.
â Eu quero vocĂȘ! Quero vocĂȘ Melissa! â repeti esticando os braços, mas ela fugiu, para o
outro lado e encostou-se Ă parede.
â Pode parar por aĂ Du! â esticou um dedo.
Ficamos os dois nos encarando por alguns segundos. Estava tenso. Meu maxilar enrijecido,
meus punhos cerrados. Melissa entĂŁo deu as costas. Dava para perceber que se sentia mal com
tudo aquilo. Ela acreditava que se ficasse ouvindo meus argumentos, poderia voltar atrĂĄs e ela,
definitivamente, nĂŁo queria âessa coisa de amor e paixĂŁoâ. Decidiu que precisava dar o fora.
Apanhou uma blusa rapidamente e a dobrou para colocar na mala. Embora, estivesse
amedrontada pela minha reação, não voltaria atrås. As lågrimas pediam passagem.
NĂŁo! â Melissa repetiu mentalmente. - nĂŁo quero isso para mim!
Mel era uma garota para âaventurasâ. Livre. NĂŁo se imaginava presa a alguĂ©m, casada, numa
casa, cuidando de filhos. Anunciou depois de limpar as lĂĄgrimas e engolir o choro: â Volto para
casa ainda hoje.
â Juro por Deus Mel, pensei que fosse o meu... â joguei as palavras ao vento e balancei a
cabeça. - Eu desisto! - disse por fim: - Droga, deixa pra lĂĄ! NĂŁo vale a pena. VocĂȘ nĂŁo se
importa!
Ainda a encarei por alguns segundos e depois saà batendo a porta com tanta força, que Melissa
18. levou a mĂŁo ao peito, assustada. Concentrou-se finalmente nas malas, ao mesmo tempo em que
dava vazĂŁo aos litros de lĂĄgrimas que vieram com força total. A consciĂȘncia torturando-a.
Por que sou assim? Por que amarelo? Amar, assumir um compromisso seria assim tĂŁo ruim?
Partiu sem se despedir de Jade e dos demais. Não queria explicar nada a ninguém. Pediu a um
funcionĂĄrio da fazenda para levĂĄ-la Ă rodoviĂĄria. Da sacada de meu quarto, com os olhos
marejados, observei o carro se afastar, deixando no ar apenas a nuvem de poeira vermelha da
velha estrada que saĂa da fazenda.
â„â„â„
Virei os olhos em direção Ă janela. AlĂ©m de estar sem sono, por causa dos Ășltimos
acontecimentos, ainda havia aquele barulho de carros e pessoas conversando extremamente alto.
Meus dias naquela cidade estavam contados. Mel, eu daria um jeito de esquecer. ConcluĂ que
talvez nĂŁo fosse difĂcil porque passei a sentir muito raiva dela.
Mas, eu me conhecia.
19. Dois
Mel
AINDA ERA UMA PIRRALHA DE SETE ANOS QUANDO MEUS PAIS SE separaram, e
assim como Jade, vivi alguns pesadelos. O primeiro, foi a separação deles. Acredito que por isso,
quando a conheci, ficamos tĂŁo prĂłximas. Nossas histĂłrias se igualavam em vĂĄrios momentos.
TambĂ©m tive fases terrĂveis. Rebeldia, futilidade, irresponsabilidades e por aĂ seguia. A lista era
enorme.
Acho que ainda era assim.
Era apenas meu irmĂŁo MaurĂcio, e eu. Mas desde que me entendo por gente, tive tratamento
diferenciado em relação a ele, que era o filhinho da mamãe. Era o mais velho e tudo era para
ele. Para mim apenas resto.
Ahhh o divĂłrcio?! Ă claro. Isso foi terrĂvel! Se nossa famĂlia era estranha, depois da separação,
garanto, ficou bem sinistra! Meu pai era um maluco. Se achava âo garanhĂŁoâ, e minha mĂŁe,
histérica, ficou também alienada, completamente sem noção e cruel. Tratava-me como se não
fosse sangue de seu sangue.
Ăramos uma famĂlia de classe mĂ©dia. NĂŁo tĂnhamos grana sobrando, mas tambĂ©m nĂŁo nos
faltava nada. Meu pai ausente, era advogado e minha mĂŁe pesadelo, psicĂłloga. Cresci no meio do
âfogo cruzadoâ. E por sorte, consegui me safar. Bem, nĂŁo morri, mas quase pirei. Sou uma
sobrevivente dessa união catastrófica. Infelizmente tive sequelas. Meu coração, inocente e
infantil aos 7 anos tornou-se fechado. Apenas trĂȘs pessoas entraram, entĂŁo e o tranquei.
Jade era uma delas. Era uma garota sofrida, como eu, e como disse, vivera pesadelos terrĂveis
em sua casa, ainda mais quando seu pai se foi. Todavia, sua mĂŁe a amava e logo minha amiga
ganhou um substituto para a figura paterna que era incrĂvel. Por isso, sua vida ainda era melhor
do que a minha. E eu pegava carona nela.
Jade e eu crescemos juntas e fazĂamos as mesmas coisas. Dormia muitas noites em sua casa.
Houve ocasiÔes em que passava a semana inteira lå. Podia dizer que era feliz apenas nessas
ocasiĂ”es. Quando voltava para minha casa, era recebida com a seguinte pergunta: âjĂĄ de volta?â
Caraca! Como uma mĂŁe pode odiar uma filha tanto assim!
Depois de algum tempo, meu irmĂŁo foi para o exterior, com as bĂȘnçãos e o carinho dela.
Pensei que tudo fosse melhorar, mas não. Minha vida continuou péssima.
20. Esse ódio todo começou quando meu pai traiu-a, de maneira fria e cruel. Ele foi um sacana!
Traiu-a com a minha tia - irmã dela. Eu não me canso de perguntar: E por que a marcação
cerrada comigo? Entendi um pouco depois...
MamĂŁe ficou doente. Teve depressĂŁo profunda e quase nĂŁo conseguiu se recuperar. Nunca
perdoou a irmĂŁ, e, Ă© claro, meu pai, mesmo morando em outra casa tornou-se seu inimigo
nĂșmero um. Ă isso mesmo, inimigo mortal. Era normal ouvir mamĂŁe dizer que ainda o mataria.
Santo Deus! Confesso: minha mĂŁe me dava medo. Infelizmente a guerra entre eles nunca teve
fim. Ăs vezes, quando estava em casa, ouvia as discussĂ”es acirradas e inflamadas, via telefone.
NĂŁo imagina como me sentia mal. Depois, por tabela, sofria as consequĂȘncias. SĂł porque era filha
dele.
MaurĂcio, que era mais velho, e nĂŁo era filho de meu pai, nĂŁo se desgrudava dela. EntĂŁo, dĂĄ
pra entender porque ela o amava, não é? Resultado: por causa desse detalhe genético, eu ficava
de fora de tudo.
Tudo mesmo!
MamĂŁe nĂŁo me levava a lugar algum, nĂŁo me comprava nada e nem resolvia nada que fosse
para mim ou em meu benefĂcio. Fui praticamente excluĂda da famĂlia apenas por ser filha de
meu pai. âCaramba como isso Ă© estranho!â. Mas dei meu jeitinho. Virei âsombraâ de Jade. NĂŁo
desgrudava dela por nada. Usava suas roupas, sapatos e tudo mais. Passeava com ela e sua mĂŁe,
e desde entĂŁo, as considerava minha famĂlia. NĂŁo posso dizer que tive momentos felizes com
minha famĂlia de verdade, porque nĂŁo me lembro. Infelizmente sĂł me recordo de momentos
tristes, e estes, queria banir de minha memĂłria.
Quando estava com dezessete anos recebi um convite para ir para o exterior. E por esse
motivo, nĂŁo fiquei sabendo do acidente que vitimou Laura e Thomas e deixou Jade em coma.
Naquela ocasiĂŁo estava no auge. Sempre fui uma garota bonita. NĂŁo uma beleza exuberante,
mas tinha tudo no lugar. Ainda tenho. Meu corpo Ă© perfeito bem definido. NĂŁo sou baixinha, mas
também não sou alta. Meus olhos, negros, não são encantadores, como os de Jade, mas são
expressivos. Como dizia meu pai... âduas jabuticabas madurasâ. Meus cabelos loiros tĂȘm o tom
do milho verde e sĂŁo sedosos. Naquela Ă©poca caĂam pelas minhas costas e nas pontas eram
levemente cacheados. Embora, em minha viagem para o exterior os tivesse cortado. Lembro-me
de que Laura adorava penteĂĄ-los. Ela colocava Jade e eu sentadas em frente ao espelho e nos
arrumava. ParecĂamos irmĂŁs gĂȘmeas. Em frente ao espelho sempre me emocionava. Olhava
para a mãe de Jade através do reflexo e a admirava. Perguntava-me em pensamento: por que
minha mĂŁe nĂŁo era como ela? PoderĂamos ter sido tĂŁo felizes! - Deste modo, a Ășnica coisa que
21. me restava era os carinhos e cuidados da mĂŁe de minha amiga.
Tornei-me uma garota dura, irĂŽnica, arrogante e manipuladora. Mentia descaradamente e nĂŁo
deixava que o amor entrasse em meu coração. Pelo menos eu tentava. Prova disso era Duke.
Quando o conheci na fazenda, de cara me senti atraĂda por ele. Era lindo, tentadoramente
mĂĄsculo e gentil. Daqueles caras que protegem, abrem a porta para a garota, seguram o guarda-chuva
e fazem de tudo para agradar. No inĂcio achava tudo aquilo careta, mas, aos poucos,
gostei. Era diferente dos caras com os quais lidava. CaĂ de amores por ele. Entreguei-me de
corpo e alma. Mais de corpo - confesso. Tentei deixar nosso relacionamento apenas no nĂvel,
âfĂ©rias de verĂŁoâ, todavia quando percebi que estava me ligando, tratei de pular fora. Decidi
rapidamente. Aconteceu conosco alguma coisa de âmĂĄgicoâ. Por isso quis dar o fora. AtĂ©
inventei que sentia ciĂșmes de Jade e Fred, que andavam agarrados. Bem, meu estĂŽmago se
rebelava quando ouvia Fred chamando Jade de âPreciosaâ. Achava aquilo meloso demais. Ă,
definitivamente nĂŁo queria essa âcoisa de amorâ. Acabei concordando com minha amiga
quando dizia que a fazenda era especial. Gostei de verdade, mas nĂŁo queria gostar. Caramba,
como era confusa! Achava lå longe demais e muito parado. Eu gostava era de agitação,
aventuras, e acima de tudo, adorava ver gente, muuita gente. Amava suar o corpo dançando, e
na boa, Estrela do Campo nem tinha uma academia de dança! Não sei como Jade conseguiu se
adaptar! Vai ver Ă© o tal do amor. Argh. Entretanto, apesar de meus sentimentos contraditĂłrios,
fiquei balançada. Sentia-me uma boba. Me emocionava com tudo e comecei a ficar assustada.
Decidi que nĂŁo me deixaria levar por este sentimento. NĂŁo queria para mim a vida terrĂvel de
minha mãe, que foi apaixonada por meu pai e acabou cheia de ódio no coração. E prometi para
mim mesma que nunca seria mĂŁe.
Jamais, never, nie. [5]Fora de questĂŁo!
No dia em que arrumei minhas malas, sofri. Du praticamente implorou para que nĂŁo partisse.
A verdade, âverdade verdadeiraâ era que, se eu seguisse meu coração â que estava
completamente entregue ao Duke -, nĂŁo voltaria para o Rio, mas amarelei e acabei me
enrolando numa mentira âcabeludaâ e fazendo com que todos pensassem que era avessa Ă
fazenda. Aquilo lĂĄ Ă© lindo. Como nĂŁo gostar? Viver lĂĄ Ă© que talvez fosse complicado. Tive de
mentir, inventei motivos. Disse que o lugar era frio demais, que minhas mĂŁos estavam cheias de
calos e um montĂŁo de outras coisas, as quais nĂŁo eram verdade. Bem, era frio, mas romĂąntico. O
que dava mais clima. Por isso tive de fugir.
Nossa eu era a rainha das contradiçÔes!
Apenas numa coisa nĂŁo mentira. Eu tinha sim saudades do mar. Mas, conseguiria ficar sem o
22. mar se ficasse ao lado dele, que era demais. RomĂąntico ao extremo, brincalhĂŁo e gentil. Acabei
descobrindo que Du nunca deixaria que eu me cansasse daquele lugar. Ele me surpreendia em
todas as manhĂŁs e algumas noites tambĂ©m. Numa dessas, pouco antes de eu âbater em retiradaâ,
fez uma serenata. Aquilo acabou comigo! Num bom sentido. Deixou-me caidinha e ainda mais
apaixonada. Mas, definitivamente, essa nĂŁo era uma opção. Du chamou-me de âcruelâ. No
momento em que fiz minhas malas, me senti cruel mesmo. Com todos naquela casa, e,
principalmente, comigo mesma, uma covarde.
23. TrĂȘs
Jade
ALGUMAS COISAS EM ESTRELA DO CAMPO DEVERIAM SER TOMBADAS. As terras
da fazenda, a Rocha Alta, o paredĂŁo perto do grande carvalho, dentre outras coisas. Na parte
baixa da cidade, ao lado do cemitério, havia também um rio caudaloso. Bernardo contara-me
certa vez, que pescava muito naquele rio. Era lindo e era considerado cartĂŁo postal do lugar. Um
pĂer foi construĂdo para facilitar o acesso aos barcos que ficavam enfileirados lado a lado. De vez
em quando, passava por lĂĄ para acompanhar o lindo pĂŽr do sol e ficar observando a
movimentação das nuvens. Amava ver os grandes påssaros que ali pousavam e ajudavam a
enfeitar ainda mais aquele cenĂĄrio. Eu descreveria aqueles crepĂșsculos como mĂĄgicos. Nunca se
repetiam e eram sempre harmoniosos. Um dia fotografei um porque achei ser o mais lindo que
jĂĄ vira. NĂŁo se via o azul, mas se podia facilmente identificar os vĂĄrios tons de vermelho, laranja
e amarelo. Naquele final de tarde, algumas nuvens negras conferiam um aspecto sombrio e ao
mesmo tempo encantador ao fenĂŽmeno, que se refletia nas ĂĄguas. Coisa de Deus!
Adaptei-me a tudo e adquiri alguns hĂĄbitos. A comida era deliciosa e desde que chegara Ă
Estrela do Campo passei a comer melhor. Até engordei um pouquinho. Vivia tentando fazer
regime, mas era difĂcil. Entretanto, notei que conseguira voltar para o peso normal. JĂĄ gostava de
caminhar. Passei a amar e concluĂ que esse exercĂcio diĂĄrio me ajudava a manter o peso. Sentia
tanta falta desta atividade, que quando nĂŁo podia praticĂĄ-la, por causa de chuva, ou algum outro
motivo, sentia que meu corpo ficava ruim. Gostava mais de andar, que de cavalgar. E cavalgava
apenas de vez em quando.
Fred viajava muito e algumas vezes, sentia-me sĂł e entediada. Isolda era maravilhosa, mas
ficava no orquidĂĄrio quase em tempo integral. Eu a ajudava, mas nĂŁo conseguia ficar lĂĄ por
muito tempo. Minha madrasta - que de mĂĄ nĂŁo tinha nada -, tornou-se uma amiga com âAâ
maiĂșsculo e uma mĂŁe com âMâ gigante. Quando por algum motivo, sentia-me angustiada,
deitava-me em seu colo e chorava rios. Ela acariciava minha face e afagava meus cabelos.
Ficava comigo até dormir. Nesses momentos, de olhos fechados, pensava em Deus. Como ele
era perfeito. Perdi minha mĂŁe por alguma razĂŁo. Essa ferida jamais cicatrizaria, mas consegui
meu pai de volta e tive o âpacote completoâ, porque ele tinha uma famĂlia. Uma famĂlia
espetacular. Embora, nĂŁo o tivesse mais, agradecia todos os dias por ter tido a oportunidade de
conviver com ele por alguns meses e amĂĄ-lo.
Fiquei ainda mais apaixonada pela fazenda e nĂŁo entendia por que Melissa nĂŁo gostara.
24. PaixĂ”es diferentes. A fotografia tornou-se um importante hobby e me distraĂa. Registrava tudo
que via, påssaros, flores, lagos, até mesmo as grandes encostas. Elas eram como falésias e se
podiam ver samambaias brotando delas. IncrĂvel. As noites eram sempre muito agradĂĄveis,
embora sentisse muita falta de Du, que era meu parceiro de verdade e fazia a alegria da casa.
Era minha companhia para o cursinho e tantas outras coisas. Nos fins de semana ficĂĄvamos
apenas Fred, Isolda e eu na sala, ora assistindo novelas, que Isolda amava, ou a algum filme, ora
jogando Xadrez, que aprendi depois de quebrar a cabeça. Porém, não era uma boa jogadora. Os
nomes das peças e as estratégias não entravam em minha cabeça. Acho que era porque não
gostava de jogar. Fred sempre dizia algo que lera em algum livro: "Os peÔes são a alma do
xadrez", disse o imortal Philidor jå no século XVIII; de fato, quer marchando gloriosamente para a
coroação no final da partida, quer sacrificando-se para romper as defesas inimigas, quer fazendo
uma muralha em torno do prĂłprio rei, este humilde e valente soldado bem merece aquele
julgamento. âCuide bem dele, e sua partida, serĂĄ um suave passeioâ
Eu ria de seus comentĂĄrios. Fazia de conta que apreendia tudo e divagando pensava que a cada
dia que se passava conhecia um pouquinho mais sobre Fred. Até mesmo seu outro lado...
Sempre que podia ia ao CemitĂ©rio Municipal âvisitar meu paiâ e levar flores. Seu tĂșmulo era o
mais bonito. Isolda caprichosamente arrumara o local e sempre levava uma flor diferente.
Combinamos de visitĂĄ-lo em dias diferentes, assim, podĂamos expressar nossos sentimentos Ă
vontade. Eu, particularmente, adorava conversar com ele. Uma maluca que ficava sentada sobre
o tĂșmulo, gesticulando. VĂĄrias vezes surpreendi o coveiro fazendo o sinal da cruz, quando me via
âde papo com o nadaâ. Coisa de maluca mesmo! Mas, isso me fazia bem, desabafava e algumas
vezes, chorava. O CemitĂ©rio Municipal ficava praticamente na saĂda da cidade e tinha uma vista
linda para o Rio Estrela.
No final de fevereiro, participamos da inauguração de uma danceteria. Vibrei porque era uma
opção deliciosa de entretenimento, embora tivesse o âVelho Oesteâ, mas segundo comentĂĄrios,
este, não era um bar legal para garotas. Não como eu. Em razão disso, nunca coloquei os pés Lå.
Fomos Ă danceteria apenas uma vez, por insistĂȘncia minha. Para me descontrair um pouco e
dançar, mas ficamos a maior parte do tempo apenas sentados no bar, porque meu namorado
possessivo odiava dançar e não me deixava sair de perto dele por nada. Foi assim que
começaram nossas brigas...
25. Q uatro
Duke
A COISA MAIS ESTRANHA SOBRE âCOMEĂARâ Ă A ADAPTAĂĂO. Tudo em mim
estava descoordenado, alĂ©m de meu estado de espĂrito nada animador. A começar pelas noites -
sempre uma tortura. Nas primeiras, conseguia dormir apenas depois de trĂȘs horas de mensagens,
tentando convencer meu cérebro de que ele tinha de apagar. Cheguei até a experimentar a velha
técnica de contar carneirinhos. Definitivamente, não me sentia bem. Estava arrasado e com
saudades de casa. Sentia falta de mamãe, Fred, Jade e até mesmo de Estelinha. Sentia saudades
de minha vida no campo.
Num desses interminĂĄveis bate-papos, no Face, Jade contou-me que ela e Fred estavam
brigando muito, porque ela cogitou a possibilidade de estudar no Rio, e ele nĂŁo queria nem pensar
no assunto. Entretanto, minha pedra verde nĂŁo se sentia bem com isso. Ela era assim, nĂŁo gostava
de se sentir tolhida. Fazia cursinho pré-vestibular em Estrela do Campo, para depois, prestar
vestibular. Se, fosse preciso, viria para o Rio. Mas, primeiro teria de convencer seu namorado
turrĂŁo. Eu percebia, nessas nossas conversas, que uma das coisas que lhe dava muito prazer,
eram as aulas de direção. Jade dizia sentir-se nas nuvens, livre. Porém, antes mesmo de tirar a
carteira, queria dirigir, contrariando Fred. Aprendera rĂĄpido, e ela mesma gostava de ir para o
cursinho, guiando. âQue nĂŁo fosse pega em nenhuma blitz, das poucas que havia na pequena e
pacata Estrela do Campoâ.
Antes de se sentir segura ao volante, nos dias em que Fred precisava ir Ă faculdade, ou mesmo
viajar a negĂłcios, mamĂŁe a estava levando, mas Jade queria dirigir seu prĂłprio carro e se
empenhou. Aquela doidinha aprendeu rapidamente. A maluca tinha o pé pesado; gostava de
velocidade e acabava com os nervos de Fred com sua teimosia, que era um de seus principais
defeitos, embora, nĂŁo fosse um defeito tĂŁo ruim assim. Ăs vezes, a teimosia a deixava charmosa.
Mostrava sua personalidade. Fred a âmatava de raivaâ tambĂ©m â palavras dela. â Ele sentia
ciĂșmes da namorada com todos, mas, principalmente, com DJ. E, mesmo depois que ela
aprendeu a dirigir, Fred a levava todos os dias em que nĂŁo tinha compromissos. Jade contou-me
que ele e DJ se estranhavam quase todas as noites, e isso a enfurecia. Ela e o cara estudavam no
mesmo cursinho, uma vez que tinha apenas um naquela cidade. Jade deixou-me com uma
impressĂŁo ruim e temia que os dois rompessem por causa desses desentendimentos. Eu perguntei
se isso afetaria a relação deles que era tão intensa. Ela disse - meio insegura -, que acreditava
que nĂŁo. Embora, tivesse deixado claro, que estava chateada com Fred, que mudara muito, em
muitas coisas. Afirmou ainda, que, assim que terminasse o primeiro trimestre, tentaria convencer
26. Fred a deixĂĄ-la prosseguir com seus estudos, na boa, sem brigas. Qual o problema? - ela havia
me perguntado. Respondi que nĂŁo havia mal algum, em minha opiniĂŁo. Mas, cĂĄ entre nĂłs,
conhecia meu irmĂŁo. Era orgulhoso e demasiadamente ciumento, diria mais, doentiamente.
Sempre o achei intenso demais. NĂŁo se amarrava fĂĄcil. Contudo, com a Jade, era coisa de
infĂąncia. Antes de ela ir para a fazenda, ele âpegouâ algumas gatinhas. Nada sĂ©rio. Mas, nunca
deixou de citar o nome dela.
Jade titubeava com relação ao Rio. Eu não dizia a ela, mas achava que acabaria não fazendo o
curso de dança. Sabia que sofria com seus dilemas, assim como eu, com os âmeusâ. Tentava
levar a vida. Queria mesmo me adaptar. Infelizmente tudo era diferente. Tive a maior
dificuldade para me acostumar ao trĂąnsito. Imagine, eu que estava acostumado a me aventurar
nas pequenas estradas de terra batida e no mato! Jade tentou explicar-me muitas coisas sobre
como era Ă vida na cidade grande, especificamente no Rio. A cidade era maravilhosa, como
todos diziam, e como Melissa falara, a paisagem era âurbanaâ, diferente do que estava
acostumado. Tinha as praias, o Cristo Redentor, o PĂŁo de AçĂșcar, e a beleza das gigantescas
pedras, dentre tantas outras coisas. Gostava mesmo daquele cenĂĄrio, achava lindo. Todavia, era
difĂcil de me acostumar. Sentia-me travado atĂ© para me relacionar com as pessoas no cursinho.
Notava que os colegas eram... um tanto âelĂ©tricosâ. Ă claro, jĂĄ estavam acostumados uns aos
outros. Eu, ao contrĂĄrio, sentia-me um peixe fora dâĂĄgua, totalmente deslocado. Sentava-me,
diariamente, na primeira fileira para tentar assimilar as matĂ©rias, da melhor maneira possĂvel,
mas nĂŁo funcionou. Sempre tive facilidade em matĂ©rias consideradas difĂceis, porĂ©m, nĂŁo estava
me dedicando. Deveria estar ali, mergulhado nos estudos, dar o melhor de mim, afinal, era o que
queria, não era? Estudar? Concluà que não entrara de cabeça, porque meus pensamentos estavam
descoordenados e confusos. Pensava dia e noite em Jade e nĂŁo podia negar que Melissa ainda
habitava em meu coração. As duas tomaram posse de minha alma. Mas, essa era uma tarefa
difĂcil. Por isso, pensava, seriamente em adiar meus estudos. NĂŁo estava com cabeça.
Sentia falta de cavalgar. Nem gostava muito disso! Mas, Jade me fez amar essa atividade.
Aquela maluca me fez amar muitas coisas. Ela deu graça à minha vida. Ficar longe dela deixou-me
ainda mais confuso. Sentia saudades do vento na cara - aquela sensação de liberdade. Os
galopes perseguindo minha linda irmã do coração, que montava Savanah. Adorava ver seus
cabelos loiros sendo levados pela brisa e amava sentir o perfume que ela deixava no ar. Nossa!
Gostava de tantas outras coisas. As palhaçadas, as brincadeiras - como as guerrinhas de pipoca e
jabuticaba -, os momentos sob o velho carvalho, o colinho dela que era reconfortante. Desejava
a todo o momento ter suas mãos afagando meus cabelos. Tinha saudades até mesmo de suas
reclamaçÔes. Uau! Minha vida era só isso agora, pensar em meus momentos com Jade e em
27. minha velha rotina. Quando não pensava em Jade, Melissa dominava meu cérebro. Que droga!
Custei a me apaixonar e agora não tinha idéia do que seria de mim.
Sentia tanta falta dos ares da fazenda que precisei pedir a Jade que me desse, âalternativasâ no
Rio para me distrair. A praia era legal, mas fiquei entediado logo na primeira semana; também
porque fiquei arrasado com o fora que Melissa me dera. Certamente a coisa mais lĂłgica seria
ocupar minha cabeça e meu tempo com outras atividades; assim, pensaria menos ânelasâ. Jade
me falou de um haras. Ficava na cidade de Itaipava e praticamente todos os fins de semana
estava lĂĄ. Era perto, âtipoâ uma hora e meia. Dessa forma, matava um pouco a saudade dos
cavalos. Infelizmente, nĂŁo âdelaâ, mas âelaâ teria que arrancar de minha cabeça e de meu
coração. Sabia que seria difĂcil porque a amava... como a uma irmĂŁ. MENTIRA! A quem eu
queria enganar? Eu a amava como um homem ama uma mulher. Desejava-a. Sempre a
desejei. Isso estava me matando. Queria que tivesse sido diferente. Tentei. Meu coração tentou,
mas ficar longe dela fez vir à tona esse sentimento com força total. Entretanto, meu cérebro
gritava a todo o momento: âELA Ă PROIBIDA PARA VOCĂâ! E eu sabia o motivo. Era a
garota de meu irmĂŁo, embora tivesse se declarado a mim primeiro. Idiota, declinei. Fui um
imbecil naquela Ă©poca. Pensei em seu pai. NĂŁo queria que Bernardo pensasse que desrespeitasse
sua filha e acabei entregando-a, de bandeja, a Fred que nĂŁo pensava como eu. Quando conheci
Melissa, uma luz se acendeu no fim do tĂșnel, mas logo se apagou.
Os cavalos do haras eram de raça. Havia Campolinas e Marchadores. Fazia longos passeios
por bosques de eucaliptos, pinheiros, criatĂłrios de trutas dentre outras coisas maravilhosas.
Acabei ficando viciado. Sempre encontrava as mesmas pessoas. O Haras possuĂa animais dĂłceis
e também havia aqueles mais ariscos. E, era num desses que me sentia ainda melhor. Tinha
muita experiĂȘncia. RelĂąmpago era assim, arisco. Quando havia feriado prolongado, me
hospedava numa das muitas pousadas e passava naquela regiĂŁo momentos agradĂĄveis, embora
fossem momentos solitårios. Aquela doidinha da Jade, mudou até isso em minha vida. Antes,
podia dizer que me sentia só. Havia, é claro, mamãe, Fred, Bernardo e Estelinha. Havia também
meus amigos de escola, mas alegria de verdade, momentos intensos, sĂł tive quando Jade foi para
a fazenda. Era por isso que gostava tanto dela. Depois que Jade passou a fazer parte da famĂlia, as
coisas aconteciam e isso era simplesmente fantĂĄstico! DivertĂamo-nos muito mais, sorria com
muito mais frequĂȘncia e atĂ© mesmo, conheci Melissa. Disso queria me esquecer! Ou nĂŁo. Jurei
para mim mesmo que tentaria botar uma pedra nesse assunto. Especialmente, depois que a vi no
haras em companhia de um âmauricinho musculosoâ. Argh.
à engraçado como os sentimentos podem ser tão divergentes e confusos. Quando estive com
Mel, acreditei que pudesse arrancar Jade de meu coração. E arranquei, por algum tempo.
28. Melissa me distraĂa. PassĂĄvamos muito tempo juntos, nos embrenhĂĄvamos pelos lugares
âmĂĄgicosâ da fazenda e fazĂamos amor. FazĂamos muito! Naqueles dias conseguia âisolarâ Jade.
Acreditava mesmo, estar âamandoâ Melissa. NĂŁo podia negar, foram dias inesquecĂveis. PorĂ©m,
Melissa mostrou seu outro lado. E nĂŁo gostei nada da Melissa esquisita, fĂștil, arrogante,
dissimulada e egoĂsta que me deixou, apĂłs ter dito tantas coisas lindas em meu ouvido e apĂłs ter
elogiado nosso modo de vida na fazenda. Ela mentiu fazendo-me crer que estava curtindo. O que
fez e falou pegou tĂŁo mal, que depois de nossa Ășltima conversa, no Rio, ordenei ao meu cĂ©rebro
que a esquecesse. Como se isso fosse assim, fĂĄcil.
Jade ficou chateada com a amiga, que se mostrara um tanto insensĂvel e cruel. As duas
estavam meio que sem se falar uma com a outra. NĂŁo entendia Melissa, quando estava comigo,
parecia tĂŁo entregue! Houve momentos que a surpreendi, emocionada. Tive a impressĂŁo de que
ela havia se apaixonado. Entretanto, pouco tempo depois, deu uma âlouca nelaâ, e de uma hora
para outra, cismou de voltar para o âmundo paraleloâ. Jade contou-me, que pedira Ă Melissa que
não alimentasse minhas esperanças, se ela não estivesse disposta a levar-me a sério, porque ela
me conhecia e sabia que eu era um cara âdiferenteâ, digamos assim. Como fui imbecil! Como
nĂŁo percebi que Mel nĂŁo se adaptaria Ă quela vida! Ă claro que nĂŁo! Mas, o que eu queria? Que
ela ficasse morando na fazenda? NĂŁo era o mundo dela. Melissa nĂŁo havia sido obrigada a se
mudar para lå como a Jade. Para Mel, seriam apenas férias, diversão. Não deveria ter entrado de
cabeça. Banquei o inocente, mas tudo bem! Acho que dei importĂąncia demais ao nosso caso. Ă,
pensando melhor, isso Ă© o que foi para Mel, um caso. Um caso de verĂŁo!
29. Cinco
Jade
HĂ MUITO TEMPO NĂO ESCREVIA UMA SĂ LINHA! O FATO Ă QUE, ESTAVA muito
feliz. E quer saber? NĂŁo tive tempo. Estava curtindo minha famĂlia. Sem contar, evidentemente
com Du, que fora para o Rio. Mas, achava que nĂŁo ficaria lĂĄ por muito tempo. Pobre Du, Melissa
se foi e acho que o deixou apaixonado. Ele foi atrĂĄs de seu futuro ex-amor e adivinhe? Ela o
rejeitou. Melissa nĂŁo magoou somente ao Du. Eu a conhecia muito bem. Sabia que nunca ficava
sozinha. Mas, sabia tambĂ©m que nunca se amarrava. Deveria tĂȘ-la dissuadido logo no inĂcio.
Infelizmente os dois ficaram machucados. Eu podia jurar que ela gostou dele, porém não
admitia. Pobre amiga tinha problemas com compromissos, mas avisei a ela. NĂŁo queria que o
magoasse. Bem, com Mel pretendia me entender depois.
â âDiĂĄrio jĂĄâ! - disse a mim mesma depois de passar um dia inteiro relembrando.
Querido DiĂĄrio,
18/02/2012
A Ășltima vez que escrevi algo, ainda estava descobrindo coisas sobre minha nova vida na
fazenda. Infelizmente, algum tempo depois, perdi meu pai e passei dias amargando uma depressĂŁo
de proporçÔes enormes. Mas, com ajuda de minha famĂlia linda, consegui me reerguer. Passei
momentos agradĂĄveis com meus novos amores, embora sentisse falta daqueles que me trouxeram
à vida. As férias se acabaram e a rotina da fazenda continuou. Estranhamente, depois que a
âpoeira baixouâ, nĂŁo ouvi mais a voz em minha cabeça. NĂŁo vi o anjo em sonho e nem senti a
presença de meu pai. Mas, ainda continuo a sentir algumas sensaçÔes. Lembro-me de que a voz
dissera, que nĂŁo me incomodaria mais. Eu acho que essas coisas aconteciam comigo, porque,
talvez, meu subconsciente criasse um mecanismo de defesa. Sei lå qual seria a explicação lógica!
Na boa, não entendia. Mas, graças a Deus acabou. Fiquei bem e não tive mais medos.
Bem, mas estou aqui, alguns meses depois, me recordando das coisas e registrando. Por quĂȘ?
Sei lĂĄ, acho que sem querer, me lembro do diĂĄrio quando estou angustiada. Uma caracterĂstica vai
entender...
30. Sentada Ă varanda com meu diĂĄrio e um ĂĄlbum de fotografias nas mĂŁos, me lembrava. Vivi
dias lindos. Um verĂŁo inesquecĂvel. Poderia dizer que foi como uma Honeymoon, yes[6]! Mesmo
que nĂŁo tivesse acontecido um âcasamentoâ. Bem, de brincadeirinha aconteceu algo super... Foi
o dia mais romĂąntico de minha vida. Ă, acho que um dos, por que o acampamento tambĂ©m foi
muuuito romĂąntico.
Sorri, silenciosamente, mordendo a tampa da caneta.
â„â„â„
10/01/2012
Dois dias depois do meu aniversĂĄrio, fomos para o grande carvalho com uma giganteeesca
cesta de piquenique, e, Fred, cheio de cuidados, estendeu um edredom na grama.
â Uau, pensou em tudo, hein?!
â Ă e espere! â correu atĂ© a caminhonete e retirou de lĂĄ uma coisa que me deixou de pernas
bambas. Ele havia planejado tudo. Estranhei, pois Fred nĂŁo era romĂąntico.
â Uma tiara feita de flores do campo? Fred, que linda!
Ă claro, me emocionei.
â Para vocĂȘ Princesa! Ideia de mamĂŁe. Sabe como Ă©, nĂŁo tenho muita imaginação â ele
colocou a tiara em minha cabeça e puxou-me pela mĂŁo. - Por favor, sente-se! â convidou-me
estendendo o braço e fazendo reverĂȘncia.
â Hummm cavalheiro! Estou te estranhando - disse sorrindo. - O que tem em mente, Sir... my
love? â perguntei olhando para cima.
â SĂł queria te dar isso Milady â estendeu-me uma caixinha, e, Ă© claro, fiquei sem ar. Disse
estupefata, ao vĂȘ-lo abrir a pequena caixinha de veludo vermelha: â Uma aliança?!
Dezenas.
NĂŁo! Centenas.
Que nada! Milhares de borboletas faziam festa em meu estĂŽmago.
â Ă, uma aliança â pigarreou. - Hum rum Jade, quero selar nosso compromisso.
â HĂŁ? SerĂĄ que estou sonhando? Frediii Ă©, Ă©, Ă© liiinda! â exclamei eufĂłrica - quase que,
31. cantando. Encarei a caixinha, com as mĂŁos levantadas e mexendo os dedos, como uma garota de
doze anos que acabou de ganhar um Tablet.
â Quero que todos saibam que tem um cara aqui, que Ă© o mais feliz do mundo, e Ă© o dono
desses seus lĂĄbios â inclinou-se, estendeu o dedo e tocou meus lĂĄbios. Depois se ajoelhou ao meu
lado e retirou a aliança da caixinha colocando-a em meu dedo anelar. Beijou minha mão em
seguida, e, depois, suavemente meus olhos. Emendou: - E desses olhos verdes e...
â Fred! Pode parar por aĂ! â interrompi. - NĂŁo acha careta essa coisa de dono?
â Claro que nĂŁo! Estou marcando meu territĂłrio! Sei que os caras ficam te cercando e quero
que todos eles saibam que Ă© comprometida.
â QuĂȘ?! Marcando territĂłrio? TĂĄ parecendo cachorro! â dei umas gargalhadas e continuei: -
Animais Ă© que marcam territĂłrios. SĂł vocĂȘ mesmo Fred.
â Ă isso aĂ! E que aquele DJ fique bem longe! â revirei os olhos.
â Fico feliz que goste tanto assim de mim, mas, nĂŁo acha que estĂĄ exagerando? NĂŁo tem
ninguĂ©m âme cercandoâ. Ok? â disse fazendo aspas no ar. Dei-lhe um selinho e olhei bem no
fundo de seus olhos. â Quero te pedir que pare de viajar na maionese â Fred nĂŁo deu ouvido e
perguntou segurando minha mĂŁo.
â Gosta?
â Sim, Ă© linda! Fico muito feliz e me sinto lisonjeada â olhei para os lados enquanto ele abria
a cesta e retirava duas taças de champanhe e uma garrafa. Sorri escondido, não queria
demonstrar que havia ficado tĂŁo imensa e exageradamente feliz. Contudo, achava que realmente
Fred tinha de baixar a bola. Era possessivo demais! Ăs vezes me âconsumiaâ. Ă, ĂŽ, essa
palavra... nĂŁo sei por que comecei a nĂŁo gostar muito dela.
â Bonita, segure as taças, por favor! â pediu com um sorriso contagiante nos lĂĄbios.
â Claro! Hummmm, que romĂąntico Fred, hum rum â limpei a garganta -, sei que devemos
comemorar, mas, nĂŁo acha que estĂĄ bebendo muito, ultimamente? â perguntei enquanto ele abria
a garrafa, a qual havia retirado de uma embalagem de isopor, que levara dentro da cesta.
â NĂŁo acho. AlĂ©m do mais, hoje Ă© diferente. Estamos numa cerimĂŽnia aqui, Bonita! Ah, por
favor, nĂŁo estrague o momento, ok? â segurou meu queixo levemente.
â Tudo bem, hoje tĂĄ liberado â resolvi deixar pra lĂĄ.
â Uhuuu â dei um gritinho ao ouvir o estouro e bati palminha. Uma boba apaixonada. Fred
encheu nossas taças e recolocou a garrafa na caixinha de isopor.
32. â Vamos brindar a nossa uniĂŁo! â ele disse transbordando alegria.
â A nĂłs â respondi emocionada. Beberiquei um gole de champanhe e fitei seus olhos.
Lembrei-me da âSafiraâ. Sim, os olhos dele eram como duas Safiras lapidadas. AtravĂ©s deles,
podia-se notar que Fred estava muito feliz.
â VocĂȘ estĂĄ linda com essa tiara na cabeça e esse vestido branco. Na boa, parece uma
noivinha â deu uma pausa e acrescentou: - AtĂ© parece que sabia que Ăamos comemorar algo! A
tiara, mamĂŁe fez. VocĂȘ sabe, nĂŁo Ă©? - deu uma risada linda e confessou: - NĂŁo sou bom com
coisas delicadas. Mas, espera aĂ! â fez uma cara de dĂșvida e disparou: - aposto que Dona Isolda
deu com a lĂngua nos dentes.
Sorri de sua observação. Ele queria mesmo que aquilo tudo fosse surpresa. Mas, juro, eu não
sabia de nada mesmo.
â Mozinho, relaxa! Ela nĂŁo disse nada. Obrigada! TĂĄ tudo perfeito! - afaguei seu rosto e sorri.
- Jura que gostou? â passei as mĂŁos pelo vestido e expliquei: - Resolvi vesti-lo por causa dessa
temperatura inclemente. Ă estraho, nunca senti tanto calor aqui, em Estrela do Campo.
â De vez em quando acontece isso. O termĂŽmetro quase explode.
â NĂŁo uso esse vestido hĂĄ muito tempo. Ah... e a tiara Ă© realmente linda! Vou dar um beijo
em sua mĂŁe por tĂȘ-la feito â segurei-a nas mĂŁos, depois a levei ao nariz. Continuei: â Adoro
flores do campo! â exclamei e recoloquei a tiara de volta. PorĂ©m, ela ficou torta. - E... obrigada
tambĂ©m pela aliança â olhei para a mĂŁo dele e franzi o cenho: - Mas, onde estĂĄ a sua? â puxei
seu braço, abruptamente, pois me lembrei de que ele não havia colocado a aliança dele, em seu
dedo.
â Ah nĂŁo preciso. NĂŁo gosto de usar essas coisas â ele disse puxando a mĂŁo. As borboletas
que faziam festa em meu estĂŽmago se aquietaram.
â Como Ă© que Ă©?! â perguntei sem acreditar. Retirei minha aliança na hora e entreguei-a a
ele.
â Jade! Mas, mas que bobagem Ă© essa?
â Bobagem?! Pelo que eu saiba, a aliança foi feita para os dois usarem. Uso, se vocĂȘ tambĂ©m
usar â disse em tom de desafio.
â Era sĂł o que me faltava! â levantou-se.
â O quĂȘ? Acha que vou desfilar com uma aliança de compromisso sozinha? Fred presta
atenção!
33. â TĂĄ legal! - ele disse levantando as mĂŁos. - Se faz questĂŁo, uso uma tambĂ©m. EstĂĄ aqui! â
retirou a aliança do bolso e ergueu-a.
â Vem cĂĄ, garota tinhosa[7]! Espera! SĂł mais uma coisa - ele levantou os braços -, deixe-me
arrumar isso! â ajeitou a tiara, que estava torta. Mordi o lĂĄbio e depois estendi a mĂŁo com um
sorriso vitorioso.
â Pode colocar de volta! Ahhh dĂĄ um tempo! SĂł mais um minuto â puxei minha mĂŁo. -
Quero fazer direitinho.
â O quĂȘ?
â Calma Fred! Bem, quero dizer que...
â Hum diga! â ele pediu impaciente e sorrindo muito.
â DĂĄ aqui sua mĂŁo! â pedi.
Ele estendeu-a e ficou esperando.
â Bem, Ă© que... â respirei fundo. - TĂĄ certo. Fred quero dizer que... âacho que te amoâ.
â Acha?
â Ă que...bem, Ă© a primeira vez que me apaixono. A gente tĂĄ se curtindo muito, e o que sinto
Ă© muito forte. âAchoâ, porque nĂŁo sei se o que sinto Ă© amor, entende? â perguntei gaguejando e
confusa.
â Hum... ainda bem que nĂŁo se apaixonou antes. Continue, gostei disso!
â... E quero estar com vocĂȘ para sempre â beijei o aro de ouro branco.
â Humm - ele fechou os olhos quando toquei seu dedo com os lĂĄbios.
â Sua vez â eu disse.
â Jade, nĂŁo preciso nem dizer â deu uma pausa e respirou fundo. Fred tambĂ©m estava
emocionado. - VocĂȘ sabe que te amo pra caramba! E, ao contrĂĄrio de vocĂȘ, nĂŁo tenho dĂșvidas.
Acho que jå demostrei isso muitas vezes, não é? Considere que essa aliança é uma prova de meu
amor... - ele colocava a aliança e olhava no fundo de meus olhos. Depois, beijou minha mão,
também.
A coisa toda jĂĄ estava emocionante, nĂŁo consegui conter as lĂĄgrimas, mas aspirei-as. NĂŁo
queria ficar me derretendo perto de Fred.
â Espera! â levantei-me. - Deixe-me pegar a cĂąmera. Quero registrar este momento. Vou
colocar a fotografia num belo porta-retratos. Acho que serå também meu papel de parede no
34. lap.
â Certo Preciosa. Nossa, como cĂȘ tĂĄ linda! Vem cĂĄ! â puxou-me. CaĂ em seu colo e fui
alvejada por microbeijos.
Deus, uma onda de calor subiu pelas minha pernas no momento em que Fred prendeu-me em
seus braços. Era como se recebesse o abraço de uma labareda.
Depois, empurrou-me sobre o edredom e encarou-me. Havia dias que a gente nĂŁo namorava
âpra valerâ. Desde o acampamento.
â Senti falta desse seu cheiro! â balbuciou dentro de meu ouvido. â Quase morri de saudades.
Eu ainda me sentia travada, porque ficamos juntos poucas vezes. Desde que Fred assumira os
negócios de meu pai, viajava muito, e, quando estava em casa, tinha a fazenda, além dos estudos.
Sobrei. Pobre Fred, ficou sobrecarregado. Principalmente, porque nĂŁo podia contar com Du, que
estava no Rio. E, nĂŁo dormĂamos juntos, tampouco. Eu quis assim em respeito Ă Isolda. EntĂŁo,
quando ele me convidou para o picnic fiquei animadĂssima.
â NĂŁo faz ideia do quanto te amo â balbuciou. - Amo quando me sorri assim, e...
Ele parou por um instante e ficou me encarando. - Amo quando estå em meus braços, só
minha - rolou para o lado e me puxou para cima dele. Meus cabelos caindo sobre seu rosto.
â Prova! â respondi num fio de voz.
â Jade acredite! â ele sussurrou alisando minha face. â Nunca acreditei em destino e estaria
mentindo se dissesse que acredito em alma gĂȘmea. Essas coisas nunca fizeram minha cabeça,
entretanto... shhhh â ele colocou o dedo em meus lĂĄbios quando ameacei falar. â NĂŁo! Ouça!
Preciso falar â ele disse retirando o dedo com suavidade: â Ă s vezes, quando vou dormir, algumas
coisas me vĂȘm Ă memĂłria e começo a acreditar que Deus tem sim tudo preparado para nĂłs.
âEleâ destinou vocĂȘ para mim. Acho que posso dizer, entĂŁo, que mudei de ideia em relação ao
que acreditava.
â VocĂȘ nunca fala em Deus!
â Eu sou reservado, mas creio, e muito. E no silĂȘncio de meu quarto eu faço minhas oraçÔes.
E quer saber o que peço a âEleâ?
â Hum, quero sim â deu-me outro selinho.
35. â Para que eu acorde todos os dias e possa vĂȘ-la sorrindo e bem. NĂŁo consigo imaginar vocĂȘ
triste, sofrendo ou, correndo perigo. Ă por isso que nĂŁo gosto que saia sozinha. Tenho tanto medo
de perdĂȘ-la.
â Ah Fred, que lindo! â disse com os olhos marejados. â Mas, nĂŁo precisa se preocupar
quando saio sozinha. Aqui estou segura.
â Eu tenho minhas dĂșvidas. Eu posso ser um cara grosso, e, talvez, vocĂȘ nĂŁo concorde com
meu modo de dizer as coisas, ou nĂŁo aceite meu jeito turrĂŁo, mas Ă© que nĂŁo consigo imaginar
minha vida sem vocĂȘ. E nĂŁo posso nem pensar em ver outro cara te tocando. Sou doente por
vocĂȘ Jade! â ele declarou.
â Doente? Ah Fred, nĂŁo, nĂŁo, nĂŁo, e nĂŁo! â enfatizei balançando a cabeça. - Amor doentio
nĂŁo!
â NĂŁo tenho como evitar e mais forte que eu! â ele disse alisando meu rosto.
â Eu tambĂ©m nĂŁo posso imaginar minha vida sem vocĂȘ, mas... nĂŁo tem nada de doente. O
que sinto Ă© saudĂĄvel, normal â declarei.
â Depois que a vi naquele dia da cobra, bem... deixe-me contar: Quando vi aquela cobra
armar o bote para te picar, fiquei cego. Perdi o medo, porque Ă© claro que, como qualquer pessoa,
eu tenho medo de cobras â ele declarou emocionado. Os olhos vidrados como se voltasse no
tempo. â Mas, naquele dia, senti tanta vontade de te salvar, que nĂŁo pensei em mim. Eu era sĂł
um moleque, mas jĂĄ a queria e sentia que tinha de protegĂȘ-la. Nunca mais tirei vocĂȘ de minha
cabeça â retirou uma mecha de meus cabelos, que lhe caĂa sobre rosto, depois acrescentou: -
vocĂȘ chegou aqui toda arrogante e agressiva e nĂŁo deu a mĂnima para mim. Pensei que nunca a
teria.
â Mas, vocĂȘ tambĂ©m nĂŁo facilitou as coisas.
â Depois que a conheci, percebi que por trĂĄs daquela garota mimada, cheia de vontades e
dona de si, havia uma garota, frĂĄgil inexperiente, inocente e que estava carente e destruĂda.
â Ahhh qual Ă©? â objetei saindo de cima dele. Ele me virou e novamente ficou sobre mim,
depois ordenou com suavidade.
â Quieta! â levantou meus braços â NĂŁo vĂȘ que isso Ă© difĂcil para mim? Sou pĂ©ssimo com as
palavras â respirou fundo e continuou: - Com o passar do tempo, percebi tambĂ©m, que era doce e
que precisava de carinho, muito carinho. EntĂŁo, engoli meu orgulho e deixei meu amor falar
36. mais alto â Fred gaguejava. â Depois que... que aquelas coisas aconteceram com vocĂȘ, e, e
depois tambĂ©m que seu pai se foi â ele se aproximou de meu rosto -, senti que tinha de protegĂȘ-la
ainda mais.
Eu era mesmo uma manteiga derretida e jĂĄ sentia a garganta se estreitar.
â Jade, vocĂȘ sempre esteve aqui - ele pegou minha mĂŁo e colocou sobre seu peito. -, desde
quando eu tinha onze anos.
â Hummm meu amor! Jura que me amou desde os onze anos? â meus olhos brilhavam como
o diamante lapidado. Na verdade, tinha a sensação de estar toda brilhando.
â Juro. E tem mais. Nunca, mas, nunca mesmo, abri meu coração para outra garota, porque
sabia que viria para mim â Fred segurou meu rosto entre suas mĂŁos e disse: â Jamais se esqueça
disso! â ele beijou-me. EntĂŁo, rolamos, incessantemente. O edredom ficou para trĂĄs. Deixamos
que a relva verdinha acariciasse nossos corpos atĂ© que paramos. Declarei agarrada a ele: â
TambĂ©m sinto algo especial por vocĂȘ. Chega a me sufocar.
â Ahhh tenho uma coisa para lhe mostrar.
â O que Ă©?
â Vem comigo! â levantou-se e me puxou pela mĂŁo. Fomos atĂ© a caminhonete, de onde ele
retirou um pequeno ĂĄlbum.
â NĂŁo mostrei isso a ninguĂ©m.
â Hummm que misterioso! â Fred entregou-me o ĂĄlbum. Quando o abri, meu coração pulou,
como pipoca na panela. Eram fotografias minhas. De quando tinha de nove anos acima. Na
Ășltima, estava com dezesseis. Algumas eu me lembrava, porque Thomas as havia tirado. Fechei
os olhos e me recordei de cada uma daquelas fotografias. Quando meu pai raramente me
visitava, ele as pedia Ă minha mĂŁe. Queria ter seu prĂłprio ĂĄlbum, entĂŁo minha mĂŁe as separava
para ele. Fred, por sua vez, confessou-me que as âafanouâ de meu pai depois que ele se foi.
Havia muitas.
â VocĂȘ as roubou?
â NĂŁo diga que roubei! Soa mal, hehehehe â ele deu um risinho. â Apanhei estas para mim
depois... bem, depois do que aconteceu. Explico: precisei apanhar alguns documentos de seu pai e
as vi. Não resisti. Além do mais, Bernardo não iria mais precisar delas, não é?
37. â Humm â murmurei. VocĂȘ me surpreendendo a cada dia! â Eu disse e perguntei em
seguida: - Por que foi tĂŁo duro comigo Fred? Se gostava de mim, desde garoto, por que nĂŁo foi
gentil? Cheguei a pensar que era um cafajeste, queria forçar-me a transar...
â Aquele dia nĂŁo conta. Estava bĂȘbado. Putz Jade! Nunca vai se esquecer daquele dia, hum?
E depois?
â Eu sei. E por isso perdoei vocĂȘ. Mas... agora posso confessar.
â Ah Ă©? â ele agarrou-me pela cintura, com força. Deixei o ĂĄlbum cair.
Caraca! Por que ele fazia aquilo? Confesso aquela pegada forte, tirava-me o ar.
â O quĂȘ? â sussurrou em meu ouvido.
â Que naquele dia vocĂȘ me deixou maluca. Quase nĂŁo resisti.
â Hummm. Bom saber disso! â entĂŁo, empurrou-me atĂ© a caminhonete e beijou-me como
daquela vez.
Ficamos a tarde toda nos enroscando. NĂŁo me lembro de comer todas as coisas que Estelinha
colocara naquela cesta. A Ășnica coisa da qual me lembro, Ă© de acabarmos com duas garrafas de
champanhe e comermos morangos. Passamos uma tarde agradĂĄvel e registramos tudo em lindas
fotografias.
38. Seis
Mel
EU ERA MESMO UMA MALUCA. ESTIVE COM A FACA E O QUEIJO NAS MĂOS.
Estava perto de pessoas queridas, de quem gostava muito. Poderia ter aberto meu coração e
deixado o amor entrar; poderia ter sido feliz, vivido um amor eterno e inesquecĂvel. Conjecturas.
Entretanto, lå estava eu novamente metendo os pés pelas mãos.
Na mesma semana em que voltara da fazenda, conheci um cara na fila do cinema. JĂĄ nos
primeiros dias, concluĂ que abrir mĂŁo de Du fora a coisa certa, por ânâ motivos. Motivos estes,
que eram discutĂveis. Mas, assim, era minha vida e pensava daquela forma.
âMELISSA VOCĂ ERA UMA IDIOTAâ! - esta frase piscava em minha cabeça, o tempo
todo.
O cara certo para mim era, sem dĂșvida, o Du. Talvez se tivesse ficado com ele, tivesse tido
uma chance de ser feliz e minha vida atrapalhada, teria seguido outro rumo. Minha vida era uma
droga! Vivia cercada de dĂșvidas e interrogaçÔes e nĂŁo tinha objetivos claros. Acho que alguns
diriam que era uma aventureira.
O cara a quem conheci era um bad boy. Mas, era como eu, maluco. CurtĂamos as mesmas
coisas e, é claro, me encantei rapidamente. Fiquei deslumbrada, pois além de rico, era lindo e
gostava de viver perigosamente â literalmente, em todos os sentidos... De dia, era um atleta e Ă
noite, vestia-se com requinte. O cara era altĂssimo - bem como eu gostava. Forte como um
lutador de MMA (artes maciais mistas). Seus cabelos e olhos eram castanhos e tinha a pele
bronzeada. A minha cara! FazĂamos muitas loucuras. A Ășltima aventura da qual participamos
juntos, acreditem! Bungee Jump. Em poucos dias tirei Du de minha cabeça e nem liguei para ele
quando chegou ao Rio. Bem, sĂł um pouquinho.
Fala sério!
Eu sempre querendo enganar a mim mesma. à noite, quando deitava minha cabeça no
travesseiro, pensava muito nele. Sim sentia sua falta. Peguei âpesadoâ, mas se nĂŁo o fizesse, acho
que teria sido pior para ele. No final das contas, acho que o ajudei...
Tå legal! Peguei pesado comigo também porque gostava mesmo dele.
O nome do carinha era Mau Mau... Detalhe, olha o nome do cara! Eu deveria ter prestado
atenção a esse âpormenorâ importante. Por que alguĂ©m teria um nome como aquele? O cara sĂł
podia ser mau. Contudo, quando estava comigo era âbom bom, muito bomâ. Fazia tudo que eu
39. queria. Comprava-me presentes e tratava-me como uma rainha.
Puxa vida! Quando estava com ele pensava: âAchei a boaâ. Acertei na loteria.
Passei dias memorĂĄveis com ele, atĂ© que descobri, de forma horrĂvel, como ele ganhava seu
âpĂŁo de cada diaâ. Descobri isso, Ă© claro, vendo-o em ação. Aconteceu numa noite...
Eståvamos em um restaurante chiquérrimo. Mau Mau era todo, sorrisos. Observei que sempre
se aproximava um cara e lhe cochichava algo. Fiquei curiosa. Algum tempo depois, ele se
levantou, na maior elegùncia, e pediu licença. Sorriu, piscou para mim e abotoou o Armani.
Uau! Ă muita areia pro meu caminhĂŁo â disse em pensamento, toda metida â me belisca! Esse
gato tå comigo? - depois o acompanhei, com os olhos, até um corredor, provavelmente, era onde
ficam os banheiros. Até aà tudo normal. Entretanto, ele demorou. Eu, curiosa e maluca, me
levantei e segui na mesma direção. O restaurante era deslumbrante. Coisa de gente fina mesmo!
Por isso, nunca tinha ouvido falar. No estacionamento sĂł se via carrĂŁo, e as pessoas eram
elegantĂssimas. Ficava na saĂda da cidade. Ainda bem que eu tambĂ©m estava elegante - com um
vestido que ele me presenteara. Segui pelo corredor e avistei o banheiro. TOILLET, - dizia a
placa. Fiz uma careta e revirei os olhos. Depois repeti baixinho, com a voz esquisita: â âToillet,
que frescura! A gente tĂĄ no Brasil! Oh gente esnobeâ! - entrei no feminino.
à claro! Dã. - Não tinha visto nada até aquele momento. Mau Mau só podia estar no banheiro.
NĂŁo havia outras saĂdas naquele corredor. Caraca, ou o cara estava com uma dor de barriga
daquelas, ou nĂŁo sei nĂŁo. â pensei com aquele meu humor crĂtico, quase negro. Apenas lavei as
mĂŁos e retoquei o batom. Ouvi um ruĂdo e logo em seguida algumas batidas ocas. NĂŁo demorou
muito ouvi gemidos. Ă ĂŽ... pensei colando o ouvido na parede. â AlguĂ©m tĂĄ lutando?! - Tive
certeza de que o barulho vinha do banheiro masculino. A curiosidade era um de meus piores
defeitos, e, por causa dela, quase me lasquei. SaĂ no corredor e olhei para os lados. NĂŁo havia
ninguém. Abri a porta e me escondi atrås de um biombo que separava a årea dos lavatórios, dos
sanitĂĄrios. Minha sandĂĄlia fazia barulho, entĂŁo pisei bem devagar. Havia naquele local uma
poltrona, e, ao lado, uma cesta com revistas sexys. Urgh â grunhi mentalmente e fiz uma cara de
nojo. Tudo era muito organizado. Ouvi um grito abafado. Meu coração e minha respiração
dispararam. Um som ruidoso saĂa de minha garganta. Cobri a boca com a mĂŁo para tentar me
silenciar e me encostei Ă parede, aterrorizada.
O que estou fazendo aqui? SaĂ maluca! Foge enquanto Ă© tempo.
Mas, jĂĄ que estava lĂĄ. decidi olhar de perto. Escondi-me atrĂĄs de outra parede e vi um homem
40. prendendo outro pelo pescoço, ânuma gravataâ. Respirei fundo. Senti vontade de sair dali
correndo para pedir ajuda, mas minhas pernas nĂŁo me obedeciam. Ouvi uma voz conhecida,
estiquei ainda mais o pescoço e vi o Mau Mau. Este socou o abdome do homem que implorava:
â Por favor! SĂł mais alguns dias, eu consigo a grana.
â Tu tem sĂł atĂ© amanhĂŁ. Passei a mercadoria pra vocĂȘ hĂĄ quinze dias e atĂ© agora nĂŁo vi a
cor do dinheiro! â Mau Mau grunhiu, seco. Suas feiçÔes estavam completamente mudadas e se
podia ver a cara do prĂłprio demĂŽnio de tĂŁo ruim. Ele havia tirado o Armani e dobrara as mangas
da camisa. Parecia disposto a mais...
â TĂĄ certo, mas, pelo amor de Deus, nĂŁo me bate mais! â O homem implorava, chorando.
â SĂł atĂ© amanhĂŁ!!! â meu namorado lindo e gostoso repetiu, sem a menor compaixĂŁo. â NĂŁo
tĂŽ a fim de ficar aqui a noite toda â ele disse desdobrando as mangas da camisa. Depois ordenou:
â leva esse imbecil daqui! Mas, antes, mostra pra ele que nĂŁo estou de brincadeira.
Onde fui me meter? â eu pensava, suando frio.
Virei-me e apoiei minhas costas contra a parede texturizada. Minhas pernas vacilaram e
provavelmente empalideci. O chĂŁo ficou perto demais. Para completar senti um enjoo esquisito
e como se nĂŁo bastasse, ainda tive de ouvir a sessĂŁo de tortura por mais alguns minutos.
Deus! Onde estå todo mundo? Por que ninguém vem ao banheiro? - eu tinha de dar o fora dali.
Abaixei-me cuidadosamente e retirei minhas sandĂĄlias de salto. SaĂ quase desmaiando e entrei no
banheiro feminino. Pelo menos, ali, tinha a desculpa de que estava no toillet, retocando a
maquiagem. Naquele momento meu castelo desabou. Encostei-me Ă bancada de MĂĄrmore
Travertino e engoli o choro. NĂŁo podia chorar; tinha de fingir que tudo estava bem. Olhei para
minha face pĂĄlida, a qual se refletia no espelho BisotĂȘ e me lembrei do rosto dele. âQuem vĂȘ
cara nĂŁo vĂȘ coraçãoâ. Esse pensamento me veio Ă cabeça. Ele era tĂŁo bonito e tĂŁo rico e tĂŁo,
âtudoâ!
Oh Deus! Por que eu sĂł quebro a cara? Por que nĂŁo pode acontecer em minha vida um âConto
de Fadasâ? Mas, o que estava pensando? âContos de fadasâ era coisa para Jade. Eu nĂŁo queria
âUm conto de fadasâ. Queria ser a âgarota carioca, swing, sangue bomâ que se aventurava pelas
trilhas, na garupa de um cara sarado, lindo e rico. Que saltava de paraquedas, asa delta e pulava
de bungee jump. Que Ăłdio!
Estava bom demais para ser verdade. O rosto moreno dele ficou piscando em minha mente.
Como um cara tĂŁo bonito podia ser assim tĂŁo frio? SaĂ do banheiro e me dirigi Ă mesa. Por sorte
ele ainda nĂŁo tinha voltado. Olhei para os lados e pensei em dar o fora dali para chamar a polĂcia,
41. mas, vi um cara estranho me observando, parado perto da porta. Provavelmente, era soldado
dele. âSem chanceâ! â disse baixinho, sorrindo na direção do sujeito. Tinha de fingir que estĂĄ
tudo normal. Fica fria Melissa!
Mau Mau se aproximou. Seu rosto, que alguns minutos atrĂĄs vira transformado pela maldade,
voltou a ser lindo. Estava calmo e sorridente. Fingido! Sorri de maneira forçada a noite inteira
para nĂŁo dar bandeira. Ă claro, decidi que aquela seria a Ășltima vez que eu veria aquele âdeus
gregoâ, do mal, Ă© claro. Um... âHades[8]â. Que pena! Mas, de gente ruim e bandido estou
correndo â pensei sorrindo para ele.
A partir daquele dia, comecei a nĂŁo ir mais ao seu encontro. Fiquei meio paranoica. Ele
ligava, mas eu nĂŁo atendia e quando atendia, inventava que estava doente, com cĂłlica, de TPM.
Enfim meu repertĂłrio de mentiras havia se esgotado. Evitava sair, e, por isso, minha âmĂŁe
pesadeloâ começou a pegar no meu pĂ©. Infelizmente, por causa de meu estado de nervos,
comecei a me sentir mal. Enjoos e tonturas, alĂ©m de muito sono. A princĂpio, imaginei que
pudesse ser por causa do calor e nĂŁo dei importĂąncia. Deixei para lĂĄ, mas o incĂŽmodo me
impedia de sair para tentar arranjar um emprego qualquer. Que decaĂda. Passava meus dias,
enfurnada dentro de casa, atĂ© que, Dona LĂvia, pegou pesado. Deu-me um ultimato. âOu arranje
um emprego ou dĂȘ o foraâ! Eu atĂ© queria trabalhar, mas onde? NĂŁo sabia fazer nada. Tinha
trancado a matrĂcula no cursinho porque era uma preguiçosa e queria âcurtir a vida adoidadoâ,
ao lado de Mau Mau.
Eu, entusiasmada, havia ficado deslumbrada com meu ânamoradoâ, que me dava de tudo. Se eu
soubesse que a grana dele entrava âdaquele jeitoâ, mas ninguĂ©m tem estrela na testa, nĂŁo Ă©?
42. Sete
Duke
ESTAVA NO RIO HĂ QUASE DOIS MESES, E DESISTINDO. NĂO AGUENTAVA mais
ficar longe de minha rotina na fazenda. NĂŁo queria mais ficar naquela cidade, longe de minha
famĂlia. AlĂ©m do mais, nĂŁo estava me dedicando como deveria aos estudos. Pensava mesmo em
adiar o vestibular para o ano seguinte.
Num domingo, cheguei Ă casa de Jade um pouco mais rĂĄpido. Voltava do haras. O trĂąnsito
estava tranquilo. Abri o portĂŁo da garagem com o controle e guardei meu carro. Pensava em
trocĂĄ-lo, estava me dando nos nervos, ultimamente. JĂĄ o tinha havia dois anos e como as estradas
de Estrela do Campo nĂŁo eram pavimentadas... e ainda por cima, eram cheias de crateras,
acabou se desgastando muito.
No fundo da garagem havia uma moto idĂȘntica a de DJ, certamente pertenceu ao padrasto de
Jade. Quando a vi, ali, parada, no dia em que cheguei, senti vontade de usĂĄ-la, mas desisti porque
devia estar irregular. Afinal, o dono estava morto.
Ouvi uma espécie de uivo fino, parecia um cachorrinho choramingando. Abri novamente o
portĂŁo e vi um cĂŁozinho. Parecia perdido, provavelmente havia fugido. Era um Labrador e era
relativamente pequeno. Um filhote, deduzi, uma vez que Labradores cresciam muito, entĂŁo
imaginei que devia ter uns dois meses. Era num tom bege, tĂŁo claro que se podia dizer que era
quase branco. Apenas a parte da frente, a cabeça e as orelhas eram um tom mais escuro de
bege. Gostei muito do cãozinho, estava gordinho, o que reforçava a minha opinião, de que havia
fugido! Tive a ideia de fotografĂĄ-lo. Iria imprimir algumas cĂłpias na impressora e no dia
seguinte, as colocaria espalhadas pelo bairro - em postes, bem como em um pet shop. Assim,
talvez, encontrasse o dono.
Olhei uma vez mais para os lados e não vi ninguém procurando pelo filhote. Entrei. A
garagem era grande, certamente abrigaria trĂȘs carros alĂ©m da moto. ApĂłs subir uma escadinha,
cheguei à lateral da casa. Uma linda construção moderna, pintada em azul claro com grandes
janelas e portas brancas. Havia jardins embaixo das janelas e junto ao muro. Adivinhe! Eu
cuidava deles. As plantas quase morreram, porque a casa ficara muito tempo fechada. Nessa
lateral - que era um largo corredor -, podia-se chegar a uma das entradas da casa. Ao final do
mesmo, tinha um enorme canteiro com dracenas - uma das espécies das quais minha mãe mais
gostava. Podiam-se ver muitas delas na fazenda. Mas, na casa de Jade, elas ficavam apenas em
43. alguns pontos estratĂ©gicos. Em um canto, perto da entrada, havia trĂȘs vasos de buchinho em
tamanho decrescente, podados da mesma forma. A parede naquele local, era em tijolos
aparentes, assentados de maneira bem rĂșstica e pintados de branco. A parte externa da casa era
um show à parte, embora o espaço fosse limitado. Diferentemente da fazenda. Havia em outro
canto, mais ao fundo da propriedade, uma arvoreta de bougainvillea lilĂĄs, totalmente encrustada
na pérgola branca - o que dava um ar delicado e romùntico ao lugar. E, embaixo da linda
pérgola, um banco de ripas - também pintado de branco. Realmente, a mãe de Jade fizera um
trabalho sensacional. Digno de capa de revista.
Entrei no hall, vagarosamente, acariciando o cĂŁozinho. Ainda estava surpreso por tĂȘ-lo
encontrado. Depositei as chaves em um aparador e segui para a sala. Esta era enorme quase toda
branca. Havia no centro da mesma, uma coluna em gesso e no canto, uma escada que levava
aos quartos. NĂŁo precisei comprar mĂłveis, uma vez que Bernardo, naquela ocasiĂŁo, alugara a
casa, mobiliada. O ambiente foi decorado com tudo de mais moderno. Até nos pequenos
detalhes, se podia notar o quĂŁo eficiente era a mĂŁe de Jade, como decoradora. Tudo era
harmonioso. Um lindo sofĂĄ negro, em forma de âLâ, descansava em frente Ă uma parede em
tom vermelho. Nessa parede, um painel de madeira bege estava afixado. Somava-se ao
mobiliĂĄrio, dentre outras coisas, um rack preto sob a TV - que era em tela grande -, um bar
suspenso na mesma parede, também preto, e no centro, perto da coluna, uma mesa redonda.
Esta era baixa, da mesma madeira do painel.
Era naquela sala que passava a maior parte do dia. Ora assistindo Ă TV ou jogando Xbox, ora
tocando violĂŁo, e, Ă s vezes, tentando me concentrar nos estudos. Havia um jogo, em especial, que
realmente me distraĂa âAssassinâs Creed - Brotherhoordâ. A adrenalina ia Ă s alturas.
Eu até tinha pensado em arranjar um emprego para ajudar passar o tempo, entretanto não
possuĂa experiĂȘncia em nada. Entendia apenas dos trabalhos relacionados Ă fazenda. AtĂ© dei um
jeito nas plantas que pereciam por falta de cuidados. NĂŁo que fosse expert feito mamĂŁe ou Jade.
Entendia pouco de plantas, mas, definitivamente, não as deixaria morrer. Pensei também, em
matricular-me numa academia de musculação, essa atividade, além de resolver meu problema
com o sedentarismo, desviaria meus pensamentos. Tinha de parar de pensar naquelas duas
cariocas que me deixaram maluco. Outra ideia que me ocorreu, foi de fazer arte marcial - coisa
que curtia tanto quanto a musculação, ademais, era também para defesa pessoal. Ainda estava
indeciso sobre ficar ou nĂŁo na cidade. Estava tentando, por isso decidi esperar mais alguns dias.
Tentaria mais uma semana, e, se nĂŁo me sentisse melhor, voltaria para casa. Eu nĂŁo me
entendia. Era tão expansivo, brincalhão, animado, porém, não conseguia fazer amizades, tinha
vergonha, sei lĂĄ. Em Estrela do Campo pelo menos tinha meus amigos, minha famĂlia e tinha ela,
44. que me dava atenção.
O filhote era bonito, fiquei louco por ele. Na fazenda havia alguns cĂŁes, mas nĂŁo me apegara a
nenhum. Eram cĂŁes comuns, que apareciam sem ser convidados e acabavam ficando. Jorge e os
outros peÔes cuidavam deles. Estelinha sempre os alimentava com sobras de comida, de modo
que, os cĂŁes se acostumaram e fizeram da fazenda sua morada. CompreensĂvel. A Fazenda do
Sino era mesmo um lugar para se chamar de lar...
Até para os cães.
Coloquei o Labrador no chão e fui até a mesa do centro apanhar a cùmera, que estava sempre
Ă mĂŁo. O cĂŁozinho parecia faminto. Estava inquieto. Normal â pensei. Filhotes sĂŁo sempre assim,
brincalhÔes e bagunceiros. Ainda era cedo, mas era domingo, achava que não encontraria
nenhum pet shop aberto. NĂŁo por ali. Ainda nĂŁo conhecia bem o local, tampouco me arriscaria a
sair Ă quela hora para procurar pets shop. EntĂŁo, alimentei o cĂŁo com biscoitos de aveia, depois
tirei a fotografia. Imprimi umas vinte cĂłpias e as deixei sobre a mesa. Provavelmente, era
mesmo um pequeno fugitivo. Notei, uma vez mais, que era bem cuidado, pois estava perfumado.
Devia pertencer a alguma criança, que nesse momento estaria chorando, por causa do seu
sumiço. No fundo torcia para que não aparecesse ninguém.
Fui para o quarto com intenção de tomar banho. Levei o pequeno comigo. Não poderia
descuidar-me dele, pois sabia que faria um estrago enorme. Entrei no banheiro e fechei a porta.
Deixei o Labrador ali, onde podia vĂȘ-lo. Sorri, levemente, porque ficou encarando-me. Notei que
sempre fazia isso, balançava a cabeça e sibilava. Parecia querer se comunicar. Despi-me. Entrei
no box e fechei a porta translĂșcida. O banheiro era muito bonito, e como toda a casa, de muito
bom gosto. Era revestido por azulejos brancos, grandes e retangulares, levemente manchados de
tom gelo. Uma faixa de pastilhas decorava a parede sobre o vaso sanitĂĄrio. Estas, eram em
vĂĄrios tons de rosa. A banheira, vaso e pia, eram brancos. Era o banheiro da Jade. Ali, debaixo da
ågua que jorrava com força, lembrava-me dela. Havia naquele ambiente, um jeito todo Jade de
ser. Não apenas pelos tons rosa e pela delicada decoração, mas porque podia sentir sua energia.
Eu podia senti-la.
Ă claro que sabia que aquilo nĂŁo estava certo. Deveria esquecĂȘ-la, mas ao invĂ©s disso,
lembrava-me dela em todos os momentos. ImpossĂvel nĂŁo lembrar! Aquela maluca era meu
âtudoâ na fazenda. Sem exagero! Ela fazia-me companhia o dia todo. Ia comigo para a escola e
tantas outras coisas. Até mesmo quando tinha de executar algum trabalho, lå estava Jade
ajudando-me, ainda que fosse delicada como a pétala da rosa e suas mãos não conseguissem
segurar muito peso. Mesmo que caĂsse e se esfolasse. Ainda que estivesse chovendo. Sempre ao
45. meu lado, sorrindo e fazendo palhaçadas. Meus pensamentos se repetiam. Mudei a chave do
chuveiro para frio, pois parecia febril. Era sempre assim quando me lembrava dela. Caramba! â
balbuciei, enquanto a ågua fria jorrava, com força, em meu rosto. Inclinei-me um pouco para
que pudesse senti-la massagear também minhas costas. Estava tenso. Havia meses que não a via,
pessoalmente. Era normal, era maluco pela minha irmã do coração.
Putz! NĂŁo tem essa de irmĂŁ! â gritei em pensamento e soquei a parede, o que, evidentemente,
me fez gemer.
Eu a via de vez em quando através do Skype ou Face à noite. Fred não admitia, mas morria de
ciĂșmes de Jade comigo. CorroĂa-se, mas nĂŁo falava. Meu irmĂŁo era impenetrĂĄvel. Nunca se
sabia o que se passava em sua cabeça, era fechado, e, embora, tivesse melhorado um pouco seu
jeito de ser, depois de se apaixonar, algumas marcas de sua personalidade permaneciam as
mesmas, intocadas. Imagine se ele soubesse o que aconteceu no dia em que a Jade caĂra da
Ă©gua! Ele jamais poderia saber dessa histĂłria. Meu irmĂŁo era apaixonado por Jade, e ela por ele.
Acho que nem podia ficar pensando nessas coisas.
Desliguei o chuveiro e conversando com o Labrador pude perceber o quanto estava sĂł. Ele
seria uma boa companhia. Embora, tivesse Dona Branca - a diarista -, que vinha trĂȘs vezes por
semana para cuidar de tudo. Ela pedira isso, era idosa, parecia ser mais velha do que minha mĂŁe.
Deixava comida congelada para eu esquentar no forno de micro-ondas, e, assim, me virava.
Dona Branca e eu nos dĂĄvamos muito bem. Era uma figura extremamente generosa e alegre.
Acho que sĂł nĂŁo me sentia completamente sĂł, por causa dela. Quando ela estava em casa
passava momentos agradĂĄveis, sentia que queria cuidar de mim, tal qual minha mĂŁe.
O tempo no Rio era sempre quente e um tanto abafado. Naquela noite intuĂ que choveria. O
céu estava completamente nublado. E não deu outra. Uma chuva forte despencou. Cobri a
cabeça com o travesseiro, na tentativa de abafar o barulho. Os raios cortavam o céu, e o
ribombar ensurdecedor dos trovÔes piorava minha insÎnia. Novamente, não consegui dormir de
imediato. Isso era recorrente. Havia noites em que passava bem e outras tantas, simplesmente as
passava de olhos abertos. Naquela noite, sĂł consegui dormir um pouco depois que a chuva
abrandou, mas acordei com o Labrador choramingando.
â Droga! O que foi agora? â berrei, sem sequer pensar que ele poderia estar assustado, ou
sentindo falta do antigo dono.
Desci da cama e peguei o filhote no colo. Alisei seu pelo macio e fiquei com pena. Cansado,
acabei colocando-o na cama, junto a mim. Depois disso, o sono me fisgou. Em seguida, pescou o
cãozinho também. Pela manhã, acordei com o filhote lambendo meus pés. Ainda não havia
46. ligado uma coisa na outra. Sorri um pouco, sĂł entĂŁo me lembrei dele. Levantei o torso,
abruptamente.
â Fala sĂ©rio! â Exclamei ainda com os olhos turvos. - JĂĄ sei, quer comer, nĂŁo Ă©? - o cĂŁo
olhava para mim e balançava o pescoço de um lado para o outro, tal qual limpadores de para-brisas
- na velocidade mĂnima. Era como se tentasse assimilar o que eu dizia. Lembrei-me
daqueles cãezinhos com pescoços de mola que ficavam nos carros de alguns taxistas. Achava
aquilo o mĂĄximo! O filhote estava mesmo me cativando.
Escutei Dona Branca abrir a porta. A diarista era uma mulher de confiança. Jade a havia me
recomendado. Assim que cheguei entrei em contato com ela, que logo conseguiu limpar toda a
casa. Desci as escadas com o cão nos braços, antes mesmo de escovar os dentes, lavar o rosto e
pentear os cabelos. Nem liguei. Meus cabelos estavam um tanto emaranhados, e, eu, um pouco
desengonçado, devido à noite ruim que passara.
â Mais que novidade Ă© essa, Du? â perguntou a diarista, sorrindo
â Pois Ă© Dona Branca esse filhote apareceu aĂ na porta de casa. O encontrei quando voltava
do haras.
â Deve estar perdido! â ela opinou com um sorriso nos lĂĄbios e sua tĂŁo peculiar fala esticando
o âsâ. Adorava aquilo. Lembrava-me de Jade... e de Melissa. Para variar!
â Vou colocar a foto dele espalhada por aĂ - acrescentei.
â Ă, pode dar certo, mas o cĂŁozinho Ă© lindo, nĂŁo quer ficar com ele?
â NĂŁo! NĂŁo acho isso certo â descartei a possibilidade - Acredito que Ă© meu dever pelo
menos tentar encontrar o dono. Nem quero pensar muito. Gostei dele e se nĂŁo encontrar o dono,
o adoto.
â EstĂĄ certo filho, bom garoto â ela disse.
Não fui ao cursinho. Para falar a verdade, eu devia se o aluno mais ausente no pré-vestibular. Fiz
o que havia planejado. Saà com as fotos impressas e colei-as nos muros e postes, depois segui até
o pet shop e colei uma foto do cãozinho perdido lå também.
Ok agora Ă© sĂł aguardar!
Agradeci, embora torcesse para que não aparecesse ninguém. Também pensei que minhas
esperanças seriam vãs. Imagine um filhote tão bem cuidado, certamente apareceria alguém.
Voltei para casa e o cĂŁo esperava-me no portĂŁo da garagem. Comecei entĂŁo a ficar muito na
dele. Era gostoso saber que mesmo um cĂŁo, esperava por mim.
47. â Hey Buddy! [9] â abaixei-me para afagar seu pelo macio. Novamente me lembrei de Jade.
Ela e eu adorĂĄvamos conversar um com o outro usando algumas palavrinhas em inglĂȘs â sorri da
lembrança. Fiquei olhando para o lindo cĂŁozinho que me encarava. - Gosto muito de vocĂȘ,
sabia?! Hum? â com as duas mĂŁos, segurei sua cabeça e a balancei, com carinho. Continuei
falando, como se ele me entendesse. - Acha mesmo que alguĂ©m vai aparecer? Hum? â os olhos
do pequeno me fitavam. Peguei-o no colo e apertei o controle do portĂŁo. Subi a escada
acariciando-o. Ele todo dengoso. Assim, pude sentir, o quanto se afeiçoara a mim também.
â Que tal um nome? Deixe-me ver! â murmurei enquanto avançava pelo corredor â Hum,
âBorisâ. Gosto desse nome. E vocĂȘ parceiro, gosta? Se alguĂ©m aparecer para levĂĄ-lo, sentirei
muito â declarei, sorrindo.
48. Oito
Jade
DEPOIS DE NOSSA ROMĂNTICA E MEMORĂVEL CERIMĂNIA, NĂO TIVE mais
sossego. Fred tomou posse. Sentia-se meu dono. Arranjava briga com DJ e implicava com tudo.
AtĂ© quando saĂa sozinha para caminhar. E enchia meu saco quando ia Ă s baias ver os cavalos. Ele
cismou que os peÔes ficavam me olhando. Jå tinha dito para Isolda, se Fred não mudasse de
comportamento, nĂŁo terĂamos futuro, embora o amasse profundamente. Mas, estava no limite.
Pra falar a verdade, tinha dias que Fred me fazia querer sair correndo. Eu amava tudo na
fazenda, mas desejava ter um cantinho sĂł para mim, num local sossegado, onde eu pudesse
dançar, escrever e refletir. Em meu quarto não tinha mais tanta privacidade.
Ăs vezes Fred fazia umas coisas que me magoavam muito, alĂ©m de ser um grosso - quando
lhe convinha. Tinha uma tendĂȘncia enorme para âbipolaridadeâ. Era inconstante, e, de vez em
quando, parecia ter duas personalidades. Umas vezes, doce, outras tantas, um azedo. Agumas
vezes sorria, outras parecia depressivo. NĂŁo havia um sĂł dia em que nĂŁo brigĂĄssemos. A coisa
ainda ficou pior quando âcogiteiâ a possibilidade de estudar no Rio, o que, evidentemente, ainda
teria de ser ponderado, por vĂĄrios motivos. De qualquer forma, nĂŁo sei o que deu em Fred.
Depois que falei sobre meu desejo, ele começou a sair para beber todos os dias, até mesmo nas
segundas-feiras â dia de suas aulas presenciais -, e voltava embriagado, quase ao raiar do sol.
Havia dias em que ele simplesmente sumia. Isolda mostrou-se muito preocupada com as atitudes
do filho que mudara, visivelmente.
Sempre que ia dormir, ficava imaginando o que faria de minha vida. NĂŁo queria sair da
fazenda. Amava minha nova rotina, embora algumas coisas, ultimamente, me chateassem. Mas,
queria fazer algo. Gostava de dançar e fotografar. Puxa! Sentia-me como se estivesse num
labirinto. Não sabia para que lado seguir. Estava sempre dividida. Contudo, a dança, além de ser
a minha atividade predileta era também minha tåbua de salvação. Minha terapia. Quando não
estava bem, ia para meu quarto ligava o som e começava a dançar. Trinta minutos eram
suficientes para que me refizesse. Fazia isso praticamente todos os dias. Depois desabava na
cama, insegura. Amava também as plantas, mas queria mais agitação, e, dançar, certamente era
do que precisava. Então, praticamente obriguei meu cérebro a pensar só em dança. Ali, deitada,
num dos poucos momentos em que podia refletir, antes que Fred me interrompesse, massageava
minhas tĂȘmporas e dizia a mim mesma: - âĂ issoâ! â mas, sempre exclamava depois â âOh meu
Deusâ! Ajude-me a tomar a decisĂŁo acertada!
Fred riu de mim, depois disse bem alto âesqueceâ! - o que me deixou irritadiça por alguns
49. dias. E, por causa de seu total desrespeito, nosso relacionamento estava ainda mais
âestremecidoâ.
Diria, na corda bamba.
Do jeito que as coisas andavam Fred, provavelmente estragaria tudo. Fiquei com tanta vontade
de fazer dança que vivia sonhando. Imaginava-me numa academia cheia de alunas. Aquele
grande salĂŁo com espelhos de cima em baixo, as barras... Lembrei-me de minhas sapatilhas.
Ahh acho que sĂł de cogitar essa grande possibilidade sentia-me arrebatada, embevecida. Fiquei
mais animada e bem humorada. Fred, ao contrĂĄrio, sĂł me contrariava. Decidi que tentaria
convencĂȘ-lo, aos poucos. Ainda tinha muito tempo, embora desconfiasse que ele jamais
aprovasse. Mas, nĂŁo custava nada tentar, nĂŁo Ă©? Tirando essa âcoisaâ de Rio, o âcalcanhar de
Aquilesâ de Fred era sem dĂșvida nenhuma, DJ... Ele era a principal âpautaâ de nossas discussĂ”es,
chatas, longas e repetitivas.
â Fred a gente precisa conversar! â eu disse numa noite de sĂĄbado, ao me aproximar dele,
que assistia Grey's Anatomy.[10]
â Sobre âaquele assuntoâ, nĂŁo temos mais o que conversar Jade. Tudo jĂĄ foi dito!
â QuĂȘ? EntĂŁo acha que as coisas sĂŁo resolvidas assim? VocĂȘ vai me ouvir!
â Jade nĂŁo entendo vocĂȘ. Para que quer fazer isso? Tudo aqui Ă© seu tambĂ©m, se quer fazer
alguma coisa, entĂŁo, me ajude a administrar a fazenda! Para que deseja ir para o Rio fazer...
dança? â deu uma pausa e emendou: â Isso Ă© loucura; nĂŁo entra em minha cabeça. Cismou com
isso agora. SĂł pode tĂĄ gozando com minha cara. Que homem, em sĂŁ consciĂȘncia, deixaria sua
namorada morar noutro lugar? Hum?
â NĂŁo tĂŽ nem aĂ pros outros caras Fred! AlĂ©m do mais, desde minha infĂąncia faço balĂ©
moderno, sabe disso â argumentei. - Adoro dançar e... desejo me profissionalizar. Gostaria de
abrir uma academia aqui. Ă um bom negĂłcio.
â Mas era sĂł o que me faltava! Jade, o povo daqui nĂŁo se liga nisso nĂŁo! â ele disse com
desdém.
â Mas, se alguĂ©m começar, tenho certeza de que pode dar certo.
â AhĂĄ, rĂĄ, Jade nĂŁo dĂĄ certo. Esqueça isso! JĂĄ tentaram abrir de tudo por aqui, acredite em
mim! Poucas coisas vĂŁo pra frente em Estrela do Campo.
â NĂŁo adianta. Puxa vida! Como vocĂȘ Ă© cabeça dura, depois fala que a teimosa sou eu.
50. â NĂŁo, nĂŁo â ele disse esticando o braço. - Vem cĂĄ! â levantou-se com um sorriso safado no
rosto, puxou-me para si e abraçou-me, carinhosamente. â Ahh nĂŁo fica chateada, nĂŁo! VocĂȘ
dança pra mim! Dança? â pediu. Encostei minha cabeça em seu peito e pude ouvir as batidas de
seu coração, altas e descompassadas. Eu sorri porque me lembrei de que ele gostava que eu
dançasse a âdança do ventreâ para ele. NĂŁo era minha especialidade, mas eu mandava bem.
â Eu danço em outra hora. TĂĄ tudo bem? â perguntei desconfiada, pois ele tinha o semblante
estranho. - Conheço vocĂȘ. Quer me dizer algo?
â NĂŁo, Ă© que...
â Fala Fred! â disse alto, afastando-me para encarĂĄ-lo.
â Eu te amo tanto! NĂŁo consigo nem imaginar vocĂȘ, lĂĄ no Rio sem mim. Aquela cidade Ă©
perigosa e também...
â Bobinho â toquei seu nariz com a ponta do dedo. - Sou de lĂĄ, se lembra? Conheço minha
cidade. NĂŁaaao! â desconfiei. - NĂŁo Ă© sĂł isso! Tem algo mais! â objetei dando-lhe as costas.
â Ă que... ah, nĂŁo Ă© nada. Deixa pra lĂĄ! JĂĄ estĂĄ tarde, vem cĂĄ! â puxou-me novamente,
fazendo com que eu meu encostasse em seu peito. â A gente tem de aproveitar que mamĂŁe estĂĄ
em Holambra.
â Ei! â pisei firme, empurrando-o, levemente, tentando manter distĂąncia.
â O que foi? NĂŁo quer ficar comigo? A gente tĂĄ sozinho, vamos curtir?
â NĂŁo Ă© assim tĂŁo fĂĄcil Fred â salientei â hĂĄ dias tem me tratado muito mal, tem saĂdo para
beber com seus amigos - os quais nem conheço. Chega em casa embriagado, e... caramba, não é
sĂł apertar o botĂŁo liga/desliga, tenho sentimentos â declarei chorosa - E, tambĂ©m, nĂŁo estou a
fim! â disse com os braços cruzados, dando-lhe as costas.
Ă claro que o queria, sempre queria, mas estava chateada com ele.
â Ah Jade, qual Ă©! Vai querer âdiscutir a relaçãoâ agora? Vem cĂĄ! Sei que estĂĄ a fim -
puxou-me pelo braço e girou-me, depois, me agarrou pela cintura com força. Empurrei-o.
â Estou a fim Ă© de ouvir uns pedidos de desculpa primeiro. NĂŁo se esqueça de que estĂĄ sendo
um grosso comigo ultimamente!
â Jade! O que quer? â bradou impaciente, respirando fundo -, que eu aceite ânuma boaâ que
o tal DJ troque o pneu do seu carro e nĂŁo diga nada?
â Ok, vai falar do outro assunto â disse revirando os olhos. Notei uma ruga fina em sua testa,
enquanto rodeava-me: continuou: -, quer que fique calado quando chega em casa na garupa da
51. moto dele? â Fred avançava e eu afastava; seu olhar era duro. De uma hora para a outra ficou
irado. Prosseguiu - Quer que fique morrendo de rir quando me diz que deseja ir para o Rio? â
praticamente berrou â ora faça-me o favor! NĂŁo tenho sangue de barata!
â Fred! VocĂȘ me irrita sabia? A gente estava falando de uma coisa e agora jĂĄ colocou o outro
assunto em pauta â avancei para ele, tocando seu peito com o dedo.
Ele afastava.
â Muito bem. LĂĄ vamos nĂłs de novo. JĂĄ expliquei. DJ trocou o pneu do meu carro quando
ninguĂ©m mais podia fazĂȘ-lo, lembra-se? VocĂȘ âdisseâ que estava na faculdade e sĂł chegou no
dia seguinte âtrĂȘbadoâ â devolvi o olhar de raiva. â E voltei para casa de carona na garupa dele
na outra ocasiĂŁo, depois de ligar, incansavelmente para vocĂȘ - que nem me disse onde esteve.
Saiba que aquilo ficou entalado aqui â mostrei a garganta. Atropelava minha prĂłpria respiração.
JĂĄ havia explicado aquilo para ele centenas de vezes. Continuei aos berros e descontrolada: â
Pelo que me lembre, seu celular estava desligado â senti o sangue ferver - NĂŁo houve maldade
meu amor â continuei explicando. Inevitavelmente algumas lĂĄgrimas jĂĄ despontavam. Perguntei:
â Por que vĂȘ maldade em tudo? DJ Ă© sĂł um amigo â dei uma pausa e decidi interpelĂĄ-lo tambĂ©m.
â E quanto a vocĂȘ? Hum? Ainda nĂŁo me explicou para onde vai. Pensa que nĂŁo sei que sai Ă
noite quando estou no cursinho? E não diga que vai estudar com colegas, porque te conheço e sei
que isso nĂŁo faz seu estilo â Fred me fitou com o olhar indecifrĂĄvel, o que me deixou
desconcertada â quer saber? Esqueça. NĂŁo sei se vou gostar de sua resposta, acho que nĂŁo ficaria
feliz.
Na verdade, aquele assunto me irritava mesmo. Fred sempre impenetrĂĄvel e misterioso. Ele
queria me controlar o dia todo, mas nĂŁo se abria...
â NĂŁo viaja, saio com uns caras apenas para relaxar e aliviar as tensĂ”es. E de vez em quando
vou pescar. Mas... nĂŁo mude de assunto! â objetou encarando-me - por que tinha de ser ele,
hum? Por que nĂŁo arranjou outro para te ajudar? Parece que quer me provocar. Fala sĂ©rio! â
bradou com a voz tĂŁo grossa que mais parecia um grunhido.
â Shhhhh nĂŁo grita!
â Ah qual o problema? A gente tĂĄ sozinho. TĂĄ com medo de acordar as vacas e os cavalos?
â RĂĄ, rĂĄ, rĂĄ, engraçadinho. NĂŁo gosto quando grita. VocĂȘ me assusta - respirei fundo e
acrescentei, baixo: - SĂł para te lembrar, carĂssimo - mexi o corpo de maneira engraçada. Ergui o
braço e mostrei relógio -, saio do cursinho dez e cinquenta e não tinha exatamente uma lista de
opçÔes â expliquei â, o comĂ©rcio daqui fecha cedo e nĂŁo havia mecĂąnicos ou borracheiros Ă
minha disposição. NĂŁo basta estalar os dedos. SĂł o tinha por perto â pedi tentando me acalmar: â