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                                    INTRODUÇÃO

       Na sociedade atual, as necessidades sociais, culturais e profissionais ganham
novos contornos, exigindo que tenhamos competência não só enquanto profissional
qualificado, mais acima de tudo, como aquele que se relaciona de forma harmoniosa
de modo a contornar desafios, isto porque, fazemos parte de uma sociedade que
contempla uma grande diversidade social e cultural, e paradoxalmente esta mesma
sociedade por muitas vezes mostra-se massificada, classificando categorias e
gêneros, como se tivéssemos uma medida de valor. Neste caso podemos ou não
ser excluídos desta sociedade como se nada de anormal esteja acontecendo neste
cenário.

       Há de se admitir que normalmente esta visão não seja aceita por todos, e
realmente não se pode generalizar tais afirmações dentro desta realidade
presenciada hoje na sociedade, apenas podemos através de um estudo mais
sistemático, detectar pontos de um preconceito que permeou toda nossa história,
desde o seu início, atravessou épocas e, inquietamente mesmo que de formas
menos acentuadas, continua presente, numa era em que prima-se por uma ética
sublime, isto é, mais civilizada.

       Nesta pesquisa, expomos aqui o preconceito racial, e pretendemos levantar
esta questão, pois sabemos que as discussões não se esgotam, pelo contrário, o
aprofundamento nos torna mais conscientes e sensíveis sobre as relações mais
amplas e os fatores sociais, políticos e econômicos que movem a dinâmica social,
até porque, segundo Fernandes (1972, p.9), “ainda persiste em nosso país um
imaginário ético racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes
européias da sua cultura”, ignorando ou pouco valorizando as outras. Apesar de a
cultura brasileira ter sido fermentada em um caldeirão multiétnico, convive no Brasil,
de maneira tensa, a cultura e padrão estético negro e africano e um padrão estético
e cultural branco europeu. “Embora, a presença da cultura negra corresponda hoje a
45% da população brasileira, esse fato não tem sido suficiente para eliminar
ideologias, desigualdades e estereótipos racistas”. (FERNANDES, 1972, p.10)

       O Brasil não seria o mesmo sem o legado da cultura africana e quando
falamos na influência cultural que os negros tiveram no Brasil é quase sempre é
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ignorado, o que parece ter havido, pelo menos em certas áreas do país, é quase tão
somente uma adaptação dos padrões de comportamento dos escravos às novas
condições de vida a que foram submetidos. E, tão logo eles se estabeleceram, os
demais povos é que se viram na contingência de absorver e adotar inúmeras
tradições africanas. (FERNANDES, 1972, p.15).

      Os cidadãos que fazem parte hoje do Movimento Negro no Brasil têm
experienciado o quanto foi difícil para os negros terem sido julgados negativamente
por sua cor, comportamento, modo de ser. E chegam a comprovar que ainda se tem
insistido no quanto é alienante a experiência de fingir ser o que não é para ser
reconhecido, de quão dolorosa pode ser a experiência de deixar-se assimilar por
uma visão de mundo que pretende impor-se como superior e, por isso, universal e
que os obriga a negarem a tradição do seu povo. (LOPES, 2005)

      Para reeducar as relações étnico-raciais no Brasil, é necessário fazer emergir
as dores e os medos que tem sido gerado, entender que muitas vezes o sucesso de
uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostos a outros, e, decidir a
partir de então que tipo de sociedade queremos construir daqui pra frente, até
porque, nenhum descendente de mercadores de escravos na atualidade tem culpa
das atrocidades cometidas por seus antepassados, mas, todos nós temos sim
responsabilidade moral, e política de combater o racismo, as descriminações e
empenharmos em estabelecer relações raciais e sociais sadias, em que todos
crescem se realizam e se complementam enquanto seres humanos e cidadãos.

      Tais reflexões é que nos levaram a tratar aqui neste trabalho deste assunto,
buscar entender como ainda nos dias atuais estão as relações dentro da
diversidade, em especial a racial. Aprofundar-nos especificamente nesta pesquisa
dentro do âmbito escolar, onde indivíduos negros convivem na sala de aula com
outros e analisar como se encontram hoje esta relação. Levando-nos a questionar:
qual o significado do ser negro hoje numa sociedade massificada e o papel que a
escola tem desempenhado enquanto instituição de formação humana.

      Assim pretendemos abordar como tem sido encarado o preconceito hoje, que
experiências passam estes sujeitos no cotidiano da sala de aula e como a escola
tem tratado desse assunto no sentido de contribuir para uma significativa mudança
no comportamento, isto é, mais ético e humano.
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      Torna-se conveniente acreditar na necessidade de uma reconstrução de
sentidos dessa convivência, isto é, o negro e o branco, visando estabelecer relações
de dignidade, afeto e igualdade entre estes, a escola, e a sociedade. A escola deve
procurar priorizar valores de atitudes e aproveitar as experiências desses alunos,
seus saberes, suas limitações e desejos, a fim de obter um melhor aproveitamento
dessa aprendizagem.

        Sendo assim esta pesquisa vem ressaltando a importância de uma mudança
nessas relações onde, embora prevaleçam as diversidades, o convívio pacífico e de
dignidade humana devem ser prioridade, principalmente dando ênfase aqui neste
trabalho, à relação aluno negro com seu semelhante, como ser aceito, como
indivíduo que merece respeito e dignidade como qualquer outro sem distinção ou
parcialidade e a escola como contribuição para transformação da realidade desses,
em especial a dignidade como pessoa humana.

        O presente trabalho está estruturado em quatro capítulos:

        No primeiro capítulo apresentamos os aspectos que motivaram à
investigação do tema, a problemática, as questões norteadoras, os objetivos e a
justificativa, isto é, sua relevância no campo sócio-educacional.

      No segundo capítulo abordamos as concepções referentes à relação escola e
a criança negra, suas características, seu papel, suas reações e a interação entre
seus diferentes membros, descrevendo a convivência diária neste âmbito.
Apresentando uma breve revisão da leitura, do preconceito e discriminação no
cenário brasileiro que por consequência chega à escola de diversas formas. Para
fundamentar este estudo contou-se com a contribuição de grandes teóricos como
Bernd (1988), Ceert (2006), Da Matta (1983), Fernandes (1972), Guimarães (1999),
Inocêncio (2004), Martinez (1992), Munanga (1988), Rufino (2003), Silvério (2002),
Valente (1987), dentre outros que em suas pesquisas contribuíram para a
construção desse conhecimento.

      No terceiro capítulo, desenvolvemos sobre a atividade prática de investigação
utilizada para coleta de dados, a metodologia qualitativa, onde focamos a
importância deste método, que permite uma maior troca de informações entre
pesquisadores e pesquisados.
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      O quarto capítulo esboça a análise de dados segundo a metodologia adotada
no capítulo anterior, confrontando com os aportes teóricos, para chegarmos à
conclusão.

       E por último, nas considerações finais, é ressaltada a importância da
mudança na postura para possíveis soluções dos problemas encontrados nessa
modalidade de ensino.

      Acreditamos que embora a caminhada ainda seja lenta, nunca é tarde para
buscar a igualdade e mais que isso: o respeito. Não existe pessoa melhor nem pior,
existem apenas pessoas diferentes, que e cada um deve ser respeitado dentro desta
diversidade e acreditar que todos podem e devem ser incluídos na sociedade como
cidadãos, com os mesmos direitos que o dignifica. Desta forma, reconhecemos que
deve haver uma preocupação por parte dos professores mediadores em provocar
situações que levem os alunos negros a se perceberem como participantes da
história dentro e fora da escola mobilizando-os a se posicionarem firmemente como
integrantes de uma etnia que pode fazer diferença no sentido de manifestar
segurança no falar, no agir, no pensar e sobretudo no proceder.
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                                   CAPÍTULO I


1. PROBLEMATIZAÇÃO


1.1 – INFLUÊNCIA DA CULTURA AFRICANA NO BRASIL
    No Brasil, desde o seu passado histórico até no mundo moderno, o negro,
permanece apontado como ser inferior, discriminado e marginalizado. As
mensagens de inferioridade que vivencia, muitas vezes no dia-a-dia, fazem com
que, sem perceber, os próprios negros as assuma como verdadeiras.

    Lentamente o vasto território do Brasil foi povoado pela contribuição de três
grupos raciais, ou seja, foi composto de diferentes etnias: o indígena, o africano, e o
branco europeu. Os indígenas aqui se encontravam enquanto o europeu e o africano
foram trazidos ou vieram para desenvolveras atividades de colonização. Somos um
pais mestiço, de uma forma ou de outra, somos todos afro-descendentes ou afro-
brasileiros. Sabemos muito sobre a presença européia em nosso pais, sabemos um
pouco sobre a etnia negra que tanta contribuição trouxe para o Brasil.

    A escravidão já era praticada entre os próprios africanos na sua terra natal,
quando alguns grupos negros eram subjugados a favor de outros. Neste sentido, a
Secretaria de Educação a distancia do MEC        (2000), informa que os escravos
eram obtidos de diferentes maneiras, desde o seqüestro ate as guerras que eram
especificas para caçar e aprisionar gente, tornando-se a principio, o negro escravo
do próprio negro. Por mais irônico que venha ser, no século XX, a escravidão na
África veio a acabar.

    As influências notórias da presença africana e afro-descente na formação da
cultura e da sociedade brasileira têm inicio desde os primórdios da nossa
colonização. Estima-se que durante todo o período do trafico de escravos, de acordo
com a Secretaria de Educação a distancia do MEC (2000), foram trazidos da África
para os nossos pais, cerca de 3,6 milhões de africanos escravizados. E não apenas
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além-mar: “Os escravos pululam por toda parte”, escreveu o cronista Clenardo (1535
apud BUENO, 1972, p. 114). Se a esse número somarmos os seus descendentes de
varias gerações, não é preciso nenhum esforço intelectual, para confirmarmos que
essa presença tem algo de bastante significativo e que não deve ser negligenciado
se quisermos compreender com mais profundidade as características especificas da
sociedade brasileira e influirmos de forma mais eficaz nos seus processos de
aperfeiçoamento educacional, social, político e cultural.

    Como nos faz ver Kikuchi (2003):

                      Os conceitos dos grupos étnicos vindo para o Brasil, mesmo sendo
                      discutível, são considerados pelas literaturas histórica e antropológica com
                      a seguinte composição: Bantu – 40% a 60% - Regiões mais meridionais da
                      África. Benin – 40% - Regiões da baia de Benin, noroeste da África.
                      Senegâmbia – Contingente muito restrito noroeste da África. Em São
                      Paulo, a ascendência africana é originaria predominantemente de Angola e
                      Moçambique ( grupo lingüístico Bantu). Os Benin, provenientes da baia de
                      Benin, concentraram-se mais na Bahia. Quanto ao grupo étnico Senegal, é
                      raro ou constitui contingente muito restrito (p. 130).

      Hoje, quando falamos da população negra, estamos falando de 45,3% da
população brasileira, de acordo com o Censo do IBGE de 2002. A maior população
negra do mundo depois da Nigéria. Os africanos foram trazidos de varias nações,
regiões e culturas diferentes.

      No século XV, a América foi “descoberta”, a África sem defesa apareceu
então como reservatório humano apropriado, com o mínimo de gastos e de riscos,
sendo o negro escravizado por diversas partes do planeta, merecendo destaque no
presente trabalho, o território brasileiro, no qual o elemento negro se encontra
presente desde o inicio de sua formação

      Sobre isso Bueno (2003) afirma que:

                      Embora a escravidão seja quase tão velha quanto a própria humanidade,
                      jamais o trafico de escravos fora um negocio tão organizado, permanente e
                      vultuoso quanto se tornou depois que os portugueses estabeleceram, em
                      meados do século XVI, uma vasta rota triangular que uniu a Europa, a
                      África, e a América e transformou milhões de africanos em lucrativa moeda
                      de troca. (p. 114).

      . “Um dos maiores países mestiços do mundo, o Brasil foi gerado também em
ventre escravo”, escreveu Bueno (2003, p. 1119). Funcionando como um dos
maiores colaboradores, sobretudo do ponto de vista do trabalho árduo e ativo, para
o grau desenvolvimento no qual o nosso pais se encontra. Os negros não apenas
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foram as “mãos e os pés” de seus senhores como também do Brasil, Europa,
Inglaterra e outras nações do globo.

      Complementando, Bueno (2003) ainda acrescenta:

                     Mas, no Brasil, os escravos foram ainda mais do que isso: foram os olhos e
                     os braços dos donos de minas; foram os pastores dos rebanhos e as
                     bestas de carga; foram os ombros, as costas e as pernas que fizeram
                     andar a Colônia e, mais tarde, o Império. (p. 118)

      A maior utilização do negro como mão-de-obra escrava básica na economia
colonial, deve-se principalmente ao trafico negreiro, atividade altamente rentável,
tornando-se uma das principais fontes de acumulação de capitais para metrópole.
Exatamente o contrario ocorria com a escravidão indígena, já que os lucros com o
comercio dos nativos não chegavam ate a metrópole.

      Para os portugueses, o trafico negreiro não era novidade, pois, desde meados
do século XV, o comercio de escravos era regular em Portugal, sendo que durante o
reinado de D. João II o trafico negreiro foi institucionalizado com a ação direta do
Estado Português, que cobrava taxas, e limitava a participação de particulares. Os
escravos que abasteciam o Brasil eram controlados de acordo com a necessidade e
com a demanda. Diante de enorme necessidade os navios eram abastecidos com o
dobro de sua capacidade real. O transporte de escravos para o Brasil a bordo dos
navios negreiros não oferecia boas condições higiênicas, pois devido a falta de água
e alimentos estragados, velhos, jovens, homens, mulheres e crianças, um monte de
gente, umas sobre as outras, presas num mesmo espaço durante dias e dias,
perecia miseravelmente na travessia.

      Pois como nos afirma Bueno (2003):

                     Após a apreensão do “tumbeiro”, o capitão do Fawn anotou, no diário de
                     bordo, a cena com a qual se deparou nos porões da embarcação: Os vivos,
                     os moribundos e os mortos amontoados numa única massa. Alguns
                     desafortunados no mais lamentável estado de varíola, doentes com
                     oftalmia, alguns completamente cegos; outros esqueletos vivos (...). Seus
                     membros tinham escoriações (...). No compartimento inferior o mau cheiro
                     era insuportável. Parecia inacreditável que seres humanos sobrevivessem
                     naquela atmosfera. (p. 112)

      A vida dos africanos como escravos para o Brasil começou logo após o
estabelecimento das Capitanias, visando atender a lavoura de cana-de-açúcar.
Chegando ao Brasil, eles eram postos a venda nos mercados de carne humana,
parecendo objetos medonhos, esperando comprador. “Ate mulheres iam as
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compras. Vão enfeitadas”, escreveu o Walsh ( 1828 apud BUENO, 1972, p. 114). “
(...) Sentam-se, manipulam e examinam suas compras, e levam-na embora com a
mais perfeita indiferença, como se estivessem comprando um cão ou uma mula”. Os
fatos acima referidos são reforçados por Valente ( 1987, p. 14): “ Na colônia, os
escravos eram postos a exposição dos compradores, como nas feiras de gado. Seus
dentes eram examinados, como se faz com os cavalos... Examinavam seus corpos,
como se fossem animais”.

      Algum tempo depois, os negros já estavam trabalhando duro na lavoura, e em
outras atividades, para os seus “proprietários”, a bases do chicote do feitor. Como
nos faz ver Valente (1987):

                     Os açoites, os grilhões, a violência sexual e a atribuição de qualidades
                     negativas aos negros faziam parte de um conjunto de instrumentos e
                     “técnicas” de tortura e castigos para domar e subjugar os escravos. E mais
                     do que a subjugação física, o castigo era importante de si mesmo e de sua
                     raça. (p. 11).

      A exploração e a violência sexual também marcaram as relações entre
senhores e mulheres escravas. Muitos senhores “usavam” suas “propriedades”, as
negras, para a satisfação de seus desejos sexuais, como se fossem, um objeto
qualquer. Desses estupros e abusos, nasceram os mulatos, iniciando assim a
miscigenação no Brasil.

      A cor da pele, tornara-se importante para amenizar os sofrimentos,
despertando,   principalmente     nos     escravos      particulares,    um     desejo      de
branqueamento.

      A este respeito Valente (1987) esclarece:

                     Como existia uma serie de estigmas associados a cor negra, a diferença de
                     pigmentação da pele tornou-se entre os escravos um elemento distintivo da
                     posição social. Por isso, particularmente entre os escravos domésticos,
                     desenvolveu-se um desejo de branqueamento. Os negros de pele mais
                     clara e aqueles que se afastavam dos valores africanos viam no
                     branqueamento o único meio de subir na escala social e chegar a postos
                     que lhes conferiam maior segurança, prestigio e liberdade. (p. 17)

      O negro teve a sua religião, valores, costumes e tradições sufocadas. A
religião católica era imposta aos negros no momento em que pisavam na nova terra,
ensinando-os a serem bonzinhos, dóceis e passivos. Os negros eram proibidos de
cultuarem seus ancestrais e orixás incentivando assim o surgimento do Sincretismo,
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que por sua vez fingiam aceitar os santos católicos, mas mantinham resguardados
as crenças e os seus próprios valores de fé.

      Apesar de tentarem “domar” o negro, ao contrario do que a historiografia
brasileira preferiu pregar até poucos anos atrás, os negros nunca demonstraram ser
passivos. Resistiu sim ao regime tirânico que lhes foi imposto no Brasil:

                    Sabe-se atualmente que a resistência dos escravos foi feroz e constante:
                    milhares de negros lutaram de todas as formas contra os horrores que o
                    destino lhes reservara. A fuga, solitária ou coletiva, não era a única forma de
                    rebelião: houve incontáveis casos de escravos que quebraram ferramentas,
                    incendiaram senzalas, dispersaram os rebanhos ou atacaram seus feitores.
                    Muitos outros optaram pelo suicídio ( em geral pela ingestão de terra), ou
                    então se deixaram acometer pelo “banzo”, o torpor mortal que levava a morte
                    por inanição. O certo e que, onde houve escravidão, houve resistência.
                    (BUENO, 2003, p. 121)

      O tráfico negreiro negocio altamente lucrativo ate o século XVIII, quando
capitalistas ingleses passaram a ter um enorme prejuízo com a concorrência
francesa, que transformou o Haiti na maior fonte de riqueza advinda deste comercio.
Tal fato fez com que os capitalistas ingleses passassem a atacar o trafico de
escravos, passando também a pressionar o Brasil, que resistira ao fim de uma das
fontes de renda mais lucrativas do país.

      O que demonstra que a ideia que se propalou, de que os ingleses foram
responsáveis diretos pelo fim do trafico e da própria escravidão no Brasil não passa
de uma fantasia.

      Durante esse período surgiram varias leis, como: a lei do Ventre Livre, A Lei
Sexagenário, leis essas que só camuflaram uma falsa esperança de liberdade, pois
poucos negros sobreviviam até os 60 anos e quando isso acontecia não tinham
condição de se sustentar, pois até então trabalhara para seu “Senhor”. No caso da
Lei do Ventre Livre, como entender a liberdade dessas crianças se suas mães
continuavam escravas?

      A Lei Áurea deu fim ao sistema escravista, tendo a mão-de-obra escrava
substituída pela chegada dos imigrantes. Os escravos foram expulsos das fazendas
sem terem para onde ir e sem condição de se sustentarem, resultando assim numa
massa de negros que perambulavam pelas fazendas e cidades a procura de
emprego. Foram libertados. Mas que liberdade foi essa?
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                     Foi nesse contexto que os negros, a partir do 13 de maio de 1888,
                     passaram de escravos a homens livres. Passaram a viver uma nova
                     situação: o desemprego, o subemprego e a marginalidade. Das senzalas,
                     grande parte dos negros foi morar em lugares onde as condições de vida
                     eram subumanas. Problemas que caracterizam o trafico e a vida na lavoura
                     do Brasil Colônia, como o alto índice de mortalidade (principalmente dos
                     recém-nascidos) e a subnutrição, persistiram. Como ainda hoje persistem!
                     (VALENTE, 1987, p.22-23)




      A abolição da escravatura, embora tenha sido fato notável na historia da
formação brasileira, foi muito incompleta. Com a abolição, os problemas do negro
estariam apenas começando. Mas quem se interessou por isso? Ninguém se
interessou. O negro livre deixou as fazendas e os engenhos e foi inchar as periferias
das cidades. Abandonado, constituiu-se num sub-brasileiro.

      A sociedade brasileira deixou o negro ao seu próprio destino, o qual através
dos seus próprios meios, teve a responsabilidade de reestruturar-se e transformar-
se para se adequar aos novos padrões criados pelo advento do trabalho livre, do
regime republicano e do processo capitalista. Um novo fator humano passou a ser o
agente por excelência, do trabalho livre, o imigrante. Em conseqüência desse fato,
havia um crescente aumento da população branca em detrimento de negros e
mulatos.

      Milhares de mulheres e homens negros foram forçados a saírem de sua terra,
trazidos a força, ameaçados e torturados. Tornou-se sinônimo de ser primitivo,
selvagem, dotado de uma mentalidade pré-logica devido a ótica pela qual
enxergavam e viviam em sociedade na África. Todas as qualidades humanas foram
retiradas do negro, uma por uma, jamais se caracterizou um deles individualmente,
de maneira diferencial. Alem do afogamento no coletivo anônimo, a liberdade direito
vital reconhecido a maioria dos homens, lhes foi negada. Colocando a margem da
historia, da qual nunca e sujeito e sempre objeto, perdendo o habito de qualquer
participação ativa, ate o de reclamar. Não desfrutar de nacionalidade e cidadania,
pois a sua é contestada e sufocada.

      Enfim, durante quatro séculos, os negros foram feitos escravos no Brasil. Sua
trajetória foi marcada por dor e violência. Não passaram pelo sofrimento e pela
humilhação de serem tratados como animais porque assim o preferiram. Não eram
torturados e apanhavam porque pediam, mas porque resistiam. Não deixaram de ser
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livres porque era o melhor para eles. O negro foi reduzido, humilhado e
desumanizado, desde o inicio, em todos os cantos onde houve confronto de
culturas, numa relação de forças, no continente africano e nas Américas, nos
campos e nas cidades, nas plantações e nas metrópoles. Ao contrario do que
acontece aos povos brancos, o negro é ainda o diferente, a minoria e na melhor das
proposições o especial. Estes povos que sempre foram vistos como objetos da
discriminação mundial, não tem suas mazelas unicamente relacionadas ao período
escravocrata aos quais foram expostos e sim a fatores de sua constituição:
ideologias de superioridade sejam estas raciais ou culturais. Analisando-se o trajeto
histórico do negro na sociedade brasileira e as formas de sua integração nesse
processo, vê-se o negro ser submetido a um processo de dominação como
instrumento de produção e a mulher negra a disposição coercitiva do senhor branco.

      Ajustado ao padrão econômico característico de uma sociedade como função
portuário, administrativa e comercial, vigente no período colonial e pós-colonial, os
negros adaptaram-se a economia de subsistência, artesanato urbano e pequeno
comercio, possibilitando a ascensão individual, em especial dos mulatos, não
constituindo, entretanto, um fluxo constante de ascensão social, mas uma
incorporação a ordem social dominante. Vale ressaltar que esses processos de
ajustamento não ocorreram de forma pacifica e acomodada, mas a custa de
constantes revoltas, como uma historia de mobilização e de lutas contra a opressão
do sistema escravista.

      Com o capitalismo, o negro, por não possuir qualificação, fica a margem do
processo ou e utilizado em serviços pesados nas industrias. A necessidade de
colocação no mercado de trabalho do trabalhador livre inicia-se com o novo modo de
produção, que não condiz com o trabalho escravo e não especializado. Ao sistema
capitalista faz-se mister a conformação de sua produção a necessidade de lucro. A
reprodução da deterioração do nível de vida do negro da-se então a partir daí, sendo
ele impedido de exercer plenamente as atividades de trabalho livre, uma vez que
não tem fácil acesso ao mercado de trabalho e a participação política. A maioria dos
negros, ainda sofre as conseqüências do passado. Como salienta Valente (1994, p.
12), “Ser negro no Brasil hoje não e fácil”. Alias, nunca foi. Quando escravo, o negro
foi tratado como “coisa”. Depois passou a ser discriminado como se fosse “cidadão
de segunda categoria”. O negro, embora não mais escravo e “propriedade” de
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ninguém, ele continua a ser diferença entre a condição de vida dos afro-
descendente e a do resto da população, para começar o desemprego e maior entre
os negros:

                     O Brasil e o pais da segregação racial não declarada. Todos os indicadores
                     sociais ilustram números carregados com a cor do racismo. Segundo a
                     pesquisa Mapa da população negra no mercado de trabalho no Brasil,
                     realizada pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial
                     (INSPIR), em 1999, um homem negro na região metropolitana de São
                     Paulo recebe 50,6% do rendimento médio mensal de um homem não-
                     negro. A situação da mulher negra e mais dramática. Ela recebe 33,6% do
                     rendimento médio mensal de um homem não negro. A taxa de desemprego
                     na região metropolitana de são Paulo e de 16,1% para os não-negros e
                     22,7% para os negros. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica
                     Aplicada (IPEA), de 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63%
                     são. De negros 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de
                     pobreza, 70% são negros (idem). (DOMINGUES, 2006, P. 2)

      Por conta dessa realidade, enfatizada na pesquisa acima, que grupos e
movimentos, se organizam atualmente, no sentido de colocar nas universidades, ate
então redutos de brancos e ricos, maior contingente de negros, como uma das
formas de lutar contra o imobilismo social e contribuir para a constituição de uma
nova identidade negra.

      Como já foi evidenciado, as pesquisas tem revelado a verdadeira realidade
das relações raciais o Brasil, uma realidade na qual o negro e excluído em todos os
segmentos da sociedade. É necessário reconstruir o histórico cultural do povo
africano, e preciso reverter esse quadro de injustiça e desigualdades raciais e
sociais, eliminar com esse racismo perverso, dissimulado, mascarado, velado,
porem extremamente eficiente, reconhecê-los como atores sociais atuantes do ponto
de vista individual e coletivo no processo de recuperação e reconstrução de sua
identidade cultural. Para que isto realmente aconteça, torna-se preciso que não
apenas os negros incorporem este papel e esta missão através de movimentos
negros isolados, uma vez que estes movimentos já existem.

      Fernandes (1972) nos esclarece:

                     A simples negligencia de problemas culturais, étnicos e raciais numa
                     sociedade nacional tão heterogênea indica que o impulso para a
                     preservação da desigualdade e mais poderoso que o impulso oposto, na
                     direção da igualdade crescente. [...] Nenhuma democracia será possível se
                     tivermos uma linguagem “aberta” e um comportamento “fechado” (p. 161-
                     162).
22



      Não cabe mais ignorarmos o fato de que as contribuições histórico-
civilizatorias das populações africanas e afro-descendentes na construção da nação
brasileira, em especial, no estado da Bahia, terem fornecido as bases que
sustentaram e sustentam a nossa especificidade como um povo que, apesar da
persistência deletéria do racismo, destaca-se pela sua multiculturalidade. A nação
brasileira e formada por uma sociedade multirracial; quando se fala no negro, se fala
no brasileiro, no cidadão, no ser humano.

      A sociedade civil e o estado começam a despertar seus olhares para a
valorização da multiplicidade de etnias e culturas. A diversidade étnica no Brasil e,
ou pressupõe-se que seja, motivo de orgulho, para nos brasileiros, pois aumenta
nossa capacidade de produzirmos coisas mais criativas, em todo espaço nacional,
produtos fundamentais para o mundo contemporâneo. Os setores governamentais
discutem ações afirmativas para as comunidades quilombolas, com o objetivo de
minimizar as injustiças sociais ao longo de toda a história, essas ações vêem com o
objetivo de garantir a valorização da etnia e a participação da população negra em
vários setores da sociedade.

      É dever do estado/nação auxiliar uma recuperação histórico-cultural da etnia
negra, valendo-se de um amplo programa de ações afirmativas. Uma vez que,
resultado da luta empreendida pelo movimento negro, há décadas assiste-se a uma
mudança de postura em vários segmentos da sociedade brasileira, em relação ao
tratamento conferido as questões da população negra no Brasil (SILVÉRIO, 2002).
São necessárias ações efetivas para enfrentar o problema da exclusão do negro no
Brasil, mais do que “boas intenções” retórica política e debates acadêmicos. As
políticas publicas afirmativas são um dos poucos veículos capaz de repara o debito
social que as nações do globo, em especial aquelas que fizeram parte do período
escravocrata, tem com os negros e seus descendentes, sobretudo no estado da
Bahia, onde sua capital ocupa o lugar de segunda maior cidade negra do mundo.

Uma vez que, o Estado brasileiro começa a implementar políticas publicas a favor da
população negra, sendo que em toda a historia do Brasil essa população sempre foi
alvo de políticas que a desfavoreciam. O que dizer de quase trezentos anos de
escravidão? É preciso dar outra dimensão a esta historia que começou de maneira
errônea e em pleno século XXI, permanece envergonhado os membros da
23



sociedade que dispõe de consciência critica e encontram-se cientes de seus
deveres morais.

      Ainda que a perversa longevidade da escravidão brasileira tenha funcionado,
do ponto de vista ideológico, com base real a difusão e socialização da falsa idéia de
inferioridade e incapacidade civilizatória das populações negras, essas populações
vencendo as enormes dificuldades de uma vida de privações incalculáveis,
conseguiram manter conteúdos e significados culturais inteiros das suas heranças
civilizatórias africanas, recriando-os e resignificando-os em solo brasileiro através de
processos de lutas, resistências e astuciosas negociações.

                        A verdade e que, não for reconhecido o esforço de cada grupo étnico que
                        compõe nossa população, o quanto cada um deles contribuiu e ainda
                        contribui para a formação dessa vasta extensão de terra chamada Brasil,
                        seremos sempre o pais do amanha. Enquanto não houver uma igualdade
                        de oportunidades para todos os grupos étnicos, a concretização do Brasil
                        como nação verdadeiramente democrática estará cada vez mais distante.
                        (LOPES, 2005, p. 20-21)

      O movimento negro brasileiro, de acordo com Lopes (2005), a partir da
década de 70, vem lutando pelo fim do racismo e de seus efeitos, insistindo junto ao
estado, a implementação de políticas de combate a discriminação racial. Em 1995
organizou-se um debate com intelectuais entre negros e brancos no pais. Mas só em
2001, com a participação do Brasil na terceira conferencia Mundial contra o racismo,
a discriminação racial, a xenofobia e formas correlatas de intolerância,promovida
pela Organização das Nações Unidas (ONU), na cidade de Durban, na África do sul,
o governo brasileiro passou a se comprometer publicamente com a luta contra a
discriminação racial.

                        A inclusão de políticas de ação afirmativa tanto no debate publico como na
                        pauta do governo e uma conquista de segmentos do movimento negro, que
                        há anos denunciam a desigualdade social e racial no Brasil em vários
                        setores: saúde, educação, mercado de trabalho, moradia, entre outros.
                        Tratar de maneira diferenciada um grupo que teve menos oportunidades –
                        e, portanto, que esta em situação de desvantagem e uma tentativa de
                        diminuir essas desigualdades, restituindo direitos a muito negados.
                        (LOPES, 2005, p. 31-32

      Ações afirmativas estão aflorando na sociedade, mas os resultados ainda são
pequenos, e a impunidade encontra-se em níveis alarmantes. A legislação brasileira
permite que se tenha o acesso à igualdade, contudo não se preocupa com a
chegada à igualdade de fato, a qual dificilmente será alcançada, pela característica
de seres humanos mutáveis e eternamente desiguais. Entretanto, essas leis
24



apregoam uma igualdade de direito para se chegar, ou se tentar chegar, a uma
equidade de fato. Por isso, a importância de uma concepção multicultural e uma
mediação crítica nos processos educativos.

      Importante ressaltar aqui que temos bases legais que devem ser levadas em
consideração, e as leis estão estabelecidas não só em âmbito nacional, mais
também específicas no contexto escolar. Há de se concordar que as atuais leis
brasileiras são contrárias a qualquer ato de preconceito e discriminação contra os
afro-descendentes e protegem o cidadão.

     Segundo Patto (1996), a existência da Lei em si não garante o cumprimento da
mesma por todos os cidadãos como normalmente deveria acontecer e expõe na sua
fala o seguinte:

                         A lei só se transformará em direito na medida em que os profissionais da
                         educação, no interior de suas escolas, construam práticas concretas e
                         inclusivas que não discriminem e nem excluam nenhum grupo étnico.
                         Repensando os direitos, reformulando as leis, redimensionando a formação
                         dos/as educadores/as, construindo argumentos éticos que superem os
                         legais, far-se-á, talvez, com que os equívocos, estigmas e estereótipos
                         sejam gradativamente uma lembrança infeliz da história. (p.36)

         Percebemos a partir dessa fala, a necessidade de discussão da questão
étnica com a participação de todos os envolvidos com a educação escolar,
reconhecendo       que    a    discriminação      contra      os   afro-descendentes        existe,
identificando-a no espaço escolar, e, posteriormente elaborando trabalho de
acolhimento, reconhecimento e troca com os diferentes, emergindo o problema,
dialogando sobre e com ele, combatendo os medos e receios que ocorrem no
cotidiano.

       Os profissionais da educação necessitam buscar continuamente o desafio da
constatação    das   diferenças,       incentivando      em    seus     grupos     formativos     o
entendimento, a aprendizagem, a aceitação e troca entre as diversas etnias,
praticando cotidianamente a alteridade, favorecendo, dessa forma, o crescimento e
a compreensão das diferentes identidades. Citamos aqui novamente Patto (1996),
que contribuiu com seu pensamento nestes termos:

                         É fundamental entender que o processo de troca entre os/as diferentes
                         torna a aprendizagem muito mais rica, criativa e integradora, favorecendo a
                         criação de uma nova realidade. Intenciona-se, dessa forma, que a
25



                      discussão contribua para que os/as profissionais da educação no seu fazer
                      pedagógico, tenham condições de refletir sobre essa temática,
                      transformando a sua prática, bem como àqueles/as que sofrem
                      discriminações e preconceitos, para que, por meio de um novo olhar,
                      insistam na luta pelo reconhecimento e aceitação de sua identidade. (p.41)

       Se a origem e a realidade brasileira se configuram a partir da diversidade
étnica, é fundamental para o acolhimento e exercício solidário, ético, crítico, enfim
cidadão, que as pessoas sejam provocadas às reflexões sobre os elementos
constituintes na criação e configuração das sociedades humanas, dialogando sobre
a discriminação étnica.

      Diante do que foi exposto acima, acreditamos na necessidade de conhecer o
que se passa no cotidiano da sala de aula entre sujeitos negros e outros que não
são mais especificamente no Ensino Fundamental II da Escola Maria do Carmo de
Araújo Maia – Campo Formoso – BA e suas relações. Uma vez que objetivamos
nesta pesquisa averiguar até que ponto os professores a enquanto viés de
integração e formação humana tem contribuído para a disseminação de uma
convivência harmoniosa e de respeito ao ser negro enquanto parte deste contexto,
identificando a partir daí, as representações que os alunos negros fazem do seu
papel no convívio escolar e na sociedade e como os profissionais que atuam no
cotidiano com esta diversidade racial concebem o significado do ser negro como
parte dessa realidade de trabalho, nesta pesquisa temos como premissa fazer um
paralelo entre como os professores sendo agentes mediadores de conhecimento e
de mudança vem contribuindo para integração e formação dos alunos negros
enquanto parte deste contexto e como estes têm reagido na sociedade diante das
praticas pedagógicas dos educadores elucidando suas representações que os no
convívio escolar e no contexto social.

      Esta investigação poderá acrescentar subsídios para estimular uma reflexão
sobre os que se apropriarem desta leitura e consequentemente contribuir para uma
sensibilização, aceitação e afirmação do ser negro, enquanto ser humano e cidadão
com direitos e deveres como qualquer outro.

      A proposta aqui é ouvir o que os professores que ministram aulas neste
ambiente diversificado têm a dizer sobre este convívio e como se sentem os próprios
alunos negros que dele fazem parte.
26



      Cientificamente, julgamos que é de suma importância abordar este tema, uma
vez que o momento hoje exige uma abertura dos conhecimentos em torno da
inclusão e das relações de respeito e ética ao outro, neste caso, o ser negro, que
por muito foram estigmatizados na sociedade. Assim temos a pretensão de explanar
sobre esta convivência com o diferente no processo de inclusão diária no âmbito
escolar, visando através dessa discussão cooperar para que haja novas
ponderações sobre as intervenções pedagógicas daqueles que estão diretamente
envolvidos no processo: o aluno, o profissional e a própria sociedade.
27



                                   CAPÍTULO II


2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

      Neste capítulo que trata da elaboração do quadro conceitual onde se embasa
a pesquisa, serão apresentados os seguintes conceitos-chaves: O ser negro,
Preconceito, Caráter democrático da escola e a construção humana: Bernd (1988),
Ceert (2006), Da Matta (1983), Fernandes (1972), Guimarães (1999), Inocêncio
(2004), Martinez (1992), Munanga (1988), Rufino (2003), Silvério (2002), Valente
(1987), dentre outros que em suas pesquisas contribuíram para a construção desse
conhecimento.


2.1 – O SIGNIFICADO DO SER NEGRO (Breve histórico)

      Salientamos a princípio o entendimento do termo significado como ponto de
partida para estendermos nosso foco temático, pois acreditamos que o significado
aqui vai além do simples conceito etimológico, mas, visto como essência do sentido
da palavra, isto é, uma representação psíquica, acepção ou tradução de uma análise
do significado do ser negro como objeto de estudo. No dicionário de Bueno (1985)
encontramos uma explanação para o termo que traduz: “Significação, equivalente de
uma palavra, sinônimo, ter o sentido de, exprimir, querer dizer, ser sinal de, denotar,
dar a entender, mostrar, ser, constituir, traduzir-se, notificar, expressar, participar”
(p.1052).

      Observamos daí que a teoria do significado examina os vários aspectos de
nossa compreensão das palavras e expressões lingüísticas e dos signos em geral. A
relação de referência, que segundo Japiassú e Marcondes (1990) é um dos
elementos constitutivos do significado, é um desses aspectos centrais. Japiassú e
Marcondes (1990) salientam “a referência é precisamente a relação entre o signo
lingüístico e o real, o objeto designado pelo signo”. (p.224)

      Diante do acima citado, o significado do “ser negro” depende também do
contexto no qual ele acontece. Neste caso, para o negro esse termo pode significar
auto-afirmação, encontro e aceitação de sua origem, ético-cultural, ao passo que
28



para uma minoria branca, o termo pode estar associado a preconceito, descaso, fato
incompreensivo.

      Etimologicamente falando o termo “negro ou negroide” geralmente se referem
a um grupo racial de seres humanos com cores de pele que vão desde o marrom
claro até o quase preto. Eles também são usados para classificar diversas
populações, juntamente baseadas em relações ancestrais históricas e pré-históricas.
Algumas definições do termo, relativamente recentes, incluem apenas as pessoas
que “descendem de povos da África subsariana (ver Diáspora africana)”. Outras
definições do termo "negro" estendem-se a qualquer população caracterizada por
pele escura, uma definição que inclui também algumas populações da Oceania e do
Sudeste Asiático. (BERND, 1988)

      Bernd (1998) acrescenta que a palavra "preto" aparece no século X e designa
uma pessoa de pele escura, mais particularmente originária da África subsariana. A
palavra "negro" passa a ser adotada no século XV com a escravização de africanos
por portugueses. Os espanhóis, porém, foram os primeiros europeus a usar "negros"
como escravos na América. Por conseguinte, um dos primitivos sentidos da palavra
negro era "escravo". Por este motivo, a palavra é considerada ofensiva em diversos
países africanos e da Diáspora, como no Senegal e nos Estados Unidos, onde é
empregada a palavra black que literalmente corresponde à palavra preto, ao invés
de niger (negro). (p.34)

      Segundo Fernandes (1972) os portugueses são o “segundo povo europeu a
traficar escravos negros para as Américas”. Estes adotam a palavra negro
designando primeiro, na sua língua, todos os escravos (por conseguinte também os
escravos índios, chamados de "negros da terra"). Pouco a pouco, os portugueses
passam a designar os africanos cada vez mais apenas com a palavra "pretos",
enquanto os índios foram tratados de "selvagens" até 1970 na imprensa brasileira.
(p.72). O autor também chama atenção para o uso do termo aqui no Brasil e
descreve que:

                      Certos sociólogos brasileiros, como Clóvis Moura, consideram o termo
                      "negro" o mais adequado para classificar o grupo racial ao qual a pessoa
                      pertence. Argumentam ainda que existe uma grande resistência da
                      sociedade brasileira na utilização do termo citado, em razão deste ser
                      considerado, erroneamente, uma palavra preconceituosa. Para estes
29



                       sociólogos, a palavra "negro" não possui conotação pejorativa, e que o
                       receio em utilizar o termo dito correto se deve ao fato da sociedade
                       brasileira, ao contrário do que pensa o senso comum, possuir uma forte
                       carga racista em relação ao negro, oculta pelo mito da democracia racial.

      Para tratar de uma temática cujo recorte se faz a partir da diversidade étnico-
racial do Brasil, o primeiro passo é ressaltar o processo histórico que mostra, nessa
discussão, as especificidades do que é ser negro nesse país e como aqui se
processaram as formas de racismo. É necessário explicar como os termos raça,
relações étnico-raciais e diversidade cultural são utilizados no discurso que propõe
as políticas de ação afirmativa, e como estas se configuram em políticas de
formação de professor, propostas desde a perspectiva da diversidade. Para
complementar essa discussão, buscamos os exemplos da nossa prática do
professor citando algumas situações em que surgem preconceitos entre alunos e
seus colegas bem como alunos e professores das redes públicas de ensino quando
se deparam com essa temática numa experiência de qualificação continuada.

      As elites políticas e intelectuais criaram uma noção de que no Brasil existe
uma natural harmonia e tolerância entre os grupos raciais, ou seja, que o
preconceito e a discriminação não existem. Essa elaboração, “decorrente dos anos
1930, foi posteriormente criticada por estudiosos, a exemplo de Roberto Da Matta
(1983)” que, a essa particularidade do Brasil, consagrou o termo “democracia racial”.
Ele define que esta tese é presente no senso comum através da imagem e do
discurso sobre a origem do povo brasileiro como oriundo da união pacífica e
congratulada das três raças: branca, negra e indígena; tese esta fortemente
trabalhada pelos livros didáticos, mídia, literatura clássica e popular e demais formas
de expressão (p.19).

      A conseqüência disto no imaginário brasileiro é que as pessoas passaram a
ter vergonha de ter preconceito, por isso ninguém se aceita como racista e pode,
inclusive, se ofender se for chamado como tal. Ainda que ache engraçado ouvir
piadas racistas ou não se importe que seus filhos assistam a programas de televisão
que ridicularizam, através de imagens, músicas e outras formas simbólicas, tudo o
que representa a identidade negra. Porém, essa enorme arma criada pela ideologia
dominante a “Democracia Racial” teve como principal efeito limitar as demandas dos
negros pelos direitos sociais, além de tornar ainda mais invisíveis as diferenças
inter-raciais, quanto à elaboração das políticas públicas direcionadas a esse grupo.
30



         Segundo Carlos Hasenbalg (1979, apud Da Matta 1983, p.25), o discurso
posterior ao processo de abolição da escravidão no Brasil – em 1888 –
responsabilizou as desigualdades raciais ali existentes tão somente à situação de
classe, querendo fazer acreditar que há desigualdades raciais porque existem
pobres e ricos. Isso, de certa forma, aliviou a consciência da elite branca, ao
transferir para o campo das desigualdades sociais responsabilidades com as
desigualdades entre negros e brancos, afinal, na visão liberal, as diferenças de
classe, a existência de pobres e ricos se explicam pelo aspecto do individualismo, ou
seja, está ao alcance do indivíduo a possibilidade da escolha de sua condição de ser
pobre. Da Matta (1983) melhor explica nas seguintes palavras:

                      Por conseguinte, essa explicação conclui que o “negro é pobre, sofre
                      violência e é analfabeto por sua própria escolha”. O segundo aspecto
                      racista que compõe o olhar brasileiro, também pensado e sustentado pelas
                      elites políticas e intelectuais, foi o da tese do branqueamento, a qual teve
                      subsídios, portanto transformou-se numa política pública por 50 anos, de
                      1890 a 1940. (p.29)



         Hasenbalg (1979) acrescentou em seus argumentos que a “política do
branqueamento trouxe para o Brasil, entre os anos 1889 e 1930, um contingente de
3.762.000 estrangeiros”. Era denominada de política de povoamento das regiões
centrais do Brasil e também funcionava como suporte para a integração de
trabalhadores minimamente qualificados no mercado, o qual se expandia com a
mudança dos processos de produção ocorridos aqui. Além disso, as elites políticas
introduziram, também nos seus discursos, uma referência de que o atraso do
modelo econômico era causado pela “indolência e apatia dos negros” quando
inseridos no mercado de trabalho. (HASENBALG 1979, apud DA MATTA 1983,
p.31),

         Sob outra ótica ressaltamos Inocêncio (2004), que aborda uma outra
conseqüência da tese do branqueamento inserida no senso comum é a que cria no
imaginário da população brasileira, em especial entre os negros, uma prática de se
representar como branca ou mesmo de se negar como negra, criando assim uma
infinidade de cores, tanto para se auto conceituar, como para conceituar os outros,
este autor faz esta observação no entorno do trabalho realizado do censo que ocorre
periodicamente em nosso país citando:
31



                     Um exemplo disto está na visão do senso comum, também assumida pelo
                     Estado, presente na ação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
                     IBGE, quando promove o censo demográfico. Ao entrevistar, o
                     recenseador do instituto pergunta qual é a “raça” de seu entrevistado, isto
                     porque o IBGE não assume a critica sobre a discussão polêmica que define
                     o conceito de raça. São oferecidas simultaneamente, segundo o
                     questionário do censo, cores e etnias, como alternativas de respostas para
                     uma mesma pergunta. (p.42)

      Os dois aspectos acima tratados que revelam as formas de ser racista e de
construir ao longo da história uma postura ingênua e/ou ideológica de se
autodiscriminar estão, na verdade, alicerçados por uma noção naturalizante do
conceito de raça. Na verdade, este é um conceito de caráter biológico criado para
distinguir os povos dominantes e descobridores (brancos e europeus) daqueles que
foram descobertos e colonizados (negros, índios, africanos, asiáticos, americanos,
latinos e caribenhos). (INOCÊNCIO, 2004)

      Assim, compreendemos que o conceito de “raça”, tal como foi construído,
referindo-se aos caracteres típicos de cada pessoa, reforçam a discriminação, pois
este conceito mais do que reconhecer que as pessoas eram diferentes pela cor,
textura do cabelo e desenhos da face, justificava que tais diferenças evocavam
graus de hierarquia entre esses grupos raciais. Ou seja, as pessoas do tipo ariano
eram do grupo reconhecidamente inteligente, capaz e do tipo ideal, por conseguinte
superior. Entretanto, as pesquisas científicas, em especial as que se encontram na
área das Ciências Humanas, rejeitam a noção de “raça” tal como foi construído pelo
discurso dominante do século XVI, e demonstram que os seres humanos compõem
uma só raça – a raça humana – a qual é formada por várias etnias que se
caracterizam principalmente por uma língua comum e aspectos da vida cultural,
reconhecidos e cultivados ao longo de gerações. (INOCÊNCIO, 2004)

      Uma vez esclarecida essa matriz discursiva, o passo seguinte é discutir em
que medida esse conceito passa novamente a ser usado, por quem e para quê, qual
a relação do significado de raça para as políticas de formação de professores e qual
o sentido de política de ação afirmativa que daí se destaca. Citamos aqui Ceert
(2006) que define este significado do seguinte modo:

                     Chegamos ao século XX com um conceito de raça ressignificado pelo
                     movimento social negro, desde o pan-africanismo de Marcus Garvey até os
                     movimentos sociais negros de hoje, existentes em várias partes do mundo.
                     No Brasil, os integrantes desse movimento explicam que o uso do termo
                     ocorre porque, ao se estabelecer relações racializadas, os negros devem
                     manter uma construção identitária apoiado nos valores culturais da
32



                       identidade negra, ressaltando-os, enaltecendo-os e demonstrando a auto-
                       estima de fazer parte desse grupo racial. Essa é a forma de politização do
                       termo “raça”. Ele é então ressignificado para exigir poder político, respeito à
                       dignidade humana e, principalmente no combate a discriminação racial, em
                       todos os espaços e situações em que se intercruzam os diferentes grupos
                       racializados no interior da sociedade brasileira.



         Há também uma retomada do termo “etnia” na produção acadêmica da
Antropologia Social, a partir das etnografias e da etnologia da segunda metade
daquele século. No entanto, há criticas quanto à utilização de “etnia”, porque, a um
só tempo, o termo reúne uma perspectiva naturalizante (uma mesma descendência)
com uma perspectiva culturalista (uma mesma língua, costumes, nome) e uma
perspectiva subjetiva (consciência de pertencer a um mesmo grupo) (POUTGNART,
2000).

         De qualquer modo, é assim que o termo “etnia” vem sendo trabalhado para
dar conta dos estudos de etnologia, em especial daqueles que, ao reconhecerem
critica ao conceito biológico de raça, e por não concordarem com a ressignificação
do conceito na perspectiva política, identifica no conceito de etnia e de grupo étnico
a categoria de análise que dá conta de explicar a existência dos diferentes grupos
sociais racializados. Porém, toda essa polêmica serve a um objetivo: fundamentar as
políticas públicas da dimensão multiculturalista que, neste texto, trabalhamos
apenas a partir da implementação da Lei 10.639/03, para discutir a partir daí a
formação de professores com o viés da diversidade cultural, citadas nas palavras de
Inocêncio (2004):

                       Vale dizer que, durante muitos anos no Brasil, conceitos como reparações
                       ou mesmo ações afirmativas eram compreendidos e articulados, quase que
                       exclusivamente, na esfera do movimento negro local em função de sua
                       necessidade iminente de observar experiências bem sucedidas de inclusão
                       racial fora de nossa realidade. Por essa razão os grupos organizados
                       acompanharam os desdobramentos da luta da comunidade negra nos
                       Estados Unidos e a implementação de políticas públicas voltadas para
                       esse segmento, sobretudo a partir dos anos 1970.



         De fato, a luta racial neste país acabou de alguma maneira contribuindo para
que outros países procurassem alternativas de superação da exclusão marcada por
raça, etnia, orientação religiosa, entre outras. Este mesmo autor faz referência a um
acontecimento que contribuiu para esta mudança:
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                       A Terceira Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação
                      Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Discriminação, ocorrida em 2001
                      na África do Sul, é o exemplo mais verdadeiro desse fenômeno mundial
                      que se constitui a partir da luta pelo respeito à diferença racial e cultural.
                      (INOCÊNCIO, 2004, p.2)

      Seguramente, este foi o evento que tornou visível a discriminação racial no
Brasil, contra a discriminação racial, patrocinada pela ONU em 2001. Não que o
assunto fosse novo: desde 1931, com a Frente Negra Brasileira, a discriminação
racial contra o negro é denunciada de forma organizada. Os movimentos negros
tiveram novo alento a partir do fim da ditadura militar (final da década de 70), a
mesma ditadura que retirou o quesito cor-raça do Censo, para esconder a
superexploração a que o negro é submetido na nossa pátria mãe gentil. No entanto,
foi na Conferência de Durban que a delegação brasileira levou a proposta de cotas
para negros nos processos de seleção ao Ensino Superior. Uma aliança entre
ONGs, Movimentos Negros e segmentos no interior do governo do Presidente
Fernando Henrique Cardoso, particularmente no Ministério da Justiça, permitiu que
esse tipo de proposta fosse majoritário na delegação brasileira. (INOCÊNCIO, 2004)

      Curiosamente, encontram-se posições ardentemente favoráveis e contrárias a
esta linha de ação reparatória aos negros brasileiros tanto na direita quanto na
esquerda. No entanto, nos movimentos negros ela é maioria. O que causa espécie é
como surge uma oposição emocionalmente viva e pouco fundamentada sobre este
tipo de proposta de inclusão social do negro.

      Para Lima (2005), do ponto de vista teórico, é possível entender que o
sistema capitalista “tende a gerar desigualdade, ao transferir riquezas de uma classe
explorada a uma classe exploradora, em termos gerais”. Neste sentido, é necessário
haver uma pressão política organizada de toda a classe explorada seja para
reformar o ensino, saúde, habitação, como parece a atual etapa brasileira (para que
haja expansão e melhoria do ensino público e gratuito, uma política habitacional
distributiva, a universalização e gratuidade da saúde e uma política de emprego
inclusiva e igualitária, entre outras medidas), seja para “revolucionar as prioridades,
numa perspectiva socialista”, como no caso cubano e chinês. (p.49)

      As desigualdades raciais aqui têm relativa autonomia em relação à
exploração de classe. Elas se iniciaram antes do capitalismo industrial se estruturar,
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através de relações escravistas em que os senhores de escravos e capatazes
(brancos) se apropriavam da riqueza e os escravos (negros) eram brutalmente
espoliados. O curioso é que o advento do capitalismo industrial, essa relação
assimétrica, que envolvia riqueza e cor/raça, se espalhou para todas as classes
sociais. Em outras palavras, não é somente o negro pobre quem sofre perseguição
policial, maus-tratos em lojas, discriminação no trabalho e na escola e xingamentos
gratuitos. (LIMA, 2005)

      Segundo Guimarães (1999), o racismo começou contra os negros pobres e,
com o tempo, se espalhou para negros em todas as classes sociais. Desde a
humilhação aguçada pela polícia, que fez o ex-presidente do Suriname ter que se
deitar no solo para ser revistado até o estranhamento que professores universitários
negros, colegas nossos, experimentam com seus alunos, todos sentem o efeito da
discriminação. Como o racismo é uma ideologia insidiosa, ele perpassa todas as
instituições da sociedade e impregna todas as pessoas. A tarefa do combate a ele
deve, portanto, envolver a todos. Não se deve esperar, como no caso do machismo
em relação às mulheres (que também gera desigualdades sexuais), que o mero
advento de uma sociedade sem classes, num passe de mágica elimine essa
ideologia que funciona como agente gerador de desigualdades.

      O Brasil, como país capitalista, gera necessariamente concentração de renda.
No entanto, por que o Brasil, uma das quinze economias mais ricas do mundo, tem
uma das piores concentrações de renda desse mesmo mundo? Esta pergunta foi
levantada por Guimarães (1999, p.68), a qual ele mesmo argumenta como resposta:

                      Uma hipótese a ser investigada é a existência de um profundo racismo,
                      conjugado ao fato de metade da população ser negra. O capitalismo já
                      gera um nível de desigualdade, mas o racismo, incidindo sobre a metade
                      negra da população brasileira, aprofunda o fosso abissal entre os mais
                      ricos (predominantemente brancos) e os muito pobres (majoritariamente
                      negros). Obviamente, esta é somente uma hipótese, que requer
                      comprovação empírica para sua verificação. A comparação com outros
                      países, e a adoção de políticas públicas tanto universalistas (insensíveis à
                      cor) quanto de ações afirmativas (de discriminação positiva dos negros)
                      podem dar algumas pistas sobre essa questão.

      Até a década de 1950, era muito difundida a idéia que o Brasil apresentava
uma convivência harmônica de raças, que a miscigenação não era vista de forma
negativa. Foi até enviada uma missão da ONU ao Brasil para conhecer a
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experiência brasileira de mistura de raças, já que os EUA, a África do Sul e outros
países tinham experiências de intolerância e segregacionismo. Qual não foi a
surpresa dos enviados da ONU ao perceber uma forma particular de racismo,
caracterizada pelo racismo cordial (Turra e Venturi, 1998). Estudos de Roger Bastide
(1959), Florestan Fernandes (1959), Thales de Azevedo (1951), entre outros,
contribuíram decisivamente para desmascarar o mito da democracia racial.

      Fica evidente que durante séculos os negros foram feitos escravos no Brasil.
Sua trajetória foi marcada por dor e violência. Não passaram pelo sofrimento e pela
humilhação de serem tratados como animais porque assim o preferiram. Não eram
torturados e apanhavam porque pediam, mas porque resistiam. Não deixaram de ser
livres porque era o melhor para eles. O negro foi reduzido, humilhado e
desumanizado, desde o início em todos os cantos onde houve confronto de culturas,
numa relação de forças, no continente africano e nas Américas, nos campos e nas
cidades, nas plantações e nas metrópoles. Estes povos que sempre foram vistos
como objetos da discriminação mundial, não têm suas mazelas unicamente
relacionadas ao período escravocrata os quais foram expostos e sim a fatores muito
mais remotos, dos quais a sociedade encontra-se eivada desde os primórdios de
sua constituição: ideologias de superioridade sejam estas raciais ou culturais.

      Analisando o trajeto do negro na sociedade brasileira e as formas de sua
integração nesse processo, vê-se o negro ser submetido a um processo de
dominação como instrumento de produção. Ao sistema capitalista faz-se mister a
conformação de sua produção à necessidade de lucro. A reprodução da
deterioração do nível de vida do negro dá-se então a partir daí, sendo ele impedido
de exercer plenamente as atividades de trabalho livre, uma vez que não tem fácil
acesso ao mercado de trabalho e à participação política. Como salienta Valente
(1994, p. 12), a maioria dos negros ainda sofre as consequências do passado e
afirma: “Ser negro no Brasil hoje não é fácil”. Aliás, nunca foi. Embora não mais
escravo e “propriedade” de ninguém, ele continua a ser considerado inferior, e
“cidadão de segunda categoria”. (VALENTE, 1994)

      Ainda que a perversa longevidade da escravidão brasileira tenha funcionado
do ponto de vista ideológico, com base real à difusão e socialização da falsa idéia de
inferioridade e incapacidade civilizatória das populações negras, essas populações
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vencendo as enormes dificuldades de uma vida de privações incalculáveis,
conseguem manter conteúdos e significados culturais inteiros das suas heranças
civilizatórias africanas, recriando-os e resignificando-os em solo brasileiro através de
processos de lutas, resistências e astuciosas negociações.

      Diante disso, entendendo que não podemos progredir sem reflexão, ou seja,
sem pensar sobre as coisas que fazem parte do nosso cotidiano e ainda por
observarmos pequenos passos de mudança, mas significantes, nas reflexões a
respeito do negro hoje, è que nos debruçamos sobre este tema, e acreditamos que
qualquer ação desenvolvida em prol do negro, apenas se mostrará com sentido e
importância, se valorizar seu contexto e seus ideais de luta e militância frente à
opressão a qual se encontra exposto ou ao menos contribuir para estimular sua
conscientização, enquanto ator social, agente de transformação de sua realidade
atual. Defendemos, portanto uma ação que se apresente e se processe com caráter
social, ético e de respeito mútuo.




2.2 – PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO – UM PASSADO PRESENTE

      No Brasil muito se fala sobre a discriminação racial, o desafio está em saber o
que está implícito neste conceito e até onde podemos considerar sua existência. A
verdade é que esse é um assunto muito sério em que é possível ver racismo ou
preconceito em ambas as partes: do discriminado e do discriminador.
      Reportamos-nos neste momento a Munanga (2010, p. 37) que nos traz uma
explanação pertinente e recente a respeito deste foco:

                      Chegamos a uma época em que a pseudo-democratização vem perdendo
                      forças para um início de ditadura legislativa, ou seja, uma ditadura em que
                      se começa com a própria lei. O nosso ilustríssimo presidente Lula aprova
                      uma lei que garante o encarceramento de uma pessoa que ofende ou
                      discrimina a condição racial de outra pessoa, se esta o sentir discriminada.
                      Não se pode mais chamar mais algum negro de "negro", e muito menos de
                      "preto". Agora, por lei, pessoas morenas recebem uma denominação de
                      afro-descendentes ou afro-brasileiros. Esse é o primeiro passo para a
                      censura política da não-liberdade de expressão de nossos pensamentos.
37



      Essa mesma lei, considerada por alguns como íntegra e auxiliadora dos
menos favorecidos ou dos reprimidos, ainda apresenta muitas falhas na concepção.
Por exemplo, se uma pessoa numa discussão xingar outro de "preto" e este o
processar por preconceito, aquele primeiro terá uma prisão inafiançável; por outro
lado, se essa pessoa ao invés de xingar preferir matá-lo é mais jogo: como réu
primário ele apenas deverá pagar algumas cestas básicas e prestar serviços
comunitários, enquanto responde ao processo em liberdade.

     É muito comum se estabelecer confusão entre racismo e discriminação ou
preconceito racial. Para tanto ressaltamos que primariamente devemos buscar o
significado da palavra para depois fazermos um paralelo com a prática. Segundo o
dicionário Aurélio, preconceito significa: “idéia preconcebida, suspeita, intolerância,
aversão   a   outras   raças”,   (p.648)   isto   é,    conceito   ou   opinião   formada
antecipadamente,    sem    maior    ponderação     ou     conhecimento    dos     fatos,   e
discriminação significa: “Ato ou efeito de discriminar” (p.321), ou seja, a capacidade
que você tem de discernimento sobre determinado assunto. (FERREIRA, 2008)

     Munanga (2010) ainda explica que o termo racismo “geralmente expressa o
conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças”, entre
as etnias, ou ainda uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias
de pessoas. Pode ser classificado como um fenômeno cultural, praticamente
inseparável da história humana. A discriminação racial, por seu turno, expressa “a
quebra do princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou
preferências”, motivada por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou
convicções políticas. Já o preconceito racial indica “opinião ou sentimento, quer
favorável quer desfavorável”, concebido sem exame crítico, ou ainda a “atitude,
sentimento ou parecer insensato, assumido em conseqüência da generalização”
apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo
geralmente à intolerância. (p.39)

     Portanto, em regra, o racismo ou o preconceito racial é que levam à
discriminação e à intolerância racial. E nesse aspecto, existe uma preocupação
mundial no combate ao racismo e à intolerância racial, que se manifesta através da
realização de múltiplos eventos, nacionais e internacionais, com a participação de
entidades governamentais e não governamentais, buscando a união dos povos
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contra toda forma de racismo, intolerância e discriminação, não apenas como
caminho de preservação e respeito aos direitos humanos mais básicos, mas
também como medida de minimização e erradicação de revoltas, guerras e conflitos
sociais.

     Retomando ao evento supra citado no sub-tópico anterior (2.1), pela
Organização das Nações Unidas, a Conferência Mundial contra o racismo, na África
do Sul, nos meses de julho e agosto de 2001, com a presença de líderes
governamentais, organizações internacionais e intergovernamentais, organizações
não-governamentais (ONGs), entre outras, cita que nesta oportunidade, Mary
Robinson, ex-presidente da Irlanda e Alta-comissária da ONU para Direitos
Humanos, no dia primeiro de maio, ao conversar com membros da Comissão
Preparatória, em Genebra, a respeito de suas metas e perspectivas para a
Conferência Mundial, observou:

                     Esta Conferência Mundial tem potencial para estar entre os mais
                     significativos encontros do início deste século. Pode ser mais: A
                     conferência pode dar forma e simbolizar o espírito do novo século, baseada
                     na mútua convicção de que nós todos somos membros de uma família
                     humana. O desafio está em fazer desta Conferência um marco na guerra
                     para erradicar todas as formas de racismo. As persistentes desigualdades,
                     no que diz respeito aos direitos humanos mais básicos, não são apenas
                     erradas em si, são também a principal causa de revoltas e conflitos sociais.
                     Pesquisas de opinião em vários países mostram que temas ligados à
                     discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância predominam
                     entre as preocupações públicas hoje. Há uma grande responsabilidade
                     moral de todos os participantes em fazer com que esta Conferência tenha
                     êxito. Depende apenas de todos nós assegurar que tiraremos proveito
                     desta oportunidade e que produziremos um resultado prático, com uma
                     ação orientada, que responda a estas preocupações. Nós devemos isto
                     especialmente às gerações mais jovens, que correm o risco de crescer
                     num mundo cuja população aumenta num ritmo sem precedentes.
                     (INOCÊNCIO, 2004, p. 26)

       Martinez (1992, p.56) constata, igualmente, que a questão da intolerância
racial não é moderna, já existindo desde os tempos mais remotos, não encontrando
fronteiras temporais ou territoriais, merecendo ser destacado exceto de ensaio
intitulado “Nuestra América”. O autor argumenta enfatizando que possuímos tantas
informações e ainda somos alienados e aculturados. Inclusive amparados pela
Constituição brasileira de 1988, no art. 5º, que diz: Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança, à propriedade”. Referindo-se à legislação brasileira ainda descreve:
39



                       No Brasil, o primeiro diploma a cuidar especificamente do preconceito e da
                      discriminação racial foi a Lei nº. 1.390, de 3 de julho de 1951, denominada
                      Lei Afonso Arinos, de autoria do então deputado federal pelo estado de
                      Minas Gerais, Afonso Arinos de Melo Franco. A ela se seguiu a Lei nº.
                      7.716, de 15 de janeiro de 1989, até hoje em vigor, que foi modificada pela
                      Lei nº. 9.459, de 13 de maio de 1997, que alargou significativamente seu
                      alcance, apontando expressamente a discriminação e acrescendo os
                      crimes resultantes de preconceito discriminação de etnia, religião ou
                      procedência nacional. A referida Lei nº. 7.716/89, no art. 1º, estabelece
                      punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça,
                      cor, etnia, religião ou procedência nacional, sem, entretanto, esclarecer os
                      precisos contornos de cada uma dessas expressões. (MARTINEZ, 1992,
                      p.57)

     Um outro aspecto da Lei é sobre a injúria por preconceito, também chamada
de injúria racial, foi acrescentada ao Código Penal pela Lei nº. 9.459, de 13 de maio
de 1997, consistindo na utilização de elementos referentes à raça, cor etnia, religião
ou origem, para ofender a honra subjetiva (auto-estima) da vítima. Vem prevista no
art. 140, § 3º, do Código Penal, cominando pena de 1 a 3 anos de reclusão, e multa.
Portanto, não há que se confundir como freqüentemente ocorre, o crime de racismo
(previsto pela Lei nº. 7.716/89), com o crime de injúria por preconceito. O primeiro
resulta de discriminação, de preconceito racial, implicando em segregação,
impedimento de acesso, recusa de atendimento etc., a alguém. O segundo é crime
contra a honra, agindo o sujeito ativo com “animus injuriandi vel diffamandi”,
elegendo como forma de execução do crime justamente a utilização de elementos
referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima. Nesse sentido, a utilização
de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de
ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no § 3º do art. 140
do CP, ou seja, injúria qualificada, e não o crime previsto no art. 20 da Lei nº.
7.716/89, que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor.” (MARTINEZ,
1992)

     Devemos ter a consciência que pelo menos no Brasil, há muita mistura de
povos e raças que fazem um país com uma pluralidade étnica impressionante. Por
isso, qualquer indivíduo que se considera "branco" ao falar dos "negros" deve
lembre-se que o mesmo também tem uma parte dessa raiz afro-descendente na sua
família, direta ou indiretamente. Se tiver algum preconceito racial, então também tem
um preconceito por si próprio, porque também faz parte dessa raça negra, pois no
Brasil, ninguém é genuinamente "branco".
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     Uma sociedade em que todos respeitam a diferença do próximo é utópica, mas
pelo menos podemos fazer muito para conscientizar a todos sobre nossa
homogeneidade. O primeiro passo é mudar a nós mesmos e tentar acabar com
nossos preconceitos - seja ele racial, religioso ou social. O próximo passo se segue
e podemos então construir um mundo um pouco melhor para se viver.



2.3 – DIVERSIDADE CULTURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO CONTEXTO
ESCOLAR

      Para analisar a questão da diversidade, ou seja, se é possível admitir que
cada indivíduo é portador de inúmeras características que o diferenciam dos demais,
entende-se também que a multiplicidade de expressões se coloca em um mundo
padronizado. Por mais que haja uma dinâmica intensa na forma como as pessoas
vivam a história, não é possível negar a tendência unificante que existe no social.
Considerar o mundo social como um ponto significativo para o desenvolvimento da
potencialidade dos sujeitos remete à possibilidade de entender que entre os
diferentes sujeitos há uma alteridade importante a ser reconhecida. Considerar a
alteridade do outro é o reconhecimento que em cada ser há algo que está fora dele
mesmo, que o outro é um ser diferente não igualável a ele próprio. A diversidade se
caracteriza pelo conjunto de distinções que se fazem entre todos os seres.

      Nossa história é marcada pela eliminação simbólica e/ou física do “outro”. Os
processos de negação desses “outros”, na maioria das vezes, ocorreram no plano
das representações e do imaginário social quando estabelecemos os conceitos do
que é ser belo, ser mulher, ou até mesmo do que é ser brasileiro.

      Ao tratar a questão da diversidade cultural, Abramowicz (2006) diz que todo o
brasileiro vive uma situação no mínimo, inusitada. De um lado, há o discurso de que
nós somos um povo único, fruto de um intenso processo de miscigenação e
mestiçagem, que gerou uma nação singular com indivíduos culturalmente
diversificados. De outro, vivenciamos em nossas relações cotidianas inúmeras
práticas preconceituosas, discriminatórias e racistas em relação a alguns segmentos
da população, como, as mulheres, os indígenas e os afro-descendentes.
41



      Na atualidade mesmo com manutenção de vários padrões de comportamento,
de beleza, os documentos relacionados à educação brasileira outorgam que somos
um país construído tendo por base a diversidade cultural. Mas o que significa
diversidade cultural em país onde os diversos grupos sociais são marginalizados em
suas representações? Os estudos de Silva (2005) mostram que apesar da
diversidade cultural registrados nos documentos oficiais, porque os bancos
escolares são freqüentados por alunos de diferente origem étnico-raciais e gênero,
os conteúdos programáticos dos livros didáticos e dos currículos escolares
apresentam ainda como padrão o homem, branco e heterossexual, e reflete nas
seguintes palavras:

                      No intuito de refletirmos sobre as possibilidades de ação pedagógica para
                      tratar da diversidade cultural na educação escolar, questionamos: como
                      trabalhar os conceitos de gênero, raça, e etnia na sala de aula, com o
                      propósito de valorizar as múltiplas identidades constituintes no ambiente
                      escolar? Ana Célia Silva (2005) afirma que nos livros didáticos, nos
                      currículos escolares e nas falas dos professores, ainda há uma
                      invisibilidade ou a visibilidade subalterna de diversos grupos sociais, como
                      os negros, os indígenas e as mulheres. O preconceito instituído e
                      manifestado na prática pedagógica pode levar tais grupos a uma auto-
                      rejeição e rejeição ao seu grupo social, comprometendo os processos
                      constitutivos de sua identidade(s). (p.77)

      Em vista da seriedade do tema no contexto escolar, analisamos o que estes
autores definem o termo diversidade cultural. Para Abramowicz (2006, p12),
diversidade pode significar variedade, diferença e multiplicidade. “A diferença é
qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de outra, a falta de
igualdade ou de semelhança”. Nesse sentido, podemos afirmar que onde há
diversidade existe diferença.
       Costa (2008) afirma que a diferença não é uma marca do sujeito, mas sim
uma marca que o constituem socialmente, e se estabeleceu como uma forma de
exclusão, “ser diferente na educação ainda significa ser excluído e/ou ser
subrepresentado nas instâncias sociais”. Reconhecer que somos diferentes para
estabelecer a existência de uma diversidade cultural no Brasil, não é suficiente para
combater os estereótipos e os estigmas que ainda marginalizam milhares de
crianças em nossas escolas e milhares de adultos em nossa sociedade.

      A autora Candau (2005) afirma que:
42



                     Não se deve contrapor igualdade a diferença. De fato, a igualdade não está
                     oposta à diferença, e sim à desigualdade, e diferença não se opõem à
                     igualdade, e sim à padronização, à produção em série, à uniformidade, a
                     sempre o “mesmo”, à mesmice”. (CANDAU, 2OO5, p. 19).

      Reconhecer a diferença é questionar os conceitos homogêneos, estáveis e
permanentes que excluem o diferente. As certezas que foram socialmente
construídas devem se fragilizar e desvanecer. Para tanto, é preciso desconstruir,
pluralizar, ressignificar, reinventar identidades e subjetividades, saberes, valores,
convicções, horizonte de sentidos. Somos obrigados a assumir o múltiplo, o plural, o
diferente, o híbrido, na sociedade como um todo (CANDAU, 2005).

      Assim, falar sobre diversidade não pode ser só um exercício de perceber os
diferentes, de tolerar o “outro”. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença é
preciso explicar como essa diferença é produzida e quais são jogos de poder
estabelecido por ela. Como nos alerta Silva (2000), a diversidade biológica pode ser
um produto da natureza, mas o mesmo não se pode dizer sobre a diversidade
cultural, pois, de acordo com autor, a diversidade cultural não é um ponto de origem,
ela é em vez disso um processo conduzido pelas relações de poderes constitutivos
da sociedade que estabelece “outro” diferente do “eu” e “eu” diferente do “outro”
como uma forma de exclusão e marginalização.

      Uma ação pedagógica realmente pautada na diversidade cultural deve ter
como principio uma política curricular da identidade e da diferença. Tem obrigação
de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença, ela
coloca em seu centro uma teoria que permita não só reconhecer e celebrar a
diferença, mas também questioná-la, a fim de perceber como ela discursivamente
está constituída. Como alerta-nos Costa (2008), dizendo:

                     identidade e diferença são inseparáveis, dependendo uma da outra. Elas
                     são produzidas na trama da linguagem, a identidade e a diferença são
                     construídas dentro de um discurso, por isso precisamos compreendê-las
                     como são produzidas em locais históricos e institucionais por meio do
                     discurso. (p.56)

      Foucault argumenta que:

                     [...] são os discursos eles mesmos que exercem seu próprio controle;
                     procedimentos que funcionam, sobretudo, a título de princípios de
                     classificação, de ordenação, de distribuição, como se tratasse desta vez,
43



                       de submeter outra dimensão do discurso: a do acontecimento e do acaso.”
                       (FOUCAULT, 2002 p.21)


         Compreendemos que o discurso por meio da afirmação de conceitos
essencialistas não originários, são incapazes de perceber os processos de
mudanças e de transformações sociais que padronizam e marginalizam os diversos
grupos sociais. Para Foucault (2001), os conceitos “devem ser historicizados para
perceber como eles são construídos dentro de uma prática discursiva que se
envolve nas relações assimétricas de poder”, especialmente no âmbito escolar.
(p.23)

         Neste contexto, os professores e as professoras que percebem em sua ação
pedagógica como os conceitos de gênero, raça e etnia são socialmente construídos
e discursivamente usados para marginalizar o “outro” estarão, de fato, contribuindo
para a constituição de uma diversidade cultural que não seja apenas tolerante, mas
que perceba que “eu” e o “outro” temos os mesmos direitos e devemos ter a mesma
representatividade, tanto nos conteúdos escolares quanto nas instituições sociais.

         Reflexões sobre os conceitos de gênero, raça e etnia na formação de
professores ao serem trabalhados na sala de aula em uma perspectiva da
valorização da(s) identidade(s) dos múltiplos sujeitos que convivem no mesmo
espaço da escola devem ter um posicionamento político, a fim de desconstruir os
esteriótipos e os estigmas que foram atribuídos historicamente à alguns grupos
sociais.

         A questão de gênero a ser trabalhado na sala de aula, deve começar pelo
entendimento de como esse conceito gênero ganhou contornos políticos. O conceito
de gênero surgiu entre as estudiosas feministas para se contrapor à idéia da
essência, recusando qualquer explicação pautada no determinismo biológico, que
pudessem explicitar comportamento de homens e mulheres, empreendendo, dessa
forma, uma visão naturalista, universal e imutável do comportamento. Tal
determinismo serviu para justificar as desigualdades entre ambos, a partir de suas
diferenças físicas. (BRAGA, 2007)

         De acordo com Braga (2007), a expressão gênero começou a ser utilizado
justamente para marcar as diferenças entre homens e mulheres não são apenas de
44



ordem física e biológica. Como não existe natureza humana da cultura, para as
autoras, a diferença sexual anatômica não pode mais ser pensada isolada das
construções sócio- culturais em que estão imersas. A diferença biológica é apenas o
ponto de partida para a construção social do que é ser homem ou ser mulher. O
sexo é atribuído ao biológico enquanto gênero e é uma construção social e histórica.
A noção de gênero aponta para a dimensão das relações sociais do feminino e do
masculino.

      Atualmente, o conceito de raça quando aplicado a humanidade causa
inúmeras polêmicas, porque a área biológica comprovou que as diferenças
genéticas entre os seres humanos são mínimas, por isso não se admite mais que a
humanidade é constituída por raças. No entanto na década de 1970, o Movimento
Negro Unificado e os teóricos que defendiam a causa, ressignificaram o conceito de
raça como uma construção social forjada nas tensas relações entre brancos, negros
e indígenas. Muitas vezes simulados como harmoniosos, não tinha relação com o
conceito biológico de raça cunhado no século XIX, e que hoje está superado.
(BRAGA, 2007)

      O termo raça usado nesse contexto, segundo Silva (2004), tem uma
conotação política e é utilizado com freqüência nas relações sociais brasileiras, para
informar como determinadas características físicas, como cor da pele, tipo de
cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determina o destino e o
lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. O conceito de raça ao
ser usado com conotação política permite, por exemplo, aos negros valorizar a
característica que difere das outras populações e romper com as teorias raciais que
foram formuladas no século XIX e até hoje permeia o imaginário popular. Foucault
(2002) acrescenta:

                      O termo raça marca as relações tensas por causa das diferenças na cor da
                      pele e nos traços fisionômicos que caracterizam a raiz cultural plantada
                      ancestralidade dos mais diversos grupos, que difere em visão de mundo,
                      valores e princípios de origem indígena, européia ou asiática. O termo
                      étnico é fundamental para demarcar que individuo pode ter a mesma cor
                      da pele que o outro, a mesmo tipo de cabelo e traços culturais e sociais
                      que os distingue, caracterizando assim etnias diferentes.

      Os professores e as professoras que se posicionam criticamente em relação
ao conceito de gênero, raça e etnia podem instituir discursivamente uma “vontade de
45



verdade” de um grupo social, para utilizar a expressão de Foucault (2002). Mobilizar
uma ação contra os padrões e os processos de exclusões instituídos é um grande
passo para implantação de uma diversidade cultural, pois as diferenças são
socialmente construídas e estão envolvidas com as relações de poder.

      As novas dimensões dos conceitos gênero, raça e etnia. De um modo geral,
mulheres, negros e indígenas são sub-representados no espaço escolar, seja no
currículo escolar, nos livros didáticos e também no posicionamento do professor na
sala de aula. O professor ou a professora pode começar a questionar com seus
alunos, por exemplo, se gostar de estudar é inerente a um determinado gênero.
Questionar frases tão comuns em nosso cotidiano como: Isso “não é coisa de
menino ou de menina”, “só pode ser filho de...”, generalizando e principalmente
rotulando sujeitos e comportamentos. Ensinar que a diferença pode ser bela, que a
diversidade é enriquecedora e não pode ser sinônimo de desigualdade, pode evitar
ações de preconceitos e discriminação. Com isso, rompermos com as verdades
socialmente construídas de que para ser belo, tenho que ser branco e ser magro.

      Diante da realidade dos fatos, acreditamos e afirmamos aqui que, na
educação escolar, trabalhar na perspectiva da diversidade cultural significa uma
ação pedagógica que vai além do reconhecimento de que os alunos sentados nas
cadeiras de uma sala de aula são diferentes, por terem suas características
individuais e pertencentes a um grupo social, mas é preciso efetivar uma pedagogia
da valorização das diferenças. Entendemos que o primeiro passo para isso é
defender uma educação questionadora dos conceitos essencialistas e tratá-los como
categorias socialmente constituídas no decorrer dos discursos históricos.



2.4 – O CARÁTER DEMOCRÁTICO DA ESCOLA COMO VIES DA CONSTRUÇÃO
HUMANA

      A globalização atual é um processo que ocorre em ondas, com avanços e
retrocessos separados por intervalos que podem durar séculos. Esse atual processo
tornou-se muito mais rápido, mais intensamente acelerado, com a revolução nas
comunicações e mesmo com o maior avanço em vários setores de modo geral.
Também se tornou mais abrangente, envolvendo não só comércio, produção e
46



capitais, mas também serviços, arte, educação etc. Não sem razão, esse processo
tem causado muito mais apreensão do que entusiasmo.

       Neste emaranhado de avanços visualizamos o campo da educação e
percebemos que a questão fundamental da educação é a construção do
conhecimento e a formação de cidadãos. Tanto a aquisição do conhecimento quanto
a Educação são práticas sociais e nos últimos anos elas têm entrelaçado seus
caminhos de tal forma que se faz necessária uma atenção especial sobre a questão.
Levando-se em consideração que a escola é o espaço social especializado para
realizar a educação básica, isto implica que ela precisa construir as condições
subjetivas para cada cidadão, para que o mesmo possa se inscrever como sujeito na
construção de sua história e da história de seu entorno e da humanidade.

       Infelizmente constatamos hoje através de pesquisas de autores da área uma
deplorável estatística sobre o olhar e o comportamento daqueles que estão inseridos
no contexto escolar, como exemplo citamos Vieira (2008) que relata:

                     Pesquisa realizada em escolas públicas de todo o país, baseada em
                     entrevistas com mais de 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores,
                     professores e funcionários, revelou que 99,3% dessas pessoas
                     demonstram algum tipo de preconceito étnico-racial, socioeconômico, com
                     relação a portadores de necessidades especiais, gênero, geração,
                     orientação sexual ou territorial. O estudo, divulgado nesta quarta-feira (em
                     São Paulo, e pioneiro no Brasil, foi realizado com o objetivo de dar
                     subsídios para a criação de ações que transformem a escola em um
                     ambiente de promoção da diversidade e do respeito às diferenças). (p.54)

       De acordo com a pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar,
realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) a pedido do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
96,5% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito. Com relação ao preconceito
étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3%
com relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial. (VIEIRA, 2008)

       Este mesmo autor registra que segundo o coordenador do trabalho, José
Afonso   Mazzon,    professor   da    Faculdade       de   Economia,       Administração       e
Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), a pesquisa conclui que as
escolas são ambientes onde o preconceito é bastante disseminado entre todos os
atores. "Não existe alguém que tenha preconceito em relação a uma área e não
tenha em relação a outra. A maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de
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  • 1. 10 INTRODUÇÃO Na sociedade atual, as necessidades sociais, culturais e profissionais ganham novos contornos, exigindo que tenhamos competência não só enquanto profissional qualificado, mais acima de tudo, como aquele que se relaciona de forma harmoniosa de modo a contornar desafios, isto porque, fazemos parte de uma sociedade que contempla uma grande diversidade social e cultural, e paradoxalmente esta mesma sociedade por muitas vezes mostra-se massificada, classificando categorias e gêneros, como se tivéssemos uma medida de valor. Neste caso podemos ou não ser excluídos desta sociedade como se nada de anormal esteja acontecendo neste cenário. Há de se admitir que normalmente esta visão não seja aceita por todos, e realmente não se pode generalizar tais afirmações dentro desta realidade presenciada hoje na sociedade, apenas podemos através de um estudo mais sistemático, detectar pontos de um preconceito que permeou toda nossa história, desde o seu início, atravessou épocas e, inquietamente mesmo que de formas menos acentuadas, continua presente, numa era em que prima-se por uma ética sublime, isto é, mais civilizada. Nesta pesquisa, expomos aqui o preconceito racial, e pretendemos levantar esta questão, pois sabemos que as discussões não se esgotam, pelo contrário, o aprofundamento nos torna mais conscientes e sensíveis sobre as relações mais amplas e os fatores sociais, políticos e econômicos que movem a dinâmica social, até porque, segundo Fernandes (1972, p.9), “ainda persiste em nosso país um imaginário ético racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes européias da sua cultura”, ignorando ou pouco valorizando as outras. Apesar de a cultura brasileira ter sido fermentada em um caldeirão multiétnico, convive no Brasil, de maneira tensa, a cultura e padrão estético negro e africano e um padrão estético e cultural branco europeu. “Embora, a presença da cultura negra corresponda hoje a 45% da população brasileira, esse fato não tem sido suficiente para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos racistas”. (FERNANDES, 1972, p.10) O Brasil não seria o mesmo sem o legado da cultura africana e quando falamos na influência cultural que os negros tiveram no Brasil é quase sempre é
  • 2. 11 ignorado, o que parece ter havido, pelo menos em certas áreas do país, é quase tão somente uma adaptação dos padrões de comportamento dos escravos às novas condições de vida a que foram submetidos. E, tão logo eles se estabeleceram, os demais povos é que se viram na contingência de absorver e adotar inúmeras tradições africanas. (FERNANDES, 1972, p.15). Os cidadãos que fazem parte hoje do Movimento Negro no Brasil têm experienciado o quanto foi difícil para os negros terem sido julgados negativamente por sua cor, comportamento, modo de ser. E chegam a comprovar que ainda se tem insistido no quanto é alienante a experiência de fingir ser o que não é para ser reconhecido, de quão dolorosa pode ser a experiência de deixar-se assimilar por uma visão de mundo que pretende impor-se como superior e, por isso, universal e que os obriga a negarem a tradição do seu povo. (LOPES, 2005) Para reeducar as relações étnico-raciais no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e os medos que tem sido gerado, entender que muitas vezes o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostos a outros, e, decidir a partir de então que tipo de sociedade queremos construir daqui pra frente, até porque, nenhum descendente de mercadores de escravos na atualidade tem culpa das atrocidades cometidas por seus antepassados, mas, todos nós temos sim responsabilidade moral, e política de combater o racismo, as descriminações e empenharmos em estabelecer relações raciais e sociais sadias, em que todos crescem se realizam e se complementam enquanto seres humanos e cidadãos. Tais reflexões é que nos levaram a tratar aqui neste trabalho deste assunto, buscar entender como ainda nos dias atuais estão as relações dentro da diversidade, em especial a racial. Aprofundar-nos especificamente nesta pesquisa dentro do âmbito escolar, onde indivíduos negros convivem na sala de aula com outros e analisar como se encontram hoje esta relação. Levando-nos a questionar: qual o significado do ser negro hoje numa sociedade massificada e o papel que a escola tem desempenhado enquanto instituição de formação humana. Assim pretendemos abordar como tem sido encarado o preconceito hoje, que experiências passam estes sujeitos no cotidiano da sala de aula e como a escola tem tratado desse assunto no sentido de contribuir para uma significativa mudança no comportamento, isto é, mais ético e humano.
  • 3. 12 Torna-se conveniente acreditar na necessidade de uma reconstrução de sentidos dessa convivência, isto é, o negro e o branco, visando estabelecer relações de dignidade, afeto e igualdade entre estes, a escola, e a sociedade. A escola deve procurar priorizar valores de atitudes e aproveitar as experiências desses alunos, seus saberes, suas limitações e desejos, a fim de obter um melhor aproveitamento dessa aprendizagem. Sendo assim esta pesquisa vem ressaltando a importância de uma mudança nessas relações onde, embora prevaleçam as diversidades, o convívio pacífico e de dignidade humana devem ser prioridade, principalmente dando ênfase aqui neste trabalho, à relação aluno negro com seu semelhante, como ser aceito, como indivíduo que merece respeito e dignidade como qualquer outro sem distinção ou parcialidade e a escola como contribuição para transformação da realidade desses, em especial a dignidade como pessoa humana. O presente trabalho está estruturado em quatro capítulos: No primeiro capítulo apresentamos os aspectos que motivaram à investigação do tema, a problemática, as questões norteadoras, os objetivos e a justificativa, isto é, sua relevância no campo sócio-educacional. No segundo capítulo abordamos as concepções referentes à relação escola e a criança negra, suas características, seu papel, suas reações e a interação entre seus diferentes membros, descrevendo a convivência diária neste âmbito. Apresentando uma breve revisão da leitura, do preconceito e discriminação no cenário brasileiro que por consequência chega à escola de diversas formas. Para fundamentar este estudo contou-se com a contribuição de grandes teóricos como Bernd (1988), Ceert (2006), Da Matta (1983), Fernandes (1972), Guimarães (1999), Inocêncio (2004), Martinez (1992), Munanga (1988), Rufino (2003), Silvério (2002), Valente (1987), dentre outros que em suas pesquisas contribuíram para a construção desse conhecimento. No terceiro capítulo, desenvolvemos sobre a atividade prática de investigação utilizada para coleta de dados, a metodologia qualitativa, onde focamos a importância deste método, que permite uma maior troca de informações entre pesquisadores e pesquisados.
  • 4. 13 O quarto capítulo esboça a análise de dados segundo a metodologia adotada no capítulo anterior, confrontando com os aportes teóricos, para chegarmos à conclusão. E por último, nas considerações finais, é ressaltada a importância da mudança na postura para possíveis soluções dos problemas encontrados nessa modalidade de ensino. Acreditamos que embora a caminhada ainda seja lenta, nunca é tarde para buscar a igualdade e mais que isso: o respeito. Não existe pessoa melhor nem pior, existem apenas pessoas diferentes, que e cada um deve ser respeitado dentro desta diversidade e acreditar que todos podem e devem ser incluídos na sociedade como cidadãos, com os mesmos direitos que o dignifica. Desta forma, reconhecemos que deve haver uma preocupação por parte dos professores mediadores em provocar situações que levem os alunos negros a se perceberem como participantes da história dentro e fora da escola mobilizando-os a se posicionarem firmemente como integrantes de uma etnia que pode fazer diferença no sentido de manifestar segurança no falar, no agir, no pensar e sobretudo no proceder.
  • 5. 14 CAPÍTULO I 1. PROBLEMATIZAÇÃO 1.1 – INFLUÊNCIA DA CULTURA AFRICANA NO BRASIL No Brasil, desde o seu passado histórico até no mundo moderno, o negro, permanece apontado como ser inferior, discriminado e marginalizado. As mensagens de inferioridade que vivencia, muitas vezes no dia-a-dia, fazem com que, sem perceber, os próprios negros as assuma como verdadeiras. Lentamente o vasto território do Brasil foi povoado pela contribuição de três grupos raciais, ou seja, foi composto de diferentes etnias: o indígena, o africano, e o branco europeu. Os indígenas aqui se encontravam enquanto o europeu e o africano foram trazidos ou vieram para desenvolveras atividades de colonização. Somos um pais mestiço, de uma forma ou de outra, somos todos afro-descendentes ou afro- brasileiros. Sabemos muito sobre a presença européia em nosso pais, sabemos um pouco sobre a etnia negra que tanta contribuição trouxe para o Brasil. A escravidão já era praticada entre os próprios africanos na sua terra natal, quando alguns grupos negros eram subjugados a favor de outros. Neste sentido, a Secretaria de Educação a distancia do MEC (2000), informa que os escravos eram obtidos de diferentes maneiras, desde o seqüestro ate as guerras que eram especificas para caçar e aprisionar gente, tornando-se a principio, o negro escravo do próprio negro. Por mais irônico que venha ser, no século XX, a escravidão na África veio a acabar. As influências notórias da presença africana e afro-descente na formação da cultura e da sociedade brasileira têm inicio desde os primórdios da nossa colonização. Estima-se que durante todo o período do trafico de escravos, de acordo com a Secretaria de Educação a distancia do MEC (2000), foram trazidos da África para os nossos pais, cerca de 3,6 milhões de africanos escravizados. E não apenas
  • 6. 15 além-mar: “Os escravos pululam por toda parte”, escreveu o cronista Clenardo (1535 apud BUENO, 1972, p. 114). Se a esse número somarmos os seus descendentes de varias gerações, não é preciso nenhum esforço intelectual, para confirmarmos que essa presença tem algo de bastante significativo e que não deve ser negligenciado se quisermos compreender com mais profundidade as características especificas da sociedade brasileira e influirmos de forma mais eficaz nos seus processos de aperfeiçoamento educacional, social, político e cultural. Como nos faz ver Kikuchi (2003): Os conceitos dos grupos étnicos vindo para o Brasil, mesmo sendo discutível, são considerados pelas literaturas histórica e antropológica com a seguinte composição: Bantu – 40% a 60% - Regiões mais meridionais da África. Benin – 40% - Regiões da baia de Benin, noroeste da África. Senegâmbia – Contingente muito restrito noroeste da África. Em São Paulo, a ascendência africana é originaria predominantemente de Angola e Moçambique ( grupo lingüístico Bantu). Os Benin, provenientes da baia de Benin, concentraram-se mais na Bahia. Quanto ao grupo étnico Senegal, é raro ou constitui contingente muito restrito (p. 130). Hoje, quando falamos da população negra, estamos falando de 45,3% da população brasileira, de acordo com o Censo do IBGE de 2002. A maior população negra do mundo depois da Nigéria. Os africanos foram trazidos de varias nações, regiões e culturas diferentes. No século XV, a América foi “descoberta”, a África sem defesa apareceu então como reservatório humano apropriado, com o mínimo de gastos e de riscos, sendo o negro escravizado por diversas partes do planeta, merecendo destaque no presente trabalho, o território brasileiro, no qual o elemento negro se encontra presente desde o inicio de sua formação Sobre isso Bueno (2003) afirma que: Embora a escravidão seja quase tão velha quanto a própria humanidade, jamais o trafico de escravos fora um negocio tão organizado, permanente e vultuoso quanto se tornou depois que os portugueses estabeleceram, em meados do século XVI, uma vasta rota triangular que uniu a Europa, a África, e a América e transformou milhões de africanos em lucrativa moeda de troca. (p. 114). . “Um dos maiores países mestiços do mundo, o Brasil foi gerado também em ventre escravo”, escreveu Bueno (2003, p. 1119). Funcionando como um dos maiores colaboradores, sobretudo do ponto de vista do trabalho árduo e ativo, para o grau desenvolvimento no qual o nosso pais se encontra. Os negros não apenas
  • 7. 16 foram as “mãos e os pés” de seus senhores como também do Brasil, Europa, Inglaterra e outras nações do globo. Complementando, Bueno (2003) ainda acrescenta: Mas, no Brasil, os escravos foram ainda mais do que isso: foram os olhos e os braços dos donos de minas; foram os pastores dos rebanhos e as bestas de carga; foram os ombros, as costas e as pernas que fizeram andar a Colônia e, mais tarde, o Império. (p. 118) A maior utilização do negro como mão-de-obra escrava básica na economia colonial, deve-se principalmente ao trafico negreiro, atividade altamente rentável, tornando-se uma das principais fontes de acumulação de capitais para metrópole. Exatamente o contrario ocorria com a escravidão indígena, já que os lucros com o comercio dos nativos não chegavam ate a metrópole. Para os portugueses, o trafico negreiro não era novidade, pois, desde meados do século XV, o comercio de escravos era regular em Portugal, sendo que durante o reinado de D. João II o trafico negreiro foi institucionalizado com a ação direta do Estado Português, que cobrava taxas, e limitava a participação de particulares. Os escravos que abasteciam o Brasil eram controlados de acordo com a necessidade e com a demanda. Diante de enorme necessidade os navios eram abastecidos com o dobro de sua capacidade real. O transporte de escravos para o Brasil a bordo dos navios negreiros não oferecia boas condições higiênicas, pois devido a falta de água e alimentos estragados, velhos, jovens, homens, mulheres e crianças, um monte de gente, umas sobre as outras, presas num mesmo espaço durante dias e dias, perecia miseravelmente na travessia. Pois como nos afirma Bueno (2003): Após a apreensão do “tumbeiro”, o capitão do Fawn anotou, no diário de bordo, a cena com a qual se deparou nos porões da embarcação: Os vivos, os moribundos e os mortos amontoados numa única massa. Alguns desafortunados no mais lamentável estado de varíola, doentes com oftalmia, alguns completamente cegos; outros esqueletos vivos (...). Seus membros tinham escoriações (...). No compartimento inferior o mau cheiro era insuportável. Parecia inacreditável que seres humanos sobrevivessem naquela atmosfera. (p. 112) A vida dos africanos como escravos para o Brasil começou logo após o estabelecimento das Capitanias, visando atender a lavoura de cana-de-açúcar. Chegando ao Brasil, eles eram postos a venda nos mercados de carne humana, parecendo objetos medonhos, esperando comprador. “Ate mulheres iam as
  • 8. 17 compras. Vão enfeitadas”, escreveu o Walsh ( 1828 apud BUENO, 1972, p. 114). “ (...) Sentam-se, manipulam e examinam suas compras, e levam-na embora com a mais perfeita indiferença, como se estivessem comprando um cão ou uma mula”. Os fatos acima referidos são reforçados por Valente ( 1987, p. 14): “ Na colônia, os escravos eram postos a exposição dos compradores, como nas feiras de gado. Seus dentes eram examinados, como se faz com os cavalos... Examinavam seus corpos, como se fossem animais”. Algum tempo depois, os negros já estavam trabalhando duro na lavoura, e em outras atividades, para os seus “proprietários”, a bases do chicote do feitor. Como nos faz ver Valente (1987): Os açoites, os grilhões, a violência sexual e a atribuição de qualidades negativas aos negros faziam parte de um conjunto de instrumentos e “técnicas” de tortura e castigos para domar e subjugar os escravos. E mais do que a subjugação física, o castigo era importante de si mesmo e de sua raça. (p. 11). A exploração e a violência sexual também marcaram as relações entre senhores e mulheres escravas. Muitos senhores “usavam” suas “propriedades”, as negras, para a satisfação de seus desejos sexuais, como se fossem, um objeto qualquer. Desses estupros e abusos, nasceram os mulatos, iniciando assim a miscigenação no Brasil. A cor da pele, tornara-se importante para amenizar os sofrimentos, despertando, principalmente nos escravos particulares, um desejo de branqueamento. A este respeito Valente (1987) esclarece: Como existia uma serie de estigmas associados a cor negra, a diferença de pigmentação da pele tornou-se entre os escravos um elemento distintivo da posição social. Por isso, particularmente entre os escravos domésticos, desenvolveu-se um desejo de branqueamento. Os negros de pele mais clara e aqueles que se afastavam dos valores africanos viam no branqueamento o único meio de subir na escala social e chegar a postos que lhes conferiam maior segurança, prestigio e liberdade. (p. 17) O negro teve a sua religião, valores, costumes e tradições sufocadas. A religião católica era imposta aos negros no momento em que pisavam na nova terra, ensinando-os a serem bonzinhos, dóceis e passivos. Os negros eram proibidos de cultuarem seus ancestrais e orixás incentivando assim o surgimento do Sincretismo,
  • 9. 18 que por sua vez fingiam aceitar os santos católicos, mas mantinham resguardados as crenças e os seus próprios valores de fé. Apesar de tentarem “domar” o negro, ao contrario do que a historiografia brasileira preferiu pregar até poucos anos atrás, os negros nunca demonstraram ser passivos. Resistiu sim ao regime tirânico que lhes foi imposto no Brasil: Sabe-se atualmente que a resistência dos escravos foi feroz e constante: milhares de negros lutaram de todas as formas contra os horrores que o destino lhes reservara. A fuga, solitária ou coletiva, não era a única forma de rebelião: houve incontáveis casos de escravos que quebraram ferramentas, incendiaram senzalas, dispersaram os rebanhos ou atacaram seus feitores. Muitos outros optaram pelo suicídio ( em geral pela ingestão de terra), ou então se deixaram acometer pelo “banzo”, o torpor mortal que levava a morte por inanição. O certo e que, onde houve escravidão, houve resistência. (BUENO, 2003, p. 121) O tráfico negreiro negocio altamente lucrativo ate o século XVIII, quando capitalistas ingleses passaram a ter um enorme prejuízo com a concorrência francesa, que transformou o Haiti na maior fonte de riqueza advinda deste comercio. Tal fato fez com que os capitalistas ingleses passassem a atacar o trafico de escravos, passando também a pressionar o Brasil, que resistira ao fim de uma das fontes de renda mais lucrativas do país. O que demonstra que a ideia que se propalou, de que os ingleses foram responsáveis diretos pelo fim do trafico e da própria escravidão no Brasil não passa de uma fantasia. Durante esse período surgiram varias leis, como: a lei do Ventre Livre, A Lei Sexagenário, leis essas que só camuflaram uma falsa esperança de liberdade, pois poucos negros sobreviviam até os 60 anos e quando isso acontecia não tinham condição de se sustentar, pois até então trabalhara para seu “Senhor”. No caso da Lei do Ventre Livre, como entender a liberdade dessas crianças se suas mães continuavam escravas? A Lei Áurea deu fim ao sistema escravista, tendo a mão-de-obra escrava substituída pela chegada dos imigrantes. Os escravos foram expulsos das fazendas sem terem para onde ir e sem condição de se sustentarem, resultando assim numa massa de negros que perambulavam pelas fazendas e cidades a procura de emprego. Foram libertados. Mas que liberdade foi essa?
  • 10. 19 Foi nesse contexto que os negros, a partir do 13 de maio de 1888, passaram de escravos a homens livres. Passaram a viver uma nova situação: o desemprego, o subemprego e a marginalidade. Das senzalas, grande parte dos negros foi morar em lugares onde as condições de vida eram subumanas. Problemas que caracterizam o trafico e a vida na lavoura do Brasil Colônia, como o alto índice de mortalidade (principalmente dos recém-nascidos) e a subnutrição, persistiram. Como ainda hoje persistem! (VALENTE, 1987, p.22-23) A abolição da escravatura, embora tenha sido fato notável na historia da formação brasileira, foi muito incompleta. Com a abolição, os problemas do negro estariam apenas começando. Mas quem se interessou por isso? Ninguém se interessou. O negro livre deixou as fazendas e os engenhos e foi inchar as periferias das cidades. Abandonado, constituiu-se num sub-brasileiro. A sociedade brasileira deixou o negro ao seu próprio destino, o qual através dos seus próprios meios, teve a responsabilidade de reestruturar-se e transformar- se para se adequar aos novos padrões criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e do processo capitalista. Um novo fator humano passou a ser o agente por excelência, do trabalho livre, o imigrante. Em conseqüência desse fato, havia um crescente aumento da população branca em detrimento de negros e mulatos. Milhares de mulheres e homens negros foram forçados a saírem de sua terra, trazidos a força, ameaçados e torturados. Tornou-se sinônimo de ser primitivo, selvagem, dotado de uma mentalidade pré-logica devido a ótica pela qual enxergavam e viviam em sociedade na África. Todas as qualidades humanas foram retiradas do negro, uma por uma, jamais se caracterizou um deles individualmente, de maneira diferencial. Alem do afogamento no coletivo anônimo, a liberdade direito vital reconhecido a maioria dos homens, lhes foi negada. Colocando a margem da historia, da qual nunca e sujeito e sempre objeto, perdendo o habito de qualquer participação ativa, ate o de reclamar. Não desfrutar de nacionalidade e cidadania, pois a sua é contestada e sufocada. Enfim, durante quatro séculos, os negros foram feitos escravos no Brasil. Sua trajetória foi marcada por dor e violência. Não passaram pelo sofrimento e pela humilhação de serem tratados como animais porque assim o preferiram. Não eram torturados e apanhavam porque pediam, mas porque resistiam. Não deixaram de ser
  • 11. 20 livres porque era o melhor para eles. O negro foi reduzido, humilhado e desumanizado, desde o inicio, em todos os cantos onde houve confronto de culturas, numa relação de forças, no continente africano e nas Américas, nos campos e nas cidades, nas plantações e nas metrópoles. Ao contrario do que acontece aos povos brancos, o negro é ainda o diferente, a minoria e na melhor das proposições o especial. Estes povos que sempre foram vistos como objetos da discriminação mundial, não tem suas mazelas unicamente relacionadas ao período escravocrata aos quais foram expostos e sim a fatores de sua constituição: ideologias de superioridade sejam estas raciais ou culturais. Analisando-se o trajeto histórico do negro na sociedade brasileira e as formas de sua integração nesse processo, vê-se o negro ser submetido a um processo de dominação como instrumento de produção e a mulher negra a disposição coercitiva do senhor branco. Ajustado ao padrão econômico característico de uma sociedade como função portuário, administrativa e comercial, vigente no período colonial e pós-colonial, os negros adaptaram-se a economia de subsistência, artesanato urbano e pequeno comercio, possibilitando a ascensão individual, em especial dos mulatos, não constituindo, entretanto, um fluxo constante de ascensão social, mas uma incorporação a ordem social dominante. Vale ressaltar que esses processos de ajustamento não ocorreram de forma pacifica e acomodada, mas a custa de constantes revoltas, como uma historia de mobilização e de lutas contra a opressão do sistema escravista. Com o capitalismo, o negro, por não possuir qualificação, fica a margem do processo ou e utilizado em serviços pesados nas industrias. A necessidade de colocação no mercado de trabalho do trabalhador livre inicia-se com o novo modo de produção, que não condiz com o trabalho escravo e não especializado. Ao sistema capitalista faz-se mister a conformação de sua produção a necessidade de lucro. A reprodução da deterioração do nível de vida do negro da-se então a partir daí, sendo ele impedido de exercer plenamente as atividades de trabalho livre, uma vez que não tem fácil acesso ao mercado de trabalho e a participação política. A maioria dos negros, ainda sofre as conseqüências do passado. Como salienta Valente (1994, p. 12), “Ser negro no Brasil hoje não e fácil”. Alias, nunca foi. Quando escravo, o negro foi tratado como “coisa”. Depois passou a ser discriminado como se fosse “cidadão de segunda categoria”. O negro, embora não mais escravo e “propriedade” de
  • 12. 21 ninguém, ele continua a ser diferença entre a condição de vida dos afro- descendente e a do resto da população, para começar o desemprego e maior entre os negros: O Brasil e o pais da segregação racial não declarada. Todos os indicadores sociais ilustram números carregados com a cor do racismo. Segundo a pesquisa Mapa da população negra no mercado de trabalho no Brasil, realizada pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (INSPIR), em 1999, um homem negro na região metropolitana de São Paulo recebe 50,6% do rendimento médio mensal de um homem não- negro. A situação da mulher negra e mais dramática. Ela recebe 33,6% do rendimento médio mensal de um homem não negro. A taxa de desemprego na região metropolitana de são Paulo e de 16,1% para os não-negros e 22,7% para os negros. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63% são. De negros 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 70% são negros (idem). (DOMINGUES, 2006, P. 2) Por conta dessa realidade, enfatizada na pesquisa acima, que grupos e movimentos, se organizam atualmente, no sentido de colocar nas universidades, ate então redutos de brancos e ricos, maior contingente de negros, como uma das formas de lutar contra o imobilismo social e contribuir para a constituição de uma nova identidade negra. Como já foi evidenciado, as pesquisas tem revelado a verdadeira realidade das relações raciais o Brasil, uma realidade na qual o negro e excluído em todos os segmentos da sociedade. É necessário reconstruir o histórico cultural do povo africano, e preciso reverter esse quadro de injustiça e desigualdades raciais e sociais, eliminar com esse racismo perverso, dissimulado, mascarado, velado, porem extremamente eficiente, reconhecê-los como atores sociais atuantes do ponto de vista individual e coletivo no processo de recuperação e reconstrução de sua identidade cultural. Para que isto realmente aconteça, torna-se preciso que não apenas os negros incorporem este papel e esta missão através de movimentos negros isolados, uma vez que estes movimentos já existem. Fernandes (1972) nos esclarece: A simples negligencia de problemas culturais, étnicos e raciais numa sociedade nacional tão heterogênea indica que o impulso para a preservação da desigualdade e mais poderoso que o impulso oposto, na direção da igualdade crescente. [...] Nenhuma democracia será possível se tivermos uma linguagem “aberta” e um comportamento “fechado” (p. 161- 162).
  • 13. 22 Não cabe mais ignorarmos o fato de que as contribuições histórico- civilizatorias das populações africanas e afro-descendentes na construção da nação brasileira, em especial, no estado da Bahia, terem fornecido as bases que sustentaram e sustentam a nossa especificidade como um povo que, apesar da persistência deletéria do racismo, destaca-se pela sua multiculturalidade. A nação brasileira e formada por uma sociedade multirracial; quando se fala no negro, se fala no brasileiro, no cidadão, no ser humano. A sociedade civil e o estado começam a despertar seus olhares para a valorização da multiplicidade de etnias e culturas. A diversidade étnica no Brasil e, ou pressupõe-se que seja, motivo de orgulho, para nos brasileiros, pois aumenta nossa capacidade de produzirmos coisas mais criativas, em todo espaço nacional, produtos fundamentais para o mundo contemporâneo. Os setores governamentais discutem ações afirmativas para as comunidades quilombolas, com o objetivo de minimizar as injustiças sociais ao longo de toda a história, essas ações vêem com o objetivo de garantir a valorização da etnia e a participação da população negra em vários setores da sociedade. É dever do estado/nação auxiliar uma recuperação histórico-cultural da etnia negra, valendo-se de um amplo programa de ações afirmativas. Uma vez que, resultado da luta empreendida pelo movimento negro, há décadas assiste-se a uma mudança de postura em vários segmentos da sociedade brasileira, em relação ao tratamento conferido as questões da população negra no Brasil (SILVÉRIO, 2002). São necessárias ações efetivas para enfrentar o problema da exclusão do negro no Brasil, mais do que “boas intenções” retórica política e debates acadêmicos. As políticas publicas afirmativas são um dos poucos veículos capaz de repara o debito social que as nações do globo, em especial aquelas que fizeram parte do período escravocrata, tem com os negros e seus descendentes, sobretudo no estado da Bahia, onde sua capital ocupa o lugar de segunda maior cidade negra do mundo. Uma vez que, o Estado brasileiro começa a implementar políticas publicas a favor da população negra, sendo que em toda a historia do Brasil essa população sempre foi alvo de políticas que a desfavoreciam. O que dizer de quase trezentos anos de escravidão? É preciso dar outra dimensão a esta historia que começou de maneira errônea e em pleno século XXI, permanece envergonhado os membros da
  • 14. 23 sociedade que dispõe de consciência critica e encontram-se cientes de seus deveres morais. Ainda que a perversa longevidade da escravidão brasileira tenha funcionado, do ponto de vista ideológico, com base real a difusão e socialização da falsa idéia de inferioridade e incapacidade civilizatória das populações negras, essas populações vencendo as enormes dificuldades de uma vida de privações incalculáveis, conseguiram manter conteúdos e significados culturais inteiros das suas heranças civilizatórias africanas, recriando-os e resignificando-os em solo brasileiro através de processos de lutas, resistências e astuciosas negociações. A verdade e que, não for reconhecido o esforço de cada grupo étnico que compõe nossa população, o quanto cada um deles contribuiu e ainda contribui para a formação dessa vasta extensão de terra chamada Brasil, seremos sempre o pais do amanha. Enquanto não houver uma igualdade de oportunidades para todos os grupos étnicos, a concretização do Brasil como nação verdadeiramente democrática estará cada vez mais distante. (LOPES, 2005, p. 20-21) O movimento negro brasileiro, de acordo com Lopes (2005), a partir da década de 70, vem lutando pelo fim do racismo e de seus efeitos, insistindo junto ao estado, a implementação de políticas de combate a discriminação racial. Em 1995 organizou-se um debate com intelectuais entre negros e brancos no pais. Mas só em 2001, com a participação do Brasil na terceira conferencia Mundial contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e formas correlatas de intolerância,promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), na cidade de Durban, na África do sul, o governo brasileiro passou a se comprometer publicamente com a luta contra a discriminação racial. A inclusão de políticas de ação afirmativa tanto no debate publico como na pauta do governo e uma conquista de segmentos do movimento negro, que há anos denunciam a desigualdade social e racial no Brasil em vários setores: saúde, educação, mercado de trabalho, moradia, entre outros. Tratar de maneira diferenciada um grupo que teve menos oportunidades – e, portanto, que esta em situação de desvantagem e uma tentativa de diminuir essas desigualdades, restituindo direitos a muito negados. (LOPES, 2005, p. 31-32 Ações afirmativas estão aflorando na sociedade, mas os resultados ainda são pequenos, e a impunidade encontra-se em níveis alarmantes. A legislação brasileira permite que se tenha o acesso à igualdade, contudo não se preocupa com a chegada à igualdade de fato, a qual dificilmente será alcançada, pela característica de seres humanos mutáveis e eternamente desiguais. Entretanto, essas leis
  • 15. 24 apregoam uma igualdade de direito para se chegar, ou se tentar chegar, a uma equidade de fato. Por isso, a importância de uma concepção multicultural e uma mediação crítica nos processos educativos. Importante ressaltar aqui que temos bases legais que devem ser levadas em consideração, e as leis estão estabelecidas não só em âmbito nacional, mais também específicas no contexto escolar. Há de se concordar que as atuais leis brasileiras são contrárias a qualquer ato de preconceito e discriminação contra os afro-descendentes e protegem o cidadão. Segundo Patto (1996), a existência da Lei em si não garante o cumprimento da mesma por todos os cidadãos como normalmente deveria acontecer e expõe na sua fala o seguinte: A lei só se transformará em direito na medida em que os profissionais da educação, no interior de suas escolas, construam práticas concretas e inclusivas que não discriminem e nem excluam nenhum grupo étnico. Repensando os direitos, reformulando as leis, redimensionando a formação dos/as educadores/as, construindo argumentos éticos que superem os legais, far-se-á, talvez, com que os equívocos, estigmas e estereótipos sejam gradativamente uma lembrança infeliz da história. (p.36) Percebemos a partir dessa fala, a necessidade de discussão da questão étnica com a participação de todos os envolvidos com a educação escolar, reconhecendo que a discriminação contra os afro-descendentes existe, identificando-a no espaço escolar, e, posteriormente elaborando trabalho de acolhimento, reconhecimento e troca com os diferentes, emergindo o problema, dialogando sobre e com ele, combatendo os medos e receios que ocorrem no cotidiano. Os profissionais da educação necessitam buscar continuamente o desafio da constatação das diferenças, incentivando em seus grupos formativos o entendimento, a aprendizagem, a aceitação e troca entre as diversas etnias, praticando cotidianamente a alteridade, favorecendo, dessa forma, o crescimento e a compreensão das diferentes identidades. Citamos aqui novamente Patto (1996), que contribuiu com seu pensamento nestes termos: É fundamental entender que o processo de troca entre os/as diferentes torna a aprendizagem muito mais rica, criativa e integradora, favorecendo a criação de uma nova realidade. Intenciona-se, dessa forma, que a
  • 16. 25 discussão contribua para que os/as profissionais da educação no seu fazer pedagógico, tenham condições de refletir sobre essa temática, transformando a sua prática, bem como àqueles/as que sofrem discriminações e preconceitos, para que, por meio de um novo olhar, insistam na luta pelo reconhecimento e aceitação de sua identidade. (p.41) Se a origem e a realidade brasileira se configuram a partir da diversidade étnica, é fundamental para o acolhimento e exercício solidário, ético, crítico, enfim cidadão, que as pessoas sejam provocadas às reflexões sobre os elementos constituintes na criação e configuração das sociedades humanas, dialogando sobre a discriminação étnica. Diante do que foi exposto acima, acreditamos na necessidade de conhecer o que se passa no cotidiano da sala de aula entre sujeitos negros e outros que não são mais especificamente no Ensino Fundamental II da Escola Maria do Carmo de Araújo Maia – Campo Formoso – BA e suas relações. Uma vez que objetivamos nesta pesquisa averiguar até que ponto os professores a enquanto viés de integração e formação humana tem contribuído para a disseminação de uma convivência harmoniosa e de respeito ao ser negro enquanto parte deste contexto, identificando a partir daí, as representações que os alunos negros fazem do seu papel no convívio escolar e na sociedade e como os profissionais que atuam no cotidiano com esta diversidade racial concebem o significado do ser negro como parte dessa realidade de trabalho, nesta pesquisa temos como premissa fazer um paralelo entre como os professores sendo agentes mediadores de conhecimento e de mudança vem contribuindo para integração e formação dos alunos negros enquanto parte deste contexto e como estes têm reagido na sociedade diante das praticas pedagógicas dos educadores elucidando suas representações que os no convívio escolar e no contexto social. Esta investigação poderá acrescentar subsídios para estimular uma reflexão sobre os que se apropriarem desta leitura e consequentemente contribuir para uma sensibilização, aceitação e afirmação do ser negro, enquanto ser humano e cidadão com direitos e deveres como qualquer outro. A proposta aqui é ouvir o que os professores que ministram aulas neste ambiente diversificado têm a dizer sobre este convívio e como se sentem os próprios alunos negros que dele fazem parte.
  • 17. 26 Cientificamente, julgamos que é de suma importância abordar este tema, uma vez que o momento hoje exige uma abertura dos conhecimentos em torno da inclusão e das relações de respeito e ética ao outro, neste caso, o ser negro, que por muito foram estigmatizados na sociedade. Assim temos a pretensão de explanar sobre esta convivência com o diferente no processo de inclusão diária no âmbito escolar, visando através dessa discussão cooperar para que haja novas ponderações sobre as intervenções pedagógicas daqueles que estão diretamente envolvidos no processo: o aluno, o profissional e a própria sociedade.
  • 18. 27 CAPÍTULO II 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Neste capítulo que trata da elaboração do quadro conceitual onde se embasa a pesquisa, serão apresentados os seguintes conceitos-chaves: O ser negro, Preconceito, Caráter democrático da escola e a construção humana: Bernd (1988), Ceert (2006), Da Matta (1983), Fernandes (1972), Guimarães (1999), Inocêncio (2004), Martinez (1992), Munanga (1988), Rufino (2003), Silvério (2002), Valente (1987), dentre outros que em suas pesquisas contribuíram para a construção desse conhecimento. 2.1 – O SIGNIFICADO DO SER NEGRO (Breve histórico) Salientamos a princípio o entendimento do termo significado como ponto de partida para estendermos nosso foco temático, pois acreditamos que o significado aqui vai além do simples conceito etimológico, mas, visto como essência do sentido da palavra, isto é, uma representação psíquica, acepção ou tradução de uma análise do significado do ser negro como objeto de estudo. No dicionário de Bueno (1985) encontramos uma explanação para o termo que traduz: “Significação, equivalente de uma palavra, sinônimo, ter o sentido de, exprimir, querer dizer, ser sinal de, denotar, dar a entender, mostrar, ser, constituir, traduzir-se, notificar, expressar, participar” (p.1052). Observamos daí que a teoria do significado examina os vários aspectos de nossa compreensão das palavras e expressões lingüísticas e dos signos em geral. A relação de referência, que segundo Japiassú e Marcondes (1990) é um dos elementos constitutivos do significado, é um desses aspectos centrais. Japiassú e Marcondes (1990) salientam “a referência é precisamente a relação entre o signo lingüístico e o real, o objeto designado pelo signo”. (p.224) Diante do acima citado, o significado do “ser negro” depende também do contexto no qual ele acontece. Neste caso, para o negro esse termo pode significar auto-afirmação, encontro e aceitação de sua origem, ético-cultural, ao passo que
  • 19. 28 para uma minoria branca, o termo pode estar associado a preconceito, descaso, fato incompreensivo. Etimologicamente falando o termo “negro ou negroide” geralmente se referem a um grupo racial de seres humanos com cores de pele que vão desde o marrom claro até o quase preto. Eles também são usados para classificar diversas populações, juntamente baseadas em relações ancestrais históricas e pré-históricas. Algumas definições do termo, relativamente recentes, incluem apenas as pessoas que “descendem de povos da África subsariana (ver Diáspora africana)”. Outras definições do termo "negro" estendem-se a qualquer população caracterizada por pele escura, uma definição que inclui também algumas populações da Oceania e do Sudeste Asiático. (BERND, 1988) Bernd (1998) acrescenta que a palavra "preto" aparece no século X e designa uma pessoa de pele escura, mais particularmente originária da África subsariana. A palavra "negro" passa a ser adotada no século XV com a escravização de africanos por portugueses. Os espanhóis, porém, foram os primeiros europeus a usar "negros" como escravos na América. Por conseguinte, um dos primitivos sentidos da palavra negro era "escravo". Por este motivo, a palavra é considerada ofensiva em diversos países africanos e da Diáspora, como no Senegal e nos Estados Unidos, onde é empregada a palavra black que literalmente corresponde à palavra preto, ao invés de niger (negro). (p.34) Segundo Fernandes (1972) os portugueses são o “segundo povo europeu a traficar escravos negros para as Américas”. Estes adotam a palavra negro designando primeiro, na sua língua, todos os escravos (por conseguinte também os escravos índios, chamados de "negros da terra"). Pouco a pouco, os portugueses passam a designar os africanos cada vez mais apenas com a palavra "pretos", enquanto os índios foram tratados de "selvagens" até 1970 na imprensa brasileira. (p.72). O autor também chama atenção para o uso do termo aqui no Brasil e descreve que: Certos sociólogos brasileiros, como Clóvis Moura, consideram o termo "negro" o mais adequado para classificar o grupo racial ao qual a pessoa pertence. Argumentam ainda que existe uma grande resistência da sociedade brasileira na utilização do termo citado, em razão deste ser considerado, erroneamente, uma palavra preconceituosa. Para estes
  • 20. 29 sociólogos, a palavra "negro" não possui conotação pejorativa, e que o receio em utilizar o termo dito correto se deve ao fato da sociedade brasileira, ao contrário do que pensa o senso comum, possuir uma forte carga racista em relação ao negro, oculta pelo mito da democracia racial. Para tratar de uma temática cujo recorte se faz a partir da diversidade étnico- racial do Brasil, o primeiro passo é ressaltar o processo histórico que mostra, nessa discussão, as especificidades do que é ser negro nesse país e como aqui se processaram as formas de racismo. É necessário explicar como os termos raça, relações étnico-raciais e diversidade cultural são utilizados no discurso que propõe as políticas de ação afirmativa, e como estas se configuram em políticas de formação de professor, propostas desde a perspectiva da diversidade. Para complementar essa discussão, buscamos os exemplos da nossa prática do professor citando algumas situações em que surgem preconceitos entre alunos e seus colegas bem como alunos e professores das redes públicas de ensino quando se deparam com essa temática numa experiência de qualificação continuada. As elites políticas e intelectuais criaram uma noção de que no Brasil existe uma natural harmonia e tolerância entre os grupos raciais, ou seja, que o preconceito e a discriminação não existem. Essa elaboração, “decorrente dos anos 1930, foi posteriormente criticada por estudiosos, a exemplo de Roberto Da Matta (1983)” que, a essa particularidade do Brasil, consagrou o termo “democracia racial”. Ele define que esta tese é presente no senso comum através da imagem e do discurso sobre a origem do povo brasileiro como oriundo da união pacífica e congratulada das três raças: branca, negra e indígena; tese esta fortemente trabalhada pelos livros didáticos, mídia, literatura clássica e popular e demais formas de expressão (p.19). A conseqüência disto no imaginário brasileiro é que as pessoas passaram a ter vergonha de ter preconceito, por isso ninguém se aceita como racista e pode, inclusive, se ofender se for chamado como tal. Ainda que ache engraçado ouvir piadas racistas ou não se importe que seus filhos assistam a programas de televisão que ridicularizam, através de imagens, músicas e outras formas simbólicas, tudo o que representa a identidade negra. Porém, essa enorme arma criada pela ideologia dominante a “Democracia Racial” teve como principal efeito limitar as demandas dos negros pelos direitos sociais, além de tornar ainda mais invisíveis as diferenças inter-raciais, quanto à elaboração das políticas públicas direcionadas a esse grupo.
  • 21. 30 Segundo Carlos Hasenbalg (1979, apud Da Matta 1983, p.25), o discurso posterior ao processo de abolição da escravidão no Brasil – em 1888 – responsabilizou as desigualdades raciais ali existentes tão somente à situação de classe, querendo fazer acreditar que há desigualdades raciais porque existem pobres e ricos. Isso, de certa forma, aliviou a consciência da elite branca, ao transferir para o campo das desigualdades sociais responsabilidades com as desigualdades entre negros e brancos, afinal, na visão liberal, as diferenças de classe, a existência de pobres e ricos se explicam pelo aspecto do individualismo, ou seja, está ao alcance do indivíduo a possibilidade da escolha de sua condição de ser pobre. Da Matta (1983) melhor explica nas seguintes palavras: Por conseguinte, essa explicação conclui que o “negro é pobre, sofre violência e é analfabeto por sua própria escolha”. O segundo aspecto racista que compõe o olhar brasileiro, também pensado e sustentado pelas elites políticas e intelectuais, foi o da tese do branqueamento, a qual teve subsídios, portanto transformou-se numa política pública por 50 anos, de 1890 a 1940. (p.29) Hasenbalg (1979) acrescentou em seus argumentos que a “política do branqueamento trouxe para o Brasil, entre os anos 1889 e 1930, um contingente de 3.762.000 estrangeiros”. Era denominada de política de povoamento das regiões centrais do Brasil e também funcionava como suporte para a integração de trabalhadores minimamente qualificados no mercado, o qual se expandia com a mudança dos processos de produção ocorridos aqui. Além disso, as elites políticas introduziram, também nos seus discursos, uma referência de que o atraso do modelo econômico era causado pela “indolência e apatia dos negros” quando inseridos no mercado de trabalho. (HASENBALG 1979, apud DA MATTA 1983, p.31), Sob outra ótica ressaltamos Inocêncio (2004), que aborda uma outra conseqüência da tese do branqueamento inserida no senso comum é a que cria no imaginário da população brasileira, em especial entre os negros, uma prática de se representar como branca ou mesmo de se negar como negra, criando assim uma infinidade de cores, tanto para se auto conceituar, como para conceituar os outros, este autor faz esta observação no entorno do trabalho realizado do censo que ocorre periodicamente em nosso país citando:
  • 22. 31 Um exemplo disto está na visão do senso comum, também assumida pelo Estado, presente na ação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, quando promove o censo demográfico. Ao entrevistar, o recenseador do instituto pergunta qual é a “raça” de seu entrevistado, isto porque o IBGE não assume a critica sobre a discussão polêmica que define o conceito de raça. São oferecidas simultaneamente, segundo o questionário do censo, cores e etnias, como alternativas de respostas para uma mesma pergunta. (p.42) Os dois aspectos acima tratados que revelam as formas de ser racista e de construir ao longo da história uma postura ingênua e/ou ideológica de se autodiscriminar estão, na verdade, alicerçados por uma noção naturalizante do conceito de raça. Na verdade, este é um conceito de caráter biológico criado para distinguir os povos dominantes e descobridores (brancos e europeus) daqueles que foram descobertos e colonizados (negros, índios, africanos, asiáticos, americanos, latinos e caribenhos). (INOCÊNCIO, 2004) Assim, compreendemos que o conceito de “raça”, tal como foi construído, referindo-se aos caracteres típicos de cada pessoa, reforçam a discriminação, pois este conceito mais do que reconhecer que as pessoas eram diferentes pela cor, textura do cabelo e desenhos da face, justificava que tais diferenças evocavam graus de hierarquia entre esses grupos raciais. Ou seja, as pessoas do tipo ariano eram do grupo reconhecidamente inteligente, capaz e do tipo ideal, por conseguinte superior. Entretanto, as pesquisas científicas, em especial as que se encontram na área das Ciências Humanas, rejeitam a noção de “raça” tal como foi construído pelo discurso dominante do século XVI, e demonstram que os seres humanos compõem uma só raça – a raça humana – a qual é formada por várias etnias que se caracterizam principalmente por uma língua comum e aspectos da vida cultural, reconhecidos e cultivados ao longo de gerações. (INOCÊNCIO, 2004) Uma vez esclarecida essa matriz discursiva, o passo seguinte é discutir em que medida esse conceito passa novamente a ser usado, por quem e para quê, qual a relação do significado de raça para as políticas de formação de professores e qual o sentido de política de ação afirmativa que daí se destaca. Citamos aqui Ceert (2006) que define este significado do seguinte modo: Chegamos ao século XX com um conceito de raça ressignificado pelo movimento social negro, desde o pan-africanismo de Marcus Garvey até os movimentos sociais negros de hoje, existentes em várias partes do mundo. No Brasil, os integrantes desse movimento explicam que o uso do termo ocorre porque, ao se estabelecer relações racializadas, os negros devem manter uma construção identitária apoiado nos valores culturais da
  • 23. 32 identidade negra, ressaltando-os, enaltecendo-os e demonstrando a auto- estima de fazer parte desse grupo racial. Essa é a forma de politização do termo “raça”. Ele é então ressignificado para exigir poder político, respeito à dignidade humana e, principalmente no combate a discriminação racial, em todos os espaços e situações em que se intercruzam os diferentes grupos racializados no interior da sociedade brasileira. Há também uma retomada do termo “etnia” na produção acadêmica da Antropologia Social, a partir das etnografias e da etnologia da segunda metade daquele século. No entanto, há criticas quanto à utilização de “etnia”, porque, a um só tempo, o termo reúne uma perspectiva naturalizante (uma mesma descendência) com uma perspectiva culturalista (uma mesma língua, costumes, nome) e uma perspectiva subjetiva (consciência de pertencer a um mesmo grupo) (POUTGNART, 2000). De qualquer modo, é assim que o termo “etnia” vem sendo trabalhado para dar conta dos estudos de etnologia, em especial daqueles que, ao reconhecerem critica ao conceito biológico de raça, e por não concordarem com a ressignificação do conceito na perspectiva política, identifica no conceito de etnia e de grupo étnico a categoria de análise que dá conta de explicar a existência dos diferentes grupos sociais racializados. Porém, toda essa polêmica serve a um objetivo: fundamentar as políticas públicas da dimensão multiculturalista que, neste texto, trabalhamos apenas a partir da implementação da Lei 10.639/03, para discutir a partir daí a formação de professores com o viés da diversidade cultural, citadas nas palavras de Inocêncio (2004): Vale dizer que, durante muitos anos no Brasil, conceitos como reparações ou mesmo ações afirmativas eram compreendidos e articulados, quase que exclusivamente, na esfera do movimento negro local em função de sua necessidade iminente de observar experiências bem sucedidas de inclusão racial fora de nossa realidade. Por essa razão os grupos organizados acompanharam os desdobramentos da luta da comunidade negra nos Estados Unidos e a implementação de políticas públicas voltadas para esse segmento, sobretudo a partir dos anos 1970. De fato, a luta racial neste país acabou de alguma maneira contribuindo para que outros países procurassem alternativas de superação da exclusão marcada por raça, etnia, orientação religiosa, entre outras. Este mesmo autor faz referência a um acontecimento que contribuiu para esta mudança:
  • 24. 33 A Terceira Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Discriminação, ocorrida em 2001 na África do Sul, é o exemplo mais verdadeiro desse fenômeno mundial que se constitui a partir da luta pelo respeito à diferença racial e cultural. (INOCÊNCIO, 2004, p.2) Seguramente, este foi o evento que tornou visível a discriminação racial no Brasil, contra a discriminação racial, patrocinada pela ONU em 2001. Não que o assunto fosse novo: desde 1931, com a Frente Negra Brasileira, a discriminação racial contra o negro é denunciada de forma organizada. Os movimentos negros tiveram novo alento a partir do fim da ditadura militar (final da década de 70), a mesma ditadura que retirou o quesito cor-raça do Censo, para esconder a superexploração a que o negro é submetido na nossa pátria mãe gentil. No entanto, foi na Conferência de Durban que a delegação brasileira levou a proposta de cotas para negros nos processos de seleção ao Ensino Superior. Uma aliança entre ONGs, Movimentos Negros e segmentos no interior do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, particularmente no Ministério da Justiça, permitiu que esse tipo de proposta fosse majoritário na delegação brasileira. (INOCÊNCIO, 2004) Curiosamente, encontram-se posições ardentemente favoráveis e contrárias a esta linha de ação reparatória aos negros brasileiros tanto na direita quanto na esquerda. No entanto, nos movimentos negros ela é maioria. O que causa espécie é como surge uma oposição emocionalmente viva e pouco fundamentada sobre este tipo de proposta de inclusão social do negro. Para Lima (2005), do ponto de vista teórico, é possível entender que o sistema capitalista “tende a gerar desigualdade, ao transferir riquezas de uma classe explorada a uma classe exploradora, em termos gerais”. Neste sentido, é necessário haver uma pressão política organizada de toda a classe explorada seja para reformar o ensino, saúde, habitação, como parece a atual etapa brasileira (para que haja expansão e melhoria do ensino público e gratuito, uma política habitacional distributiva, a universalização e gratuidade da saúde e uma política de emprego inclusiva e igualitária, entre outras medidas), seja para “revolucionar as prioridades, numa perspectiva socialista”, como no caso cubano e chinês. (p.49) As desigualdades raciais aqui têm relativa autonomia em relação à exploração de classe. Elas se iniciaram antes do capitalismo industrial se estruturar,
  • 25. 34 através de relações escravistas em que os senhores de escravos e capatazes (brancos) se apropriavam da riqueza e os escravos (negros) eram brutalmente espoliados. O curioso é que o advento do capitalismo industrial, essa relação assimétrica, que envolvia riqueza e cor/raça, se espalhou para todas as classes sociais. Em outras palavras, não é somente o negro pobre quem sofre perseguição policial, maus-tratos em lojas, discriminação no trabalho e na escola e xingamentos gratuitos. (LIMA, 2005) Segundo Guimarães (1999), o racismo começou contra os negros pobres e, com o tempo, se espalhou para negros em todas as classes sociais. Desde a humilhação aguçada pela polícia, que fez o ex-presidente do Suriname ter que se deitar no solo para ser revistado até o estranhamento que professores universitários negros, colegas nossos, experimentam com seus alunos, todos sentem o efeito da discriminação. Como o racismo é uma ideologia insidiosa, ele perpassa todas as instituições da sociedade e impregna todas as pessoas. A tarefa do combate a ele deve, portanto, envolver a todos. Não se deve esperar, como no caso do machismo em relação às mulheres (que também gera desigualdades sexuais), que o mero advento de uma sociedade sem classes, num passe de mágica elimine essa ideologia que funciona como agente gerador de desigualdades. O Brasil, como país capitalista, gera necessariamente concentração de renda. No entanto, por que o Brasil, uma das quinze economias mais ricas do mundo, tem uma das piores concentrações de renda desse mesmo mundo? Esta pergunta foi levantada por Guimarães (1999, p.68), a qual ele mesmo argumenta como resposta: Uma hipótese a ser investigada é a existência de um profundo racismo, conjugado ao fato de metade da população ser negra. O capitalismo já gera um nível de desigualdade, mas o racismo, incidindo sobre a metade negra da população brasileira, aprofunda o fosso abissal entre os mais ricos (predominantemente brancos) e os muito pobres (majoritariamente negros). Obviamente, esta é somente uma hipótese, que requer comprovação empírica para sua verificação. A comparação com outros países, e a adoção de políticas públicas tanto universalistas (insensíveis à cor) quanto de ações afirmativas (de discriminação positiva dos negros) podem dar algumas pistas sobre essa questão. Até a década de 1950, era muito difundida a idéia que o Brasil apresentava uma convivência harmônica de raças, que a miscigenação não era vista de forma negativa. Foi até enviada uma missão da ONU ao Brasil para conhecer a
  • 26. 35 experiência brasileira de mistura de raças, já que os EUA, a África do Sul e outros países tinham experiências de intolerância e segregacionismo. Qual não foi a surpresa dos enviados da ONU ao perceber uma forma particular de racismo, caracterizada pelo racismo cordial (Turra e Venturi, 1998). Estudos de Roger Bastide (1959), Florestan Fernandes (1959), Thales de Azevedo (1951), entre outros, contribuíram decisivamente para desmascarar o mito da democracia racial. Fica evidente que durante séculos os negros foram feitos escravos no Brasil. Sua trajetória foi marcada por dor e violência. Não passaram pelo sofrimento e pela humilhação de serem tratados como animais porque assim o preferiram. Não eram torturados e apanhavam porque pediam, mas porque resistiam. Não deixaram de ser livres porque era o melhor para eles. O negro foi reduzido, humilhado e desumanizado, desde o início em todos os cantos onde houve confronto de culturas, numa relação de forças, no continente africano e nas Américas, nos campos e nas cidades, nas plantações e nas metrópoles. Estes povos que sempre foram vistos como objetos da discriminação mundial, não têm suas mazelas unicamente relacionadas ao período escravocrata os quais foram expostos e sim a fatores muito mais remotos, dos quais a sociedade encontra-se eivada desde os primórdios de sua constituição: ideologias de superioridade sejam estas raciais ou culturais. Analisando o trajeto do negro na sociedade brasileira e as formas de sua integração nesse processo, vê-se o negro ser submetido a um processo de dominação como instrumento de produção. Ao sistema capitalista faz-se mister a conformação de sua produção à necessidade de lucro. A reprodução da deterioração do nível de vida do negro dá-se então a partir daí, sendo ele impedido de exercer plenamente as atividades de trabalho livre, uma vez que não tem fácil acesso ao mercado de trabalho e à participação política. Como salienta Valente (1994, p. 12), a maioria dos negros ainda sofre as consequências do passado e afirma: “Ser negro no Brasil hoje não é fácil”. Aliás, nunca foi. Embora não mais escravo e “propriedade” de ninguém, ele continua a ser considerado inferior, e “cidadão de segunda categoria”. (VALENTE, 1994) Ainda que a perversa longevidade da escravidão brasileira tenha funcionado do ponto de vista ideológico, com base real à difusão e socialização da falsa idéia de inferioridade e incapacidade civilizatória das populações negras, essas populações
  • 27. 36 vencendo as enormes dificuldades de uma vida de privações incalculáveis, conseguem manter conteúdos e significados culturais inteiros das suas heranças civilizatórias africanas, recriando-os e resignificando-os em solo brasileiro através de processos de lutas, resistências e astuciosas negociações. Diante disso, entendendo que não podemos progredir sem reflexão, ou seja, sem pensar sobre as coisas que fazem parte do nosso cotidiano e ainda por observarmos pequenos passos de mudança, mas significantes, nas reflexões a respeito do negro hoje, è que nos debruçamos sobre este tema, e acreditamos que qualquer ação desenvolvida em prol do negro, apenas se mostrará com sentido e importância, se valorizar seu contexto e seus ideais de luta e militância frente à opressão a qual se encontra exposto ou ao menos contribuir para estimular sua conscientização, enquanto ator social, agente de transformação de sua realidade atual. Defendemos, portanto uma ação que se apresente e se processe com caráter social, ético e de respeito mútuo. 2.2 – PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO – UM PASSADO PRESENTE No Brasil muito se fala sobre a discriminação racial, o desafio está em saber o que está implícito neste conceito e até onde podemos considerar sua existência. A verdade é que esse é um assunto muito sério em que é possível ver racismo ou preconceito em ambas as partes: do discriminado e do discriminador. Reportamos-nos neste momento a Munanga (2010, p. 37) que nos traz uma explanação pertinente e recente a respeito deste foco: Chegamos a uma época em que a pseudo-democratização vem perdendo forças para um início de ditadura legislativa, ou seja, uma ditadura em que se começa com a própria lei. O nosso ilustríssimo presidente Lula aprova uma lei que garante o encarceramento de uma pessoa que ofende ou discrimina a condição racial de outra pessoa, se esta o sentir discriminada. Não se pode mais chamar mais algum negro de "negro", e muito menos de "preto". Agora, por lei, pessoas morenas recebem uma denominação de afro-descendentes ou afro-brasileiros. Esse é o primeiro passo para a censura política da não-liberdade de expressão de nossos pensamentos.
  • 28. 37 Essa mesma lei, considerada por alguns como íntegra e auxiliadora dos menos favorecidos ou dos reprimidos, ainda apresenta muitas falhas na concepção. Por exemplo, se uma pessoa numa discussão xingar outro de "preto" e este o processar por preconceito, aquele primeiro terá uma prisão inafiançável; por outro lado, se essa pessoa ao invés de xingar preferir matá-lo é mais jogo: como réu primário ele apenas deverá pagar algumas cestas básicas e prestar serviços comunitários, enquanto responde ao processo em liberdade. É muito comum se estabelecer confusão entre racismo e discriminação ou preconceito racial. Para tanto ressaltamos que primariamente devemos buscar o significado da palavra para depois fazermos um paralelo com a prática. Segundo o dicionário Aurélio, preconceito significa: “idéia preconcebida, suspeita, intolerância, aversão a outras raças”, (p.648) isto é, conceito ou opinião formada antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos, e discriminação significa: “Ato ou efeito de discriminar” (p.321), ou seja, a capacidade que você tem de discernimento sobre determinado assunto. (FERREIRA, 2008) Munanga (2010) ainda explica que o termo racismo “geralmente expressa o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças”, entre as etnias, ou ainda uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias de pessoas. Pode ser classificado como um fenômeno cultural, praticamente inseparável da história humana. A discriminação racial, por seu turno, expressa “a quebra do princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferências”, motivada por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas. Já o preconceito racial indica “opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável”, concebido sem exame crítico, ou ainda a “atitude, sentimento ou parecer insensato, assumido em conseqüência da generalização” apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo geralmente à intolerância. (p.39) Portanto, em regra, o racismo ou o preconceito racial é que levam à discriminação e à intolerância racial. E nesse aspecto, existe uma preocupação mundial no combate ao racismo e à intolerância racial, que se manifesta através da realização de múltiplos eventos, nacionais e internacionais, com a participação de entidades governamentais e não governamentais, buscando a união dos povos
  • 29. 38 contra toda forma de racismo, intolerância e discriminação, não apenas como caminho de preservação e respeito aos direitos humanos mais básicos, mas também como medida de minimização e erradicação de revoltas, guerras e conflitos sociais. Retomando ao evento supra citado no sub-tópico anterior (2.1), pela Organização das Nações Unidas, a Conferência Mundial contra o racismo, na África do Sul, nos meses de julho e agosto de 2001, com a presença de líderes governamentais, organizações internacionais e intergovernamentais, organizações não-governamentais (ONGs), entre outras, cita que nesta oportunidade, Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e Alta-comissária da ONU para Direitos Humanos, no dia primeiro de maio, ao conversar com membros da Comissão Preparatória, em Genebra, a respeito de suas metas e perspectivas para a Conferência Mundial, observou: Esta Conferência Mundial tem potencial para estar entre os mais significativos encontros do início deste século. Pode ser mais: A conferência pode dar forma e simbolizar o espírito do novo século, baseada na mútua convicção de que nós todos somos membros de uma família humana. O desafio está em fazer desta Conferência um marco na guerra para erradicar todas as formas de racismo. As persistentes desigualdades, no que diz respeito aos direitos humanos mais básicos, não são apenas erradas em si, são também a principal causa de revoltas e conflitos sociais. Pesquisas de opinião em vários países mostram que temas ligados à discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância predominam entre as preocupações públicas hoje. Há uma grande responsabilidade moral de todos os participantes em fazer com que esta Conferência tenha êxito. Depende apenas de todos nós assegurar que tiraremos proveito desta oportunidade e que produziremos um resultado prático, com uma ação orientada, que responda a estas preocupações. Nós devemos isto especialmente às gerações mais jovens, que correm o risco de crescer num mundo cuja população aumenta num ritmo sem precedentes. (INOCÊNCIO, 2004, p. 26) Martinez (1992, p.56) constata, igualmente, que a questão da intolerância racial não é moderna, já existindo desde os tempos mais remotos, não encontrando fronteiras temporais ou territoriais, merecendo ser destacado exceto de ensaio intitulado “Nuestra América”. O autor argumenta enfatizando que possuímos tantas informações e ainda somos alienados e aculturados. Inclusive amparados pela Constituição brasileira de 1988, no art. 5º, que diz: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade”. Referindo-se à legislação brasileira ainda descreve:
  • 30. 39 No Brasil, o primeiro diploma a cuidar especificamente do preconceito e da discriminação racial foi a Lei nº. 1.390, de 3 de julho de 1951, denominada Lei Afonso Arinos, de autoria do então deputado federal pelo estado de Minas Gerais, Afonso Arinos de Melo Franco. A ela se seguiu a Lei nº. 7.716, de 15 de janeiro de 1989, até hoje em vigor, que foi modificada pela Lei nº. 9.459, de 13 de maio de 1997, que alargou significativamente seu alcance, apontando expressamente a discriminação e acrescendo os crimes resultantes de preconceito discriminação de etnia, religião ou procedência nacional. A referida Lei nº. 7.716/89, no art. 1º, estabelece punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sem, entretanto, esclarecer os precisos contornos de cada uma dessas expressões. (MARTINEZ, 1992, p.57) Um outro aspecto da Lei é sobre a injúria por preconceito, também chamada de injúria racial, foi acrescentada ao Código Penal pela Lei nº. 9.459, de 13 de maio de 1997, consistindo na utilização de elementos referentes à raça, cor etnia, religião ou origem, para ofender a honra subjetiva (auto-estima) da vítima. Vem prevista no art. 140, § 3º, do Código Penal, cominando pena de 1 a 3 anos de reclusão, e multa. Portanto, não há que se confundir como freqüentemente ocorre, o crime de racismo (previsto pela Lei nº. 7.716/89), com o crime de injúria por preconceito. O primeiro resulta de discriminação, de preconceito racial, implicando em segregação, impedimento de acesso, recusa de atendimento etc., a alguém. O segundo é crime contra a honra, agindo o sujeito ativo com “animus injuriandi vel diffamandi”, elegendo como forma de execução do crime justamente a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima. Nesse sentido, a utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no § 3º do art. 140 do CP, ou seja, injúria qualificada, e não o crime previsto no art. 20 da Lei nº. 7.716/89, que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor.” (MARTINEZ, 1992) Devemos ter a consciência que pelo menos no Brasil, há muita mistura de povos e raças que fazem um país com uma pluralidade étnica impressionante. Por isso, qualquer indivíduo que se considera "branco" ao falar dos "negros" deve lembre-se que o mesmo também tem uma parte dessa raiz afro-descendente na sua família, direta ou indiretamente. Se tiver algum preconceito racial, então também tem um preconceito por si próprio, porque também faz parte dessa raça negra, pois no Brasil, ninguém é genuinamente "branco".
  • 31. 40 Uma sociedade em que todos respeitam a diferença do próximo é utópica, mas pelo menos podemos fazer muito para conscientizar a todos sobre nossa homogeneidade. O primeiro passo é mudar a nós mesmos e tentar acabar com nossos preconceitos - seja ele racial, religioso ou social. O próximo passo se segue e podemos então construir um mundo um pouco melhor para se viver. 2.3 – DIVERSIDADE CULTURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO CONTEXTO ESCOLAR Para analisar a questão da diversidade, ou seja, se é possível admitir que cada indivíduo é portador de inúmeras características que o diferenciam dos demais, entende-se também que a multiplicidade de expressões se coloca em um mundo padronizado. Por mais que haja uma dinâmica intensa na forma como as pessoas vivam a história, não é possível negar a tendência unificante que existe no social. Considerar o mundo social como um ponto significativo para o desenvolvimento da potencialidade dos sujeitos remete à possibilidade de entender que entre os diferentes sujeitos há uma alteridade importante a ser reconhecida. Considerar a alteridade do outro é o reconhecimento que em cada ser há algo que está fora dele mesmo, que o outro é um ser diferente não igualável a ele próprio. A diversidade se caracteriza pelo conjunto de distinções que se fazem entre todos os seres. Nossa história é marcada pela eliminação simbólica e/ou física do “outro”. Os processos de negação desses “outros”, na maioria das vezes, ocorreram no plano das representações e do imaginário social quando estabelecemos os conceitos do que é ser belo, ser mulher, ou até mesmo do que é ser brasileiro. Ao tratar a questão da diversidade cultural, Abramowicz (2006) diz que todo o brasileiro vive uma situação no mínimo, inusitada. De um lado, há o discurso de que nós somos um povo único, fruto de um intenso processo de miscigenação e mestiçagem, que gerou uma nação singular com indivíduos culturalmente diversificados. De outro, vivenciamos em nossas relações cotidianas inúmeras práticas preconceituosas, discriminatórias e racistas em relação a alguns segmentos da população, como, as mulheres, os indígenas e os afro-descendentes.
  • 32. 41 Na atualidade mesmo com manutenção de vários padrões de comportamento, de beleza, os documentos relacionados à educação brasileira outorgam que somos um país construído tendo por base a diversidade cultural. Mas o que significa diversidade cultural em país onde os diversos grupos sociais são marginalizados em suas representações? Os estudos de Silva (2005) mostram que apesar da diversidade cultural registrados nos documentos oficiais, porque os bancos escolares são freqüentados por alunos de diferente origem étnico-raciais e gênero, os conteúdos programáticos dos livros didáticos e dos currículos escolares apresentam ainda como padrão o homem, branco e heterossexual, e reflete nas seguintes palavras: No intuito de refletirmos sobre as possibilidades de ação pedagógica para tratar da diversidade cultural na educação escolar, questionamos: como trabalhar os conceitos de gênero, raça, e etnia na sala de aula, com o propósito de valorizar as múltiplas identidades constituintes no ambiente escolar? Ana Célia Silva (2005) afirma que nos livros didáticos, nos currículos escolares e nas falas dos professores, ainda há uma invisibilidade ou a visibilidade subalterna de diversos grupos sociais, como os negros, os indígenas e as mulheres. O preconceito instituído e manifestado na prática pedagógica pode levar tais grupos a uma auto- rejeição e rejeição ao seu grupo social, comprometendo os processos constitutivos de sua identidade(s). (p.77) Em vista da seriedade do tema no contexto escolar, analisamos o que estes autores definem o termo diversidade cultural. Para Abramowicz (2006, p12), diversidade pode significar variedade, diferença e multiplicidade. “A diferença é qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de outra, a falta de igualdade ou de semelhança”. Nesse sentido, podemos afirmar que onde há diversidade existe diferença. Costa (2008) afirma que a diferença não é uma marca do sujeito, mas sim uma marca que o constituem socialmente, e se estabeleceu como uma forma de exclusão, “ser diferente na educação ainda significa ser excluído e/ou ser subrepresentado nas instâncias sociais”. Reconhecer que somos diferentes para estabelecer a existência de uma diversidade cultural no Brasil, não é suficiente para combater os estereótipos e os estigmas que ainda marginalizam milhares de crianças em nossas escolas e milhares de adultos em nossa sociedade. A autora Candau (2005) afirma que:
  • 33. 42 Não se deve contrapor igualdade a diferença. De fato, a igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade, e diferença não se opõem à igualdade, e sim à padronização, à produção em série, à uniformidade, a sempre o “mesmo”, à mesmice”. (CANDAU, 2OO5, p. 19). Reconhecer a diferença é questionar os conceitos homogêneos, estáveis e permanentes que excluem o diferente. As certezas que foram socialmente construídas devem se fragilizar e desvanecer. Para tanto, é preciso desconstruir, pluralizar, ressignificar, reinventar identidades e subjetividades, saberes, valores, convicções, horizonte de sentidos. Somos obrigados a assumir o múltiplo, o plural, o diferente, o híbrido, na sociedade como um todo (CANDAU, 2005). Assim, falar sobre diversidade não pode ser só um exercício de perceber os diferentes, de tolerar o “outro”. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença é preciso explicar como essa diferença é produzida e quais são jogos de poder estabelecido por ela. Como nos alerta Silva (2000), a diversidade biológica pode ser um produto da natureza, mas o mesmo não se pode dizer sobre a diversidade cultural, pois, de acordo com autor, a diversidade cultural não é um ponto de origem, ela é em vez disso um processo conduzido pelas relações de poderes constitutivos da sociedade que estabelece “outro” diferente do “eu” e “eu” diferente do “outro” como uma forma de exclusão e marginalização. Uma ação pedagógica realmente pautada na diversidade cultural deve ter como principio uma política curricular da identidade e da diferença. Tem obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença, ela coloca em seu centro uma teoria que permita não só reconhecer e celebrar a diferença, mas também questioná-la, a fim de perceber como ela discursivamente está constituída. Como alerta-nos Costa (2008), dizendo: identidade e diferença são inseparáveis, dependendo uma da outra. Elas são produzidas na trama da linguagem, a identidade e a diferença são construídas dentro de um discurso, por isso precisamos compreendê-las como são produzidas em locais históricos e institucionais por meio do discurso. (p.56) Foucault argumenta que: [...] são os discursos eles mesmos que exercem seu próprio controle; procedimentos que funcionam, sobretudo, a título de princípios de classificação, de ordenação, de distribuição, como se tratasse desta vez,
  • 34. 43 de submeter outra dimensão do discurso: a do acontecimento e do acaso.” (FOUCAULT, 2002 p.21) Compreendemos que o discurso por meio da afirmação de conceitos essencialistas não originários, são incapazes de perceber os processos de mudanças e de transformações sociais que padronizam e marginalizam os diversos grupos sociais. Para Foucault (2001), os conceitos “devem ser historicizados para perceber como eles são construídos dentro de uma prática discursiva que se envolve nas relações assimétricas de poder”, especialmente no âmbito escolar. (p.23) Neste contexto, os professores e as professoras que percebem em sua ação pedagógica como os conceitos de gênero, raça e etnia são socialmente construídos e discursivamente usados para marginalizar o “outro” estarão, de fato, contribuindo para a constituição de uma diversidade cultural que não seja apenas tolerante, mas que perceba que “eu” e o “outro” temos os mesmos direitos e devemos ter a mesma representatividade, tanto nos conteúdos escolares quanto nas instituições sociais. Reflexões sobre os conceitos de gênero, raça e etnia na formação de professores ao serem trabalhados na sala de aula em uma perspectiva da valorização da(s) identidade(s) dos múltiplos sujeitos que convivem no mesmo espaço da escola devem ter um posicionamento político, a fim de desconstruir os esteriótipos e os estigmas que foram atribuídos historicamente à alguns grupos sociais. A questão de gênero a ser trabalhado na sala de aula, deve começar pelo entendimento de como esse conceito gênero ganhou contornos políticos. O conceito de gênero surgiu entre as estudiosas feministas para se contrapor à idéia da essência, recusando qualquer explicação pautada no determinismo biológico, que pudessem explicitar comportamento de homens e mulheres, empreendendo, dessa forma, uma visão naturalista, universal e imutável do comportamento. Tal determinismo serviu para justificar as desigualdades entre ambos, a partir de suas diferenças físicas. (BRAGA, 2007) De acordo com Braga (2007), a expressão gênero começou a ser utilizado justamente para marcar as diferenças entre homens e mulheres não são apenas de
  • 35. 44 ordem física e biológica. Como não existe natureza humana da cultura, para as autoras, a diferença sexual anatômica não pode mais ser pensada isolada das construções sócio- culturais em que estão imersas. A diferença biológica é apenas o ponto de partida para a construção social do que é ser homem ou ser mulher. O sexo é atribuído ao biológico enquanto gênero e é uma construção social e histórica. A noção de gênero aponta para a dimensão das relações sociais do feminino e do masculino. Atualmente, o conceito de raça quando aplicado a humanidade causa inúmeras polêmicas, porque a área biológica comprovou que as diferenças genéticas entre os seres humanos são mínimas, por isso não se admite mais que a humanidade é constituída por raças. No entanto na década de 1970, o Movimento Negro Unificado e os teóricos que defendiam a causa, ressignificaram o conceito de raça como uma construção social forjada nas tensas relações entre brancos, negros e indígenas. Muitas vezes simulados como harmoniosos, não tinha relação com o conceito biológico de raça cunhado no século XIX, e que hoje está superado. (BRAGA, 2007) O termo raça usado nesse contexto, segundo Silva (2004), tem uma conotação política e é utilizado com freqüência nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas características físicas, como cor da pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determina o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. O conceito de raça ao ser usado com conotação política permite, por exemplo, aos negros valorizar a característica que difere das outras populações e romper com as teorias raciais que foram formuladas no século XIX e até hoje permeia o imaginário popular. Foucault (2002) acrescenta: O termo raça marca as relações tensas por causa das diferenças na cor da pele e nos traços fisionômicos que caracterizam a raiz cultural plantada ancestralidade dos mais diversos grupos, que difere em visão de mundo, valores e princípios de origem indígena, européia ou asiática. O termo étnico é fundamental para demarcar que individuo pode ter a mesma cor da pele que o outro, a mesmo tipo de cabelo e traços culturais e sociais que os distingue, caracterizando assim etnias diferentes. Os professores e as professoras que se posicionam criticamente em relação ao conceito de gênero, raça e etnia podem instituir discursivamente uma “vontade de
  • 36. 45 verdade” de um grupo social, para utilizar a expressão de Foucault (2002). Mobilizar uma ação contra os padrões e os processos de exclusões instituídos é um grande passo para implantação de uma diversidade cultural, pois as diferenças são socialmente construídas e estão envolvidas com as relações de poder. As novas dimensões dos conceitos gênero, raça e etnia. De um modo geral, mulheres, negros e indígenas são sub-representados no espaço escolar, seja no currículo escolar, nos livros didáticos e também no posicionamento do professor na sala de aula. O professor ou a professora pode começar a questionar com seus alunos, por exemplo, se gostar de estudar é inerente a um determinado gênero. Questionar frases tão comuns em nosso cotidiano como: Isso “não é coisa de menino ou de menina”, “só pode ser filho de...”, generalizando e principalmente rotulando sujeitos e comportamentos. Ensinar que a diferença pode ser bela, que a diversidade é enriquecedora e não pode ser sinônimo de desigualdade, pode evitar ações de preconceitos e discriminação. Com isso, rompermos com as verdades socialmente construídas de que para ser belo, tenho que ser branco e ser magro. Diante da realidade dos fatos, acreditamos e afirmamos aqui que, na educação escolar, trabalhar na perspectiva da diversidade cultural significa uma ação pedagógica que vai além do reconhecimento de que os alunos sentados nas cadeiras de uma sala de aula são diferentes, por terem suas características individuais e pertencentes a um grupo social, mas é preciso efetivar uma pedagogia da valorização das diferenças. Entendemos que o primeiro passo para isso é defender uma educação questionadora dos conceitos essencialistas e tratá-los como categorias socialmente constituídas no decorrer dos discursos históricos. 2.4 – O CARÁTER DEMOCRÁTICO DA ESCOLA COMO VIES DA CONSTRUÇÃO HUMANA A globalização atual é um processo que ocorre em ondas, com avanços e retrocessos separados por intervalos que podem durar séculos. Esse atual processo tornou-se muito mais rápido, mais intensamente acelerado, com a revolução nas comunicações e mesmo com o maior avanço em vários setores de modo geral. Também se tornou mais abrangente, envolvendo não só comércio, produção e
  • 37. 46 capitais, mas também serviços, arte, educação etc. Não sem razão, esse processo tem causado muito mais apreensão do que entusiasmo. Neste emaranhado de avanços visualizamos o campo da educação e percebemos que a questão fundamental da educação é a construção do conhecimento e a formação de cidadãos. Tanto a aquisição do conhecimento quanto a Educação são práticas sociais e nos últimos anos elas têm entrelaçado seus caminhos de tal forma que se faz necessária uma atenção especial sobre a questão. Levando-se em consideração que a escola é o espaço social especializado para realizar a educação básica, isto implica que ela precisa construir as condições subjetivas para cada cidadão, para que o mesmo possa se inscrever como sujeito na construção de sua história e da história de seu entorno e da humanidade. Infelizmente constatamos hoje através de pesquisas de autores da área uma deplorável estatística sobre o olhar e o comportamento daqueles que estão inseridos no contexto escolar, como exemplo citamos Vieira (2008) que relata: Pesquisa realizada em escolas públicas de todo o país, baseada em entrevistas com mais de 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores, professores e funcionários, revelou que 99,3% dessas pessoas demonstram algum tipo de preconceito étnico-racial, socioeconômico, com relação a portadores de necessidades especiais, gênero, geração, orientação sexual ou territorial. O estudo, divulgado nesta quarta-feira (em São Paulo, e pioneiro no Brasil, foi realizado com o objetivo de dar subsídios para a criação de ações que transformem a escola em um ambiente de promoção da diversidade e do respeito às diferenças). (p.54) De acordo com a pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 96,5% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito. Com relação ao preconceito étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3% com relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial. (VIEIRA, 2008) Este mesmo autor registra que segundo o coordenador do trabalho, José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), a pesquisa conclui que as escolas são ambientes onde o preconceito é bastante disseminado entre todos os atores. "Não existe alguém que tenha preconceito em relação a uma área e não tenha em relação a outra. A maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de