O documento discute os desafios da Ciência Aberta em garantir que o conhecimento gerado por amplas redes colaborativas seja preservado como um bem comum, e não expropriado pelo capital. Também analisa diferentes licenças abertas e suas abordagens para equilibrar o acesso público e a sustentabilidade dos commons científicos.
Tema de redação - As dificuldades para barrar o casamento infantil no Brasil ...
A proteção da produção colaborativa como bem comum
1. Beatriz Cintra Martins
Doutora em Ciências da Comunicação
NEXT/ICICT/Fiocruz
A proteção da produção colaborativa como
bem comum no contexto da Ciência Aberta
2. Problema
• As práticas abertas de pesquisa científica,
pensadas como um recurso para ampliar ao
máximo o acesso e a troca entre cientistas,
podem acabar tendo como maiores
beneficiários as corporações que tem
capacidade de processar grande volume de
dados
3. Problema
• Mais visível em contextos específicos:
– Hackerspaces
– Comunidades de afetados
– Consórcios para pesquisa de doenças
negligenciadas
4. Problema
• De que forma garantir a preservação do
conhecimento gerado a partir de uma ampla
articulação de redes sociotécnicas como um
bem comum frente à sua potencial
expropriação pelo capital?
5. Ciência e capitalismo
• A hipótese do capitalismo cognitivo
– Novo modelo de trabalho
• Informação, conhecimento, cooperação e comunicação
– O conhecimento é o cerne da geração de riqueza
• Inovação é o maior valor da atualidade
6. Ciência e capitalismo
• A acumulação e formação do lucro se dão a partir
do conhecimento e da inovação (Moulier Boutang,
2011)
– A comunicação em rede amplia as trocas e a articulação
de redes sociotécnicas – constituição de um saber social
geral
– Grandes corporações processam o Big Data – extraem
informações de dados abertos e criam inovações
fechadas com patente
7. Ciência e capitalismo
• Embate entre duas posições antagônicas:
– movimentos que lutam pelo reconhecimento do
conhecimento como uma produção social
abundante e comum
– forças que investem em sua validação como um
recurso escasso e privado
8. Ciência e capitalismo
• O regime de direitos de propriedade intelectual é a
ferramenta para garantir a apropriação privada do
conhecimento:
– Expansão de práticas fechadas na pesquisa científica
durante as últimas décadas:
– Encarecimento do acesso a periódicos fechados
– Crescimento da figura da patente
– Dados fechados etc etc
9. Movimento Ciência Aberta
• Reação a esse quadro em prol da produção
coletiva e aberta que garanta maior retorno
social, com combate às barreiras artificiais:
– Acesso aberto
– Dados científicos abertos
– Hardware aberto etc etc
10. Movimento Ciência Aberta
• Sem negar o tremendo avanço que representa, é
preciso indagar sobre sua dimensão política:
– o que se projeta no horizonte é a maior democratização da
ciência tendo em vista o bem comum ou somente sua maior
produtividade sem considerar os riscos de privatização?
– conhecimento para que e para quem?
11. A sustentabilidade dos Commons
• Hardin (1968) – é preciso haver gestão pública ou privada
dos recursos comuns, ou estes serão devastados
• Ostrom (1990) – a autogestão é a estratégia mais eficiente,
mas depende de critérios, como:
– limites claramente definidos da comunidade envolvida
– monitoramento do comportamento dos participantes
– escala de sanções graduais para quem viole as regras
comunitárias
12. Commons
• Recursos de uso compartilhado
• Benkler: um tipo particular de arranjo institucional no
qual não há uso exclusivo e cuja gestão é feita pela
própria comunidade
• Significa, antes de tudo, liberdade:
– as liberdades individuais, a democracia e a inovação têm a
ganhar com a mais ampla circulação dos bens
13. Commons
• Pasquinelli critica a acepção de Benkler:
commons estão intrinsicamente conectados à
matéria, às máquina e aos corpos
• São constituídos através de trabalho, dor, risco,
perda e conflito
• Propõe a noção tática de commons autônomo
14. Commons autônomo
• Permite não só o consumo passivo, mas o uso produtivo do
estoque comum
• Questiona o papel e a cumplicidade dos commons na economia
global
• Está consciente da assimetria entre commons materiais e
imateriais e o impacto da acumulação imaterial sobre a produção
material
• Considera os commons como um espaço híbrido que deve ser
dinamicamente construído e defendido
15. Licenças alternativas
• Têm papel chave na preservação do bem comum
em produções colaborativas
• No âmbito da Ciência Aberta já existem diretrizes
sobre o uso de licenças
• Panton Principles: adoção de licenças que liberem
os dados da pesquisa acesso, uso e processamento
sem restrições de ordem financeira, legal ou técnica
– CC0 e similares
16. Licenças alternativas - GPL
• General Public License, software livre (Richard Stallman)
• As quatro liberdades:
– executar o programa
– estudar como o programa funciona
– redistribuir cópias
– aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos,
de modo que toda a comunidade se beneficie
17. Licenças alternativas - GPL
• Modelo aberto de compartilhamento do
conhecimento em prol de seu maior
desenvolvimento
• Preservação do patrimônio comum: todas as obras
derivadas devem ser licenciadas da mesma forma
para impedir sua apropriação por iniciativas
proprietárias
• Cada novo desenvolvimento no programa passa a
fazer parte do acervo comum, contribuindo para
um permanente crescimento dos commons
18. Licenças alternativas - CC
• Creative Commons (Lawrence Lessig)
– É possível montar variações da licença de acordo com os
seguintes atributos:
• uso comercial ou não
• transformação da obra ou não
• compartilha igual ou não
– Crítica à CC:
• Resguarda o princípio de propriedade intelectual
• O criador é priorizado frente ao consumidor
19. Licenças alternativas -
Copyfarleft
• Copyfarleft (Dmytri Kleiner):
– Regras diferentes para classes diferentes:
• Uma para os que estão inseridos na produção coletiva
(inclusive uso comercial)
• Outra para quem empregue trabalho assalariado na
produção
20. Licenças alternativas -
Copyfarleft
• Exemplo: Peer Production License
– apenas pessoas envolvidas em projetos autogestionários
podem compartilhar e adaptar a produção, inclusive para
uso comercial
– mas não entidades comerciais privadas que usem mão
de obra assalariada
21. Licenças alternativas – CERN
OHL
• CERN Open Hardware Licence
– Inspirada na GPL
– qualquer um pode ver a fonte (do design do hardware, no
caso), estudá-la, modificá-la e compartilhá-la
– mesma licença nas obras derivadas para assegurar o acesso da
comunidade às obras derivadas
22. Licenças alternativas - OSDD
• Termo de uso do consórcio Open Source Drug Discovery
(OSDD)
– inclusão da figura da Protected Collective Information
– todos os dados do portal estão registrados como PCI
– a PCI pertence unicamente a OSDD, que assim mantém o controle
sobre seu uso e gestão
23. Licenças alternativas - OSDD
• A visão do consórcio:
– “uma iniciativa para proporcionar cuidados médicos para o mundo a
preços acessíveis através de uma plataforma global onde as melhores
mentes podem colaborar e resolver coletivamente problemas
complexos relacionados à descoberta de novas terapias”
• E a sua missão:
– “tornar medicamentos acessíveis e disponíveis a todas as pessoas do
mundo em desenvolvimento. Nosso objetivo é trazer abertura e
espírito colaborativo em todo o processo de descoberta de drogas, com
o objetivo de mantê-las a baixo custo”
24. Licenças alternativas - OSDD
• Os termos de uso preveem:
– atribuição de autoria
– permissão de modificações
– uso comercial
– até mesmo a aquisição de propriedade intelectual sobre
trabalho derivado
– mas tudo deve ser cedido de volta sem ônus para a OSDD
25. Licença alternativa - OSDD
• Enfrenta o desafio de oferecer uma plataforma
aberta, propícia ao desenvolvimento de pesquisa
colaborativa entre pesquisadores de todo o mundo –
de estudantes de graduação a doutores –, ao mesmo
tempo em que estabelece limites e restrições para
impedir a mera expropriação dos commons pela
iniciativa privada
26. Finalizando...
• Inegável a importância do movimento Ciência Aberta no
contexto contemporâneo de disputa entre a crescente
mercantilização da ciência e a luta por sua constituição como
um bem comum
• No entanto, é preciso atentar para a capacidade do capital de
se apropriar da produção colaborativa em rede, sem
contrapartida
• Com este trabalho, ainda exploratório, esperamos abrir
espaço para o aprofundamento desta discussão.