2. Sophia e a Poesia “Encontrei a poesia antes de saber que havia literatura. Pensava que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, que eram como que um elemento natural, que estavam suspensos, imanentes. E que bastaria estar quieta, calada e atenta para os ouvir. (…) Deixar que o poema se diga por si, sem intervenção minha (ou sem intervenção que eu veja), como quem segue um ditado (que ora é mais nítido, ora mais confuso), é a minha maneira de escrever. (…)” Sophia de Mello Breyner Andresen Dia da poesia a braços com o PNL
3. O poema me levará no tempo Quando eu já não for eu E passarei sozinha Entre as mãos de quem lê. O poema alguém o dirá Às searas Sua passagem se confundirá Com o rumor do mar com o passar do vento O poema habitará O espaço mais concreto e mais atento No ar claro nas tardes transparentes Suas sílabas redondas (Ò antigas ó longas Eternas tardes lisas) Mesmo que eu morra o poema encontrará Uma praia onde quebrar as suas ondas E entre quatro paredes densas De funda e devorada solidão Alguém seu próprio ser confundirá Com o poema no tempo. Sophia de Mello Breyner Andresen Dia da poesia a braços com o PNL
4. O POETA POR ELE PRÓPRIO “Não se escreve com emoções; escreve-se com a memória. Como um oleiro, ao trabalhar num vaso, quando escrevo estou só preocupado em transformar essa memória em palavras, em música. “ Sentir, sinta quem lê”, como dizia o Fernando Pessoa.” Eugénio de Andrade, in Jornal de Letras, Artes e Ideias, 29 de Novembro de 2000 Dia da poesia a braços com o PNL
5. “Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite. O amor da transparência é a minha fraqueza, mas a minha força também. Quanto a mim, gosto das palavras que Sabem a terra, a água, aos frutos de fogo do Verão, aos barcos no vento; gosto das palavras lisa como seixos, rugosas como o pão de centeio. Palavras que cheiram a feno e a poeira, a barro e a limão, a resina e a sol.” Eugénio de Andrade, Poética, introdução ao folheto da exposição “Eugénio de Andrade – 30 anos de trabalho”, de 22 de Outubro a 5 de Novembro de 1976. Dia da poesia a braços com o PNL
6. VER CLARO Toda a poesia é luminosa, até a mais obscura. O leitor é que tem às vezes, em lugar de sol, nevoeiro dentro de si. E o nevoeiro nunca deixa ver claro. Se regressar outra e outra vez e outra vez a essas sílabas acesas ficará cego de tanta claridade. Abençoado seja se lá chegar. Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede. Dia da poesia a braços com o PNL
7. “ O poema começa pela biografia. A um primeiro nível, o poema conta o próprio poeta. Só depois o poema se debruça para si próprio, se sistematiza uma poética.” Nuno Júdice, Prefácio a “Noção de poema”, Cadernos de Poesia. Dia da poesia a braços com o PNL
8. Assim, o que um poeta faz com as palavras, ao tocá-las com os dedos, não é só o que o músico faz com os sons ou o pintor com as cores. As palavras, cuja composição espessa cimenta o cérebro e lhe dá peso, não se reduzem às matérias visual e acústica respectiva- mente da cor e do som. A queda desamparada do sentido para dento de um pequeno espaço de escrita, assim como a súbita relação estabelecida entre esse facto e a minha consciência dele, desde logo ampliam o horizonte expressivo do poema. E se o raciocínio e o gesto, em parte, não entram nele, não quer isto dizer que uma (outra) razão, talvez mais profunda, o inspire e penetre. É que ela não se manifesta expressamente pois, pelo contrário, só no seu aspecto oculto e “longínquo” se revela - imediatamente - o Poético. Nuno Júdice, Obra Poética (1912-1989) Dia da poesia a braços com o PNL
10. Autopsicografia O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama o coração. FERNANDO PESSOA, 1/4/1931 Dia da poesia a braços com o PNL
11. ISTO Dizem que finjo ou minto Tudo o que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação Não uso o coração. Tudo o que sonho ou passo. O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio Do que não está o pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê! FERNANDO PESSOA, Abril 1933 Dia da poesia a braços com o PNL
12. Meus versos são meu sonho dado. Quero viver, não sei viver, Por isso, anónimo e encantado, Canto para me pertencer. O que salvamos, o perdemos. O que pensamos, já o fomos. Ah, e só guardamos o que demos E tudo sermos quem não somos. Se alguém sabe sentir meu canto Meu canto eu saberei sentir. Viverei com minha alma tanto Tanto quanto antes vivi. FERNANDO PESSOA, Agosto 1930 Dia da poesia a braços com o PNL
13. SER POETA Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor É não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de ouro e de cetim… É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente … É seres alma, sangue, e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente! Florbela Espanca, Charneca em Flor (1930) Dia da poesia a braços com o PNL
14. Na poesia natureza variável das palavras, nada se perde ou cria, tudo se transforma: cada poema no seu perfil incerto e caligráfico, já sonha outra. Carlos de Oliveira, “Sobre o lado esquerdo”. Dia da poesia a braços com o PNL
15. Deixa-me ver friamente a realidade nua sem ninfas de iludir ou violinos de lua. Vai-te, poesia! Não transformes o mundo descarnado e terrível num céu de esquecer com mendigos de nuvens famintos de estrelas e feridas a cheirarem a cravos - enquanto os outros, os de carne verdadeira, uivam em vão a sua fome de cadelas e de pão. Vai-te, poesia! Deixa-me ver a vida exacta e intolerável neste planeta feito de carne humana a chorar onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos com bandeiras de lume nos olhos, para fabricar sonhos carregados de dinamite de lágrimas. Vai-te, poesia! Não quero cantar. Quero gritar. José Gomes Ferreira, Poesia III, 6ª ed., Ed.Diabril, 1975 Dia da poesia a braços com o PNL
16. “Peguem num poema e leiam-no. Não é preciso mais nada.” Eugénio de Andrade, in Público, 21 de Junho de 2001. Dia da poesia a braços com o PNL Richard Clayderman- Feelings