1. Augusto de Franco
E uma
nova
proposta!
Um balanço das
metodologias de indução
do desenvolvimento local
2. Existe algum problema com as
metodologias de desenvolvimento local?
Ao longo das últimas décadas foram detectados diversos
problemas práticos e teóricos com as metodologias de
indução os promoção do desenvolvimento local.
3. A origem dos problemas
Dessintonia com a sociedade-em-rede
De modo geral, essas tecnologias ou metodologias, em todas
as suas versões e denominações, revelaram-se, em grande
parte, em dessintonia com os conhecimentos, que só ficaram
disponíveis nas duas últimas décadas, sobre a sociedade em
rede que está emergindo e sobre a fenomenologia da
interação social.
4. Problemas práticos
Descontinuidade institucional
Quando tais metodologias são aplicadas por organizações
cujos titulares têm um mandato, a troca desses dirigentes em
geral causa incontornável descontinuidade nos processos. Em
instituições governamentais isso acontece com mais
freqüência. Mas também ocorre quando as metodologias são
aplicadas por outras organizações empresariais e sociais
(cujos dirigentes são eleitos).
5. Problemas práticos
Descontinuidade operacional
Para ser aplicadas em uma localidade as metodologias
dependem de um agente de desenvolvimento (com este ou
qualquer outro nome) que deve ser capacitado, em geral, fora
da localidade. Em muitos casos, quando tal agente abandona
a localidade após o processo de implantação, a experiência
costuma ser descontinuada.
6. Problemas práticos
Descontinuidade financeira
Em geral há dificuldade de custear o trabalho dos agentes de
desenvolvimento pelo período que seria realmente
necessário (que não se pode saber qual é de antemão e que
varia de localidade para localidade). Por outro lado, os
formatos das metodologias impõem níveis de exigência que
em geral não se coadunam com a natureza do trabalho
voluntário (e esse é um problema também de ordem teórica).
7. Problema de fundo
Insuficiência ou impotência da teoria
Quando as metodologias de indução ou promoção do
desenvolvimento local foram desenhadas, não havia
suficiente clareza de que capital social nada mais é do que a
rede social.
8. Problema teórico de fundo
Desconhecimento da fenomenologia das redes
A nova ciência das redes, com o status que tem hoje (análise
de redes sociais + redes como sistemas dinâmicos complexos
+ redes como estruturas que se desenvolvem), só surgiu na
primeira década do presente século e só no final dessa
década foram tiradas as primeiras inferências práticas do
novo conhecimento da fenomenologia das redes.
9. Problema teórico de fundo
Desconhecimento de netweaving
Antes de meados da década de 2000 havia pouquíssimo
conhecimento sobre netweaving (articulação e animação de
redes). Algumas metodologias que surgiram a partir da
metade da primeira década deste século tentaram enfrentar
os vários problemas decorrentes dessa contingência com
relativo sucesso. Mas não deram conta de resolvê-los
totalmente, nem adequadamente.
10. Problemas teóricos
Hierarquias não podem articular redes
As metodologias de indução do desenvolvimento local foram
pensadas originalmente como programas para ser aplicados
por alguma instituição hierárquica (um governo, uma
organização da sociedade, uma empresa, uma corporação).
Ora, organizações hierárquicas dificilmente podem articular e
animar redes.
11. Problemas teóricos
O sujeito é a rede, não a instituição
O sujeito do desenvolvimento local não pode ser a instituição
que aplica a metodologia e sim a rede do desenvolvimento
comunitário que se articula no local, a qual deve ter
autonomia para introduzir qualquer tipo de modificação que
julgar conveniente (o que, se bem que estivesse previsto em
princípio por boa parte das metodologias, nunca foi
totalmente digerido pelas instituições hierárquicas que as
aplicavam, que tendiam a se julgar meio donas do processo).
12. Problemas teóricos
Programas proprietários fechados
As metodologias de indução do desenvolvimento local foram
pensadas como programas stricto sensu, programas
proprietários. Os passos metodológicos fundamentais – aliás,
universalmente adotados pelas diversas das estratégias de
desenvolvimento local – permaneceram mais ou menos os
mesmos: visão de futuro participativa => diagnóstico
participativo => plano participativo.
13. Problemas teóricos
Interação, não participação
Redes são ambientes de interação, não de participação. Se o
desenvolvimento é encarado como uma espécie de
metabolismo da rede comunitária, então ele não pode ser
emulado (nem simulado) por processos participativos. Seria
necessário ensejar uma dinâmica interativa, com o aumento
da distributividade e da conectividade das redes que se
formam em cada localidade.
14. Problemas teóricos
Oligarquias participativas
O desenvolvimento comunitário é uma dinâmica emergente e
não um processo planejado top down (e mesmo quando é
planejado por uma parcela de pessoas – as chamadas
“lideranças” – da própria localidade, ele continua sendo um
processo de escolha de caminhos compartilhado por poucas
pessoas, que acabam se constituindo como uma espécie de
oligarquia participativa e impondo, ainda que docemente,
suas visões aos demais de cima para baixo).
15. Problemas teóricos
Reunionismo
Como os processos foram desenhados com base na
participação, eles estimularam o assembleísmo e o
reunionismo: tudo sempre acabava em uma reunião...
16. Problemas teóricos
Deficit de interatividade
As próprias metodologias viraram uma seqüência de
reuniões, com data e hora marcada, em vez de estimular a
conexão cotidiana das pessoas por todos os meios: visitas,
conversas presenciais, encontros lúdicos em happy hours e
festas, equipes de trabalho nas quais as pessoas vivem sua
convivência, troca de e-mails, telefonemas, interação em
plataformas interativas e... jogos!
17. Problemas teóricos
Deficit de netweaving
Ocorre que reuniões são péssimos instrumentos de
netweaving, sobretudo quando só acontecem se convocadas
e conduzidas por agentes externos.
18. Problemas teóricos
Nunca há uma (única) visão de futuro
Não se pode induzir uma localidade a adotar uma (única)
visão de futuro. São sempre várias visões, mesmo dentro de
cada uma das comunidades de projeto que se formam em
uma localidade.
19. Problemas teóricos
Não há um (único) plano de desenvolvimento
As visões de futuro variam com o tempo, não havendo um
caminho único para um futuro desejado e compartilhado em
determinado momento (o momento em que esse passo das
metodologias é aplicado). Não pode haver, portanto, um
plano como mapa do caminho para se alcançar tal futuro.
21. Problemas teóricos
Necessidades em vez ativos e de desejos
O público ativo (que na verdade deveria ser o sujeito,
composto pelos agentes endógenos) do desenvolvimento
local, acabou sendo formado mais com base nas necessidades
das pessoas envolvidas do que nos seus ativos e nos seus
sonhos ou desejos. De sorte que esses participantes
voluntários locais se confundiam, em grande parte, com o
público-alvo da assistência social e com os beneficiários dos
programas de transferência de renda.
22. Problemas teóricos
Clusterização da pobreza
Os fóruns de desenvolvimento local acabaram sendo
compostos por pobres, não raro mantendo-os confinados em
seus clusters de pobreza, sem muitos atalhos, sem muitas
conexões para fora.
23. Problemas teóricos
Visão ultrapassada da pobreza
O processo induzido que leva a aglomeração de pobres é
contraditório com uma estratégia de superação da pobreza
baseada em redes, segundo a qual a pobreza deve ser
encarada como insuficiência de conexões – ou atalhos para
fora dos ambientes em que se clusteriza – antes de ser
tomada como insuficiência de renda; ou seja, como se diz, “o
pobre é pobre porque seus amigos são pobres”.
24. Problemas teóricos
Falta de liberdade dos agentes endógenos
Pessoas pobres, consumidas pelo trabalho, têm pouco tempo
livre e pouca disposição para empregá-lo em atividades
voluntárias. O pouco tempo que lhes resta – aos que
trabalham fora, em geral os homens – é dedicado ao
descanso, à convivência familiar e ao lazer. Esse é um dos
motivos das reuniões contarem com uma maioria de donas
de casa: mesmo tendo que cuidar dos filhos e das tarefas
domésticas, elas permanecem mais tempo na localidade.
25. Problemas teóricos
Falta de diversidade sócio-econômica e cultural
Não comparecem em número significativo estudantes
universitários, professores, profissionais liberais, empresários,
técnicos e executivos governamentais, dirigentes de ONGs,
ciberativistas e jovens empreendedores, o que dificulta a
realização autônoma de certas tarefas técnicas bem como o
emprego de tecnologias interativas de informação e
comunicação que hoje são vitais nesses processos (como uma
plataforma digital).
26. Reinventando o processo
Não adianta insistir nesse tipo de metodologia
A natureza dos problemas apontados revela que não basta
produzir mais uma versão ou uma atualização das
metodologias de indução ou promoção do desenvolvimento
local. Faz-se necessário reinventá-las. Isso deve ser feito a
partir de um pressuposto básico e de novos fundamentos.
27. Reinventando o processo
A comunitarização é o pressuposto básico
O pressuposto básico é o processo de comunitarização que
acompanha a glocalização atualmente em curso.
28. Reinventando o processo
Fundamento: novas dinâmicas sociais interativas
Os novos fundamentos dizem respeito às novas dinâmicas
sociais interativas que estão emergindo na transição da
sociedade hierárquica para uma sociedade em rede.
29. Dez medidas para reinventar o processo
Auto-organização comunitária
Deixar de ser uma metodologia de indução e passar a ser um
processo capaz de apostar na auto-organização comunitária,
ensejando a precipitação da nova fenomenologia das redes
distribuídas, de uma nova dinâmica de inovação social que
possa ser interpretada como desenvolvimento.
30. Dez medidas para reinventar o processo
Nada de roteiro imposto
Deixar de ser um roteiro imposto de ações seqüenciadas ou
de passos previamente desenhados para obtenção de
resultados previsíveis, esperados ou desejados.
31. Dez medidas para reinventar o processo
Nada de programa de oferta
Eliminar as características de um programa de oferta e, para
tanto, desestimular a formação de comunidades compostas
por pessoas com pouca diversidade econômica, social e
cultural e incentivar o empreendedorismo individual e
coletivo e o fund raising em rede lançando mão de novos
processos mais compatíveis com as dinâmicas de rede (como
o crowdfunding).
32. Dez medidas para reinventar o processo
Tirar a reunião do centro da atividade
Desestimular as reuniões formais para discutir qualquer
assunto, substituindo-as por processos coletivos e dialógicos
e, sobretudo interativos, de criação, de invenção e de
realização de atividades comuns compartilhadas.
33. Dez medidas para reinventar o processo
Estimular o lúdico
Estimular as atividades lúdicas, as brincadeiras, as festas e
outras formas de celebração da convivência, incentivando a
presença de crianças e idosos em todas as atividades.
34. Dez medidas para reinventar o processo
Abrir mão do comando-e-controle e do rankismo
Abolir, até onde for possível, quaisquer formas e mecanismos
de comando-e-controle, inclusive aquelas disfarçadas como
sistemas de monitoramento e avaliação. E também não
aceitar rankings e comparações entre experiências de
desenvolvimento local, assim como afastar a inútil e
contraproducente idéia de best practices.
35. Dez medidas para reinventar o processo
Todos os agentes devem ser voluntários
Ser aplicada por agentes de desenvolvimento voluntários da
própria localidade, que – ao invés de serem ensinados em
salas de aula, por professores – constituam inicialmente uma
comunidade de aprendizagem em rede sobre netweaving.
36. Dez medidas para reinventar o processo
Software livre
Nunca ser um programa proprietário de uma instituição
hierárquica mas um software livre que possa ser
reprogramado e rodado em localidades que reúnam certas
características, por iniciativa de qualquer comunidade de
aprendizagem (composta para começar por, pelo menos, três
pessoas). O papel das instituições interessadas em promover
tal processo deve ser apenas o de transferir a tecnologia
social (ou a metodologia).
37. Dez medidas para reinventar o processo
Estimular a interação e a conexão dentro e fora
Estimular a conexão e a interação entre as diversas
comunidades de vizinhança, de aprendizagem, de projeto e
de prática que se formaram dentro de um mesmo ambiente
territorial e entre diversos ambientes territoriais (situados em
qualquer lugar do país e do mundo).
38. Dez medidas para reinventar o processo
Nada de trabalho ou pena: diversão, jogo!
Não ser mais um trabalho, a execução de uma rotina imposta
heteronomamente, mas uma diversão, um jogo, um creative
social game ao qual as pessoas aderem por que acham
bacana, interessante e útil (mas não como uma tábua de
salvação ou uma liturgia a que tenham que se submeter,
como se tivessem que pagar um preço para obter alguma
coisa, ainda que seja para aumentar sua qualidade de vida ou
conquistar melhorias para sua localidade).
39. Reinventando o processo
Tomar como base as redes sociais distribuídas
A introdução dessas mudanças desconstitui completamente o
que até agora se chamou de metodologia (de promoção ou
indução) do desenvolvimento local. Reinventa essas
metodologias em quaisquer de suas versões ou adaptações,
mas reinventa também todas as metodologias assemelhadas
ou voltadas ao mesmo objetivo. Aliás, nenhuma dessas
metodologias – no Brasil ou em outros países – foram ou são
baseadas em redes sociais distribuídas.
40. Bases para um novo processo
Pessoas, não instituições
O processo é baseado em pessoas e não em instituições
internas ou externas à localidade. Redes sociais acontecem
quando pessoas interagem. Interação é, basicamente,
adaptação, imitação e cooperação.
41. Bases para um novo processo
Viver a convivência
As pessoas constituem uma comunidade quando vivem sua
convivência de modo a gerar uma identidade.
42. Bases para um novo processo
Constituir comunidades livres
O processo visa a constituir comunidades (no plural) dentro
da localidade. Essas comunidades de vizinhança poderão ser
de aprendizagem, de projeto ou de prática. Sua formação é
livre, não orientada (a não ser para a realização de uma
agenda-meio contendo instrumentos e ferramentas de auto-
aprendizagem e de auto-desenvolvimento).
43. Bases para um novo processo
O desejo
Pessoas podem se conectar para aprender qualquer coisa que
julguem útil ou que estejam a fim de aprender (como inglês
ou permacultura).
44. Bases para um novo processo
Outra vez o desejo
Pessoas podem se conectar para elaborar ou executar um
projeto (como a montagem de um telecentro ou a construção
de uma horta comunitária). Ou para iniciar um negócio.
45. Bases para um novo processo
Ainda o desejo
Pessoas podem se conectar para desenvolver conjuntamente
uma atividade, temporária ou permanente (como limpar um
córrego, promover festas ou administrar um centro
comunitário ou fundar uma empresa).
46. Bases para um novo processo
Sempre o desejo
E – não menos importante – pessoas podem se conectar para,
simplesmente, desfrutar a vida e se comprazer na convivência
com outras pessoas...
Brincar, cantar, tocar instrumentos e dançar, comer e beber,
namorar, celebrar e comemorar (festejar), aprender, se
divertir, jogar, compartilhar histórias e experiências, dar e
receber presentes, colaborar e ajudar, co-criar, compartilhar
uma mística ou espiritualidade.
47. Bases para um novo processo
Inicialmente e finalmente... o desejo!
Pessoas têm desejos. Abrem então comunidades para
aglomerar outras pessoas que têm os mesmos desejos (ou
desejos congruentes). Isso é tudo.