1. C6 CORREIO POPULAR CADERNO C
Campinas, domingo, 17 de março de 2013
Jane Austen, influente após 200 anos Divulgação
ba exagerando no perfil dos
/ LITERATURA / personagens, estereotipando-
Obra da autora de os.”
Orgulho & Filmes
Preconceito As obras de Jane Austen são
de domínio público, facilitan-
mostra do o aparecimento de tanto
material sobre suas obras.
longevidade ao Tanto que todos os seis livros
servir de tema mais conhecidos da autora
têm versões cinematográfi-
para novos livros e cas. Além do citado no início
do texto, existe uma versão
motivar encontros de Orgulho e Preconceito de
e comunidades 1940, tendo Greer Garson e
Laurence Olivier como o ca-
sal protagonista. Já Emma
Thompson e Kate Winslet são
Fábio Trindade duas irmãs obrigadas a mu-
DA AGÊNCIA ANHANGUERA dar-se para o campo após a
fabio.silveira@rac.com.br morte do pai no filme de Ang
Lee, de 1995, Razão e Sensibi-
Passaram-se 200 anos desde lidade. Gwyneth Paltrow tam-
a primeira publicação de Or- bém já se envolveu com proje-
gulho e Preconceito, a obra tos sobre Jane Austen, quan-
mais famosa da escritora in- do viveu a bonita e inteligen-
glesa Jane Austen. Mesmo as- te jovem que presencia sua
sim, a cada ano, são vendidas governanta se casar com o
50 mil cópias do romance — pai viúvo e resolve bancar o
considerado pela própria au- cupido para as pessoas que a
tora como “seu filho querido” cercam em Emma, de 1996.
— apenas no Reino Unido, Já em Amor e Inocência (Be-
onde continua sendo um dos coming Jane), de 2007, Anne
livros mais lidos. Exatamente A professora Adriana Zardini, autora do blog Jane Austen Brasil, junto a placa que indica museu dedicado à escritora, em Bath, Inglaterra Hathaway interpreta a pró-
por isso, Orgulho e Preconcei- pria Jane Austen antes da fa-
to já ganhou diversas versões ma. No filme, ela vive um ro-
para a TV e cinema, sendo o mance com um jovem advo-
filme homônimo de 2005, es- gado irlandês, que acabaria
trelado por Keira Knightley e por inspirar seus livros e o fa-
Matthew Mcfadyen, a mais moso personagem Sr. Darcy.
conhecida. O longa foi indica- E existe ainda O Clube de Lei-
do a quatro Oscar, incluindo tura de Jane Austen, também
o de Melhor Atriz para Keira. de 2007. No longa, um grupo
de mulheres se reúne para
Autora ainda inspirou discutir os livros de Jane Aus-
ten e procurar neles soluções
série satírica de terror para suas próprias vidas. Tu-
e tese de doutorado do muda quando um ho-
mem, fã de ficção científica,
Mas são muitas as produ- se une a elas, causando tu-
ções inspiradas na obra. A re- multo.
de BBC, que jamais deixaria
passar tanta popularidade, Comunidade
fez duas versões televisivas de A comunidade no (quase ex-
livros dela e prepara uma ter- tinto) Orkut chamada Orgu-
ceira. A primeira veio na déca- lho e Preconceito reunia mi-
da de 1970, mas a mais mar- lhares de fãs de Jane Austen e
cante é a de 1995, que trans- do filme homônimo de 2005.
formou Colin Firth em objeto Durante os muitos tópicos so-
do desejo das mulheres em bre a escritora, há alguns
uma memorável cena em anos, a professora Adriana
que aparece de camisa molha- Zardini percebeu que as pes-
da para a amada. “Algo im- soas tinham as mesmas dúvi-
pensável para Jane Austen e das sobre a inglesa e a obra.
para a época dela”, acrescen- “Na época, a única fonte em
ta Maria Clara Biajoli, pesqui- Anne Hathaway no papel de Jane Austen no filme Amor & Inocência (2007), exemplar da safra cinematográfica inspirada na autora português era o Wikipédia”,
sadora especializada em Jane lembra. Para tentar ajudar
Austen, inclusive com um fãs, como acontece normal- aqueles que se interessavam
projeto de doutorado sobre a mente”, analisa a pesquisado- pela autora, assim como ela,
escritora na Universidade Es- ra. Entre outros títulos inusita- Adriana montou, em 2008, o
tadual de Campinas (Uni- dos, então Sense and Sensibili- blog Jane Austen Brasil, o pri-
camp). “Tem uma autora, ty and Sea Monsters (Razão e meiro em português. “Come-
Abygail Reynolds (também Sensibilidade e Monstros Mari- cei fazendo análises, até por-
britânica), que se espe- nhos), Emma and the We- que me formei em Letras,
cializou em escrever versões rewolves (Emma e os Lobiso- mas a coisa foi crescendo de
de Orgulho e Preconceito no mens) e Mansfield Park and uma forma que eu jamais po-
estilo ‘E Se’. Ela pega determi- Mummies (Mansfield Park e deria imaginar.”
nadas situações do original e as Múmias). Atualmente, o site ultrapas-
muda o desfecho. Por exem- sa mil visitas diárias e, em ja-
plo: e se a Elizabeth Bennet ti- Tons de Darcy neiro deste ano, Adriana orga-
vesse aceitado o primeiro pe- A trilogia erótica Cinquenta nizou o quarto encontro na-
dido de casamento do Sr. Dar- Tons de Cinza, que vem sen- cional de fãs de Jane Austen.
cy? E ela conta a história a do “aproveitada” pelos opor- “O primeiro encontro foi em
partir daí, mudando detalhes. tunistas de plantão e ganhan- 2009 e teve 15 pessoas. No de
E nessa, já são uns oito livros Domínio público da obra do divertidas paródias sobre janeiro, foram três dias e ultra-
assim só inspirados em Orgu- possibilitou série satírica a quente relação sadomaso- passamos cem pessoas em ca-
lho e Preconceito”, conta Ma- que funde histórias quista entre Christian Grey e da um, que vieram de vários
ria Clara. originais com elementos de Anastasia, também foi asso- lugares do Brasil.” A propos-
O problema, segundo a terror, como Orgulho e ciada a Jane Austen no livro ta, segundo Adriana, é discu-
pesquisadora, é que a autora Preconceito e Zumbis Cinquenta Tons do Sr. Darcy tir Jane Austen, tanto que
tenta imitar o estilo de Aus- Maria Clara Biajoli tem projeto de doutorado sobre a escritora (tradução de Natalie Gerhar- muitos trabalhos e teses fo-
ten, além de acrescentar, de dt, Bertrand Brasil, 307 pági- ram apresentados, “projetos
forma mais escrachada que a nas, R$ 27,00). que terão continuidade acadê-
BBC, cenas eróticas e explíci- Assinado por pseudôni- mica”, diz. “A nossa metodo-
tas do relacionamento do ca- mos, o livro pega o famoso logia foi copiada inclusive pe-
sal. “Uma construção muito personagem de Orgulho e Pre- la Itália, pela Espanha, que
questionável.” conceito para criticar a obra são países que acabaram de
Abygail Reynolds é apenas de E.L. James. A história se criar suas próprias socieda-
uma, entre centenas, que passa na época da obra de des de Jane Austen como a
usam os seis conhecidos li- Austen, na Inglaterra do co- nossa.”
vros de Jane Austen para criar meço do século 19, e, por sa- O que encanta a professo-
a própria história — os outros ber que nesse período os pra- ra nos livros de Austen é que,
livros, além de Orgulho e Pre- zeres da carne não eram tão a cada leitura, ela consegue
conceito, são Razão e Sensibili- explícitos, o autor se segura observar novos detalhes, o
dade, Mansfield Park, Emma, nas cenas, mas a capa, por que gera, automaticamente,
Persuasão e A Abadia de Nor- exemplo, traz as botas de Dar- novas analogias. “Os sobreno-
thanger. E, nessa salada de A atriz Kate Winslet em cena do cy e um chicote. mes dos personagens são ex-
continuações, as mais absur- longa Razão & Sensibilidade Participantes de encontro nacional sobre Jane Austen tremamente simbólicos, cada
das histórias nascem, inspira- Projeto um com um significado. Não
das, muitas vezes, na moda Maria Clara coleciona as inú- tenho como entrar na cabeça
do momento. SAIBA MAIS meras versões de Jane Austen dela para saber o que real-
Para se ter uma ideia, en- que encontra, “passam de mente ela quis passar, mas
tre os livros bizarros basea- Jane Austen nasceu em 16 de 100”, afirma, mas alerta que sinto que ela foi deixando di-
dos em Jane Austen, o mais dezembro de 1775, em Steventon, na dificilmente algo é bom, tan- cas para a gente compreen-
conhecido é Pride and Preju- Inglaterra. De uma família pertencente to que ela, no projeto desen- der a sua obra.” Adriana cita
dice and Zombies (Orgulho e à burguesia agrária, sua situação e volvido na Unicamp, analisa o sobrenome Mansfield, do li-
Preconceito e Zumbis), de Se- ambiente serviram de contexto para essas obras. Um deles é Mr. vro Mansfield Park. “Vendo
th Grahame-Smith. Curiosa- todas as suas obras, cujo tema gira Darcy’s Diary (O Diário de Sr. um programa sobre a escravi-
mente, ele é escrito por um em torno do casamento da Darcy), de Amanda Grange, dão na Inglaterra, descubro
homem, já que Austen é con- protagonista. A inocência dos livros de que traz exatamente a mes- que um Lord Mansfield foi
siderada feminista, e tem o Austen é apenas aparente, pois é ma história de Orgulho e Pre- um dos pioneiros em julgar
nome da inglesa indicado co- interpretada de várias maneiras por conceito, porém contada pela casos de libertação dos escra-
mo coautora na capa. especialistas. Os meios acadêmicos a visão do herói Sr. Darcy. Escri- vos, dando a causa a favor de-
“A proposta é uma mistura têm considerado uma escritora ta em forma de diário, a auto- les. E isso foi na época que
do texto do original, copiado conservadora, apesar de a crítica ra ganha espaço para criar as ela viveu e escreveu as
ao pé da letra, com novas fra- feminista atual reconhecer em suas reflexões de Darcy que não obras.” A professora é tão fã
ses que inserem uma invasão obras uma dramatização do há no original pelo fato de es- que decidiu visitar a casa on-
de zumbis na Inglaterra. Mas pensamento sobre a educação da te ser narrado do ponto de vis- de Jane Austen viveu seus últi-
ele foi pensado, desde o iní- mulher. A escritora morreu no ano de ta de Elizabeth. “Amanda mos anos na Inglaterra, no vi-
cio, comercialmente. Foi es- 1817, aos 41 anos. (FT/AAN) Grange tenta manter o estilo larejo de Chawton. “É o que
crito para vender, e não por de escrita de Austen mas aca- toda fã sempre sonhou.”