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Jornal do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná
Ano 18. Número 102. Novembro/Dezembro de 2009
ENERGIA ELÉTRICA
Muito além do apagão
Um blecaute que traz à memória os tempos de apagão e racionamento esquenta as
trocas de acusações entre presidenciáveis. Enquanto isso, questões de fundo
permanecem intocadas: por que pagamos tão cara por uma energia barata para
produzir? E como fica a situação dos atingidos pelas barragens?
Entrevistas: Roberto D’Araújo, pesquisador do Iuperj Rubens Ghilardi, presidente da Copel
Robson Sebastian Formica, coordenador estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens Páginas 3 a 16
Assinatura da tarifa Veja imagens do jantar
Em defesa do engenheiro promovido pelo Senge-PR
básica da telefonia fixa
para comemorar o Dia do
Copel e Sanepar aprovam Participação nos subiu 7.000% desde Engenheiro 2010 em Curitiba;
Acordos Coletivos de Resultados segue Plano Real, revela estudo evento reuniu mais de
Novembro/Dezembro de 2009
Trabalho indefinida na Sanepar 1
do Dieese 500 pessoas
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Carta do presidente SINDICATO DOS ENGENHEIROS
NO ESTADO DO PARANÁ SENGE-PR
Filiado à Federação Interestadual
O apagão tarifário Diretor-Presidente
Valter FANINI
de Sindicatos de Engenheiros
Com algum atraso, você tem em Embora tenhamos um parque Vice-Presidente
Ernesto Galvão Ramos de CARVALHO
mãos esta edição de O Enge- produtor de energia majorita- Diretor-Secretário
nheiro, atraso que se explica. Des- riamente hidrelétrico, e em grande Ulisses KANIAK
de que pautamos o tema principal parte com investimentos de implan- Diretor-Secretário Adjunto
Marcos Valério de Freitas ANDERSEN
deste número, a política energética tação já amortizados, passamos, Diretor Financeiro
brasileira, buscamos ouvir fontes após as privatizações, a pagar tari- LÍdio Akio SASAKI
oficiais a respeito. A intenção era fas condizentes com uma eletrici- Diretor Financeiro Adjunto
Jorge Irineu DEMÉTRIO
ouvir respostas a perguntas que nós, dade muito mais cara, como a ge-
engenheiros, preparamos. Entretan- rada em usinas termoelétricas. O Diretores
Valter Fanini ADRIANO Luiz Ceni Riesemberg, Antonio Cezar Quevedo
to, após longa espera, este jornal che- que explica tal extravagância? A GOULART, CLODOMIRO Onésimo da Silva, Décio José ZUFFO,
ga aos leitores sem que tenhamos conseguido resposta está nas privatizações. A pressão dos EDISON Samways Junior, ERASMO Felix Benvenutti Filho,
qualquer resposta dos órgãos federais respon- investidores em busca de lucros cada vez GERALDO Rocha de Barros, GISLENE Lessa, JOÃO GUILHERME
Iansen Baptista, Joel KRUGER, José da Encarnação LEITÃO, Luiz
sáveis pela questão enérgica nacional. Ou seja, maiores inflou as tarifas. Adicione-se a isso o Antônio CALDANI, MARGIT Hauer, PAULO SIDNEI Carreiro Ferraz,
que o Ministério de Minas e Energia (MME), “erro matemático” recentemente descoberto ROLF Gustavo Meyer, ROSANA Scaramella, SANDRA Cristina
Lins dos Santos, WILSON Uhren
a Empresa de Planejamento Energético (EPE) na fórmula de reajuste tarifário. E, lembremos,
e a Agência Nacional de Energia Elétrica o aumento de tarifas não foi acompanhado Sede Rua Marechal Deodoro, 630, 22.º andar.
Centro Comercial Itália (CCI). CEP 80010-912
(Aneel) respondessem a um punhado de de investimentos na mesma proporção. Fenô- Tel./fax: (41) 3224 7536. senge-pr@senge-pr.org.br
questões elaboradas por engenheiros do setor, meno semelhante, aliás, se observa em diver-
componentes da diretoria do Senge-PR, e por sos setores da economia brasileira. Caso, por Diretores Regionais
Roberto Menezes MEIRELLES (Campo Mourão)
nossa Assessoria de Comunicação. É uma exemplo, das telecomunicações. Um estudo HÉLIO Sabino Deitos (Cascavel)
pena. Ao contrário do que vimos fazendo nas do Senge-PR e do Dieese constatou que a ROGÉRIO Diniz Siqueira (Foz do Iguaçu)
últimas edições, desta vez publicamos apenas assinatura básica da telefonia fixa subiu ORLEY Jayr Lopes (Francisco Beltrão)
WILSON Sachetin Marçal (Londrina)
as críticas e os apontamentos de especialistas, 7.000% desde a privatização. SAMIR Jorge (Maringá)
sem que haja o necessário contraponto. Outro problema que pouco se discute na Carlos SCIPIONI (Pato Branco)
É importante lembrarmos que as entre- imprensa brasileira é o dos atingidos pelas bar- Campo Mourão Avenida Capitão Índio Bandeira, 1400,
vistas com o engenheiro eletricista Roberto ragens. Por isso, abrimos espaço nesta edição sala 607, Centro, 87300-000.
Tel./fax: (44) 3523 7386. campomourao@senge-pr.org.br
d’Araújo e o presidente da Copel, Rubens para um belo, pungente texto deAntonio Cezar
Ghilardi, foram feitas antes do blecaute que Quevedo Goulart, diretor do Sindicato, relatar Cascavel Rua Paraná, 3056,
sala 703, Centro, 85801-000.
atingiu boa parte do Brasil em novembro suas impressões de audiências públicas que Tel./fax: (45) 3223 5325. cascavel@senge-pr.org.br
passado. Portanto, elas não tratam daquele tratam da construção de centrais hidrelétricas Foz do Iguaçu Rua Almirante Barroso, 1293,
episódio, mas apenas do risco de um possível no Sudoeste do Paraná. Também entrevista- loja 9, Centro, 85851-010
apagão, similar ao que vivemos em 2001. É mos um dos coordenadores do Movimento Tel./fax: (45) 3574 1738. fozdoiguacu@senge-pr.org.br
preciso dizer que um blecaute, como o de no- dos Atingidos por Barragens no Paraná. Francisco Beltrão Rua Palmas, 1800,
vembro, se deve a alguma falha no sistema Que fique claro que o Senge-PR não se loja D, Centro, 85601-650.
Tel./fax: (46) 3523 1531. franciscobeltrao@senge-pr.org.br
integrado nacional. Já um apagão como o de opõe, por princípio, à construção de usinas
2001 deve-se a um desligamento intencional hidrelétricas — por enquanto, a alternativa Londrina Rua Senador Souza Naves, 282,
sala 1001, Centro, 86010-170.
por falta de energia suficiente para atender à mais econômica e ambientalmente viável para Tel./fax: (43) 3324 4736. londrina@senge-pr.org.br
demanda. produzir energia no Brasil. Mas também não Maringá Travessa Guilherme de Almeida, 36,
Todavia, o risco de um novo racionamento, se pode fechar os olhos ao drama que elas cj.1304, Centro, 87013-150.
como em 2001, não está exatamente eliminado impõem a centenas de milhares de brasileiros. Tel./fax: (44) 3227 5150. maringa@senge-pr.org.br
de nosso horizonte. Ghilardi, por exemplo, vê Expor as bandeiras do MAB, dos atingidos, Pato Branco Rua Guarani, 1444,
riscos potenciais, principalmente devidos a uma só irá contribuir para que nosso modelo de sala 1, Centro, 85501-050.
Tel./fax: (46) 3225 2678. patobranco@senge-pr.org.br
possível retomada vigorosa do crescimento produção de energia se torne também social-
econômico brasileiro, caso o epicentro da crise mente responsável. Acredito que o Sindicato
econômica tenha ficado no nosso espelho pode respaldar o Movimento em suas justas
retrovisor. Se a falta de planejamento e a reivindicações. É preciso que a energia gerada Publicação bimestral do Sindicato
privatização de parte considerável do sistema por novos empreendimentos leve seus dos Engenheiros no Estado do Paraná
elétrico brasileiro nos conduziram a um apagão benefícios às comunidades afetadas. Não é Editor responsável Rafael Martins (Reg. Prof. 3.849 PR)
por falta de energia para suprir a demanda, é isso que, necessariamente, acontece hoje. Ilustrações e diagramação Alexsandro Teixeira Ribeiro
bom lembrar que o poder do capital privado Finalmente, aproveito para deixar os votos Fale conosco comunica@senge-pr.org.br
— que já se instalara no Sistema à época do de um bom 2010 a todos os engenheiros e Artigos assinados são de responsabilidade dos autores.
O Senge-PR permite a reprodução do conteúdo deste
racionamento — gerou um apagão bem menos profissionais que representamos no Senge- jornal, desde que a fonte seja citada.
comentado na mídia. Estamos falando do PR. Um grande abraço da diretoria e da equipe Fotolitos/impressão Reproset
apagão da lógica tarifária. de profissionais do Sindicato. Tiragem 12 mil exemplares
2 O Engenheiro n.º 102
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Energia elétrica
O apagão oculto
Enquanto o recente blecaute que deixou no escuro boa parte do Brasil serve de
combustível à sucessão presidencial, os verdadeiros problemas do setor elétrico
brasileiro seguem sem discussão. Por que pagamos preços de energia gerada
por termoelétricas se nossa base de produção são hidrelétricas já amortizadas?
E a quem serve a energia produzida por novas usinas, que deixam chagas
incontornáveis na vida dos milhares de brasileiros atingidos pelas barragens?
O recente blecaute originado de uma falha um racionamento imposto à maior parte dos blecaute de novembro, a assessoria de impren-
no sistema integrado de energia fez com que consumidores. sa do Ministério sequer respondeu aos emails
os holofotes da mídia brasileira se voltassem D’Araújo não crê numa repetição desse e telefonemas do Senge-PR.
ao sistema elétrico brasileiro. A maciça cenário. Ghilardi discorda. Para ele, a Esta série de reportagens sobre a energia
cobertura da imprensa sobre o caso, entretanto, retomada do crescimento acelerado do País também aborda outro tema que pouca ou ne-
pouco ou nada tratou das distorções do modelo traz o risco de um novo apagão. “Ainda que o nhuma atenção recebe da mídia brasileira —
energético do País, que tem como principal Brasil escape de um novo racionamento, o a situação dos desalojados pelas inundações
matriz geradora as hidrelétricas, mas que cobra custo financeiro e ambiental disso não seria dos reservatórios das hidrelétricas. O Movi-
dos consumidores tarifas desproporcionalmente desprezível, pois todas as usinas térmicas mento de Atingidos por Barragens (MAB)
caras, como se a eletricidade viesse de usinas seriam colocadas no limite de produção”, estima que mais de 1 milhão de brasileiros já
termoelétricas. avalia. tiveram que deixar suas terras por causa disso.
É o que afirmam, em entrevistas exclusivas Embora o presidente Luiz Inácio Lula da
ao Senge-PR, o engenheiro eletricista Roberto Silva (PT) admita que o País tem uma dívida
D’Araújo e o presidente da Copel, Rubens histórica com os atingidos, as compensações
Ghilardi. “Um brasileiro paga em ainda são poucas. “Para as empresas de
média, sem impostos, o dobro do energia, atingido é só quem tem em seu
que gasta um morador de Que- nome a escritura da terra alagada. Des-
bec, no Canadá, já incluídos os considera-se os direitos de arrendatários,
tributos. Ou seja — uma família parceiros, quilombolas, indígenas, assen-
pobre do Maranhão gasta 50% tados de reforma agrária, posseiros e
a mais que um morador de To- meeiros”, argumenta Robson Sebas-
ronto”, afirma D’Araújo, autor tian Formica, coordenador do MAB.
de alguns livros sobre o setor Se são grandes os efeitos sociais
elétrico brasileiro. da construção de hidrelétricas, é pre-
“Não são os encargos setori- ciso que a sociedade discuta e defina
ais nem os subsídios os vi- o que será feito da energia produzida,
lões da cara eletrici- defende ele. “Vemos muitos projetos
dade brasileira. A voltados basicamente à produção de
responsabilidade é eletricidade para exportação a regiões
da decisão de privatizar as empresas, medida As perguntas apresentadas pelo Senge-PR distantes”, lamenta. Enquanto isso, os atingidos
que não agregou um único quilowatt à potência a D’Araújo e Ghilardi também foram feitas vivem dramas pessoais e familiares por vezes
instalada no País, mas que deu origem às ao Ministério das Minas e Energia (MME) e incontornáveis, narra Antonio Cezar Quevedo
pressões dos investidores para a elevação das à Agência Nacional de Energia Elétrica Goulart, diretor do Senge-PR. Ele participou
tarifas”, crava Ghilardi. (Aneel). Nenhum dos dois as respondeu. A de audiências públicas com milhares de
As duas entrevistas foram feitas antes do Aneel informou que a maior parte das infor- pequenos agricultores que vivem às margens
blecaute de novembro, que deixou no escuro mações teria de partir do MME, e que não do Rio Chopim, no Sudoeste paranaense.
boa parte do País, a partir de uma falha ainda teria tempo hábil para responder às questões Gente que está prestes a perder a casa, a terra
não esclarecida no sistema elétrico. Não se que lhe cabem. O MME também não e as raízes por conta de três novas usinas
tratou, entretanto, de um apagão com o de 2001 conseguiu responder a tempo do fechamento hidrelétricas. A conclusão de Goulart é a
— fruto da insuficiência de oferta de desta edição — bastante postergado de forma mesma questão proposta pelo MAB: para que,
eletricidade ante a demanda, contornada com a receber tais esclarecimentos. Após o e para quem, irá servir toda a energia produzida?
Novembro/Dezembro de 2009 3
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“Compramos energia elétrica
a preço de termoelétrica”,
critica Roberto D’Araujo
Brasileiros de regiões pobres pagam duas vezes mais pela eletricidade,
sem impostos, que um canadense de Quebec, com impostos, compara
autor de “Setor Elétrico Brasileiro — Uma Aventura Mercantil”, publicado
pelo projeto Pensar o Brasil, do Confea
Arquivo pessoal
O Brasil é o único país do são regidos pelo velho regime de serviço
mundo com matriz público ou serviço pelo custo. Lá, se o serviço
energética hidrelétrica está sendo prestado a contento, o regulador
que cobra tarifas equi- mantém a concessão, aplicando a tarifa que
valentes às de uma remunera os ativos não amortizados, sejam
nação abastecida privados ou estatais”, diz.
por sistemas termoelétricos — que são muito “É preciso salientar que as agências
mais caros —, afirma o engenheiro eletricista reguladoras americanas têm mais de um
Roberto D’Araujo, em entrevista exclusiva a século de existência e empregam mais de 100
O Engenheiro. Ele é autor do livro “Setor mil especialistas. Aqui, as agências são
Elétrico Brasileiro — Uma Aventura claramente ineficientes e foram imaginadas
Mercantil”, lançado pelo projeto Pensar o como apêndices de um processo de priva-
Brasil, do Confea. D’Araujo também é tização feito às pressas. Aqui, se privatizou
coautor de “O Brasil à luz do apagão” e “A empresas antes da existência da Aneel. A
reconstrução do setor elétrico brasileiro”. legislação que criou esses órgãos só estava
“Para que se tenha ideia de quanto nos preocupada com os contratos de concessão.
distanciamos dos países com semelhança na Há uma CPI das tarifas no congresso que
matriz hidráulica, um brasileiro paga em está apurando as ineficiências da Aneel nas
média, sem impostos, o dobro do que paga tarifas dos estados brasileiros, e os resultados
um morador de Quebec, no Canadá, com parciais são preocupantes”, lamenta D’Arau-
impostos. Um ‘baixa renda’ do Maranhão jo. “Não foi preciso privatizar empresas
paga 50% a mais do que um morador de estatais e a energia nunca foi tão privada.”
Toronto ou o mesmo que um ‘alta renda’ do Roberto Pereira D’Araujo é engenheiro
Texas”, explica D’Araujo. eletricista e mestre em Engenharia de
“Lógico que a tarifa brasileira é mais baixa Sistemas e Controles pela Pontifícia
do que a da Itália ou do Japão, mas há sentido Universidade Católica do Rio de Janeiro
nessa comparação? É correto comparar (PUC-Rio). É pós-graduado em Operação e
sistemas de produção totalmente distintos? Planejamento de Sistemas de Energia pela
Culpa-se a carga tributária e encargos, mas Waterloo University, do Canadá. Foi chefe
mesmo sem impostos e subsídios, a tarifa é do Departamento de Estudos Energéticos e
alta para os padrões de renda e para a matriz de Mercados de Furnas Centrais Elétricas, e
brasileira”, critica o estudioso. diretor do Instituto de Desenvolvimento
“Os principais sistemas com matrizes Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina) entre
energéticas semelhantes à brasileira adotaram 1999 e 2004. Atualmente, é professor no
modelagem diferente da nossa, caso do MBA da Coppe na área de Petróleo.
Canadá e da maioria dos estados norte- Leia a entrevista.
americanos. Sabendo-se que a vida útil de
uma hidroelétrica ultrapassa em muito um Senge-PR — Poucas estatais
contrato de concessão, esses sistemas ainda Araújo:privatizações são anteriores à regulação do mercado sobraram no setor depois da passagem
4 O Engenheiro n.º 102
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do “tufão neoliberal” pelo País, antes do “estatizante” além de eliminar o conceito de pioneira nessa experiência, também
governo Lula. Essas empresas convivem “justa remuneração”, exige que a concessão reconhece que uma série de custos
com uma série de dificuldades: limitação seja feita “sempre por licitação”. Outros inexistentes apareceu e as regras ficaram
para levantar recursos de financiamento, consideram que a lei 8.987 abre uma brecha cada vez mais complexas. A maioria dos
a referência das empresas privadas, a para a prorrogação. Acho que é preciso que encargos brasileiros surgiu após a reforma
proibição de participar de alguns fiquemos atentos, pois, dados os altos níveis de 1995.
processos — a Copel não pode entrar no tarifários, o governo pode eleger mais uma Senge-PR — A energia elétrica no
leilão da CTEEP. Por que até hoje se impõe vez as estatais para “pagar o pato”. Assim Brasil possui um dos menores custos de
uma gama de restrições às empresas como ocorreu no leilão liquidação de 2004, produção em relação à outros países, mas
públicas? A intenção é privatizá-las? que resultou em preços ridículos para as os encargos setoriais, tributos e subsídios
Roberto Araújo — É verdade que hoje estatais federais, agora, pode-se prorrogar as tarifários são dos maiores do mundo,
não há a intenção de se privatizar empresas concessões à custa de uma baixíssima superam 50% da tarifa. Quais medidas
públicas. Entretanto, a onda liberalizante da remuneração das estatais. deveriam ser tomadas para uma redução
década de 90 apenas se “transmutou” na gradual?
“
privatização da energia. Afinal, foi no atual Araújo — Para que se tenha ideia de
governo que o mercado livre se expandiu para Culpa-se a carga quanto nos distanciamos dos países com
cerca de 30% do consumo total do sistema tributária e encargos, mas semelhança na matriz hidráulica, um brasileiro
interligado. Lá há uma enorme falta de mesmo sem impostos e paga em média, sem impostos, o dobro do
transparência. O atual governo também que paga um morador de Quebec no Canadá,
manteve a figura jurídica do produtor subsídios, a tarifa é alta com impostos. Um “baixa renda” do
independente de energia, que está livre das para os padrões de renda e Maranhão paga 50% a mais do que um
regras do serviço público. Lembre-se também para a matriz brasileira. morador de Toronto ou o mesmo que um “alta
que a expansão do sistema está sendo feita renda” do Texas. Lógico que a tarifa brasileira
principalmente por empresas privadas.
Penso que, para baixar é mais baixa do que a da Itália ou do Japão,
Quando há a participação de empresas tarifa, seria necessária uma mas há sentido nessa comparação? É correto
públicas, exige-se a associação minoritária. profunda crítica ao modelo comparar sistemas de produção totalmente
Pelas queixas dos empresários que entram distintos? Culpa-se a carga tributária e
nos leilões sem a parceria de empresas
implantado. Não acredito encargos, mas mesmo sem impostos e
estatais, elas estão assumindo taxas de retorno que essa reflexão será feita, subsídios, a tarifa é alta para os padrões de
muito baixas, o que causaria uma competição uma vez que a concepção renda e para a matriz brasileira. Penso que,
não isonômica. Enfim, não foi preciso para baixar tarifa, seria necessária uma
privatizar empresas estatais, e a energia nunca
mercantil é uma opção profunda crítica ao modelo implantado. Não
ideológica do governo
”
foi tão privada. acredito que essa reflexão será feita, uma
Senge-PR — Existe uma ameaça vez que a concepção mercantil é uma opção
velada de privatização das estatais, com Senge-PR — Os aumentos das tarifas ideológica do governo.
a revisão das concessões. Há chances de nos últimos doze anos foram muito mais Senge-PR — Quando se inclui na
estendê-las sem uma nova licitação? altos que os principais índices de preços remuneração tarifária um limite de gastos
Araújo — Esse é um dos resquícios do do Brasil. Quais as medidas necessárias com pessoal, cria-se uma interferência
modelo privatizante-mercantil não reformado para minimizar o impacto do preço da indireta nas relações trabalhistas das
pelo atual governo. É importante esclarecer energia na estrutura de preços dos empresas do setor. Na prática, empresas
que os principais sistemas com matrizes produtos e serviços? demitem e cortam benefícios para se
energéticas semelhantes à brasileira não Araújo — Muitas foram as razões: adaptar ao padrão imposto pelo modelo.
adotaram essa modelagem. Os exemplos indexação pelo Índice Geral de Preços- O custo social e o risco técnico que isso
mais importantes são o Canadá e a maioria Mercado (IGP-M), (em que 60% da causa são compensados por uma
dos estados americanos. Evidentemente, composição são preços no atacado, que “modicidade tarifária” que sequer temos?
sabendo que a vida útil de uma hidroelétrica sofrem grande influência do câmbio; assim, Araújo — Essa é outra realidade herdada
ultrapassa em muito um contrato de o IGP-M repassa as variações cambiais para para a qual o governo fecha os olhos. O nível
concessão, esses sistemas ainda são regidos o preço das tarifas, o que sustenta a receita de terceirização nos serviços públicos
pelo velho regime de serviço público ou em dólares das concessionárias) reajustes concedidos é alarmante. Na realidade, isso é
serviço pelo custo. Lá, se o serviço está sendo tarifários da ordem de 30% por conta da um sobrecusto para o consumidor, que recebe
prestado a contento, o regulador mantém a queda de mercado pós-racionamento, um serviço pior. Afinal, o serviço de uma
concessão aplicando a tarifa que remunera permissão para contratação de usinas do concessionária não se limita à venda de
os ativos não amortizados, sejam privados ou próprio grupo da distribuidora por preços até energia. Existem claros indícios de que o
estatais. No caso brasileiro, há uma grande 120% das tarifas das empresas estatais, método de revisão tarifária via “empresa de
discordância sobre o que seria necessário obrigadas a descontratar, erros primários nas referência” não funciona. Basta analisar o
fazer para a prorrogação. Alguns juristas fórmulas de reajustes apontados pelo Tribunal índice lucro/patrimônio das distribuidoras para
acham que será necessária uma alteração de Contas da União (TCU) e até hoje não encontrar lucratividades de até 100%.
na constituição, pois, ironicamente, a carta de corrigidos. Além disso, o modelo mercantil Senge-PR — O mercado livre se
1988, considerada por muitos como custa mais caro, mesmo. A própria Inglaterra, apropria de cerca de 25% da energia >>
Novembro/Dezembro de 2009 5
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Acervo Eletrobras Termonuclear
>> elétrica disponível, a preços muito abaixo
dos valores de referência das
concessionárias. Quais medidas poderiam
ser tomadas para neutralizar o
desequilíbrio tarifário atualmente
existente?
Araújo — Qualquer técnico conhecedor
do modelo de operação sabe que, no sistema
brasileiro, há uma enorme probabilidade de
que o preço no mercado de curto prazo se
situe em valores baixos. É uma singularidade
ligada à nossa natureza tropical. Portanto,
quem atua formando “oferta” através de
contratos de curto prazo tem grande
vantagem. Muitas medidas poderiam ser
tomadas, como por exemplo, capturar ganhos
excessivos para quem atua nesse segmento.
Mas “ganho excessivo” é um conceito ligado
à filosofia de serviço pelo custo.
A ideologia de mercado não aceita tal
interferência. Portanto, lamentavelmente, o
mercado cativo deve continuar patrocinando
indiretamente essa vantagem estrutural
totalmente indevida, pois, afinal, ela advém
da exuberância das nossas afluências. Na
minha opinião, as usinas podem ser privadas,
mas a água e os ganhos que se originam na
exuberância das afluências deveriam ser da
sociedade.
Senge-PR — O Brasil corre risco de
um novo apagão, caso seja retomado
efetivamente o crescimento econômico do
País?
Araújo — Na realidade, ninguém pode
dizer que estamos 100% livres de
racionamento. O senso comum subestima a
variabilidade das afluências brasileiras.
Mesmo com a ocorrência de hidrologia crítica,
não acredito numa repetição de 2001. Mas o
crescimento econômico não se freia só com
racionamento. As tarifas altas também tornam
o Brasil uma exceção. Somos o único país
hidroelétrico com tarifas de país termoelétrico.
Senge-PR — Em artigo publicado em
edição do jornal O Engenheiro de
Outubro/Novembro de 2008, o engenheiro
Ivo Pugnaloni informa que a Aneel tem
apenas 12 engenheiros para analisar mais
de 27 mil MW em projetos de grandes e
pequenas hidrelétricas, alguns encalhados
há mais de cinco anos. Isso é o
equivalente a um terço do que o Brasil
tem instalado, hoje. Além disso, Pugnaloni
diz que a Aneel jamais emitiu um termo de
intimação obrigando a construção de uma
Pequena Central Hidrelétrica autorizada.
Por isso, criou-se um mercado paralelo
de venda de autorizações. Por que isso
acontece? O que é possível e preciso fazer
para resolver o problema? Por que a Angra 3: com legislação confusa, País deve priorizar térmicas, e não nucleares, como alternativa às hidrelétricas
6 O Engenheiro n.º 102
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burocracia é maior para as hidrelétricas
que para as termoelétricas?
Araújo — Dado o tamanho do nosso
território, a complexidade do sistema e a
Brasil poderia ter tarifa
mais baixa do mundo,
diversidade de situações regionais, a
insuficiência da equipe da Aneel chega às raias
do ridículo. Existem estados que ainda não
têm regulação local e portanto não há
convênios com a Aneel. É preciso salientar
que as agências reguladoras americanas têm
mais de um século de existência e empregam
mais de 100 mil especialistas. Aqui, as
diz presidente da Copel
agências são claramente ineficientes e foram
imaginadas como apêndices de um processo Rubens Ghilardi diz que sistema de pool de
de privatização feito às pressas. Aqui, se
privatizou empresas antes da existência da energia puniu estados que, como o Paraná,
Aneel. A legislação que criou esses órgãos investiram na produção de energia hidrelétrica.
só estava preocupada com os contratos de
concessão. Há uma CPI das tarifas no Privatização do sistema elétrico é origem de todo
congresso que está apurando as ineficiências
da Aneel nas tarifas dos estados brasileiros,
o problema, afirma
e os resultados parciais são preocupantes.
Não conheço o caso específico das PCH’s, A instituição do sistema de pool de ele- festival de equívocos praticado no
mas conheço a seriedade do engenheiro tricidade puniu o Paraná e os para- setor elétrico brasileiro não estaria
Pugnaloni e reconheço que há todas as naenses por historicamente terem completo se não fosse adotado um
condições para o que ele relata ser verdade. investido na construção de hidre- modelo operacional absoluta-
Senge-PR — A construção de Angra létricas, afirma o presidente da Co- mente inadequado, semelhante ao
3 é muito questionada, face a outras pel, Rubens Ghilardi. “Em lu- inglês, que no Brasil produziu
alternativas de produção de energia gar de nos beneficiarmos do verdadeiras aberrações.”
elétrica. Qual seu posicionamento quanto baixo custo de produção das usinas que nós “E não devemos nos esquecer que o
à utilização da energia nuclear para mesmos construímos, estamos repartindo essa modelo tarifário foi alterado: de tarifa pelo
produção de energia elétrica? vantagem com os outros estados ajudando a custo, passamos à tarifa pelo preço. O
Araújo — Essa é a pergunta mais difícil diluir o preço médio da energia vendida para resultado foi uma apropriação indevida,
de responder, porque envolve investimentos já fornecimento pelo pool”, afirma o dirigente criando essa distorção de mercado livre. Se
realizados em Angra 3 e a confusa questão da estatal paranaense de energia em fosse mantida a metodologia de cálculo de
ambiental. Dada a enorme resistência à entrevista exclusiva ao Senge-PR. tarifas utilizado anteriormente, o Brasil teria
construção de novas hidroelétricas com “Não vejo a questão dos encargos a energia elétrica mais barata do mundo, pois
reservatório de regularização, acho que vamos setoriais, os tributos ou mesmo os subsídios a maior parte do seu parque gerador já está
precisar de mais geração térmica. como os reais vilões da eletricidade brasileira quase que totalmente amortizado”, diz
Lamentavelmente, ao imaginar que cara. A responsabilidade maior é, sim, da Ghilardi.
hidroelétricas são apenas fábricas de kWh, decisão de privatizar as empresas, medida que Leia a entrevista.
estamos perdendo a oportunidade de integrá- não agregou um único quilowatt à potência
las às realidades locais e, com uma visão instalada no País e, como era evidente que Senge-PR — A energia elétrica no
puramente mercantilista, nos confrontando com iria acontecer, deu origem às pressões dos Brasil possui um dos menores custos de
os previsíveis interesses locais. Se, na atual investidores para a elevação das tarifas”, produção em relação a outros países, mas
situação, a atenção mundial se voltar para a argumenta. os encargos setoriais, tributos e subsídios
emissão de gases de efeito estufa, as nucleares “A vantagem competitiva que o Brasil tarifários são dos maiores do mundo,
estão em vantagem. Mas, diante desse confuso dispunha de ter eletricidade barata obtida dos superam 50% da tarifa. Quais medidas
quadro, ainda estamos na estaca zero na rios foi perdida, e hoje os brasileiros pagam deveriam ser tomadas para uma redução
conservação e eficiência energética. Por uma das tarifas mais caras do mundo, mais gradual?
exemplo, classificar eletrodomésticos com cara que a de países cuja base de geração é Rubens Ghilardi — O grande problema,
letras, como faz o Procel no Brasil, não impede térmica. Isso é incompreensível e inaceitável”, o que originou todas as atuais distorções
que um aparelho ineficiente seja adquirido e lamenta Ghilardi. tarifárias, foi a decisão equivocada do governo
usado. Japão, Estados Unidos, Austrália e Na origem do problema está a FHC de privatizar as empresas elétricas. E
outros países adotam o Minimum Energy privatização do sistema elétrico, afirma. “E tão errada quanto essa decisão foi o momento
Performance Standard, que é uma espécie de tão errada quanto a decisão de privatizar foi em que ela foi implementada, pois a ação
“licenciamento” de um produto. Se não tiver sua implementação sem preparação e antecedeu a preparação e o planejamento.
uma performance mínima estabelecida e planejamento. Produziu-se um fato novo antes Ou seja, produziu-se um fato novo antes de
fiscalizada, não pode ser comercializado. Essa de suas regras e regulamentos estarem suas regras e regulamentos estarem prontos.
é a usina mais barata que existe. prontos”, diz o dirigente da Copel. “Mas o Mas o festival de equívocos praticado no setor >>
Novembro/Dezembro de 2009 7
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Arnaldo Alves/AEN
“
>> elétrico brasileiro não estaria completo se não
fosse adotado um modelo operacional O sistema de pool
absolutamente inadequado, o modelo inglês. nos obriga, como empresa
Na Inglaterra, onde a base da geração de geradora, a vender a
eletricidade é térmica, e não hídrica, ele pode
até funcionar, mas no Brasil produziu eletricidade que produzimos
verdadeiras aberrações. A maior delas é a um único ente e, no
incentivar a proliferação de termelétricas com momento seguinte, como
elevadíssimo custo de produção que, além dos
custos ambientais e do ônus estratégico empresa distribuidora, a
representado pela dependência do com- comprar desse ente a
bustível, seja gás natural, óleo ou carvão mine- eletricidade de que
ral, acabam sendo remuneradas via tarifa pe-
los consumidores, onerados mesmo que tais
precisamos para atender
termelétricas permaneçam desativadas. aos nossos consumidores.
Não vejo a questão dos encargos setoriais, A diferença verificada entre
os tributos ou mesmo os subsídios como os
reais vilões da eletricidade brasileira cara. A
o mix dos preços pelos
responsabilidade maior é, sim, da decisão de quais vendemos a nossa
privatizar as empresas, medida que não produção e o mix dos preços
agregou um único quilowatt à potência
instalada no País e, como era evidente que
pelos quais compramos nossa
iria acontecer, deu origem às pressões dos necessidade é o custo
investidores para a elevação das tarifas. do sistema de pool para
Nenhum investidor estrangeiro veio ao Brasil
o cliente da Copel
por patriotismo. É lógico que eles querem
máximas taxas de retorno, repatriando seus
lucros. Por conta disso, a vantagem com-
petitiva que o Brasil dispunha de ter
”
produzimos a um único ente e, no momento
seguinte, como empresa distribuidora, a
eletricidade barata obtida dos rios foi perdida, comprar desse ente a eletricidade de que
e hoje os brasileiros pagam uma das tarifas precisamos para atender aos nossos
mais caras do mundo, mais cara que a de consumidores. A diferença verificada entre
muitos países cuja base de geração é térmica. o mix dos preços pelos quais vendemos a
Isso é incompreensível e inaceitável. nossa produção e o mix dos preços pelos quais
Senge-PR — Que prejuízos trouxe compramos nossa necessidade é o custo do
para o estado do Paraná a obrigação de sistema de pool para o cliente da Copel.
adesão ao pool, impedindo a Copel Senge-PR — Existe uma ameaça
Distribuição de comprar direto da Copel velada de privatização das estatais, com
Geração? a revisão das concessões. Quais as datas
Ghilardi — A instituição do sistema de críticas? Como o Paraná se prepara para
pool, bem como a adesão compulsória a ele, evitar a perda destas concessões e, por
simplesmente puniu o Paraná e os conseguinte, de seu patrimônio?
paranaenses por historicamente terem Ghilardi — A questão do que fazer ao
investido na construção de hidrelétricas. Em término do prazo das concessões que já não
lugar de nos beneficiarmos do baixo custo de admitam renovação ou prorrogação é algo
produção das usinas que nós mesmos que deve há muito tempo estar tirando o sono
construímos, estamos repartindo essa das autoridades do setor elétrico brasileiro.
vantagem com os outros estados ajudando a Simplesmente não há uma definição do que
diluir o preço médio da energia vendida para deva ou vá ser feito. Mas quando a primeira
fornecimento pelo pool. Foi uma grande concessão nessas condições expirar, e isso
injustiça praticada contra os interesses do é, sem trocadilho, mera questão de tempo,
Paraná, e com a qual o governador Roberto será preciso que já exista uma regra. A ela
Requião jamais se conformou. Se as usinas deverão se submeter todos os detentores de
da Copel gerassem eletricidade para consumo concessão no sistema elétrico, sejam eles
no Paraná e não para esse mercado nacional, agentes públicos ou privados. A Copel está
certamente a tarifa de energia de seus clientes, atenta, acompanhando todas as discussões
que já é a menor do país, seria ainda mais em torno do assunto. Estamos prontos para
barata. colaborar com críticas e sugestões. E também
O sistema de pool nos obriga, como para impedir que o interesse dos paranaenses,
empresa geradora, a vender a eletricidade que proprietários da Copel, seja contrariado.
8 O Engenheiro n.º 102
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Senge-PR — A Aneel faz referência são desconsiderados na cadeia de quando o número de empregados foi reduzido
determinações claras com relação à composição de custos do serviço e deixam à metade, mas a atual gestão veio a recompor
política salarial e trabalhista do setor? Isto de ser contemplados, ao menos integralmente, o quadro. Hoje, o total de empregados está
influi na retirada de benefícios dos na definição da nova tarifa. nos mesmos patamares do ano de 1998.
trabalhadores? As empresas estão Mas o que efetivamente move as relações Senge-PR — A Cemig, empresa do
perdendo sua autonomia em gerenciar de trabalho entre empregador e empregado setor mais parecida estruturalmente com
recursos humanos? O custo social e o é a busca do equilíbrio econômico e financeiro a Copel, tem ampliado seus ativos e sua
risco técnico que isso causa são da empresa, sem perder de vista a área de atuação. Por que a Copel tem
compensados por uma “modicidade rentabilidade adequada para seus acionistas tanta dificuldade em fazer novos
tarifária” que sequer temos? e a valorização dos empregados. Da mesma investimentos?
Ghilardi — Creio que essa questão não forma que seria inaceitável promover uma Ghilardi — Diferentemente da Cemig,
esteja sendo claramente entendida. A Aneel elevação nas tarifas para engordar os ganhos a Copel deve ser majoritária em qualquer
não interfere diretamente na política de salários dos acionistas, também não seria razoável novo negócio que ela pretenda participar. Essa
nem na relação de emprego das companhias elevar gastos – entre eles, os de pessoal – obrigação foi estabelecida pela Lei Estadual
do setor, pois não é seu papel nem tem ela que pudessem interferir na manutenção desse 14.286, de 9 de fevereiro de 2004. Claro que
poderes para isso. O que a Aneel faz é mencionado equilíbrio. isso limita o leque de oportunidades para novos
estabelecer parâmetros sob a forma da tal O ponto a observar é que tudo acaba se investimentos da Copel, mas também garante
“empresa de referência”, ente hipotético que refletindo no bolso de quem paga a conta de a primazia do interesse da população
operaria num determinado mercado com uma luz. Não existe mágica. Também é importante paranaense sobre interesses de qualquer
estrutura de custos e de pessoal considerada observar que a Copel de hoje, como empresa outra natureza, impedindo que a Companhia
“ideal”, que seria comparada com a estrutura estatal preocupada com os seus empregados, volte a se envolver em parcerias “nebulosas”
de custos e de pessoal da empresa real. Os não tem planos de demissões visando reduzir como as que foram feitas até o ano de 2002.
indicadores que fugirem ao que a Aneel custos de pessoal, como a iniciativa privada. E mesmo a Cemig, citada como exemplo,
considerar razoável em sua empresa de Ela já teve, em passado relativamente recente, não é o melhor parâmetro de boa estratégia >>
Arnaldo Alves/AEN
Hidrelétrica do Fundão, construída pela Copel no Rio Jordão em 2005: atualmente, empresa constrói outro grande empreendimento, a Usina Mauá, no Rio Tibagi, que deve entrar em operação em 2011
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>> em parcerias. Convém notar o caso Senge-PR — Poucas estatais elevados que os de uma empresa estatal?
recentemente noticiado pelo jornal Valor sobraram no setor depois da passagem Como sustentar o discurso dogmático de que
Econômico sobre a compra da Terna do “tufão neoliberal” pelo País, antes do as empresas privadas detêm o monopólio da
Participações, empresa que atua na área de governo Lula. Essas empresas convivem eficiência operacional, da excelência em
transmissão: a Cemig ia entrar como com uma série de dificuldades — limitação gestão e do menor preço?
minoritária (49%) na compra da Terna, para levantar recursos de financiamento, Quando alguém coloca os olhos sobre uma
consorciada com a Neoenergia, controlada a referência das empresas privadas, a estatal como a Copel e vê que ela consegue
pela espanhola Iberdrola em sociedade com proibição de participar de alguns ser tudo isso mesmo tendo de competir com
a Previ, que ficaria com 51%. Mas, na última processos — a Copel não pode entrar no um dos braços amarrado, todo esse discurso
hora, os espanhóis desistiram do negócio, e a leilão da CTEEP. Por que até hoje se impõe cai por terra. Não vejo razão para o
Cemig acabou com um problema bilionário uma gama de restrições às empresas desempenho da Copel piorar quando ela puder
nas mãos: ela precisa arranjar rapidamente públicas? A intenção é privatizá-las? competir com os dois braços. E quando isso
um sócio privado que seja majoritário na Ghilardi — O risco de haver uma nova acontecer, certas diferenças que já existem
parceria, sob pena de a Terna, legalmente, onda privatizante não pode ser descartado, hoje vão ficar bem mais flagrantes.
virar uma estatal. Só que como estatal, a Terna muito embora ele não encontre terreno Senge-PR — O mercado livre se
– ou seja, a Cemig – terá de quitar propício para adquirir vulto ou vir a se apropria de cerca de 25% da energia
imediatamente uma dívida de R$ 1,1 bilhão materializar no atual governo – principalmente elétrica disponível, a preços muito abaixo
que tem com o BNDES, que por conta dessas depois dessa crise internacional, onde ficou dos valores de referência das
restrições está impedido de financiar bastante evidente que o neoliberalismo concessionárias. Quais medidas poderiam
empresas estatais. quebrou empresas e bancos por ser falho o ser tomadas para neutralizar o
Ou seja, se em decorrência da Lei a Copel seu princípio básico de que o mercado se desequilíbrio tarifário atualmente
deixa de ter absoluta liberdade para investir, autorregula. Penso que as restrições de toda existente?
por outro lado ela confere à população a ordem feitas no Brasil às empresas estatais, Ghilardi — Eis que retornamos às
confiança de que os recursos públicos que compunham o receituário de questões mal resolvidas, ou pouco pensadas,
envolvidos estão sendo investidos em projetos magnificação do superávit primário aplicado pelos formuladores do novo modelo
absolutamente seguros, protegidos contra na economia brasileira antes da posse do institucional do setor elétrico no momento em
interesses especulatórios. presidente Lula, foram mantidas como parte que escreviam as regras do jogo. Em tese, o
Mas a Copel está ativa e investindo onde de um receituário ortodoxo que já produziu mercado livre deveria funcionar como um
é possível investir. Por exemplo, construindo os efeitos que deveria produzir e agora mecanismo de incentivo aos grandes
a Usina Mauá, no Rio Tibagi, colocando em poderia ser flexibilizado. consumidores, para que buscassem
operação a Linha de Transmissão 230 kV Tenho comigo, no entanto, a sensação de autonomia no suprimento de energia elétrica,
Bateias/Pilarzinho e pronta para iniciar a que existe um certo temor entre os defensores em princípio investindo na autoprodução. Mas
construção da Linha de Transmissão 525 kV da chamada “economia de mercado” com o as forças de mercado, que por natureza são
Foz do Iguaçu/Cascavel Oeste – todos desempenho das estatais, caso todos os imediatistas e argentárias, não tardaram a
empreendimentos cuja concessão foi agentes possam competir em situação de transformar o mercado livre num grande
arrematada pela Copel em leilões públicos da igualdade. Como uma empresa privada movimento especulatório para obtenção de
Aneel. explicaria resultados inferiores ou preços mais elevados ganhos em curto prazo.
Prefeitura de Foz do Iguaçu
Itaipu Binacional: “Brasil abandona matriz energética que era invejada por todas as nações do mundo e passa a adotar um figurino que é um retrocesso sob o aspecto ambiental”, diz Ghilardi
10 O Engenheiro n.º 102
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Arnaldo Alves/AEN
Não devemos esquecer que o modelo capacidade de produção. O caso é que não
tarifário foi alterado: de tarifa pelo custo para bastassem todas as indefinições e
tarifa pelo preço. O resultado disso gerou uma inseguranças ainda oferecidas pela
apropriação indevida, criando essa distorção regulamentação do setor, ainda há as
de mercado livre. Se fosse mantida a dificuldades de ordem ambiental que
metodologia de cálculo de tarifas utilizado embaraçam os projetos de construção de
anteriormente, o Brasil teria a energia elétrica novas hidrelétricas.
mais barata do mundo, pois a maior parte do O que soa incompreensível é os ativistas
seu parque gerador já está quase que se importarem menos com o projeto de
totalmente amortizado. Até recentemente, o construção de uma nova termelétrica a óleo,
preço da eletricidade no mercado livre era exemplo perfeito e acabado de geração de
bem mais baixo que no mercado regulado. energia com grandes impactos, do que com
Em lugar de investir no uma hidrelétrica – que
auto-suprimento a so- tem lá seus impactos, é
bra decorrente da eco-
nomia feita com a
compra de energia no
mercado livre, pereni-
“ Não devemos
esquecer que o modelo
tarifário foi alterado: de
claro, mas que além de
serem infinitamente
menores, ainda são
compensados pelos
zando uma vantagem tarifa pelo custo para efeitos positivos que
estratégica momentâ- tarifa pelo preço. O proporcionam. Além de
nea e desobrigando os muito mais baratas para
demais agentes de no-
resultado disso gerou a coletividade, as hidre-
vos aportes na expan- uma apropriação létricas levam desenvol-
são da geração, o que indevida, criando essa vimento e investimen-
fizeram os consumido- distorção de mercado tos à região de influên-
res livres? Apropria- cia. Elas geram oportu-
ram-se dessa verba. O livre. Se fosse mantida a nidades de emprego,
que acontecerá agora metodologia de cálculo melhoram a qualidade
que a equação se in- de tarifas utilizado de vida das populações
verteu, pois não há e- ribeirinhas, movimen-
nergia disponível para
anteriormente, o Brasil tam as indústrias de
contratação no mer- teria a energia elétrica materiais e de equipa-
cado livre? Será justo mais barata do mundo, mentos e ainda ajudam
permitir que esses con- pois a maior parte do seu na regularização dos
sumidores se apropri- rios. Estranhamente, os
em da eletricidade que parque gerador já está ambientalistas que se
está reservada aos quase que totalmente mostram radicalmente
consumidores cativos? amortizado. contra a construção de
Ou a ganância exces-
siva e a imprevidência
” novas usinas hidrelé-
tricas nada dizem diante
serão punidas pelos agentes reguladores com da evidência de que a nossa matriz energética
o corte no suprimento? Eu diria que as está cada vez mais suja, menos sustentável e
autoridades do setor elétrico estão com um mais dependente de insumos importados.
problema urgente reclamando solução. E Estamos progressivamente abandonando
cujas proporções ficam ainda maiores uma matriz energética que era invejada por
considerando-se que esses consumidores todas as nações do mundo pelo seu baixo
livres são na maior parte grandes indústrias, custo, reduzido impacto e enorme potencial
de cujo funcionamento dependem milhares remanescente. Em seu lugar, passamos a
de trabalhadores e suas famílias, isso sem falar adotar um figurino que é um retrocesso sob o
nas receitas que geram com exportações e aspecto ambiental, uma ameaça sob o aspecto
com o pagamento de impostos e tributos. estratégico e um desastre sob o aspecto
Senge-PR — O Brasil corre risco de econômico.
um novo apagão, caso seja retomado o Também não podemos ignorar que a
crescimento econômico do País? expansão da geração hidrelétrica está calcada
Ghilardi — Sim, o risco existe. E ainda em usinas localizadas em regiões como o
que o Brasil escape de um racionamento, o Norte, cujo relevo não permite a formação
custo financeiro e ambiental disso não será de reservatórios. Assim, em época de chuvas
nada desprezível, pois, numa situação de essas usinas atenderão plenamente o
racionamento iminente, todas as térmicas mercado, mas em época de seca essa energia
deverão ser despachadas no limite da sua terá de ser substituída por térmicas.
Novembro/Dezembro de 2009 11
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Barragens já desalojaram
mais de 1 milhão de brasileiros
Atingidos lutam por seus direitos em meio à falta de uma legislação
específica; Movimento de Atingidos por Barragens e Senge-PR
começam a discutir atividades em parceria
MAB
Pelo menos 2 mil famílias paranaenses proprietários de terras. “Lutamos para
devem perder suas terras com as que ela seja feita com o reas-
inundações provocadas por novas sentamento dos atingidos, com
usinas hidrelétricas. Mas elas condições de trabalho, assis-
podem ser muitas mais, afirma tência técnica e infraestrutura,
Robson Sebastian Formica, como escola para os filhos e posto
coordenador estadual do de saúde instalado na região”,
Movimento de Atingidos por Barragens afirma Formica. “E há questões que não são
(MAB). “Essas 2 mil famílias estão na região econômicas, mas simbólicas — as relações
Sudoeste, próximo a Francisco Beltrão. Por das pessoas com a região onde nasceram, o
ali, apenas no Rio Chopim, há 12 projetos de rio, a terra que é da família há gerações, a
novas hidrelétricas”, explica. vizinhança, a comunidade, a igreja, o espaço
O Movimento ainda não levantou de lazer. Como se mensurar isso?”
quantas pessoas correm o mesmo risco em Por ora, faltam leis que definam quais os
todo o Estado. Mas os números já direitos dos atingidos — e mesmo quem são
conhecidos impressionam — estima-se que eles. Formica explica: “há um processo em
mais de 1 milhão de brasileiros já perderam discussão, aprovado pelo Conselho dos
suas terras devido às inundações provocadas Presidentes das Estatais do Setor Elétrico,
pelas barragens. que aponta alguns avanços no reco-
“No lançamento do Plano Safra da nhecimento dos direitos. Aceita-se, por
Agricultura Familiar, o presidente Lula exemplo, que não apenas quem tem escritura
reconheceu que o Estado brasileiro tem uma é atingido. Assim, abre-se espaço para que
dívida histórica com os atingidos pelas se reconheçam os direitos de camponeses
barragens. Ainda que ele não tenha que não tem a terra documentada.”
anunciado quaisquer planos, abre-se a Enquanto isso, avançam os processos
possibilidade de definirmos um conceito legal para instalação de pequenas e médias
do que é o atingido. Esse é o grande centrais hidrelétricas no Sudoeste
problema, e nossa grande luta, hoje”, diz paranaense. Três já estão licitadas — duas
Formica. pertencem à Gerdau, gigante do setor
“Para nós, toda pessoa que sofra algum metalúrgico. As centrais de Cachoeirinha e
impacto em função de um empreendimento São João terão potência instalada de 105
hidrelétrico é atingida, e tem direito a uma Mwh, somadas. Suas barragens devem
compensação. Para as empresas, porém, atingir terras em dois municípios, Honório
atingido é só quem tem em seu nome a Serpa e Clevelândia. Atualmente, os
escritura da terra alagada pela barragem. processos estão na fase de licenciamento
Desconsidera-se, então, os direitos de ambiental, com audiências públicas em
arrendatários, parceiros, quilombolas, andamento. Um pouco abaixo no curso do
indígenas, assentados de reforma agrária, mesmo Rio Chopim, Salto Grande irá atingir
posseiros, meeiros, justamente os Pato Branco, Coronel Vivida e Itapejara
camponeses mais pobres. Essas pessoas d’Oeste. A Copel, estatal, é sócia majoritária
acabam engrossando bolsões de pobreza nas da hidrelétrica.
periferias das grandes cidades”, relata. “É preciso que a sociedade discuta para
O MAB também defende mudanças na quê e para quem vai a energia produzida
forma da indenização. Atualmente, ela é paga por usinas que sacrificam a vida de tantas
em dinheiro ou carta de crédito aos pessoas. A energia deve servir ao Passeata promovida pelo Movimento em Brasília
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desenvolvimento local e regional, beneficiar
as populações atingida e remanescente, os
micro, pequenos e médios empreendimentos
locais, a infraestrutura regional. Mas vemos
muitos projetos voltados basicamente à
Um drama ignorado
produção de energia para exportação a
regiões distantes, para produção de matéria- Num texto pungente, o engenheiro Antonio
prima ou produtos semi-acabados, voltados Cezar Quevedo Goulart, diretor do Senge-PR,
à exportação”, argumenta Formica.
“Também é preciso rever as tarifas. narra a situação de milhares de pequenos
Nossa matriz é majoritariamente hidráulica,
mais barata, mas a energia é vendida ao
agricultores que vivem às margens dio Rio
consumidor final a preço de energia fóssil, Chopim que estão prestes a perder a casa,
padrão petróleo. Para as grandes empresas
consumidoras, há subsídios. Elas pagam até a terra e as raízes por conta de novas
menos que o preço de custo. Em troca, o
pequeno consumidor, o povo, paga das
usinas hidrelétricas
tarifas mais altas do mundo. É preciso
discutir esse modelo”, acrescenta. Para isso, É quase meio-dia. consequências e os impactos das
MAB e Senge-PR começam a discutir Depois de vários dias de centrais hidrelétricas nas
atividades em parceria. Diz Formica — tempestades, os campos da re- comunidades, no meio ambiente
“estamos nos aproximando para ver o que gião estão encharcados, rios e e na economia da região.
podemos construir a partir de pontos de vista riachos quase a transbordar dos Ao longo de 100 quilômetros
comuns”. leitos. Há pouca gente nas ruas do Rio Chopim, está prevista a
enlameadas de Pato Branco. construção de doze usinas.As três
Naquele momento, a chuva é primeiras já têm concessionários
mansa, mas persistente. Lideran- definidos — duas são do Grupo
Movimento surgiu ças sindicais e de movimentos Gerdau e a outra da Copel. É isso
sociais observam o céu carrega- que se irá debater na audiência.
em 1991, em do, preocupados com o mau tempo, que pode Uma ampla mesa coordena os debates.
atrapalhar a vinda de moradores de comu- Dela, participam procuradores do MP,
evento em Brasília nidades afetadas pela construção das usinas no deputados, vereadores, associações, sin-
Rio Chopim. Fora grande o esforço para mobilizar dicatos e movimentos sociais. Mas Copel,
O Movimento de Atingidos por o povo para esta audiência, e agora a chuva Gerdau e Instituto Ambiental do Paraná (IAP),
Barragens é uma organização social poderia impedir o acesso dos participantes. lamentavelmente, não aparecem. Os
instalada em 16 estados brasileiros. Ele Mas, pouco a pouco, vão chegando os componentes da mesa debatem direitos das
surgiu à partir do 1.º Encontro Nacional de ônibus, e o auditório vai sendo tomado por pessoas atingidas pelas futuras barragens, a
Trabalhadores Atingidos por Barragens, aqueles homens e mulheres de rostos de feições compensação dos municípios, aspectos
realizado em 1989 em Goiânia (GO). firmes, a maioria de ascendência europeia, ambientais, a disputa entre prefeituras pela
“O encontro de Goiânia possibilitou o rostos marcados pelo sol do trabalho diário na localização da casa de força (que tem
inicio de uma identidade nacional dos roça. Eram esperadas 250 pessoas; mais implicações tributárias), incertezas
atingidos, como uma força social que tinha de 500 estão ali, superando sobre a quantidade de terras
as mesmas reivindicações e que lutava expectativas e confirmando que as alagadas, desconhecimento de
contra os mesmos adversários”, explica o comunidades compreenderam a estudos de viabilidade. Alguns
coordenador estadual Robson Sebastian importância de debater o assunto. deles, embora defendam a
Formica. Convocada pela Frente redução dos impactos, têm a
Do encontro, foi organizada uma Parlamentar de Acom- cautela de não se colocar contra
Comissão Nacional Provisória, com a panhamento aos Processos de Instalações de a construção das usinas.
tarefa de organizar o 1.º Congresso Centrais Hidrelétricas no Paraná, coordenada pelo É a partir das intervenções do plenário, onde
Nacional dos Atingidos por Barragens, deputado estadual Tadeu Veneri (PT), e pela estão moradores das comunidades, que
realizado em 1991 em Brasília. Com Comissão deAgricultura e pela Comissão de Meio aparecem elementos, visões e debates que nós,
delegados de vários locais do Brasil, Ambiente daAssembleia Legislativa, a audiência moradores das cidades, desconhecemos.
fundou-se o MAB, um movimento é extra-oficial, para o Ministério Público (MP). Ouvem-se relatos de experiências de
nacional, popular e autônomo. Para o Movimento dos Atingidos por profundas mudanças de vida. Gente que vivia
No encerramento do congresso, Barragens (MAB), essa é uma pré-audiência, há gerações numa localidade e foi arrancada
institui-se o dia 14 de março como Dia convocada para promover um amplo debate de seu chão, removida para assentamentos
Nacional de Luta Contra as Barragens, preparatório para as audiências públicas oficias distantes centenas de quilômetros, em terra
anos mais tarde será consolidado como marcadas para breve. Para isso, é necessário estranha. Perde-se, assim, toda a referência
Dia Internacional de Luta Contra as que os mora-dores da região afetada de vida. Outros relatam casos de gente que
Barragens. conheçam profun-damente quais as nem isso conseguiu — famílias que tiveram as >>
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terras inundadas mas não conseguiram ser A pressão que exercem sobre os A usinas do Rio Chopim, embora pequenas,
reassentadas nem indenizadas. Perderam tudo. países da América Latina vai, assim, se comparadas, por exemplo com as do Jirau
Por causas come essa, agricultores relaram no sentido de fomentar o modelo e Santo Antonio, no Rio Madeira, ou com Belo
casos de suicídios de gente próxima, de parentes. exportador, o que implica, em maior Monte, no Rio Xingu, se seguem a mesma
Um camponês desabafa, emocionado, que ou menor grau, uma reconversão lógica. Nesse caso, a energia gerada atende
vive na terra que será inundada há mais de 50 produtiva que não apenas respeite o um dos ramos industriais mais competitivos, a
anos, com dois filhos casados, noras e netos, e principio da especialização, segundo siderurgia, que produz para exportação, e cujos
reclama o direito a terminar seus dias no chão as vantagens comparativas, mas abra os processos são movidos basicamente a
em que nasceu e se criou. maior espaço ao livre jogo do capital. energia elétrica.
Mas as lideranças do MAB relatam que, Na perspectiva desse projeto O engenheiro Célio Bermman, professor
em reuniões realizadas nos municípios com a neoliberal, começa a desenhar-se o emérito da Universidade de São Paulo (USP),
população que será atingida, a Gerdau já deixou futuro que o capitalismo internacional em trabalho recente demonstra de forma
claro que não pretende reconhecer o direito reserva a região: uma América Latina detalhada os processos industriais
de reassentamento das famílias. A empresa integrada ainda mais estreitamente à eletrointensivos e verifica de forma cabal que,
pretende indenizar os atingidos em dinheiro, a economia mundial, mediante a sua muito mais que o consumo residencial, o
partir do preço de mercado das terras. transformação em economia planejamento das usinas hidrelétricas é
Ou seja — a Gerdau só quer reconhecer o exportadora de novo tipo, ou seja, determinado pela necessidade dos grandes
direito de proprietários de terras. Nesse caso, uma economia que, ao lado da complexos industriais ligados aos capitais
herdeiros, parceiros, arrendatários, meeiros, exploração mais intensiva de seus internacionais e nacionais. Eles respondem por
funcionários, assentados da reforma agrária, recursos naturais, redimensione a sua quase 50% do consumo de energia elétrica no
muita gente não terá direito a nada. Uma indústria para torná-la competitiva no País. E mais — não há nenhuma
gigantesca agressão aos direitos de gente mercado externo e complementar a correspondência em geração de emprego. São
simples. E o Movimento lembra alerta que produção industrial dos grandes setores, como diz Marini, absorvedores de alta
atingido é todo aquele que se sentir prejudicado centros. tecnologia, fortemente automatizados.
pela construção da barragem. Para todos os países da região, isto A mesma estrutura se repete na
Projetos de usinas como as do Rio Chopim implica a destruição de parte do seu agricultura. O latifúndio detém 76% da
vêm sempre escoltados por argumentos fortes, capital social, sobretudo na indústria, propriedade da terra no Brasil, e conta
convincentes — desenvolvimento, crescimento porque somente ramos com vantagens anualmente com 100 bilhões de reais em
econômico, necessidade de energia, geração comparativas reais ou que absorvam financiamentos para produzir soja, cana-de-
de empregos. Fala-se também em moder- alta tecnologia e grandes massas de açúcar e eucalipto. Enquanto isso, o pequeno
nidade, importância da energia elétrica na vida investimento aparecem como viáveis, agricultor, que tem à disposição apenas 13
das pessoas, lembra-se que a hidroeletricidade nessa nova divisão do trabalho. (…) bilhões de reais e 24% da terra produtiva,
é uma energia limpa, renovável. Para as massas, o preço da fornece 87% da mandioca, 70% do feijão,
De fato. Em aspectos puramente técnicos, reconversão é o agravamento da 46% do milho, 58% do leite, 59% dos suínos,
a hidroeletricidade é fantástica, tem rendimento superexploração do trabalho e a 50% das aves e 30% dos bovinos que os
superior a 95% do aproveitamento energético generalização do desemprego, brasileiros comem.
— notável, se comparado aos 30% das qualquer que seja a sua forma, como O uso social da energia elétrica, tão
termoelétricas —, com confiabilidade e tempo resultado da destruição de parte do necessário, promove mudanças que
de vida das instalações muito maiores. Acima capital social e a rápida transcendem o simples valor econômico. Ele
de tudo, do ponto de vista do capital, o custo de modernização tecnológica.” situa-se no marco civilizatório entre o “viver
produção é irrisório. com luz” e “viver sem luz”, isto é, viver no
E nem precisamos falar do aspecto século 21 ou no século 18. Em que pese toda
ambiental. Do ponto de vista social, viver sem esta potência e alcance social, esse empreen-
“
energia elétrica é dar um salto para trás, voltar Temos, portanto, o dimentos se inserem muito mais na lógica do
ao século 19. Por isso o apelo e as justificativas interesse do capital que na humanitária.
para a instalação desses complexos são tão dever de compreender Por isso, o drama das populações atingidas
fortes. Explicam, também, a cautela de melhor este processo, antes pelas barragens deve ser, fraternalmente, o
autoridades quando tratam do tema. de simplesmente nos drama de cada um de nós. Em recente con-
É necessário compreender o contexto da versa com representantes do MAB, o presi-
construção dessas usinas. E a análise deve ir posicionarmos a favor ou dente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu a
além da superfície.AAmérica Latina, e o Brasil contra. Para isso, é preciso divida histórica do País com um milhão de atin-
em particular, cumprem um papel fundamental, que todos entendamos a gidos pelas barragens. Temos, portanto, o dever
explica Ruy Mauro Marini, em seu “América de compreender melhor este processo, antes
Latina – Dependência e Integração”. quem servem esses projetos de simplesmente nos posicionarmos a favor
“Hoje, como ontem, os Estados de usinas, para que não ou contra. Para isso, é preciso que todos
Unidos estão interessados em entremos, inocentes, na entendamos a quem servem esses projetos de
restabelecer as bases de uma divisão usinas, para que não entremos, inocentes, na
internacional do trabalho que permita onda do crescimento e onda do crescimento e da modernidade.
da modernidade
”
a plena circulação de mercadorias e Afinal, como diz o MAB: para que, e para
capitais. quem, serve toda esta energia?
14 O Engenheiro n.º 102
15. www.senge-pr.org.br
Economia
Distribuidoras de energia
destinam menos de 10% de
sua riqueza aos empregados
O economista Fabiano Camargo, da subseção do Dieese no Senge-
PR, usa dados da Demonstração de Valor Adicionado para mostrar
como os trabalhadores ficam com uma parte inexpressiva dos
rendimentos que geram para as empresas
“
Em média,
apenas 8,71% dos bilhões
de reais gerados pelas
A Demonstração de Valor
Adicionado (DVA) é o relatório
contábil que identifica o valor da
riqueza gerada por uma
gerada (R$ 583 milhões).
Em média, apenas 8,71% dos
bilhões de reais gerados pelas
oito distribuidoras de energia
oito distribuidoras de entidade, e de que forma essa elétrica analisadas recom-
riqueza foi distribuída entre os pensam o trabalho dos fun-
energia elétrica diversos atores que influíram cionários.
analisadas recompensam direta ou indiretamente em sua Os trabalhadores são a base
o trabalho dos geração. da sustentação de qualquer
Com essas informações, empresa. É graças à atividade
funcionários. Assim, podemos, por exemplo, verificar física e intelectual da classe
concluímos que a o quanto do que é produzido pela empresa trabalhadora que o processo produtivo se rea-
chamada responsabilidade está sendo destinado para recompensar os liza. Sem os trabalhadores, não há produção
trabalhadores pelas atividades que realizam. nem resultados. Não há, portanto, lucros.
social, tão propalada
Além disso, o total do valor adicionado Além disso, é público que os lucros das
pelas empresas, demonstra em quanto uma empresa contribui empresas do setor elétrico têm aumentado
não deveria ser apenas para a economia. significativamente nos últimos anos — em
A DVA é dividida em duas partes. A pri- grande parte devido aos recorrentes aumentos
um discurso, mas sim
meira apresenta de que forma ocorre a ge- de tarifas das concessionárias, que
uma práticae
”
ração da riqueza. A segunda explica superam os índices inflacionários.
como a riqueza gerada é distri- O Dieese espera que a DVA
buída. Portanto, com as infor- se constitua em mais um ele-
Percentual da riqueza mações da distribuição do valor mento fundamental no contexto
gerada distribuída entre adicionado, podemos verificar das negociações coletivas, e não
os trabalhadores em 2008 o quanto da riqueza foi só nas dos empregados no setor
Empresa Percentual dos empregados destinado para os principais agentes das elétrico. Afinal, esse demonstrativo pode
Cemig 13,52 empresas, os seus trabalhadores. auxiliar os trabalhadores na busca por
Celesc 11,68 Segundo informações de 2008, a riqueza melhores salários e benefícios, aumentando
gerada pela Cemig, uma das principais assim sua participação na riqueza gerada.
Copel 10,75
empresas do setor elétrico, foi de R$ 11,7 Com a valorização dos funcionários,
Coelce 8,31 bilhões. Deste montante, apenas 13,52% (R$ qualquer empresa iria ver uma melhoria em
Ampla 7,72 1,582 bilhão) foram distribuídos entre os sua gestão. Com trabalhadores mais mo-
Eletropaulo 7,14 empregados. tivados, até mesmo a produtividade pode ser
Ainda assim, é o maior percentual entre elevada.
CPFL 5,64
as oito empresas selecionadas para esta Assim, concluímos que a chamada
Light 4,90 avaliação. Na Copel, a riqueza gerada atingiu responsabilidade social, tão propalada pelas
Média 8,71 R$ 5,423 bilhões, mas os funcionários empresas, não deveria ser apenas um
Fonte: Demonstrações contábeis das empresas
Elaboração: Dieese/Subseção Senge-PR receberam somente 10,75% da riqueza discurso, mas sim uma prática.
Novembro/Dezembro de 2009 15