O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou procedente a ação de indenização por danos morais movida por um servidor público contra o município. Foi reconhecida a responsabilidade objetiva do Estado pelo assédio moral sofrido pelo autor no ambiente de trabalho. A indenização de R$ 11.220,00 foi mantida, por ter sido comprovado o nexo causal entre o ato lesivo e o dano, e por atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
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APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
SERVIDOR PÚBLICO. PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. ASSÉDIO
MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO.
DANO MORAL RECONHECIDO. VALOR DA
INDENIZAÇÃO MANTIDO.
O Estado responde objetivamente pelo ilícito praticado
pelo agente público no exercício da função ou em
razão dela. Art. 37, §6º, da CF.
Embora a responsabilidade do Estado seja objetiva, no
tocante à atividade prestada, é necessária a
comprovação do nexo causal entre o ato e o dano.
Caso concreto em que a prova dos autos corrobora as
alegações do autor, no sentido de ter suportado danos
morais.
A fixação do quantum indenizatório deve sopesar
critérios objetivos como a condição econômica das
partes, a gravidade do dano, o grau de culpa,
atendendo, especialmente, para o caráter punitivo-
pedagógico inerente a indenização em tais casos, sem
acarretar o enriquecimento ilícito da vítima.
Dano moral reconhecido.
PRELIMINAR REJEITADA. APELO DESPROVIDO.
APELAÇÃO CÍVEL QUINTA CÂMARA CÍVEL
Nº 70038568945 COMARCA DE SANTO ANTÔNIO
DAS MISSÕES
MUNICIPIO DE GARRUCHOS APELANTE
MARCOS ANTONIO PICCO APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a
preliminar e negar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
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Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO (PRESIDENTE) E DES.ª
ISABEL DIAS ALMEIDA.
Porto Alegre, 24 de novembro de 2010.
DES. ROMEU MARQUES RIBEIRO FILHO,
Relator.
RELATÓRIO
DES. ROMEU MARQUES RIBEIRO FILHO (RELATOR)
Trata-se de apelação interposta pelo MUNICÍPIO DE
GARRUCHOS, em face da sentença das fls. 188/194, prolatada nos autos
da ação de indenização por danos morais, ajuizada por MARCO ANTÔNIO
PICCO, que julgou procedente o pedido para condenar o réu ao pagamento
de R$ 11.220,00, a título de danos morais, corrigido monetariamente pelo
IGP-M da data da sentença, acrescido de juros de mora da citação.
Condenou, ainda, o réu ao pagamento das custas processuais e dos
honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.
Em suas razões, fls. 197/210, aduz o apelante,
preliminarmente, sua ilegitimidade passiva e a inépcia da inicial. No mérito,
assevera ser caso de responsabilidade subjetiva do Estado, devendo ser
perquirida a culpa do ente público. Refere que o veículo que o autor se
utilizava para trabalhar estava em manutenção. Tece comentários sobre o
comportamento do demandante em seu local de trabalho. Cita julgados
sobre o tema.
Pondera que o valor da indenização deverá ser fixado de
acordo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Argumenta que, caso seja mantido o dever de indenizar, o valor da
indenização deverá ser reduzido, por ser excessivo.
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Requer o provimento do apelo.
A apelação foi recebida à fl. 211.
Foram apresentadas as contrarrazões.
O Ministério Público deste grau de jurisdição opinou pelo
desprovimento do apelo.
Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e
552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema
informatizado.
É o relatório.
VOTOS
DES. ROMEU MARQUES RIBEIRO FILHO (RELATOR)
Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal,
conheço do apelo interposto.
Alega o autor, servido público, ter sofrido assédio moral em seu
local de trabalho, ao ter sido impedido de operar máquinas, bem como e
desempenhar suas funções, passando a ser alvo de chacota pelos colegas.
O réu, em contrapartida, nega a prática de qualquer ato lesivo.
Assim, a controvérsia cinge-se a saber se o requerido deve
indenizar os supostos danos morais suportados pelo demandante.
Inicialmente, analiso a preliminar de ilegitimidade passiva
suscitada pelo apelante.
Entendo que o Estado possui legitimidade para figurar no pólo
passivo da presente demanda, uma vez que responde pelos atos ilegais ou
abusivos de seus prepostos, praticados contra servidores e terceiros não
integrantes da Administração Pública, sem prejuízo, todavia, ao direito de
regresso, contra o causados do dano.
Rejeito, pois, a prefacial. Passo ao mérito.
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No que pertine à responsabilidade do Estado do Rio Grande do
Sul, tenho que se aplica à espécie a teoria da responsabilidade objetiva,
porquanto decorrente de ato comissivo de agente estatal.
Alexandre Moraes, na obra Direito Constitucional1, destaca que
a responsabilidade objetiva do Estado pressupõe alguns requisitos, dentre
eles, “ocorrência do dano, ação ou omissão administrativa, existência
de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e
ausência de causa excludente da responsabilidade estatal”, pois a força
maior e o caso fortuito se configuram em causas liberatórias.
Ele cita o entendimento pacificado do Supremo Tribunal
Federal acerca do assunto:
“O Supremo Tribunal Federal, em relação à responsabilidade
civil do Poder Público, afirma:
“A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos
documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política
de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade
civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes
públicos houverem dado causa, por ação ou omissão. Essa
concepção teórica que informa o princípio constitucional da
responsabilidade civil objetiva do Poder Público faz emergir,
da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado
o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial
sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos
agentes estatais ou de demonstração de falta de serviço
público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o
perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público
compreendem a) a alteridade do dano, b) a causalidade
material entre o eventus damni e o comportamento positivo
(ação) ou negativo (omissão) do agente público, c) a
oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente
do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional,
incidido em conduta comissiva ou omissiva,
independentemente da licitude, ou não, do comportamento
funcional (RTJ 140/636) e d) ausência de causa excludente da
responsabilidade estatal (RTJ 55/503).”
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20ª ed., p. 355/356
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Cavalieri2 doutrina a respeito da responsabilidade da
Administração Pública:
“Por todo o exposto, é de se concluir que a
responsabilidade subjetiva do Estado não foi de todo
banida da nossa ordem jurídica. A regra é a
responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco
administrativo, sempre que o dano for causado por
agentes do Estado, nessa qualidade; sempre que
houver direta relação de causa e efeito entre a
atividade administrativa e o dano. Resta, ainda,
espaço, todavia, para a responsabilidade subjetiva nos
casos acima examinados- fatos de terceiros e
fenômenos da Natureza-, determinando-se, então, a
responsabilidade da Administração, com base na
culpa anônima ou falta de serviço, seja porque este
não funcionou, quando deveria normalmente
funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou
tardiamente. Em nada muda esta conclusão o fato de
não ter sido reproduzido no Código Civil de 2002 o art.
15 do Código de 1916. A responsabilidade subjetiva é
a regra básica, que persiste independentemente de
existir ou não norma legal a respeito. Todos
respondem subjetivamente pelos danos causados a
outrem, por um imperativo ético-jurídico universal de
justiça. Destarte, não havendo previsão de
responsabilidade objetiva, ou não estando esta
configurada, será sempre aplicável a cláusula geral da
responsabilidade subjetiva se configurada a culpa, nos
termos do art. 186 do CC”.
O mesmo doutrinador ainda conclui que “no que respeita aos
danos causados pela atividade judiciária, aqui compreendidos os
casos de denegação da justiça pelo juiz, negligência no exercício da
atividade, falta do serviço judiciário, desídia dos serventuários,
mazelas do aparelho policial, é cabível a responsabilidade do Estado
amplamente com base no art. 37, §6º, da Constituição ou na culpa
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Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed., p. 255/256
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anônima (falta do serviço), pois trata-se, agora sim, de atividade
administrativa realizada pelo Poder Judiciário”.
Embora a pretensão do autor seja focada na responsabilidade
objetiva do Estado, alegando falha na prestação do serviço, é necessário,
para que seja reconhecido o dever de indenizar, a existência de nexo de
causalidade entre o comportamento omissivo ou comissivo atribuído ao
ente público e o dano suportado pela vitima.
Desta maneira, a responsabilidade civil do Estado está íntima e
incondicionalmente ligada a uma relação de causalidade entre a atividade do
agente público, seja no exercício da função, seja atuando em razão dela, e o
dano.
Preenchidos os requisitos acima referidos, é dever do Estado
indenizar o autor pelos danos suportados, os quais são inquestionáveis,
sendo desnecessária a prova do efetivo dano.
Silvio Venosa3 destaca que “o dano moral abrange também os
direitos de personalidade, direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao
próprio corpo, etc. Por essas premissas, não há que se identificar o dano
moral exclusivamente com a dor física ou psíquica. Será moral o dano que
ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de
comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser
examinado em cada caso. Ao se analisar o dano moral, o juiz se volta para a
sintomatologia do sofrimento, a qual se não pode ser valorada por terceiro,
deve, no caso, ser quantificada economicamente”.
Conforme conhecida lição de Caio Mário da Silva Pereira:
“A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem
cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem
jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais
valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve
receber uma soma que lhe compense a dor ou o
3
Responsabilidade Civil, 1ª ed., p. 31/32
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sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às
circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as
posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido.
Nem tão grande que se converta em fonte de
enriquecimento, nem tão pequena que se torne
inexpressiva” (Responsabilidade Civil, nº 49, pág. 60,
4ª edição, 1993).
No caso dos autos, estão presentes os requisitos da
responsabilidade civil, não havendo falar sequer em culpa concorrente do
apelado.
O ato ilícito se configura na privação do apelado de
desempenhar suas atividades laborais, bem como pelo assédio moral
sofrido, por desavença pessoal entre ele e o Secretários Municipal de Obras,
à época.
Não veio aos autos qualquer motivo a amparar a atitude
abusiva praticada pelo preposto do réu. Ao contrário, a prova dos autos é
justamente no sentido de que inexistia motivo para tal atitude, restando
comprovado o agir abusivo por parte do ente público.
Ainda que tivesse sido o autor quem afrontou o recorrido, o que
não ocorrera, visto que as agressões partiram do irmão do autor, ainda
assim, não caberia ao réu agir “por suas próprias mãos”, valendo-se da
autotutela. Caberia a instauração de processo administrativo e/ou
sindicância.
Nesse tocante, considerando a gravidade da conduta irregular
levada a efeito pela Administração Pública e o tempo que durou a
“represália”, tenho que o quantum fixado na sentença não comporta reparo.
No tópico, convém citar a forma esclarecedora e objetiva com
que já se manifestou esta Câmara (Apelação Cível nº 70000862839, Quinta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Clarindo Favretto, julgado
em 21/12/2000), quando do voto lavrado pelo eminente Relator em que
discorrera acerca do quantum indenizatório.
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„(...).
É razoável tudo aquilo que é sensato, comedido,
moderado, isto é, que guarda uma certa
proporcionalidade. O magistrado, ao valorar o dano
moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o
seu prudente arbítrio, seja compatível com a
reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade do
dano por ela produzido, servindo-lhe, também, de
norte, o princípio acima citado, de que é vedada a
transformação do dano em fonte de lucro.
Qualquer quantia a mais do que a necessária à
reparação do dano moral importará em enriquecimento
sem causa, ensejador de novo dano.
(...)‟.
A indenização deve ser fixada de modo a reparar a vítima pela
lesão sofrida, causando impacto sobre o patrimônio do agente causador do
dano, a fim de que o ilícito praticado não volte a se repetir, mas sempre
observando o fato de que a verba indenizatória não pode acarretar o
enriquecimento indevido da vítima, tornando-se uma vantagem em
detrimento a sua não ocorrência.
Tecidas essas ponderações, entendo que o valor da
indenização deve ser mantido, no valor estipulado na sentença, de R$
11.220,00.
ANTE O EXPOSTO, rejeito a preliminar e nego provimento ao
apelo.
É o voto.
DES.ª ISABEL DIAS ALMEIDA (REVISORA) - De acordo com o(a)
Relator(a).
DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO (PRESIDENTE) - De acordo com
o(a) Relator(a).
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DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO - Presidente - Apelação Cível nº
70038568945, Comarca de Santo Antônio das Missões: "REJEITARAM A
PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: MARCIO ROBERTO MULLER
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