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SUMÁRIO




     PROPOSTA PEDAGÓGICA ........................................................................................ 03
     Um Mundo de Letras: práticas de leitura e escrita
     Maria Angélica Freire de Carvalho e Rosa Helena Mendonça




     PGM 1 – LINGUAGEM: ORALIDADE E ESCRITA ....................................................... 11
     O essencial para saber ler e escrever no processo inicial de alfabetização
     Luiz Carlos Cagliari




     PGM 2 – TEXTO: LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDOS .......................................... 26
     Texto: leitura e produção do sentido
     Ingedore G. Villaça Koch




     PGM 3 – GÊNEROS TEXTUAIS: OBJETOS DE ENSINO ............................................. 41
     Gêneros como objetos de ensino: questões e tarefas para o ensino
     Sandoval Nonato Gomes-Santos




     PGM 4 – COMPREENSÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS ................................................ 63
     Leitura e escrita: produção de sentidos
     Mônica Magalhães Cavalcante




     PGM 5 – A GRAMÁTICA NA ESCOLA ............................................................................80
     Língua Portuguesa: o ensino de gramática
     Luiz Carlos Travaglia




                                                                            UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   2.
PROPOSTA PEDAGÓGICA


                           UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA

                                                                       Maria Angélica Freire de Carvalho1

                                                                                   Rosa Helena Mendonça2




                 Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um
                 produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém, mais ou menos oculto, o
                 sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a idéia gerativa de que o texto se
                 faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa
                 textura – o sujeito se desfaz nele qual aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções
                 construtivas de sua teia3.



Com os estudos da Lingüística Textual4, o texto passou a ser tomado como objeto central de
ensino. Assim, nas aulas de Língua Portuguesa, as atividades de leitura e de produção de
textos ganharam mais espaço. Entretanto, a abordagem precisa ser ampliada, no sentido de
entender-se o texto, também, como objeto de interação e, portanto, de aprendizagem, para
além do contexto escolar e para além, é claro, das aulas de Língua Portuguesa.


Pensar a forma como se organizam os enunciados e como interagimos com os mais variados
interlocutores nas práticas sociocomunicativas é fundamental para um fazer pedagógico
produtivo. Por essa razão, é importante trazer, mais uma vez, como temática para o programa
Salto para o Futuro, idéias que fundamentam o texto como objeto de ensino e de
aprendizagem.


As práticas de leitura e de escrita estiveram presentes nas discussões temáticas que
compuseram inúmeras séries do Salto para o Futuro, ao longo dos quinze anos de exibição do
programa. Com o propósito de ampliar as reflexões sobre tais práticas, mais uma vez, elas
são o mote de uma série que enfatiza o texto como unidade de ensino, ao abordá-lo sob a




                                                        UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   3.
perspectiva da oralidade e da escrita, atentando para os múltiplos ângulos de observação, tanto
em relação à sua constituição, estrutura e linguagem, quanto ao seu entendimento –
compreensão/interpretação5– pelo leitor/ouvinte.


As dificuldades apontadas, em geral, tanto pelos professores quanto pelos alunos, no dia-a-dia
escolar, em relação às atividades com o texto, destacam-se como o grande “nó” para um
saber-fazer pedagógico. E é a forma de lidar com o texto, seja para a sua escrita, seja para sua
intelecção, em suma, para a produção de sentidos, que permitirá desenvolver uma
aprendizagem significativa com a linguagem na escola.


O domínio da escrita, favorecido pelo contato com diferentes textos nas classes de
alfabetização, por exemplo, estende-se a todos os segmentos de ensino, aprimorando-se por
meio das práticas sociais com a linguagem e legitimando-se por meio de um trabalho
pedagógico que tome o texto como fonte e ferramenta de ensino desde as séries iniciais.


Esse trabalho deverá desenvolver-se de modo a considerar o texto além da sua estrutura
organizacional, englobando a linguagem que o caracteriza, o contexto de produção, os
espaços de circulação e os possíveis interlocutores. Uma abordagem significativa para o texto
em sala de aula, portanto, deverá compreendê-lo como uma proposta de sentidos suscetível às
interações.


Um problema que se pode destacar em relação às práticas de leitura e de escrita no ambiente
escolar é a artificialidade com que, muitas vezes, se trata a relação autor-texto-leitor e, ainda,
o ensino da gramática tomando-a como um fim em si mesma. Exemplos de práticas que
abordam o texto somente sob o ponto de vista estrutural, desvinculado de um contexto de
produção e de circulação, e que não levam em conta a sua proposta comunicativa podem
resultar num trabalho com a escrita e com a leitura meramente formal, distanciado de uma
concepção de texto como unidade de ensino e como forma de interação.


Escolher determinadas “peças” de linguagem e não outras e, do mesmo modo, privilegiar uma
dada forma composicional em relação às inúmeras possibilidades de apresentação dos



                                                     UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   4.
enunciados6 são estratégias do produtor que direcionam a construção de sentidos. Essas
escolhas são realizadas pelo produtor do texto, levando em conta conhecimentos partilhados,
ou presumidamente partilhados, pelo leitor. São tarefas esperadas do leitor: a identificação de:
tais estratégias e, ainda, a articulação dos conteúdos apresentados no texto, de modo a se
aproximar de um sentido7 pretendido pelo produtor.


O texto, assim visto, é concebido, portanto, como espaço de interação, constituindo-se por
meio dos processos de coesão, construídos sob sua articulação escrita, e também leitora8, e de
coerência que se estabelece nos diferentes contextos comunicativos e pelos diversos
interagentes.


Apresentar aos alunos esses caminhos de contato/interação com as práticas de letramento
contribui para que o processo de autoria9 se construa no ambiente pedagógico, abrangendo as
diferentes disciplinas escolares. Reconhecer as marcas constituidoras da textualidade, aceitar
tais marcas como “provocações” de sentidos e identificar os propósitos comunicativos são
passos necessários para a produção de textos, tanto para a leitura quanto para a escritura, pois,
conforme nos lembra Marcuschi (1998, p. 4), produz sentidos tanto quem escreve quanto
quem lê textos10.


Em suma, escolher determinadas marcas lingüísticas em meio a muitas outras oferecidas pela
língua, apresentá-las, sistematizá-las, adequá-las aos usos de linguagem, ao cotidiano e à
norma, inscrevê-las nos variados contextos de significação são compromissos de uma prática
que pode, e deve, sistematicamente ser vivenciada na escola. Inclui-se, também, nesse
compromisso, desenvolver estratégias de domínio da ortografia, da gramática da língua/texto,
por meio de atividades significativas com a linguagem, visando à descoberta de caminhos
para o desenvolvimento da competência textual dos alunos. Para isso, é necessário um
trabalho de seleção e de combinação dos elementos lingüísticos no universo das inúmeras
possibilidades que a língua oferece.


Nessa perspectiva, o trabalho com textos nas aulas de Língua Portuguesa oferecerá subsídios
para que a relação do aluno com o texto nas outras disciplinas escolares se amplie, de modo



                                                    UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   5.
que os processos de compreensão/interpretação possibilitem a construção de conhecimentos e
o desenvolvimento da autoria, princípios caros a uma prática pedagógica que se pretende
crítica e participativa.


Ao considerar os aspectos apresentados, a série Um Mundo de Letras: práticas de leitura e
escrita11 toma, ao longo dos cinco programas, o texto como eixo norteador das práticas com a
linguagem na escola, desde a aquisição da escrita, numa perspectiva de alfabetização por meio
de textos, práticas de letramento, ao seu domínio e à habilidade leitora, processos que se
expressam no exercício da autoria, tanto nas práticas de escrita quanto nas de leitura de textos.


A série compreende também pontos de encontro e de desencontro na abordagem dos registros
oral e escrito no fazer pedagógico: a transposição de marcas da oralidade para a escrita, o que
é comum na aquisição deste sistema; dificuldades na aprendizagem da ortografia; adequações
necessárias – e importantes – na construção dos mais variados gêneros discursivos e seus
contextos: do cotidiano aos usos literários, tecnológicos e científicos nas práticas
comunicativas. Essas práticas constituirão assuntos para debates que se pretendem
enriquecedores, sem o objetivo de esgotar a complexa discussão sobre a linguagem no
cotidiano escolar, seus múltiplos aspectos e o domínio normativo.


Ao longo dos cinco programas, serão discutidos temas como, por exemplo: (i) a cultura da
oralidade e a sua importância para o desenvolvimento da escrita; (ii) a leitura de textos como
atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos; (iii) os gêneros discursivos
no cotidiano escolar; (iv) a produção de textos e o domínio das estratégias de organização da
informação e da estruturação textual; (v) a aula de Língua Portuguesa: ensino e gramática .


Esta série pretende, enfim, oferecer aos professores, de diferentes segmentos de ensino e de
áreas do saber, conhecimentos e reflexões que se podem ampliar sobre um fazer pedagógico,
bem como sobre alternativas e sugestões para um trabalho que considere o aluno, antes de
tudo, como sujeito de aprendizagem que, essencialmente, inscreve sentidos na sua relação
constante, colaborativa e co-construtiva na e pela linguagem.




                                                    UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   6.
Pontos para reflexão ao longo da série:


•    Que concepção de língua/linguagem subjaz às práticas de ensino de Língua Portuguesa?


•    De que forma oralidade e escrita perpassam as práticas sociais e escolares de
linguagem?


•    Como considerar as peculiaridades do ensino/aprendizagem da escrita, tomando como
questão político-pedagógica o fato de grande parte dos alunos das escolas públicas ser oriunda
de comunidades em que a cultura oral é o traço predominante?


•    Como conceituar alfabetizar e letrar? O que significa alfabetizar letrando?


•    O que significa tomar o texto como elemento central das práticas de ensino?


•    Qual a importância de, ao se trabalhar com o texto na escola, enfocá-lo com um todo
formado de elementos constitutivos que precisam ser analisados em suas especificidades?


•    De que forma contemplar, nas práticas escolares, textos de diferentes gêneros/tipos,
preservando o debate sobre seus contextos sociais de circulação?




Temas que serão discutidos na série Um Mundo de Letras: práticas de leitura e escrita,
que será apresentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola/SEED/MEC de 16 a
20 de abril de 2007:


PGM 1 – Linguagem: oralidade e escrita


Os objetivos do primeiro programa são: descrever práticas de linguagem, especificando as
características dos registros oral e escrito; destacar os usos de linguagem nos variados
contextos comunicativos, os gêneros que deles resultam. Neste programa, pretende-se




                                                   UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   7.
enfatizar a cultura da oralidade e a sua importância para o desenvolvimento da escrita, discutir
a aquisição do registro escrito como um processo que se dá ao longo das séries iniciais e que
se estende às práticas sociais com a linguagem e, ainda, ressaltar a relação entre usos de
linguagem e norma lingüística: variações lingüísticas e ensino da língua.


PGM 2 – Texto: leitura e produção de sentidos


No segundo programa da série, a proposta é conceituar “texto”, enumerando seus aspectos
constitutivos e destacar sua importância como espaço de interação social. O programa visa,
também, abordar mecanismos de coesão e de coerência textual, diferenciar os tipos de
intertextualidade, apresentar os processos de escrita e leitura sob contextos diversos de
produção e de uso, estabelecer uma comparação entre as principais teorias sobre texto e
leitura, enumerar estratégias lingüísticas que estão em jogo na produção de sentidos (escrita e
leitura)   e   promover   uma    discussão   sobre     as    práticas     de    ensino      da    leitura,
compreensão/interpretação de textos.


PGM 3 – Gêneros textuais: objetos de ensino


O terceiro programa se propõe a destacar os diversos usos de linguagem, a constituição dos
gêneros discursivos e estabelecer uma distinção entre gêneros discursivos/textuais e tipologia
textual, assinalando o enfoque teórico. E, ainda, enfatizar os domínios da estrutura
composicional e do estilo como recursos importantes para a escrita dos mais diferentes textos,
refletir sobre as práticas atuais de linguagem, ressaltar a presença dos gêneros digitais,
destacar o uso da linguagem nos gêneros digitais (televisão, internet) e refletir sobre a sua
concepção na prática pedagógica.


PGM 4 – Compreensão e produção de textos


O quarto programa tem como proposta apresentar estratégias de referenciação discursiva nos
diferentes gêneros e o seu funcionamento na produção de textos (escrita e compreensão).




                                                     UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   8.
Sugerir atividades de sala de aula que levem em conta a diversidade constitutiva dos gêneros,
bem como as particularidades da linguagem. Objetiva, também, ressaltar a importância da
diversidade de gêneros para um trabalho com a produção de textos na escola, tanto para a
escrita quanto para a intelecção. Enfatizar a presença de textos literários na escola e o trabalho
com a multiplicidade de sentidos e, ainda, identificar a ambigüidade como recurso lingüístico
em gêneros como, por exemplo, publicitário e humorístico (piadas).


PGM 5 – A gramática na escola


No último programa da série, os debates vão focalizar a estruturação de uma abordagem
pedagógica de gramática a partir das três concepções básicas – mecanismo internalizado,
descritiva e normativa –, que se adeqüe ao ensino de língua que toma o texto como unidade de
ensino. Esta concepção pedagógica privilegia a dimensão significativa no ensino de
gramática. Pretende-se apresentar o trabalho com a gramática da língua em suas diferentes
variedades (inclusive a variedade oral e escrita) por meio de quatro tipos de atividades de
ensino de gramática: uso, reflexiva, normativa, teórica. O programa visa, ainda, discutir
sobre as concepções de erro e de adequação no ensino de gramática para a
produção/compreensão textual, tendo em vista a situação concreta e específica de interação
comunicativa em que se insere o ato de produzir/compreender textos e, conseqüentemente,
como pode/deve acontecer a intervenção do professor para orientar os alunos na seleção de
recursos lingüísticos para a constituição de sua fala e escrita.




                               Notas:


                                Doutora em Lingüística pela UNICAMP. Analista Educacional do programa Salto para o
                               Futuro/TVEscola/SEED/MEC. Professora Adjunta de Língua Portuguesa do Centro
                               Universitário Tecnológico Estadual da Zona Oeste/UEZO – Campo Grande/Rio de Janeiro.
                               Consultora desta série.

                               2
                                Mestre em Educação pela PUC-Rio. Supervisora Pedagógica do programa Salto para o
                               Futuro/ TVEscola/SEED/MEC. Consultora desta série.

                               3
                                   BARTHES, Roland. O prazer do texto, São Paulo, Perspectiva, 1987, pp. 82-83.

                               4
                                 Trata-se de um ramo da Lingüística que se desenvolveu na Europa, especialmente, na
                               Alemanha e que tem como objeto de estudo o texto. Os estudos da Lingüística do Texto vêm




                                                                UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   9.
se expandindo e ganhando destaque não só na Ciência da Linguagem, pois estabelecem
diálogos com outras ciências como, por exemplo, Filosofia da Linguagem, Psicologia Cognitiva
e Social, Antropologia, Ciências da Computação, entre outras. Para aprofundamento,
sugerimos a leitura de KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à Lingüística Textual:
trajetória e grandes temas. São Paulo, Martins Fontes, 2004.

5
  Nesta proposta não fazemos uma distinção entre compreensão e interpretação, tal como
propõe a Análise do discurso, ciência que tem como objeto de estudo o discurso, seus
processos e condições de produção, entendemos os processos como interdependentes. Uma
distinção para esses conceitos encontra-se no livro ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise do
discurso: princípios e procedimentos. Campinas, São Paulo, Pontes, 5 ed., 2003: “(...) A
interpretação é o sentido pensando-se o co-texto (as outras frases do texto) e o contexto
imediato. (...) No entanto, a compreensão é muito mais do que isso. Compreender é saber
como um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música, etc.) produz sentidos. É saber
como as interpretações funcionam. Quando se interpreta já se está preso em um sentido. A
compreensão procura a explicitação dos processos de significação presentes no texto e
permite que possam ‘escutar’ outros sentidos que ali estão, compreendendo como eles se
constituem” (p. 26).

6
 Bakhtin, em seu livro Estética da criação verbal, propõe a classificação dos gêneros, “formas
mais ou menos estáveis de enunciados”, em primários – aqueles que fazem parte da esfera
cotidiana da linguagem e que podem ser controlados diretamente na situação discursiva, tais
como: bilhetes, cartas, diálogos, relato familiar..., e secundários - textos, geralmente,
mediados pela escrita, que fazem parte de um uso mais oficializado da linguagem; dentre eles,
o romance, o teatro, o discurso científico... que, por essa razão, não possuem o imediatismo
do gênero anterior. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ---, Estética da criação
verbal, [trad. francês. Maria Ermantina Galvão; revisão, Marina Appenzeller], 3 ed. São Paulo,
Martins Fontes, 2000, p. 279-287.

7
 É importante destacar que, como tem evidenciado KOCH em vários de seus trabalhos, não
há “o” sentido para o texto, mas sentidos possíveis que se partilham no curso de interação. O
produtor, por meio das escolhas lingüísticas, orienta o leitor na construção do(s) sentido(s) que
se dá em variadas direções contando com informações textuais e extratextuais.

8
   A coesão não se estabelece somente por meio de articuladores e/ou elementos
encadeadores explicitados na superfície textual, mas também por meio da construção de
inferências, isto é, “estratégias cognitivas por meio das quais o ouvinte ou o leitor, partindo da
informação veiculada pelo texto e levando em conta o contexto (em sentido amplo), constrói
novas representações mentais e/ou estabelece uma ponte entre segmentos textuais, ou entre
informação explícita e informação não explicitada no texto”. KOCH, Ingedore G. V.
Desvendando os segredos do texto. São Paulo, Cortez, 2002, p. 50.

9
  Para que o sujeito se constitua autor, ele deve ser capaz de organizar seu discurso
extrapolando os aspectos formais e as regras que condicionam o texto, deve imprimir ao texto
suas marcas, isto é, sua singularidade, sua expressividade enquanto produtor de sentidos.
Sobre esse assunto sugerimos a leitura: POSSENTI, Sírio. Indícios de autoria, Revista
Perspectiva, Florianópolis, v.20, nº01, p. 105-124, jan./jun. 2002.

10
  MARCUSCHI, Luiz Antonio. Aspectos lingüísticos, sociais e cognitivos na produção de
sentido. Texto apresentado por ocasião do GELNE, 2-4 de setembro, 1998. Mimeografado.

11
   Esta proposta origina-se da série “Um Mundo de Letras” exibida pela TV Escola, canal da
Secretaria de Educação a Distância (SEED/MEC), em cinco programas sob os títulos: “Um
mundo imerso em palavras”; “O poder das histórias”; O som das palavras “; As normas da
língua”; “Caminhos para ler o mundo”, respectivamente. A série original trata de questões
relativas à alfabetização, letramento e cidadania, levando em conta as diferenças culturais e
regionais do Brasil. Na série, os programas traçam um panorama de experiências propondo
novas maneiras de abordar o processo de alfabetização e incentivar a prática da leitura.




                               UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.           10 .
PROGRAMA 1

                                                   LINGUAGEM: ORALIDADE E ESCRITA

          O essencial para saber ler e escrever no processo inicial de alfabetização



                                                                                  Luiz Carlos Cagliari1



1.        Introdução


O processo de alfabetização depende de muitos fatores, porém, o principal deles é como uma
pessoa consegue ler. O segredo da alfabetização está, pois, na leitura. O termo leitura tem
muitos sentidos, aplicando-se a muitas áreas e a habilidades diferentes, como ler o mundo, ler
um quadro, fazer uma leitura de um fato ou de um lugar, etc. Na escola, o significado mais
usual e mais importante é saber interpretar. A leitura é algo que traz uma mensagem que
precisa ser entendida. Para se chegar a essa habilidade, é preciso percorrer um longo caminho
de estudos e praticar o ato de ler inúmeras vezes, em inúmeras circunstâncias e com inúmeros
tipos de material escrito. Esse é o ponto de chegada. Mas, para alcançar esse objetivo, é
preciso dar os passos iniciais. A alfabetização é, exatamente, os primeiros passos dessa
caminhada. Mal comparando, a alfabetização se assemelha ao engatinhar de uma criança e
seus primeiros passos na vida. Andar e correr são habilidades que vêm depois.


2.        Definindo o que é a alfabetização


As considerações acima nos permitem definir o processo de alfabetização como a habilidade
de saber ler no sentido primeiro do ato de ler, que é decifrar o que está escrito. O resto vem
depois.


A definição de alfabetização tem estreita ligação com o objetivo da escrita, que é permitir a
leitura. Todos os sistemas de escrita têm esse objetivo. Desse modo, nenhum sistema de



                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   11 .
escrita transcreve a fala de uma pessoa ou de grupo social, mas simplesmente a representa.
Esta é a razão pela qual cada um lê em seu dialeto. Um paulista lê uma revista em seu dialeto,
mas a mesma revista é lida por um carioca, um gaúcho, um nordestino, um português, um
angolano em diferentes dialetos. Seria ridículo que todos fossem obrigados a ler numa única
variedade. Diante disto, a escola precisa saber que seus alunos irão ler cada qual em seu
dialeto. A leitura no dialeto padrão é uma habilidade que vem mais adiante.


3. A linguagem oral e a linguagem escrita


Todo falante de uma língua fala comumente em seu dialeto, mas é ouvinte de todos os outros
que encontrar. A variação lingüística, entre outras características, traz marcas geográficas
(paulista, carioca, nordestino, português europeu, angolano, etc.), marcas sociais (dialeto dos
letrados, dos ricos, dialeto das classes pobres, dos advogados, dos jovens, dos idosos, etc.) e
marcas de estilo (dialeto padrão, estilo formal, informal, gíria, jargão, etc.). Essas marcas
representam regras diferentes de falar, regras gramaticais e regras de uso social. A variação
nas regras gramaticais não mostra um despreparo, uma deficiência, um descuido, mas um
sistema bem estabelecido. Somente a comparação de um sistema com outro é que mostra as
variações de uma mesma língua. Com os usos, a variação adquire valores sociais, atribuídos
pela sociedade e não pelo sistema gramatical. Quando alguém acha que uma pessoa das
classes mais desfavorecidas fala errado, está emitindo um juízo falso lingüisticamente, porque
essa pessoa usa seu sistema gramatical com perfeição. Isto ocorre com todos os dialetos. Na
sociedade, porém, é preciso, às vezes, falar o dialeto padrão do lugar, para mostrar aos outros
que a pessoa tem estudos e cultura e sabe se comportar de modo adequado aos costumes do
lugar. É por isso que a escola vai ensinar o dialeto padrão a quem não sabe, dando a esses
alunos uma chance a mais de ter melhores oportunidades na vida em sociedade.


Como a escrita é uma marca da cultura da sociedade, obviamente, adota uma variedade culta
da linguagem oral para sua forma escrita. Não escrevemos no nosso dialeto, mas no dialeto
padrão. Isso não é um empecilho, pelo contrário, faz com que a escrita cumpra seu objetivo
maior, que é permitir a leitura, deixando que cada falante leia em seu dialeto ou no dialeto
padrão.




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   12 .
4. Começar sem saber


As crianças que começam a se alfabetizar sabem falar uma variedade (dialeto). Grande parte
delas sabe ouvir e entender o dialeto padrão, mas não o usam, porque sua vida na comunidade
não exige isso. Portanto, o processo de alfabetização precisa começar usando a variedade dos
alunos e não uma variedade que eles não falam.


5. A ortografia organiza a leitura


Para a escrita conseguir seu objetivo, ela teve que inventar a ortografia. Sem a ortografia,
nosso sistema iria trazer incontáveis formas diferentes de escrever uma mesma palavra,
porque as pessoas falam de modos diferentes (cf., por exemplo, compremu, compramos,
compramu; acharão, acharu; dentro, drentu; mais, maich; caldo, caldu, cardo, cardu, carrdu,
etc.). Com isto, descobrimos que quem manda no sistema de escrita é a ortografia e não o
princípio alfabético (letra = som e vice-versa). Uma letra representará tantos sons quantos
ocorrerem para ela em todas as palavras da língua; para todos os falantes, a letra A tem o som
de A em andamos; o som de E em andemu; o som de U em andaru, etc.


6. A categorização gráfica organiza o visual da escrita


A primeira coisa que uma pessoa precisa fazer para decifrar uma escrita é reconhecer quais
caracteres estão escritos, que letras a palavra tem. Dependendo do tipo de letra (fonte, estilo),
a pessoa pode ter sérias dificuldades. Se ela não souber que letra está escrita, como poderá
proceder à leitura? Todos nós já passamos pela experiência de não saber ler o que alguém
escreveu, porque não identificamos as letras. As letras de fôrma, sobretudo maiúsculas, são as
de mais fácil identificação. As letras minúsculas, menos, mas, como estamos familiarizados,
esses dois tipos são os melhores. Letra cursiva é muito difícil para o principiante, porque ele
não sabe onde começa uma e acaba outra. É importante salientar que as dificuldades iniciais
de um alfabetizando são muito diferentes das dificuldades que aparecem ao longo dos
estudos. No começo, a escrita parece o que, para nós, seriam rabiscos; depois, formas
geométricas; depois, letras. As diferentes formas de escrever uma mesma letra também são



                                                   UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   13 .
uma fonte de grandes perplexidades por parte de alguns alunos. Um rabisco torna-se letra
quando adquire uma função no sistema de escrita, isto é, representa um som numa palavra.
Nesse momento, a letra torna-se uma unidade abstrata. Por isso, podemos variar sua forma
gráfica que suas funções permanecem as mesmas (cf. a - a; E - e; B - b; R - r, etc.).


7. O princípio acrofônico é um bom começo


Para se identificar as letras, principalmente na escrita cursiva ou como atividade inicial do
alfabetizando, recorremos à identificação da palavra. A palavra é a principal unidade de todos
os sistemas de escrita, inclusive o alfabético. Identificada uma palavra (possível, verdadeira
ou falsa – dependendo da adivinhação), o leitor passa a atribuir à palavra as letras, seguindo
seus conhecimentos da ortografia. Se o aluno não souber a ortografia, seu processo de
adivinhação é total e terá mais chances de errar. Feita a identificação das letras, passa-se à
interpretação da palavra. Neste caso, o contexto em que ela se insere é de grande ajuda,
porque o seu significado precisa se encaixar em meio a outros significados.


Dadas essas dificuldades, é comum, na alfabetização, que o professor diga de qual palavra se
trata para, em seguida, analisar quais letras tem, como se combinam e, assim, decifrá-la pela
análise das letras. Por razões de motivação, muitos professores começam a alfabetizar usando
os nomes das crianças. É pelos nomes de pessoas e de objetos que os pais também procedem,
quando querem começar a alfabetizar seus filhos.




8. A categorização funcional é o que vale


Apesar das dificuldades do sistema de escrita, os procedimentos de identificação gráfica das
letras e de sua associação com alguns sons possíveis (princípio acrofônico) fazem com que o
processo de alfabetização dê a partida suavemente e coloque o processo em aceleração. Como
o objetivo da alfabetização é saber ler, levando-se em conta outros fatores pressupostos (cf. os




                                                   UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   14 .
alunos sabem falar, sabem refletir minimamente sobre a linguagem em seu aspecto fonético e
semântico...), uma boa metodologia consiste em desenvolver no aluno a habilidade de ler,
identificando letras e palavras. Em pouco tempo, os alunos são desafiados a ler uma variedade
de palavras e isso lhes dá autoconfiança.


O grande problema do processo de alfabetização está no outro lado da moeda: escrever.
Ninguém se alfabetiza escrevendo apenas. Basta copiar chinês, para aprender chinês? Basta
fazer hipóteses sobre a escrita chinesa para aprendê-la? Muitos conhecimentos são
necessários, muitas regras precisam ser aprendidas na teoria e na prática. Quando se lê, a
palavra já vem pronta na sua escrita ortográfica. Quando se vai escrever, é preciso partir da
fala (do dialeto); analisar quais sons (vogais e consoantes) a palavra tem; buscar uma
correspondência entre sons e letras, no começo, por um processo, em parte, de adivinhação
(princípio acrofônico); passar os sons para letras; checar o resultado (ortografia ou algum tipo
de escrita permitido). Esta é uma habilidade altamente complexa, que o aluno consegue
começar e desenvolver somente depois que adquiriu certa prática de leitura decifrativa, isto é,
depois de adquirir certa prática de manuseio de letras, sons e palavras. A consciência da
variação dialetal na leitura ajuda o aluno, no caminho de volta, a não se assustar com as
diferenças entre fala e escrita, indo diretamente para as formas ortográficas ou semi-
ortográficas.


O fato de uma letra referir-se a muitos sons, por causa da variação dialetal, porém exercer
uma mesma função no sistema ortográfico chama-se categorização funcional das letras. É a
alma do negócio.


Com o desenvolvimento de algumas habilidades de reconhecimento – 1) da forma gráfica das
letras (categorização gráfica); 2) de algumas relações entre letras e sons (princípio
acrofônico); 3) da função ortográfica que gerencia as relações entre fala e escrita
(categorização funcional) – o alfabetizando, em pouco tempo, aprende como proceder para
saber ler e escrever. A sofisticação dessas habilidades requer tempo, prática e dedicação. Para
isto, é necessária a ação do professor, não somente a do aluno.




                                                   UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   15 .
9. A prática do professor


Há muitos métodos de alfabetização. Há muitas teorias. Há práticas diferentes. Todavia, em
nenhum caso se dispensa o professor, que deve ter uma formação bem feita, que lhe dê o
instrumental teórico e prático para conduzir o processo de alfabetização. Como em todas as
atividades da vida, a competência técnica faz a diferença. Quanto mais o professor souber
sobre a linguagem oral e escrita, melhores chances ele terá de ensinar e de orientar seus
alunos para que superem suas dificuldades e atinjam os objetivos propostos. O modo como o
professor irá trabalhar o princípio acrofônico (também chamado de princípio alfabético), a
categorização gráfica e a categorização funcional, isto é, ensinar a reconhecer letras, montar
palavras na leitura e na escrita, enfim, sua programação de atividades, é uma questão que tem
de ser deixada para o professor resolver, porque, afinal, ele é quem conhece a classe de alunos
que tem e quais suas habilidades como professor. O método é o professor, mas os
conhecimentos técnicos precisam ser buscados na ciência, no caso, na Lingüística. Grandes
problemas advieram à Educação neste país, quando substituíram o professor pelos métodos
prontos (da alfabetização à universidade). O ser professor exige dele ciência e arte: ciência
para tratar cientificamente de tudo que ensina e arte para interagir com seus alunos e orientá-
los no processo de aprendizagem.


10. A prática na prática


Sem querer substituir o professor por um método predeterminado e por ações definidas passo
a passo, a prática de ensino em sala de aula acaba sugerindo procedimentos metodológicos
que, devidamente adaptados a cada professor, ajudam o processo de ensino e de
aprendizagem. As sugestões abaixo estão voltadas para os três pontos teóricos destacados.


Categorização gráfica:


•      Usar um painel com o alfabeto de letras de fôrma maiúsculas, incluindo Ç, K, Y, W.


•      Ensinar o nome das letras (um pouco por vez).



                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   16 .
•        Falar sobre o mundo da escrita, história da escrita, variação no aspecto gráfico das
letras, sem fazer exercício; bastam os exemplos comentados.


•      Mais adiante, ensinar as letras de fôrma minúsculas comparadas com as maiúsculas.


Princípio acrofônico (alfabético):


•      Mostrar a relação entre letra e som, usando a primeira letra dos nomes dos alunos, de
pessoas conhecidas e de objetos.


•      Mostrar rimas e destacar as letras iguais nas palavras.


•      Descobrir letras dentro de palavras. Usar pares de palavras em que há a variação de
apenas uma letra/som (pares mínimos do tipo pata – lata; boi - foi).


•      Descobrir sons em diferentes contextos de palavras e quais as letras que os
representam.


Categorização funcional:


•     Discutir com os alunos a questão da variação dialetal, pronúncias diferentes para uma
mesma palavra.


•      Discutir a questão da ortografia, como forma de neutralizar a variação dialetal.


•      Escrita espontânea de palavras, de frases, de histórias.


•      Correção ortográfica comentada.


Exemplos de estratégias de escrita




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Tentativa da Júlia de escrever um bilhete para sua amiga Carol. Apesar de conhecer a forma
gráfica de algumas letras isoladas (começou a escrever seu nome), o texto manuscrito se
mostra com uma forma gráfica diferente, uma seqüência de laços. Aqui falta o conhecimento
da categorização gráfica das letras. A criança escreve assim por causa da maneira como
interpreta o gesto mecânico de escrita do adulto, que mantém o lápis fixo ao papel
constantemente.




Outra estratégia de escrita de uma história. O primeiro exemplo mostra um uso de letras de
fôrma maiúsculas e o segundo, de escrita manuscrita cursiva. Os dois alunos aprenderam a
forma gráfica de algumas letras e escreveram seqüências de letras. Aqui falta o conhecimento
da categorização funcional das letras. Quando esta prática se repete, o aluno fica
completamente perdido, porque ele sabe que não sabe ler.




Conhecendo a forma gráfica das letras, a criança é capaz de escrever palavras cujas letras são
ditadas por um adulto [HOMEM DA LUA]. Esse ditado-cópia não é suficiente para que a
criança aprenda a ler, mas pode ser um bom começo. O fato de um aluno “decorar” a escrita




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de algumas palavras e de identificá-la lendo ajuda-o a refletir sobre a categorização funcional,
ou seja, a relação entre letras e sons. Quando, porém, a memorização é mecânica ou simples
cópia, a reflexão do aluno desaparece.




Os antigos e modernos ditados podem perpetuar a dificuldade que o aluno tem com a
categorização funcional, mesmo quando adquirem excelente caligrafia. Não adianta pedir para
a criança pensar, fazer hipóteses: ela precisa mesmo de explicações detalhadas. Analisar com
os alunos como se lê e como se escreve uma palavra vale muito mais do que muitos ditados
tradicionais.




Alguns alunos não chegam nem mesmo a aprender a categorização gráfica, apesar de
escreverem ocasionalmente algumas letras. Esta tentativa de escrever o próprio nome revela
isso. A variação no traçado mostra que a aluna poderia ser uma boa copista, mas só isto não
basta. Ela sabe que a simples cópia não a leva a escrever por iniciativa própria o que desejar;
então, começa a fazer tentativas estranhas. A questão da programação de conteúdo e das
estratégias de ensino e de aprendizagem, na alfabetização, assume um papel muito importante.
A alfabetização não pode ser feita “de qualquer jeito”.




                                                   UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   19 .
Com poucos conhecimentos, um aluno já pode tentar escrever suas histórias. Os erros de
ortografia vão aos poucos sumindo e sobram poucos. Ao tentar escrever com os próprios
recursos, aparecem muitas hipóteses de como os alunos acham que as palavras são escritas
(ortografia) e de como se pode contar um fato (organização do texto). Grande parte do
processo de alfabetização é dedicada a isso. Veja: Oca chorro / caxorro [cachorro]; mimodeu
[me mordeu]; no são [no chão]. Se o aluno só escreve, sem o professor analisar, discutir e
corrigir, - com o tempo, o aluno acha que pode escrever de qualquer jeito.




                                                UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   20 .
O menino guardinnha

O menino ele apredeu ser um guarda iele eraosje

iele mãondava todo os quardas ida cidade para

ve sinão tei ladro sitifer eles prede sinão tifer ele

não prede ieles jegara com um labral qui eu mandei

[não prende e eles chegaram com um ladrão que eu mandei]

Mais eles pegaro o homen erado ieu fale i o nome dele

iera dodal mente erado o nome dele era Artur muito erado

easim acaba aestoria     fin


O professor não precisa ter medo de ver textos escritos assim. Eles mostram que o aluno já
aprendeu a ler (está alfabetizado) e está muito adiantado na habilidade de passar da fala para a
escrita. Muitos problemas de escrita podem se reduzir a dificuldades ortográficas, porém,
esses problemas se corrigem com o tempo.


As hipóteses que as crianças fazem quando aprendem a ler e a escrever, ou seja, o que
costuma acontecer durante o processo de alfabetização


1. Diferença entre desenho e escrita: desenho representa o mundo, escrita representa palavra.
A escrita pode ser figurativa (pictogramas) ou geométrica (letras)


☼ SOL      ♥ AMOR  TELEFONE  BICICLETA                              CHUVA


2. Como a escrita representa a fala e permite a leitura, qualquer rabisco pode assumir o valor
de escrita, como as assinaturas e os rabiscos que as crianças fazem para escrever. Esse
sistema, porém, não pode ser usado para todas as finalidades da escrita.




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3. Aprendendo a forma gráfica das letras do alfabeto, a criança passa a escrever usando
seqüências de letras aleatórias: ASPTLMONSPTOA [era uma vez um macaco chamado
Mico]. Aluno que escreve assim é sinal de alerta para o professor: está indo para o caminho
errado. É preciso usar palavras curtas para explicar as relações entre letras e sons.


4. Quando o aluno é exposto à escrita manuscrita cursiva, pode interpretar erroneamente a
forma gráfica das letras. Com essa dificuldade não saberá, depois, relacionar letras com sons.
Um aluno que vê escrito prato pode pensar que essa palavra tem as seguintes letras: j s c a t
i e ou que rato começa com a letra c.


5. Aluno não corrige e vai escrevendo o que acha que precisa. Assim, uma palavra como “pai”
acaba recebendo a seguinte escrita: APAAIPAI e “sapato”: SABAPATO. A escrita está
correta, mas veio com os erros da tentativa de escrita. Isto é muito comum, mas alguns
professores não se dão conta disso.


6. Ao relacionar letras com sons, alguns alunos usam o nome das letras e não o valor
alfabético. Assim, escrevem HRA para “agora”. CAMLO para “camelo”, etc.


7. Seguindo o modelo das cartilhas, alguns alunos, em vez dos nomes das letras, usam as
famílias de letras (BaBeBiBoBu) e escrevem LT para “lata”; OA para “bola”.


8. Aparecem as mesmas escritas acima, quando o aluno repete várias vezes uma sílaba para
perceber sua maior saliência: LA LA LA        TA TA TA: tem o L e o T; ou prolonga a sílaba:
BOOOO LAAAA: tem o O e o A.


9. Eventualmente, alguns alunos escrevem palavras ou letras de forma espelhada. Um pouco
de exercício de escrita espelhada e não espelhada, feito pelo professor, mostra o contraste e o
uso da direção da escrita.




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10. Nas escritas espontâneas iniciais, depois que o aluno aprendeu a usar letras relacionadas
com sons, a primeira dificuldade que aparece é de como separar as palavras da fala em escrita.
A falta de segmentação ou a segmentação indevida aparecem. Isso deve ser tratado como erro
de ortografia, que se corrige com o tempo.


Ex.: erumaveis [Era uma vez]; sitifer [se tiver]; aestoria [a estória]


oca choro [o cachorro]; dodal mente [totalmente]; nucei [não sei]


11. A troca de letras tem muitas causas: variação, murmurar os sons, atenção, etc.


bargi [balde]; acharo [acharam]; comprano [compando]; mecadio [merdadinho]; tele [dele];
latrão [ladrão]; pola [bola]


13. Na alfabetização, ocorrem muitos casos de hipercorreção: o aluno corrige uma forma
errada e, depois, generaliza uma regra que não se aplica em outros contextos. Ele escreve
MEDECO, corrige para MÉDICO e, depois, passa a escrever DECE em vez de DISSE;
corrige POLA, escrevendo BOLA e, depois, escreve BETE para PENTE.


14. Alguns alunos misturam letras (quando estudam vários estilos ao mesmo tempo):


caCHorro; casTeLo.


15. Ao aprender ou ver algumas marcas da escrita, como acentos, til, alguns alunos começam
a colocar tais marcas em lugar errado: petecã; éla; úrúbú, póde.


16. Erros de ortografia podem mostrar uma variedade de casos. No fundo, erro de ortografia é
erro de ortografia. Com relação à grafia das palavras: ou se sabe ou não se sabe; ou se escreve
certo ou errado. Por isso, o aprendizado da ortografia exige tempo, muita leitura e muito
exercício de escrita sob a supervisão do professor. Os erros de ortografia costumam chocar




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muito os professores e demais adultos, mas, na alfabetização, é um estágio inevitável de
aprendizado.


17. Não confundir simples erro de ortografia com outros tipos de erros que têm causas mais
graves, revelando que o aluno não aprendeu a categorização gráfica ou funcional das letras.
Os erros de ortografia têm uma relação com uma possível dúvida ortográfica e não é
simplesmente uma escrita estranha. Assim, se o aluno escreve MIGODE em vez de BRINCO
DE não é um simples erro de ortografia. Mas, se escreve BICO em vez de BRINCO pode
revelar uma simples dificuldade com a ortografia, no início. A falta de letras é mais grave do
que o uso estranho de certas letras em certos contextos.


18. Superadas as dificuldades acima, a partir de então, os alunos podem escrever textos livres,
      espontâneos ou motivados pelo professor. A passagem do texto oral internalizado na
      mente do aluno para o texto escrito, expresso no papel, apresenta algumas dificuldades
      e problemas específicos. O sucesso da produção de bons textos depende crucialmente
      do modo como o professor leva seus alunos a produzirem textos. Se o modelo é de
      frases soltas, o resultado será textos desconexos. Se o aluno tiver mais liberdade para
      expressar na escrita o que poderia dizer falando, o resultado será textos mais bem
      elaborados.


11. Bibliografia comentada


Alfabetização e Lingüística (de Luiz Carlos Cagliari, Editora Scipione, São Paulo, 10ª ed.
2006 – 1ª ed. de 1989). O livro apresenta uma visão geral dos problemas de linguagem oral e
de linguagem escrita, que aparecem no processo de alfabetização. Acompanha um cartaz
sobre a história das letras. Obra essencial para quem precisa de informações lingüísticas
aplicadas à prática de alfabetização.


Alfabetizando sem o Ba Be Bi Bo Bu (de Luiz Carlos Cagliari, Editora Scipione, São Paulo,
1998). Além de apresentar as questões teóricas que constituem os conhecimentos técnicos




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   24 .
lingüísticos de que um alfabetizador precisa, traz comentários sobre métodos e metodologias,
bem como sugestões de atividades.


Diante das Letras: a escrita na alfabetização (de Gladis Massini-Cagliari e Luiz Carlos
Cagliari, Editora Mercado de Letras, Campinas, 1999). Coletânea de artigos sobre diferentes
aspectos da linguagem oral e escrita, como categorização gráfica, funcional, ortografia,
história do alfabeto e o que é preciso saber para ler, decifrando a escrita.




                               Nota:


                               Professor Adjunto MS-5, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus
                               de Araraquara, SP. Desenvolve pesquisas nas seguintes áreas: Lingüística, com
                               especialidade em Fonética; Alfabetização; Sistemas de escrita; Ensino e aprendizagem;
                               Letramento.




                                                          UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.       25 .
PROGRAMA 2

                                           TEXTO: LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDO
                                                         Texto: leitura e produção do sentido


                                                                             Ingedore G. Villaça Koch1




Neste texto tomo, como pressuposto básico, a concepção de que o texto é lugar de interação
de sujeitos sociais que, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos. E, ainda, que
esses sujeitos – ao operarem escolhas significativas entre as múltiplas formas de organização
textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua lhes oferece – constroem
objetos-de-discurso e propostas de sentido, por meio de ações lingüísticas e sociocognitivas.
A esta concepção subjaz, necessariamente, a idéia de que há, em todo e qualquer texto, uma
gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis pela mobilização do
contexto sociocognitivo no interior do qual se movem os atores sociais.


Em decorrência, fica patente que a leitura de um texto exige muito mais que o simples
conhecimento lingüístico compartilhado pelos interlocutores: o leitor é, necessariamente,
levado a mobilizar uma série de estratégias tanto de ordem lingüística, como de ordem
cognitivo-discursiva, com o fim de levantar hipóteses, validar ou não as hipóteses formuladas,
preencher as lacunas que o texto apresenta, enfim, participar, de forma ativa, da construção do
sentido. Dessa forma, autor e leitor devem ser vistos como ‘estrategistas’ na interação pela
linguagem.


1. Concepção de leitura


Fala-se, constantemente, sobre a importância da leitura na nossa vida, sobre a necessidade de
cultivar o hábito de leitura entre crianças e jovens, sobre o papel da escola na formação de
leitores competentes. Mas, no bojo dessa discussão, cabe levantar uma série de questões,
como: O que é ler? Para que ler? Como ler? Evidentemente, as perguntas poderão ser




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   26 .
respondidas de diferentes modos, cada um deles revelando uma concepção de leitura,
dependendo da concepção de sujeito, de língua, de texto e de sentido que se adote.


1. 1. Leitura: foco no autor


Sobre essa questão, afirmei em Koch (2002) que, à concepção de língua, como
representação do pensamento, corresponde a de sujeito psicológico, individual, dono de
sua vontade e de suas ações. Trata-se de um sujeito visto como um ego que constrói uma
representação mental e deseja que esta seja “captada” pelo interlocutor exatamente da maneira
como foi mentalizada.


Nessa concepção de língua como representação do pensamento e de sujeito como senhor
absoluto de suas ações e de seu dizer, o texto é visto como um produto – lógico – do
pensamento (representação mental) do autor, nada mais cabendo ao leitor senão “captar” essa
representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor, exercendo,
assim, um papel totalmente passivo.


A leitura, assim, é entendida como a atividade de captação das idéias do autor, sem que se
levem em conta as experiências e os conhecimentos do leitor, a interação autor-texto-leitor
com propósitos constituídos socio-cognitivo-interacionalmente. O foco de atenção é, somente,
o autor e suas intenções. Daí as perguntas que, freqüentemente, são feitas: Foi isso mesmo
que o autor quis dizer? Será que o autor realmente pensou nisso?


1.2. Leitura: foco no texto


Por sua vez, à concepção de língua como estrutura corresponde à de sujeito determinado,
“assujeitado” pelo sistema, caracterizado por uma espécie de “não consciência”. O
princípio explicativo de todo e qualquer fenômeno e de todo e qualquer comportamento
individual repousa sobre a consideração do sistema, quer lingüístico, quer social.




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   27 .
Nessa concepção de língua como código — portanto, como mero instrumento de
comunicação — e de sujeito como (pre)determinado pelo sistema, o texto é visto como
simples produto da codificação de um emissor, a ser decodificado pelo leitor/ouvinte,
bastando a este, para tanto, o conhecimento do código utilizado.


Conseqüentemente, a leitura é vista como uma atividade que exige do leitor o foco no texto,
em sua linearidade, uma vez que tudo está dito no texto. Se, na concepção anterior, ao leitor
cabia o reconhecimento das intenções do autor, nesta concepção cabe-lhe somente o
reconhecimento do sentido das palavras e estruturas do texto: basta-lhe conhecer o código (a
língua), que terá a chave para a interpretação. Em ambas, porém, o leitor é caracterizado como
passivo, por realizar uma atividade de reconhecimento, de reprodução.


1.3. Leitura: foco na interação autor-texto-leitor


Em contraposição às concepções anteriores, na concepção interacional (dialógica) da
língua, os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que —
dialogicamente — se constroem e são construídos no texto, considerado o próprio lugar da
interação e da constituição dos sujeitos da linguagem. Desse modo, há lugar, em todo e
qualquer texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente
detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes
da interação.


Nessa perspectiva, o sentido de um texto é construído na interação texto-sujeitos e não é
algo que preexista a essa interação. A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente
complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos
lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a
mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo. Isto é:


a) a leitura é uma atividade na qual se levam em conta as experiências e os conhecimentos do
leitor;




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   28 .
b) a leitura exige do leitor bem mais do que o conhecimento do código lingüístico, uma vez
que o texto não é apenas o produto da codificação de um emissor a ser decodificado por um
receptor passivo.


É esta a concepção sócio-cognitivo-interacional de língua que privilegia os sujeitos e seus
conhecimentos em processos de interação. O lugar mesmo de interação é o texto, cujo
sentido “não está lá”, mas é construído, considerando-se, para tanto, as “sinalizações” ou
pistas textuais fornecidas pelo autor e os conhecimentos do leitor que, durante todo o
processo de leitura, deve assumir uma atitude “responsiva ativa” (Cf. Bakhtin, 1992, p.
290). Em outras palavras, espera-se que o leitor concorde ou não com as idéias do autor,
complete-as, adapte-as, etc., uma vez que “toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma
forma ou de outra, forçosamente, a produz” (Bakhtin, 1992, p. 290).


2. A interação: autor-texto-leitor


Pela consonância com essa posição, destacamos aqui um trecho dos Parâmetros Curriculares
Nacionais de Língua Portuguesa (1998):


                    “A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do
                    significado do texto, a partir dos seus objetivos, do conhecimento sobre o assunto, sobre o
                    autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do
                    sistema de escrita, etc. Não se trata simplesmente de ‘extrair informação da escrita’
                    decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que
                    implica, necessariamente, compreensão. Qualquer leitor experiente que conseguir analisar
                    sua própria leitura constatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que
                    utiliza quando lê: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias como seleção,
                    antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível rapidez e proficiência. É
                    o uso de procedimentos desse tipo que permite controlar o que vai sendo lido, tomar
                    decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-se diante do desconhecido,
                    buscar no texto a comprovação das suposições feitas etc.”




                                                           UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   29 .
Nesse trecho, encontra-se reforçado, na atividade de leitura, o papel do leitor enquanto um
construtor de sentido, utilizando-se, para tanto, de uma série de estratégias, entre as quais a
seleção, antecipação, inferência e verificação.


2.1.      Estratégias de leitura


Assim, espera-se que o leitor processe, critique, contradiga ou avalie a informação que tem
diante de si, que a aceite ou a conteste, que dê sentido e significado ao que lê (cf.: Solé, 2003,
p. 21).


Essa concepção de leitura, que põe em foco o leitor e seus conhecimentos, em interação com
o autor e o texto, para a construção de sentido, vem já há algum tempo merecendo a atenção
de estudiosos do texto e alimentando muitas pesquisas sobre o tema.


 Na qualidade de leitores ativos, estabelecemos relações entre nossos conhecimentos
 anteriormente constituídos e as novas informações contidas no texto, fazemos inferências,
 comparações, formulamos perguntas relacionadas com o seu conteúdo. Mais ainda:
 processamos, criticamos, contrastamos e avaliamos as informações que nos são
 apresentadas, produzindo sentido para o que lemos. Em outras palavras, agimos
 estrategicamente, o que nos permite dirigir e auto-regular nosso próprio processo de leitura.


2.2. Objetivos de leitura


É claro que não devemos nos esquecer de que a constante interação entre o conteúdo do texto
e o leitor é regulada, também, pelo propósito com que lemos o texto, pelos objetivos da
leitura. De modo geral, podemos dizer que há textos que lemos para nos manter informados
(jornais, revistas); há outros que lemos para realizar trabalhos acadêmicos (dissertações, teses,
livros, periódicos científicos); há, ainda, aqueles cuja leitura é realizada por prazer, por puro
deleite (poemas, contos, romances); os que lemos para consulta (dicionários, catálogos), os
que somos “obrigados” a ler de vez em quando (manuais, bulas), os que nos caem em mãos




                                                    UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   30 .
(panfletos), ou os que nos são constantemente apresentados aos olhos (outdoors, cartazes,
faixas).


São, pois, os objetivos do leitor que nortearão o modo de leitura, em mais tempo ou em menos
tempo; com mais atenção ou com menos atenção; com maior engajamento ou com menor
engajamento, enfim.


3.     Leitura e produção de sentido


Se, portanto, a leitura é uma atividade baseada na interação autor-texto-leitor, nesse processo
faz-se necessário considerar a materialidade lingüística do texto, elemento sobre o qual e a
partir do qual se constitui a interação. E, por outro lado, é preciso também levar em conta o
autor e o leitor, com seus conhecimentos e vivências, condição fundamental para o
estabelecimento de uma interação com maior ou menor intensidade, durabilidade, qualidade.


3.1. Leitura e ativação de conhecimento


É por essa razão que falamos de um sentido para o texto, não do sentido do texto, e
justificamos essa posição, visto que, na atividade de leitura, é preciso ativar lugar social,
vivências, relações com o outro, valores da comunidade, conhecimentos textuais (cf. Paulino
et al., 2001).


3.2.       Pluralidade de leituras e sentidos


A pluralidade de leituras e de sentidos pode ser maior ou menor dependendo, por um lado, do
texto, do modo como foi constituído, do que foi explicitamente revelado, e do que foi
implicitamente sugerido; por outro lado, da ativação, por parte do leitor, de conhecimentos de
natureza vária, bem como de seus objetivos e de sua atitude perante o texto.




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   31 .
Assim, considerar o leitor e seus conhecimentos e que esses conhecimentos são diferentes de
um leitor para outro implica, necessariamente, aceitar uma pluralidade de leituras e de
sentidos em relação a um mesmo texto.


É claro que, com isso, não preconizamos que o leitor possa ler qualquer coisa com base em
um texto, pois, como já afirmamos, o sentido não está apenas no leitor, nem no texto, mas na
interação autor-texto-leitor. Por isso, é de fundamental importância que o leitor considere, na
e para a produção de sentido, as “sinalizações” do texto, além dos conhecimentos que possui.


4. Fatores de compreensão da leitura


 A compreensão de um texto varia, portanto, segundo as circunstâncias de leitura e vai
depender de vários fatores complexos e inter-relacionados (Alliende & Condemarín, 2002).


Embora tais fatores estejam intimamente relacionados na compreensão da leitura, cabe
chamar a atenção para os casos em que fatores relativos ao autor/leitor, por um lado, ou ao
texto, por outro lado, podem interferir no processo, de modo a dificultá-lo ou facilitá-lo.


4.1.      Fatores relativos ao autor/leitor


 Esses fatores referem-se ao conhecimento dos elementos lingüísticos (uso de determinadas
 expressões, léxico antigo etc.), esquemas cognitivos, bagagem sociocultural, circunstâncias
 em que o texto foi produzido.


Em outras palavras, podemos dizer que os conhecimentos selecionados pelo autor – na e para
a constituição do texto – “criam” um leitor-modelo. Desse modo, o texto, pela forma como é
constituído, pode exigir mais ou menos conhecimento prévio de seus leitores. Isto é, um texto
não se destina a todo e a qualquer leitor, mas pressupõe um determinado tipo de leitor e exclui
outros.




                                                   UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   32 .
Em nosso dia-a-dia, deparamo-nos com inúmeros textos veiculados em meios diversos
(jornais, revistas, rádio, TV, internet, cinema, teatro), cuja produção é “orientada” para um
determinado tipo de leitor (um público específico), o que, aliás, vem evidenciar o princípio
interacional constitutivo não apenas do texto, como do próprio uso da língua.


4.2.   Fatores relativos ao texto


Além dos fatores da compreensão de leitura ligados ao autor e ao leitor, há os relacionados ao
texto, que dizem respeito à sua legibilidade, podendo ser materiais, lingüísticos ou de
conteúdo (Cf.: Alliende & Condemarín, 2002).


Dentre os aspectos materiais que podem comprometer a legibilidade, os autores citam: o
tamanho e a clareza das letras, a cor e a textura do papel, o comprimento das linhas, a fonte
empregada, a variedade tipográfica, a constituição de parágrafos muito longos... E, em se
tratando da escrita digital, a qualidade da tela e o uso apenas de maiúsculas ou de minúsculas,
bem como o excesso de abreviações.


Além dos fatores materiais, há fatores lingüísticos que podem dificultar a compreensão, tais
como: a seleção lexical; estruturas sintáticas muito complexas, caracterizadas pela abundância
de elementos subordinados; orações supersimplificadas, marcadas pela total ausência de
nexos para indicar relações de causa/efeito, espaciais, temporais; ausência de sinais de
pontuação etc.


Uma bula, por exemplo, é conhecida como um texto de difícil leitura por seus aspectos
materiais, lingüísticos e de conteúdo, a tal ponto que já existe em andamento uma proposta
oficial para resolver o problema.




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   33 .
5 . Escrita e Leitura: contexto de produção e contexto de uso


Depois de escrito, o texto tem uma existência independente do autor. Entre a produção do
texto escrito e a sua leitura, pode passar-se muito tempo, de modo que as circunstâncias da
escrita (contexto de produção) podem ser absolutamente diferentes das circunstâncias da
leitura (contexto de uso), fato esse que interfere na produção de sentido. O mesmo acontece
também quando o texto vem a ser lido num lugar muito distante daquele em que foi escrito ou
quando foi reescrito de muitas formas, mudando consideravelmente o modo de constituição
da escrita com o objetivo de atingir diferentes tipos de leitor.


6. Texto e Leitura


Cabe, assim, reiterar que a leitura é uma atividade que solicita intensa participação do leitor,
pois, se o autor apresenta um texto lacunoso ou incompleto, por pressupor a inserção do que
foi dito em esquemas cognitivos compartilhados, é preciso que o leitor o complete,
produzindo uma série de inferências.


Assim, no processo de leitura, o leitor aplica ao texto um modelo cognitivo (frame ou
esquema), baseado em conhecimentos que ele tem representados na memória social.


A hipótese inicial pode, no decorrer da leitura, confirmar-se e se fazer mais precisa; ou pode
exigir alterações, maiores ou menores. Em certos casos, torna-se necessária, até mesmo, a
reformulação total dessa hipótese, que terá de ser descartada.


Assim, o texto é um exemplo de que o autor pressupõe a participação do leitor na construção
do sentido, considerando a (re)orientação que lhe é dada. Nesse processo, ressalta-se que a
compreensão não requer que os conhecimentos do texto e os do leitor coincidam, mas que
possam interagir dinamicamente (Alliende & Condemarín, 2002, p. 126-7).




                                                    UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   34 .
7. E a produção de textos?


Relativamente à prática de produção de textos, podem-se destacar as seguintes afirmações dos
PCN:


                   “Um escritor competente é alguém que sabe reconhecer diferentes tipos de texto e
                 escolher o apropriado a seus objetivos num determinado momento (...).”

                  “Um escritor competente é, também, capaz de olhar para o próprio texto como um objeto
                 e verificar se está confuso, ambíguo, redundante, obscuro ou incompleto. Ou seja: é capaz
                 de revisá-lo e reescrevê-lo até considerá-lo satisfatório para o momento. É, ainda, um
                 leitor competente, capaz de recorrer, com sucesso, a outros textos quando precisa utilizar
                 fontes escritas para a sua própria produção.”


Assim, no que diz respeito à produção do sentido, defendem os PCN que o trabalho de análise
epilingüística em sala de aula é importante, por possibilitar a discussão sobre os diferentes
sentidos atribuídos aos textos e sobre os elementos discursivos que validam ou não essas
atribuições, propiciando, inclusive, a construção de um repertório de recursos lingüísticos
a ser utilizado quando da produção textual.


A Lingüística Textual vem trazendo ao professor subsídios indispensáveis para a realização
das atividades acima sugeridas, visto que ela tem por objeto o estudo dos recursos lingüísticos
e condições discursivas que presidem à construção da textualidade e, em decorrência, à
produção textual dos sentidos, o que vai significar, inclusive, uma revitalização do estudo da
gramática: não mais, é claro, como um fim em si mesma, mas com o objetivo de evidenciar de
que modo o trabalho de seleção e combinação dos elementos lingüísticos nos textos que
lemos ou produzimos, dentro das variadas possibilidades que a gramática da língua nos põe à
disposição, constitui um conjunto de decisões que vão servir de orientação na nossa busca
pelo sentido.


Assim sendo, é preciso que os produtores de textos dominem uma série de estratégias de
organização da informação e de estruturação textual. A continuidade de um texto resulta de
um equilíbrio variável entre dois movimentos fundamentais: retroação e progressão. Desta



                                                       UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   35 .
forma, a informação semântica contida no texto vai distribuir-se em (pelo menos) dois
grandes blocos: o dado e o novo, cuja disposição e também dosagem interferem na construção
do sentido. A informação dada (ou melhor, aquela que o produtor do texto apresenta como
dada) tem por função estabelecer os pontos de ancoragem para o aporte da informação nova.
A retomada desta informação opera-se por meio de remissão ou referência textual, que leva à
formação, no texto, de cadeias referenciais anafóricas. Estas cadeias têm papel importante na
organização textual, contribuindo para a produção do sentido.


A informação nova introduz-se por meio das diversas estratégias de progressão textual, entre
as quais as de contigüidade semântica (emprego de termos pertencentes a um mesmo campo
de sentido), progressão temática, progressão tópica e articulação textual.


8. A importância do contexto


Já foi salientado que o recurso ao contexto é indispensável para a produção e a compreensão
e, deste modo, para a construção do sentido. O contexto engloba não só o co-texto, como a
situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sócio-político-cultural), o contexto
acional e, portanto, o contexto sociocognitivo dos interlocutores. Este último, na verdade,
subsume os demais. Ele reúne todos os tipos de conhecimentos arquivados na memória dos
actantes sociais, que necessitam ser mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal: o
conhecimento lingüístico propriamente dito, o conhecimento enciclopédico, o conhecimento
da situação comunicativa e de suas “regras” (situacionalidade), o conhecimento
superestrutural ou tipológico (gêneros e tipos textuais), o conhecimento estilístico (registros,
variedades de língua e sua adequação às situações comunicativas), bem como o conhecimento
de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade).


Nesta acepção, portanto, vê-se o contexto como constitutivo da própria interação pela
linguagem. É neste sentido que se pode dizer que certos enunciados são gramaticalmente
ambíguos, mas o contexto se encarrega de fornecer condições para uma interpretação unívoca.




                                                   UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   36 .
Admite-se, pois, que:


1. O contexto desambigüisa;


2. O contexto permite preencher as lacunas do texto (“o contexto completa” - cf. Dascal &
Weizman, 1987; Clark, 1977, que fala em estabelecer os “elos faltantes - “missing links”-, por
meio de inferências-ponte);


3. Os fatores contextuais podem alterar o que se diz (“o contexto modifica” – ironia, etc.);


4. Tais fatores se incluem entre aqueles que explicam por que se disse isso e não aquilo (“o
contexto justifica”). De qualquer maneira, sob essa perspectiva, falar de discurso implica
considerar fatores externos à língua, alguma coisa do seu exterior, para entender o que nela é
dito, que por si só seria insuficiente.


As relações entre informação explícita e conhecimentos pressupostos como partilhados
estabelecem-se, como dissemos, por meio das estratégias de “sinalização textual”, por
intermédio das quais o locutor, por ocasião do processamento textual, procura orientar o
interlocutor no recurso ao contexto.


É por isto que o sentido de um texto, qualquer que seja a situação comunicativa, não depende
tão-somente da estrutura textual em si mesma (daí a metáfora do texto como um “iceberg”).
Os objetos de discurso a que o texto faz referência são apresentados em grande parte de forma
lacunar, permanecendo muita coisa implícita. O produtor do texto pressupõe, da parte do
leitor/ouvinte, conhecimentos textuais, situacionais, culturais e enciclopédicos e, orientando-
se pelo Princípio da Economia, não explicita as informações consideradas redundantes. Ou
seja, visto que não existem textos totalmente explícitos, o produtor de um texto necessita
proceder ao “balanceamento” do que necessita ser explicitado textualmente e do que pode
permanecer implícito, por ser recuperável via inferenciação (cf. Nystrand & Wiemelt, 1991;
Marcuschi, 1997). Na verdade, é este o grande segredo do locutor competente.




                                                   UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   37 .
O leitor/ouvinte, por sua vez, espera sempre um texto dotado de sentido e procura, a partir da
informação contextualmente dada, construir uma representação coerente, por meio da
ativação de seu conhecimento de mundo e/ou de deduções que o levam a estabelecer relações
de causalidade, temporalidade etc. Levado pelo Princípio da Continuidade de Sentido
(Hörmann, 1976), ele põe em funcionamento todos os componentes e estratégias cognitivas
que tem à disposição para dar ao texto uma interpretação adequada. Esse princípio se
manifesta, pois, como uma atitude de expectativa do interlocutor de que uma seqüência
lingüística produzida pelo falante/escritor possa ser considerada coerente (cf. Grice, 1975,
Princípio da Cooperação).


Verifica-se, assim, que o uso da linguagem, quer em termos de produção, quer de recepção,
repousa visceralmente na interação produtor – texto – ouvinte/leitor, que se manifesta por
uma antecipação e por uma coordenação recíprocas, em dado contexto, de conhecimentos e
estratégias sociocognitivas e interacionais.


Tanto em textos escritos como em textos orais, o produtor, visando à produção de sentidos,
faz uso de uma multiplicidade de recursos que vai muito além das simples palavras que
compõem as estruturas. Em obediência à Máxima da Relevância (Grice, 1975) e com base em
seu modelo do interlocutor, o falante/escritor verbaliza somente as unidades referenciais e as
representações necessárias à compreensão e que não possam ser deduzidas sem esforço pelo
leitor/ouvinte, por meio de informações contextuais e/ou conceituais (Princípio da
Seletividade).


Mencione-se, a título de exemplo, o emprego de uma expressão referencial anafórica, que
implica uma pressuposição de conhecimento partilhado e obriga o interlocutor a uma busca no
contexto, cognitivo ou situacional. Visto que o produtor do texto procede à seleção daquela
expressão que se mostra mais adequada ao seu projeto de dizer, seu emprego vai exigir do
interlocutor a percepção do porquê da escolha feita, no contexto dado, com vistas à
construção do sentido.




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   38 .
Verifica-se, desta forma, a justeza da definição de Van Dijk (1997): “contexto é o conjunto de
todas as propriedades da situação social que são sistematicamente relevantes para a produção,
compreensão e funcionamento do discurso e de suas estruturas”.


Todos os fatores aqui mencionados, que intervêm nos processos de leitura e produção de
textos, são responsáveis pela produção de sentidos.


Referências bibliográficas

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                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   39 .
Marcuschi, Luiz A. Contextualização e explicitude na relação entre fala e escrita.
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                       Nota:


                        Mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP e Livre-docente pela UNICAMP.
                       Professora-titular do Depto. de Lingüística do IEL - Unicamp. Autora de diversos livros sobre
                       língua, linguagem e ensino. Tem inúmeros trabalhos publicados em revista e coletâneas, no
                       país e no exterior.




                                                    UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.        40 .
PROGRAMA 3



                                           GÊNEROS TEXTUAIS: OBJETOS DE ENSINO



             Gêneros como objetos de ensino: questões e tarefas para o ensino


                                                                     Sandoval Nonato Gomes-Santos1


PARA       INÍCIO DE CONVERSA




Quase uma década vai se completar desde a publicação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental. Hoje, parece que já temos,
reunidos, alguns elementos importantes para avaliar os efeitos das diretrizes curriculares que
foram expostas nesse documento nas práticas de ensino-aprendizagem da disciplina Língua
Portuguesa. Principalmente, as implicações que as discussões sobre um currículo centrado nos
gêneros (textuais ou discursivos) produziram e têm produzido na escola, em diferentes regiões
do país.


Desde a publicação do documento até hoje, só cresceu o interesse em compreender as
possibilidades e os desafios do conceito de gênero, tanto para o currículo da formação inicial
e a pesquisa na universidade, quanto para as políticas públicas de formação continuada do
professor e de avaliação-distribuição de livros didáticos, e, principalmente, para as práticas
didáticas de ensino de língua na escola. Atualmente, com certo distanciamento em relação às
discussões iniciais (anteriores mesmo à publicação dos PCN em 1997-1998), é possível
retomar certas preocupações e algumas indagações que vêm marcando a apropriação da
proposta de trabalho com gêneros como objetos de ensino nas práticas escolares de ensino-
aprendizagem da Língua Portuguesa.


Sem o constrangimento de que um currículo centrado no ensino-aprendizagem de gêneros
pudesse significar apenas “mais um modismo” da Universidade, imposto para a escola por



                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   41 .
intermédio da lei, podemos agora avaliar o diálogo institucional estabelecido entre as várias
instâncias envolvidas com o tema do ensino-aprendizagem de língua na escola: o diálogo
entre pesquisadores do campo dos estudos da linguagem e professores (em ações de formação
inicial e continuada); entre os professores-alunos de cursos de graduação e pós-graduação e
professores-pesquisadores da universidade (no ensino e na iniciação à pesquisa); entre esses
professores-pesquisadores e o mercado editorial (por meio de consultorias à elaboração e
mesmo da elaboração de livros didáticos) etc. Desse diálogo, ainda em andamento, questões
iniciais retornam e outras, novas, aparecem.


Algumas dessas questões foram apontadas com bastante precisão por Rojo (2000), em um
texto não por acaso intitulado Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula:
progressão curricular e projetos. Ao discutir a proposta curricular que toma o gênero como
objeto de ensino e o texto como unidade de ensino, a autora enfatiza que a apropriação da
proposta curricular expressa nos PCN pelas práticas escolares de ensino-aprendizagem requer
um esforço que envolve três eixos de atuação: a) “a construção de currículos plurais e
adequados a realidades locais”, b) “a elaboração de materiais didáticos que viabilizem a
implementação destes currículos” e c) “a formação inicial e continuada de professores e
educadores” (p. 28).


Para contribuir no diálogo instigado pelas percepções de Rojo, proponho enfocar, neste texto,
questões relativas à “realização do currículo em sala de aula”, ou seja, às práticas de ensino-
aprendizagem de gêneros, considerados objetos de ensino. Suponho que um primeiro passo
para refletir sobre essas práticas seja reconhecer que elas têm uma história, que elas são
construídas no seio daquilo que Chervel (1998) descreveu como cultura escolar2.


Assim, quando ouvimos, por exemplo, que hoje devemos ensinar gêneros, que a gramática
deve ser contextualizada ou que é preciso trabalhar a oralidade, essas afirmações não são
feitas por acaso. Elas testemunham que há uma demanda de reflexão sobre o ensino-
aprendizagem de gêneros pelo professor, nos mais diversos contextos socioculturais pelo
Brasil afora. Na base dessas questões está uma indagação primeira, de tão familiar às vezes
deixada em segundo plano: o que, para que e como se ensina quando se pretende ensinar a




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   42 .
língua? É nesse tripé que proponho localizar a discussão sobre o ensino-aprendizagem de
gêneros na escola. Ou seja, proponho que essa discussão enfoque três eixos:


•      As finalidades da escola como agência de produção-recepção de gêneros;


•      Os gêneros como objeto de ensino em um projeto curricular;


•      O investimento na elaboração didática dos gêneros como objetos de ensino.


1. Gênero e forma escolar


Um dos passos principais na construção de uma proposta curricular para o ensino-
aprendizagem da Língua Portuguesa é o reconhecimento de que a Língua Portuguesa é uma
disciplina escolar. Uma disciplina escolar não aparece ao acaso. Para Soares (2002) 3, sua
constituição é resultado de motivações socioculturais e históricas: aquilo que supomos ser a
disciplina Língua Portuguesa e seu ensino não é definido pela ação isolada de cada professor,
mas está ligado àquilo que se pretende ensinar (quais os objetos de ensino visados?), às
finalidades do ensino (para que ensinar?) e aos meios de ensino (como ensinar?).


Ao se apropriar de objetos de saber e de práticas variadas de linguagem que se constroem na
sociedade, a escola os transforma em objetos a serem ensinados. Quando falamos de um
currículo centrado no ensino-aprendizagem de gêneros, podemos então pensar na escola,
como muito bem sugeriu Schneuwly (2006) 4, como uma agência “inventora” de gêneros, os
chamados gêneros escolarizados. Assim, os gêneros, ao se tornarem objetos a serem
ensinados (ao adquirirem uma forma escolar, no dizer de Schneuwly), não se configuram de
modo igual àquele modo com que aparecem nas práticas do cotidiano, embora estejam
vinculados intimamente a essas práticas. Um relatório da visita ao museu, por exemplo,
produzido por crianças da 3ª. série do Ensino Fundamental, necessariamente será diferente do
esboço produzido por um jornalista que visa, a partir de suas anotações, à produção de uma




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reportagem sobre o museu. Será diferente, ainda, do relatório do biólogo que faz uma
pesquisa sobre zootecnologia. Será diferente porque o gênero, uma vez escolarizado:


i) é apropriado em uma situação diversa daquela em que seria apropriado fora da escola, ou
seja, a forma escolar implica certa ruptura com o quotidiano;


ii) torna-se passível de segmentação em dimensões que podem ser objeto de ensino-
aprendizagem;


iii) integra um desenho curricular mais amplo, que inclui uma determinada programação de
conteúdos, além de procedimentos e instrumentos de avaliação;


iv) adquire uma forma textualizada (em geral, um caráter escritural), ou seja, ele se
materializa em textos que permitem sua circulação e seu reconhecimento públicos.


A escola pode ser considerada inventora de gêneros também pelo fato de criar seus próprios
gêneros: os chamados gêneros escolares. Alguns, entre eles, são criados para servir ao próprio
funcionamento da instituição escolar – como histórico escolar, diário de classe, plano de
aula, requerimento escolar etc. –, e outros são tornados objetos a serem ensinados. O
exemplo mais representativo, nesse caso, é a dissertação escolar.


Esses dois modos de invenção de gêneros pela escola podem ser considerados, para um
determinado discurso pedagógico, um artificialismo, uma forma pela qual a escola reduz o
conhecimento, corrompe-o, ou um mascaramento, uma forma de a escola escamotear as reais
necessidades dos alunos quanto à aprendizagem de práticas de linguagem efetivamente
autênticas.


Entretanto, com base no pressuposto de que a linguagem é diálogo (tal como propôs Bakhtin)
e de que a prática de ensino-aprendizagem constitui-se na interação entre indivíduos em um
determinado contexto sociocultural e histórico (como enfatiza a psicologia de base




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vigotskiana), é possível pensar que a invenção de gêneros pela escola é condição para a
inserção dos indivíduos em determinadas práticas de letramento (de leitura-escuta e produção
de textos), especialmente em se tratando daquelas práticas em que circulam gêneros de que os
alunos não se apropriariam se não estivessem na escola, como é o caso, por exemplo, de
alguns gêneros orais formais públicos (solicitação de informações, debate, conferência,
entrevista para emprego etc.). A tarefa da escola na apropriação desses gêneros implicaria não
apenas a garantia do acesso a eles, mas, principalmente, o desenvolvimento de uma postura
reflexiva sobre as práticas em que eles circulam.


Em síntese, se considerarmos, com Bakhtin (1929, 1952-3), que os gêneros se constituem e
vão-se diversificando historicamente nas práticas sociais e que sua apropriação se dá sempre
em relação intrínseca com essas práticas, a principal contribuição da escola e a finalidade do
trabalho de ensino seria inserir os alunos em práticas de letramento das mais simples às mais
complexas, transformando seus modos de agir pela linguagem, de forma que possam não
apenas usar a linguagem adequadamente – como se costuma dizer –, mas também
desenvolver, ao longo da escolaridade formal, uma postura de reflexão sobre ela, sobre as
implicações, os efeitos das ações de linguagem na própria construção da sociedade e da
cultura5.


2. Os gêneros como objeto de ensino em um projeto curricular: por que um currículo
centrado no trabalho com gêneros?


Uma das questões iniciais que sempre retorna quando se propõe um currículo que tem como
porta de entrada o trabalho com gêneros como objetos de ensino e com textos como unidades
de ensino é: já não trabalhamos com textos na sala de aula? O que muda com a proposta de
ensino de gêneros? Não são apenas os nomes dos conteúdos que mudaram? Essas questões
são significativas porque apontam para o fato de que, para se discutir o currículo que se
almeja construir para a disciplina Língua Portuguesa, é necessário reconhecer que já temos
um lastro de práticas de ensino construídas historicamente. Por exemplo, um pressuposto
comum, bastante freqüente entre os professores de Língua Portuguesa, diz respeito à
necessidade de se trabalhar uma diversidade de textos e à necessidade de adequação das ações




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de linguagem aos vários contextos de uso. A questão, nesse caso, parece ser: como
transformar esse pressuposto em orientação curricular na prática didática?


Podem ser apontadas diversas motivações para a opção por um currículo com base no
trabalho com gêneros. Do ponto de vista histórico, pode-se dizer que essa opção vai-se
consolidando com o prestígio de uma perspectiva teórica que concebe a linguagem como
prática social, e o processo de ensino-aprendizagem como construído na interação dos três
pólos do chamado triângulo didático: o professor, os alunos e os objetos de ensino, em um
dado contexto sociocultural.


Essa perspectiva ganha visibilidade crescente a partir do final dos anos 1970 e início dos anos
1980, no Brasil. A partir desse momento, propostas curriculares foram divulgadas,
investigações sobre o ensino-aprendizagem se diversificaram, livros didáticos transformaram-
se. Rojo & Cordeiro (2004) apresentam um percurso bastante interessante dos modos com que
se vêm trabalhando as práticas de leitura e produção de textos na tradição escolar brasileira a
partir dos anos 1980. Segundo as autoras, a proposta de trabalho com gêneros distingue-se de
outros dois modos de conceber o trabalho com o texto na escola:


i) Inicialmente, o texto visto como material ou objeto empírico que, em sala de aula,
propiciava “hábitos de leitura”, de produção, de análise lingüística. O texto tomado, portanto,
como objeto de uso, mas não de ensino;


ii)        Mais tardiamente, o texto visto como suporte para o desenvolvimento de
estratégias e habilidades de leitura e de redação.


Uma terceira possibilidade de trabalho com o texto é aquela chamada pelas autoras de
enunciativo-discursiva. Nessa terceira via, o texto é tratado em articulação ao gênero a que ele
pertence. Mesmo não escolarizado, o indivíduo é capaz de reconhecer, apropriar-se e produzir
determinados gêneros, a depender do modo com que se integra às práticas em que esses
gêneros circulam.




                                                     UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   46 .
Assim, uma criança que participa da prática de conversação em sua família, ocasião em que se
contam histórias e piadas, ou da prática de leitura de cartas, provavelmente reconhecerá os
gêneros piada e carta pessoal com certa facilidade. Se não exercita a prática de discussão
coletiva de questões polêmicas, por hipótese terá mais dificuldade de produzir o gênero
debate quando for solicitada para isso. Isso não significa dizer que os gêneros são uma fôrma,
uma camisa-de-força que determina por completo cada ação de linguagem do indivíduo. São
formas flexíveis de materialização dos textos.


Vejamos um exemplo (Gomes-Santos, 2003) que ilustra o modo com que construímos
diálogo por meio dos gêneros, tanto com outros locutores, quanto com outros textos. Após
leitura e comentário da versão de uma lenda amazônica – a Lenda da Cobra Grande – o
professor apresenta aos alunos de 2ª. série do Ensino Fundamental a proposta de produção
escrita – recontar a lenda – por meio das seguintes instruções:


Produção de Texto


Como você percebeu, na Lenda da Cobra Grande o encanto só pode ser quebrado se um
corajoso guerreiro cortar a ponta do rabo da cobra, fazendo com que ela volte a ser uma
índia bela e atraente. E você, que outra solução arrumaria para quebrar o encanto da cobra?
Conte-nos esta história.


Respondendo à tarefa, um dos alunos escreveu:


“Para Quebrar o fentiço que o caçador colocou na índia precisa pegar um facão e cortar o
rabo da cobra grande, e depois liberta a índio do fentiço que o cassado colocou, eu mesmo
Fábio vol cortar o rabo da cobra grande.” (Texto: Quebra o encanto da cobra grande)

  Outro aluno atendeu à mesma tarefa assim escrevendo:

Era uma vez uma índia muito bela e o Paje trasformou ela em uma cobra muito grande e
para desfazer o encanto tinha que dar um beijo na cobra e o índio deu um beijo na nele




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   47 .
tornou uma bela india denovo e se casaram e viveram felizes para sempre. (Texto: A bela
 índia)


No primeiro caso, o aluno estabelece diálogo com as instruções do professor, que orientam
para que “outra solução” deveria ser encontrada para quebrar o encanto da cobra. Na
apropriação que faz do gênero lenda, ele se representa como figura textual, agente da quebra
do encanto – “eu mesmo Fábio”. Ao fazer isso, busca, de certo modo, satisfazer a injunção da
instrução, que exige uma resposta do escrevente à questão apresentada. Nesse caso, a resposta
do aluno, ao enunciar “eu mesmo”, pode remeter à seqüência interrogativa da instrução
iniciada por “E você”.


Já no segundo caso, a solução para a quebra do encanto da cobra é constituída em referência
aos “contos de fadas”. Nesse texto, a remissão aproxima-se do conto “A Bela Adormecida”, já
que “para desfazer o encanto tinha que dar um beijo na cobra”, o que ocasionaria a quebra
do encanto e, por conseguinte, o happy end do casal: “tornou uma bela india denovo e se
casaram e viveram felizes para sempre”.


Esses enunciados de escrita infantil testemunham o caráter dialógico do processo de
produção-recepção dos gêneros no interior de uma determinada prática social.


3. A elaboração curricular dos gêneros como objetos de ensino


Os critérios para a organização e seqüenciação dos conteúdos curriculares, conforme os PCN,
teriam que levar em conta os eixos USO – REFLEXÃO – USO, princípio que deve atravessar
toda a escolaridade e que implica “compreender que tanto o ponto de partida como a
finalidade do ensino da língua é a produção/compreensão de discursos” (PCN – 1o. e 2o.
ciclos [nota de rodapé], p. 44). Trata-se, assim, de um princípio curricular “em que se
pretende que, progressivamente, a reflexão se incorpore às atividades lingüísticas do aluno
de tal forma que ele tenha capacidade de monitorá-las com eficácia”(PCN – 1o. e 2o. ciclos,
p. 48).




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Uma proposta de trabalho com o gênero como eixo norteador do currículo de Português exige
que se defina uma entrada para o ensino que conjuga a abordagem do texto por meio,
principalmente, das condições em que ele é produzido e circula. Nessa direção, muito mais do
que o ensino de estruturas globais dos textos ou de seqüências tipológicas (narração,
descrição, argumentação etc.), enfocam-se os sentidos neles construídos. Isso porque o texto é
considerado em seu processo de significação, com base nos componentes que caracterizam o
gênero a que ele pertence: finalidades reconhecidas, estatuto dos interlocutores, coordenadas
espaço-temporais, suporte material e organização textual (ver Maingueneau, 2004).


Com base nesse princípio geral, a entrada curricular pelos gêneros:


i) Amplia o repertório de textos tornados unidades de ensino, incluindo-se aqueles ligados a
gêneros orais (especialmente os formais públicos) e aqueles ligados às novas tecnologias de
comunicação-informação (os gêneros digitais);


ii)        Aborda os conteúdos gramaticais, em articulação com o trabalho com os gêneros
selecionados para o ensino;


iii)        Dá lugar ao tratamento de fenômenos de variação, relativos à modalidade, à
norma e ao registro da língua.


Essa entrada curricular pelos gêneros distingue-se de pelo menos dois outros modos de
organizar o currículo de Português. Vejamos:


(a) a entrada pelos objetos gramaticais: o foco é um objeto gramatical (encontro de letras,
tonicidade, classes de palavras, sujeito e predicado etc.) e os textos (poemas, trava-línguas,
quadrinhas, contos, receita culinária etc.) que são selecionados e trabalhados em sala de aula,
em função do ensino do tópico gramatical escolhido.




                                                  UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA.   49 .
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Um

  • 1.
  • 2. SUMÁRIO PROPOSTA PEDAGÓGICA ........................................................................................ 03 Um Mundo de Letras: práticas de leitura e escrita Maria Angélica Freire de Carvalho e Rosa Helena Mendonça PGM 1 – LINGUAGEM: ORALIDADE E ESCRITA ....................................................... 11 O essencial para saber ler e escrever no processo inicial de alfabetização Luiz Carlos Cagliari PGM 2 – TEXTO: LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDOS .......................................... 26 Texto: leitura e produção do sentido Ingedore G. Villaça Koch PGM 3 – GÊNEROS TEXTUAIS: OBJETOS DE ENSINO ............................................. 41 Gêneros como objetos de ensino: questões e tarefas para o ensino Sandoval Nonato Gomes-Santos PGM 4 – COMPREENSÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS ................................................ 63 Leitura e escrita: produção de sentidos Mônica Magalhães Cavalcante PGM 5 – A GRAMÁTICA NA ESCOLA ............................................................................80 Língua Portuguesa: o ensino de gramática Luiz Carlos Travaglia UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 2.
  • 3. PROPOSTA PEDAGÓGICA UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA Maria Angélica Freire de Carvalho1 Rosa Helena Mendonça2 Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a idéia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura – o sujeito se desfaz nele qual aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções construtivas de sua teia3. Com os estudos da Lingüística Textual4, o texto passou a ser tomado como objeto central de ensino. Assim, nas aulas de Língua Portuguesa, as atividades de leitura e de produção de textos ganharam mais espaço. Entretanto, a abordagem precisa ser ampliada, no sentido de entender-se o texto, também, como objeto de interação e, portanto, de aprendizagem, para além do contexto escolar e para além, é claro, das aulas de Língua Portuguesa. Pensar a forma como se organizam os enunciados e como interagimos com os mais variados interlocutores nas práticas sociocomunicativas é fundamental para um fazer pedagógico produtivo. Por essa razão, é importante trazer, mais uma vez, como temática para o programa Salto para o Futuro, idéias que fundamentam o texto como objeto de ensino e de aprendizagem. As práticas de leitura e de escrita estiveram presentes nas discussões temáticas que compuseram inúmeras séries do Salto para o Futuro, ao longo dos quinze anos de exibição do programa. Com o propósito de ampliar as reflexões sobre tais práticas, mais uma vez, elas são o mote de uma série que enfatiza o texto como unidade de ensino, ao abordá-lo sob a UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 3.
  • 4. perspectiva da oralidade e da escrita, atentando para os múltiplos ângulos de observação, tanto em relação à sua constituição, estrutura e linguagem, quanto ao seu entendimento – compreensão/interpretação5– pelo leitor/ouvinte. As dificuldades apontadas, em geral, tanto pelos professores quanto pelos alunos, no dia-a-dia escolar, em relação às atividades com o texto, destacam-se como o grande “nó” para um saber-fazer pedagógico. E é a forma de lidar com o texto, seja para a sua escrita, seja para sua intelecção, em suma, para a produção de sentidos, que permitirá desenvolver uma aprendizagem significativa com a linguagem na escola. O domínio da escrita, favorecido pelo contato com diferentes textos nas classes de alfabetização, por exemplo, estende-se a todos os segmentos de ensino, aprimorando-se por meio das práticas sociais com a linguagem e legitimando-se por meio de um trabalho pedagógico que tome o texto como fonte e ferramenta de ensino desde as séries iniciais. Esse trabalho deverá desenvolver-se de modo a considerar o texto além da sua estrutura organizacional, englobando a linguagem que o caracteriza, o contexto de produção, os espaços de circulação e os possíveis interlocutores. Uma abordagem significativa para o texto em sala de aula, portanto, deverá compreendê-lo como uma proposta de sentidos suscetível às interações. Um problema que se pode destacar em relação às práticas de leitura e de escrita no ambiente escolar é a artificialidade com que, muitas vezes, se trata a relação autor-texto-leitor e, ainda, o ensino da gramática tomando-a como um fim em si mesma. Exemplos de práticas que abordam o texto somente sob o ponto de vista estrutural, desvinculado de um contexto de produção e de circulação, e que não levam em conta a sua proposta comunicativa podem resultar num trabalho com a escrita e com a leitura meramente formal, distanciado de uma concepção de texto como unidade de ensino e como forma de interação. Escolher determinadas “peças” de linguagem e não outras e, do mesmo modo, privilegiar uma dada forma composicional em relação às inúmeras possibilidades de apresentação dos UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 4.
  • 5. enunciados6 são estratégias do produtor que direcionam a construção de sentidos. Essas escolhas são realizadas pelo produtor do texto, levando em conta conhecimentos partilhados, ou presumidamente partilhados, pelo leitor. São tarefas esperadas do leitor: a identificação de: tais estratégias e, ainda, a articulação dos conteúdos apresentados no texto, de modo a se aproximar de um sentido7 pretendido pelo produtor. O texto, assim visto, é concebido, portanto, como espaço de interação, constituindo-se por meio dos processos de coesão, construídos sob sua articulação escrita, e também leitora8, e de coerência que se estabelece nos diferentes contextos comunicativos e pelos diversos interagentes. Apresentar aos alunos esses caminhos de contato/interação com as práticas de letramento contribui para que o processo de autoria9 se construa no ambiente pedagógico, abrangendo as diferentes disciplinas escolares. Reconhecer as marcas constituidoras da textualidade, aceitar tais marcas como “provocações” de sentidos e identificar os propósitos comunicativos são passos necessários para a produção de textos, tanto para a leitura quanto para a escritura, pois, conforme nos lembra Marcuschi (1998, p. 4), produz sentidos tanto quem escreve quanto quem lê textos10. Em suma, escolher determinadas marcas lingüísticas em meio a muitas outras oferecidas pela língua, apresentá-las, sistematizá-las, adequá-las aos usos de linguagem, ao cotidiano e à norma, inscrevê-las nos variados contextos de significação são compromissos de uma prática que pode, e deve, sistematicamente ser vivenciada na escola. Inclui-se, também, nesse compromisso, desenvolver estratégias de domínio da ortografia, da gramática da língua/texto, por meio de atividades significativas com a linguagem, visando à descoberta de caminhos para o desenvolvimento da competência textual dos alunos. Para isso, é necessário um trabalho de seleção e de combinação dos elementos lingüísticos no universo das inúmeras possibilidades que a língua oferece. Nessa perspectiva, o trabalho com textos nas aulas de Língua Portuguesa oferecerá subsídios para que a relação do aluno com o texto nas outras disciplinas escolares se amplie, de modo UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 5.
  • 6. que os processos de compreensão/interpretação possibilitem a construção de conhecimentos e o desenvolvimento da autoria, princípios caros a uma prática pedagógica que se pretende crítica e participativa. Ao considerar os aspectos apresentados, a série Um Mundo de Letras: práticas de leitura e escrita11 toma, ao longo dos cinco programas, o texto como eixo norteador das práticas com a linguagem na escola, desde a aquisição da escrita, numa perspectiva de alfabetização por meio de textos, práticas de letramento, ao seu domínio e à habilidade leitora, processos que se expressam no exercício da autoria, tanto nas práticas de escrita quanto nas de leitura de textos. A série compreende também pontos de encontro e de desencontro na abordagem dos registros oral e escrito no fazer pedagógico: a transposição de marcas da oralidade para a escrita, o que é comum na aquisição deste sistema; dificuldades na aprendizagem da ortografia; adequações necessárias – e importantes – na construção dos mais variados gêneros discursivos e seus contextos: do cotidiano aos usos literários, tecnológicos e científicos nas práticas comunicativas. Essas práticas constituirão assuntos para debates que se pretendem enriquecedores, sem o objetivo de esgotar a complexa discussão sobre a linguagem no cotidiano escolar, seus múltiplos aspectos e o domínio normativo. Ao longo dos cinco programas, serão discutidos temas como, por exemplo: (i) a cultura da oralidade e a sua importância para o desenvolvimento da escrita; (ii) a leitura de textos como atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos; (iii) os gêneros discursivos no cotidiano escolar; (iv) a produção de textos e o domínio das estratégias de organização da informação e da estruturação textual; (v) a aula de Língua Portuguesa: ensino e gramática . Esta série pretende, enfim, oferecer aos professores, de diferentes segmentos de ensino e de áreas do saber, conhecimentos e reflexões que se podem ampliar sobre um fazer pedagógico, bem como sobre alternativas e sugestões para um trabalho que considere o aluno, antes de tudo, como sujeito de aprendizagem que, essencialmente, inscreve sentidos na sua relação constante, colaborativa e co-construtiva na e pela linguagem. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 6.
  • 7. Pontos para reflexão ao longo da série: • Que concepção de língua/linguagem subjaz às práticas de ensino de Língua Portuguesa? • De que forma oralidade e escrita perpassam as práticas sociais e escolares de linguagem? • Como considerar as peculiaridades do ensino/aprendizagem da escrita, tomando como questão político-pedagógica o fato de grande parte dos alunos das escolas públicas ser oriunda de comunidades em que a cultura oral é o traço predominante? • Como conceituar alfabetizar e letrar? O que significa alfabetizar letrando? • O que significa tomar o texto como elemento central das práticas de ensino? • Qual a importância de, ao se trabalhar com o texto na escola, enfocá-lo com um todo formado de elementos constitutivos que precisam ser analisados em suas especificidades? • De que forma contemplar, nas práticas escolares, textos de diferentes gêneros/tipos, preservando o debate sobre seus contextos sociais de circulação? Temas que serão discutidos na série Um Mundo de Letras: práticas de leitura e escrita, que será apresentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola/SEED/MEC de 16 a 20 de abril de 2007: PGM 1 – Linguagem: oralidade e escrita Os objetivos do primeiro programa são: descrever práticas de linguagem, especificando as características dos registros oral e escrito; destacar os usos de linguagem nos variados contextos comunicativos, os gêneros que deles resultam. Neste programa, pretende-se UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 7.
  • 8. enfatizar a cultura da oralidade e a sua importância para o desenvolvimento da escrita, discutir a aquisição do registro escrito como um processo que se dá ao longo das séries iniciais e que se estende às práticas sociais com a linguagem e, ainda, ressaltar a relação entre usos de linguagem e norma lingüística: variações lingüísticas e ensino da língua. PGM 2 – Texto: leitura e produção de sentidos No segundo programa da série, a proposta é conceituar “texto”, enumerando seus aspectos constitutivos e destacar sua importância como espaço de interação social. O programa visa, também, abordar mecanismos de coesão e de coerência textual, diferenciar os tipos de intertextualidade, apresentar os processos de escrita e leitura sob contextos diversos de produção e de uso, estabelecer uma comparação entre as principais teorias sobre texto e leitura, enumerar estratégias lingüísticas que estão em jogo na produção de sentidos (escrita e leitura) e promover uma discussão sobre as práticas de ensino da leitura, compreensão/interpretação de textos. PGM 3 – Gêneros textuais: objetos de ensino O terceiro programa se propõe a destacar os diversos usos de linguagem, a constituição dos gêneros discursivos e estabelecer uma distinção entre gêneros discursivos/textuais e tipologia textual, assinalando o enfoque teórico. E, ainda, enfatizar os domínios da estrutura composicional e do estilo como recursos importantes para a escrita dos mais diferentes textos, refletir sobre as práticas atuais de linguagem, ressaltar a presença dos gêneros digitais, destacar o uso da linguagem nos gêneros digitais (televisão, internet) e refletir sobre a sua concepção na prática pedagógica. PGM 4 – Compreensão e produção de textos O quarto programa tem como proposta apresentar estratégias de referenciação discursiva nos diferentes gêneros e o seu funcionamento na produção de textos (escrita e compreensão). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 8.
  • 9. Sugerir atividades de sala de aula que levem em conta a diversidade constitutiva dos gêneros, bem como as particularidades da linguagem. Objetiva, também, ressaltar a importância da diversidade de gêneros para um trabalho com a produção de textos na escola, tanto para a escrita quanto para a intelecção. Enfatizar a presença de textos literários na escola e o trabalho com a multiplicidade de sentidos e, ainda, identificar a ambigüidade como recurso lingüístico em gêneros como, por exemplo, publicitário e humorístico (piadas). PGM 5 – A gramática na escola No último programa da série, os debates vão focalizar a estruturação de uma abordagem pedagógica de gramática a partir das três concepções básicas – mecanismo internalizado, descritiva e normativa –, que se adeqüe ao ensino de língua que toma o texto como unidade de ensino. Esta concepção pedagógica privilegia a dimensão significativa no ensino de gramática. Pretende-se apresentar o trabalho com a gramática da língua em suas diferentes variedades (inclusive a variedade oral e escrita) por meio de quatro tipos de atividades de ensino de gramática: uso, reflexiva, normativa, teórica. O programa visa, ainda, discutir sobre as concepções de erro e de adequação no ensino de gramática para a produção/compreensão textual, tendo em vista a situação concreta e específica de interação comunicativa em que se insere o ato de produzir/compreender textos e, conseqüentemente, como pode/deve acontecer a intervenção do professor para orientar os alunos na seleção de recursos lingüísticos para a constituição de sua fala e escrita. Notas: Doutora em Lingüística pela UNICAMP. Analista Educacional do programa Salto para o Futuro/TVEscola/SEED/MEC. Professora Adjunta de Língua Portuguesa do Centro Universitário Tecnológico Estadual da Zona Oeste/UEZO – Campo Grande/Rio de Janeiro. Consultora desta série. 2 Mestre em Educação pela PUC-Rio. Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro/ TVEscola/SEED/MEC. Consultora desta série. 3 BARTHES, Roland. O prazer do texto, São Paulo, Perspectiva, 1987, pp. 82-83. 4 Trata-se de um ramo da Lingüística que se desenvolveu na Europa, especialmente, na Alemanha e que tem como objeto de estudo o texto. Os estudos da Lingüística do Texto vêm UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 9.
  • 10. se expandindo e ganhando destaque não só na Ciência da Linguagem, pois estabelecem diálogos com outras ciências como, por exemplo, Filosofia da Linguagem, Psicologia Cognitiva e Social, Antropologia, Ciências da Computação, entre outras. Para aprofundamento, sugerimos a leitura de KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à Lingüística Textual: trajetória e grandes temas. São Paulo, Martins Fontes, 2004. 5 Nesta proposta não fazemos uma distinção entre compreensão e interpretação, tal como propõe a Análise do discurso, ciência que tem como objeto de estudo o discurso, seus processos e condições de produção, entendemos os processos como interdependentes. Uma distinção para esses conceitos encontra-se no livro ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas, São Paulo, Pontes, 5 ed., 2003: “(...) A interpretação é o sentido pensando-se o co-texto (as outras frases do texto) e o contexto imediato. (...) No entanto, a compreensão é muito mais do que isso. Compreender é saber como um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música, etc.) produz sentidos. É saber como as interpretações funcionam. Quando se interpreta já se está preso em um sentido. A compreensão procura a explicitação dos processos de significação presentes no texto e permite que possam ‘escutar’ outros sentidos que ali estão, compreendendo como eles se constituem” (p. 26). 6 Bakhtin, em seu livro Estética da criação verbal, propõe a classificação dos gêneros, “formas mais ou menos estáveis de enunciados”, em primários – aqueles que fazem parte da esfera cotidiana da linguagem e que podem ser controlados diretamente na situação discursiva, tais como: bilhetes, cartas, diálogos, relato familiar..., e secundários - textos, geralmente, mediados pela escrita, que fazem parte de um uso mais oficializado da linguagem; dentre eles, o romance, o teatro, o discurso científico... que, por essa razão, não possuem o imediatismo do gênero anterior. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ---, Estética da criação verbal, [trad. francês. Maria Ermantina Galvão; revisão, Marina Appenzeller], 3 ed. São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 279-287. 7 É importante destacar que, como tem evidenciado KOCH em vários de seus trabalhos, não há “o” sentido para o texto, mas sentidos possíveis que se partilham no curso de interação. O produtor, por meio das escolhas lingüísticas, orienta o leitor na construção do(s) sentido(s) que se dá em variadas direções contando com informações textuais e extratextuais. 8 A coesão não se estabelece somente por meio de articuladores e/ou elementos encadeadores explicitados na superfície textual, mas também por meio da construção de inferências, isto é, “estratégias cognitivas por meio das quais o ouvinte ou o leitor, partindo da informação veiculada pelo texto e levando em conta o contexto (em sentido amplo), constrói novas representações mentais e/ou estabelece uma ponte entre segmentos textuais, ou entre informação explícita e informação não explicitada no texto”. KOCH, Ingedore G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo, Cortez, 2002, p. 50. 9 Para que o sujeito se constitua autor, ele deve ser capaz de organizar seu discurso extrapolando os aspectos formais e as regras que condicionam o texto, deve imprimir ao texto suas marcas, isto é, sua singularidade, sua expressividade enquanto produtor de sentidos. Sobre esse assunto sugerimos a leitura: POSSENTI, Sírio. Indícios de autoria, Revista Perspectiva, Florianópolis, v.20, nº01, p. 105-124, jan./jun. 2002. 10 MARCUSCHI, Luiz Antonio. Aspectos lingüísticos, sociais e cognitivos na produção de sentido. Texto apresentado por ocasião do GELNE, 2-4 de setembro, 1998. Mimeografado. 11 Esta proposta origina-se da série “Um Mundo de Letras” exibida pela TV Escola, canal da Secretaria de Educação a Distância (SEED/MEC), em cinco programas sob os títulos: “Um mundo imerso em palavras”; “O poder das histórias”; O som das palavras “; As normas da língua”; “Caminhos para ler o mundo”, respectivamente. A série original trata de questões relativas à alfabetização, letramento e cidadania, levando em conta as diferenças culturais e regionais do Brasil. Na série, os programas traçam um panorama de experiências propondo novas maneiras de abordar o processo de alfabetização e incentivar a prática da leitura. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 10 .
  • 11. PROGRAMA 1 LINGUAGEM: ORALIDADE E ESCRITA O essencial para saber ler e escrever no processo inicial de alfabetização Luiz Carlos Cagliari1 1. Introdução O processo de alfabetização depende de muitos fatores, porém, o principal deles é como uma pessoa consegue ler. O segredo da alfabetização está, pois, na leitura. O termo leitura tem muitos sentidos, aplicando-se a muitas áreas e a habilidades diferentes, como ler o mundo, ler um quadro, fazer uma leitura de um fato ou de um lugar, etc. Na escola, o significado mais usual e mais importante é saber interpretar. A leitura é algo que traz uma mensagem que precisa ser entendida. Para se chegar a essa habilidade, é preciso percorrer um longo caminho de estudos e praticar o ato de ler inúmeras vezes, em inúmeras circunstâncias e com inúmeros tipos de material escrito. Esse é o ponto de chegada. Mas, para alcançar esse objetivo, é preciso dar os passos iniciais. A alfabetização é, exatamente, os primeiros passos dessa caminhada. Mal comparando, a alfabetização se assemelha ao engatinhar de uma criança e seus primeiros passos na vida. Andar e correr são habilidades que vêm depois. 2. Definindo o que é a alfabetização As considerações acima nos permitem definir o processo de alfabetização como a habilidade de saber ler no sentido primeiro do ato de ler, que é decifrar o que está escrito. O resto vem depois. A definição de alfabetização tem estreita ligação com o objetivo da escrita, que é permitir a leitura. Todos os sistemas de escrita têm esse objetivo. Desse modo, nenhum sistema de UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 11 .
  • 12. escrita transcreve a fala de uma pessoa ou de grupo social, mas simplesmente a representa. Esta é a razão pela qual cada um lê em seu dialeto. Um paulista lê uma revista em seu dialeto, mas a mesma revista é lida por um carioca, um gaúcho, um nordestino, um português, um angolano em diferentes dialetos. Seria ridículo que todos fossem obrigados a ler numa única variedade. Diante disto, a escola precisa saber que seus alunos irão ler cada qual em seu dialeto. A leitura no dialeto padrão é uma habilidade que vem mais adiante. 3. A linguagem oral e a linguagem escrita Todo falante de uma língua fala comumente em seu dialeto, mas é ouvinte de todos os outros que encontrar. A variação lingüística, entre outras características, traz marcas geográficas (paulista, carioca, nordestino, português europeu, angolano, etc.), marcas sociais (dialeto dos letrados, dos ricos, dialeto das classes pobres, dos advogados, dos jovens, dos idosos, etc.) e marcas de estilo (dialeto padrão, estilo formal, informal, gíria, jargão, etc.). Essas marcas representam regras diferentes de falar, regras gramaticais e regras de uso social. A variação nas regras gramaticais não mostra um despreparo, uma deficiência, um descuido, mas um sistema bem estabelecido. Somente a comparação de um sistema com outro é que mostra as variações de uma mesma língua. Com os usos, a variação adquire valores sociais, atribuídos pela sociedade e não pelo sistema gramatical. Quando alguém acha que uma pessoa das classes mais desfavorecidas fala errado, está emitindo um juízo falso lingüisticamente, porque essa pessoa usa seu sistema gramatical com perfeição. Isto ocorre com todos os dialetos. Na sociedade, porém, é preciso, às vezes, falar o dialeto padrão do lugar, para mostrar aos outros que a pessoa tem estudos e cultura e sabe se comportar de modo adequado aos costumes do lugar. É por isso que a escola vai ensinar o dialeto padrão a quem não sabe, dando a esses alunos uma chance a mais de ter melhores oportunidades na vida em sociedade. Como a escrita é uma marca da cultura da sociedade, obviamente, adota uma variedade culta da linguagem oral para sua forma escrita. Não escrevemos no nosso dialeto, mas no dialeto padrão. Isso não é um empecilho, pelo contrário, faz com que a escrita cumpra seu objetivo maior, que é permitir a leitura, deixando que cada falante leia em seu dialeto ou no dialeto padrão. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 12 .
  • 13. 4. Começar sem saber As crianças que começam a se alfabetizar sabem falar uma variedade (dialeto). Grande parte delas sabe ouvir e entender o dialeto padrão, mas não o usam, porque sua vida na comunidade não exige isso. Portanto, o processo de alfabetização precisa começar usando a variedade dos alunos e não uma variedade que eles não falam. 5. A ortografia organiza a leitura Para a escrita conseguir seu objetivo, ela teve que inventar a ortografia. Sem a ortografia, nosso sistema iria trazer incontáveis formas diferentes de escrever uma mesma palavra, porque as pessoas falam de modos diferentes (cf., por exemplo, compremu, compramos, compramu; acharão, acharu; dentro, drentu; mais, maich; caldo, caldu, cardo, cardu, carrdu, etc.). Com isto, descobrimos que quem manda no sistema de escrita é a ortografia e não o princípio alfabético (letra = som e vice-versa). Uma letra representará tantos sons quantos ocorrerem para ela em todas as palavras da língua; para todos os falantes, a letra A tem o som de A em andamos; o som de E em andemu; o som de U em andaru, etc. 6. A categorização gráfica organiza o visual da escrita A primeira coisa que uma pessoa precisa fazer para decifrar uma escrita é reconhecer quais caracteres estão escritos, que letras a palavra tem. Dependendo do tipo de letra (fonte, estilo), a pessoa pode ter sérias dificuldades. Se ela não souber que letra está escrita, como poderá proceder à leitura? Todos nós já passamos pela experiência de não saber ler o que alguém escreveu, porque não identificamos as letras. As letras de fôrma, sobretudo maiúsculas, são as de mais fácil identificação. As letras minúsculas, menos, mas, como estamos familiarizados, esses dois tipos são os melhores. Letra cursiva é muito difícil para o principiante, porque ele não sabe onde começa uma e acaba outra. É importante salientar que as dificuldades iniciais de um alfabetizando são muito diferentes das dificuldades que aparecem ao longo dos estudos. No começo, a escrita parece o que, para nós, seriam rabiscos; depois, formas geométricas; depois, letras. As diferentes formas de escrever uma mesma letra também são UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 13 .
  • 14. uma fonte de grandes perplexidades por parte de alguns alunos. Um rabisco torna-se letra quando adquire uma função no sistema de escrita, isto é, representa um som numa palavra. Nesse momento, a letra torna-se uma unidade abstrata. Por isso, podemos variar sua forma gráfica que suas funções permanecem as mesmas (cf. a - a; E - e; B - b; R - r, etc.). 7. O princípio acrofônico é um bom começo Para se identificar as letras, principalmente na escrita cursiva ou como atividade inicial do alfabetizando, recorremos à identificação da palavra. A palavra é a principal unidade de todos os sistemas de escrita, inclusive o alfabético. Identificada uma palavra (possível, verdadeira ou falsa – dependendo da adivinhação), o leitor passa a atribuir à palavra as letras, seguindo seus conhecimentos da ortografia. Se o aluno não souber a ortografia, seu processo de adivinhação é total e terá mais chances de errar. Feita a identificação das letras, passa-se à interpretação da palavra. Neste caso, o contexto em que ela se insere é de grande ajuda, porque o seu significado precisa se encaixar em meio a outros significados. Dadas essas dificuldades, é comum, na alfabetização, que o professor diga de qual palavra se trata para, em seguida, analisar quais letras tem, como se combinam e, assim, decifrá-la pela análise das letras. Por razões de motivação, muitos professores começam a alfabetizar usando os nomes das crianças. É pelos nomes de pessoas e de objetos que os pais também procedem, quando querem começar a alfabetizar seus filhos. 8. A categorização funcional é o que vale Apesar das dificuldades do sistema de escrita, os procedimentos de identificação gráfica das letras e de sua associação com alguns sons possíveis (princípio acrofônico) fazem com que o processo de alfabetização dê a partida suavemente e coloque o processo em aceleração. Como o objetivo da alfabetização é saber ler, levando-se em conta outros fatores pressupostos (cf. os UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 14 .
  • 15. alunos sabem falar, sabem refletir minimamente sobre a linguagem em seu aspecto fonético e semântico...), uma boa metodologia consiste em desenvolver no aluno a habilidade de ler, identificando letras e palavras. Em pouco tempo, os alunos são desafiados a ler uma variedade de palavras e isso lhes dá autoconfiança. O grande problema do processo de alfabetização está no outro lado da moeda: escrever. Ninguém se alfabetiza escrevendo apenas. Basta copiar chinês, para aprender chinês? Basta fazer hipóteses sobre a escrita chinesa para aprendê-la? Muitos conhecimentos são necessários, muitas regras precisam ser aprendidas na teoria e na prática. Quando se lê, a palavra já vem pronta na sua escrita ortográfica. Quando se vai escrever, é preciso partir da fala (do dialeto); analisar quais sons (vogais e consoantes) a palavra tem; buscar uma correspondência entre sons e letras, no começo, por um processo, em parte, de adivinhação (princípio acrofônico); passar os sons para letras; checar o resultado (ortografia ou algum tipo de escrita permitido). Esta é uma habilidade altamente complexa, que o aluno consegue começar e desenvolver somente depois que adquiriu certa prática de leitura decifrativa, isto é, depois de adquirir certa prática de manuseio de letras, sons e palavras. A consciência da variação dialetal na leitura ajuda o aluno, no caminho de volta, a não se assustar com as diferenças entre fala e escrita, indo diretamente para as formas ortográficas ou semi- ortográficas. O fato de uma letra referir-se a muitos sons, por causa da variação dialetal, porém exercer uma mesma função no sistema ortográfico chama-se categorização funcional das letras. É a alma do negócio. Com o desenvolvimento de algumas habilidades de reconhecimento – 1) da forma gráfica das letras (categorização gráfica); 2) de algumas relações entre letras e sons (princípio acrofônico); 3) da função ortográfica que gerencia as relações entre fala e escrita (categorização funcional) – o alfabetizando, em pouco tempo, aprende como proceder para saber ler e escrever. A sofisticação dessas habilidades requer tempo, prática e dedicação. Para isto, é necessária a ação do professor, não somente a do aluno. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 15 .
  • 16. 9. A prática do professor Há muitos métodos de alfabetização. Há muitas teorias. Há práticas diferentes. Todavia, em nenhum caso se dispensa o professor, que deve ter uma formação bem feita, que lhe dê o instrumental teórico e prático para conduzir o processo de alfabetização. Como em todas as atividades da vida, a competência técnica faz a diferença. Quanto mais o professor souber sobre a linguagem oral e escrita, melhores chances ele terá de ensinar e de orientar seus alunos para que superem suas dificuldades e atinjam os objetivos propostos. O modo como o professor irá trabalhar o princípio acrofônico (também chamado de princípio alfabético), a categorização gráfica e a categorização funcional, isto é, ensinar a reconhecer letras, montar palavras na leitura e na escrita, enfim, sua programação de atividades, é uma questão que tem de ser deixada para o professor resolver, porque, afinal, ele é quem conhece a classe de alunos que tem e quais suas habilidades como professor. O método é o professor, mas os conhecimentos técnicos precisam ser buscados na ciência, no caso, na Lingüística. Grandes problemas advieram à Educação neste país, quando substituíram o professor pelos métodos prontos (da alfabetização à universidade). O ser professor exige dele ciência e arte: ciência para tratar cientificamente de tudo que ensina e arte para interagir com seus alunos e orientá- los no processo de aprendizagem. 10. A prática na prática Sem querer substituir o professor por um método predeterminado e por ações definidas passo a passo, a prática de ensino em sala de aula acaba sugerindo procedimentos metodológicos que, devidamente adaptados a cada professor, ajudam o processo de ensino e de aprendizagem. As sugestões abaixo estão voltadas para os três pontos teóricos destacados. Categorização gráfica: • Usar um painel com o alfabeto de letras de fôrma maiúsculas, incluindo Ç, K, Y, W. • Ensinar o nome das letras (um pouco por vez). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 16 .
  • 17. Falar sobre o mundo da escrita, história da escrita, variação no aspecto gráfico das letras, sem fazer exercício; bastam os exemplos comentados. • Mais adiante, ensinar as letras de fôrma minúsculas comparadas com as maiúsculas. Princípio acrofônico (alfabético): • Mostrar a relação entre letra e som, usando a primeira letra dos nomes dos alunos, de pessoas conhecidas e de objetos. • Mostrar rimas e destacar as letras iguais nas palavras. • Descobrir letras dentro de palavras. Usar pares de palavras em que há a variação de apenas uma letra/som (pares mínimos do tipo pata – lata; boi - foi). • Descobrir sons em diferentes contextos de palavras e quais as letras que os representam. Categorização funcional: • Discutir com os alunos a questão da variação dialetal, pronúncias diferentes para uma mesma palavra. • Discutir a questão da ortografia, como forma de neutralizar a variação dialetal. • Escrita espontânea de palavras, de frases, de histórias. • Correção ortográfica comentada. Exemplos de estratégias de escrita UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 17 .
  • 18. Tentativa da Júlia de escrever um bilhete para sua amiga Carol. Apesar de conhecer a forma gráfica de algumas letras isoladas (começou a escrever seu nome), o texto manuscrito se mostra com uma forma gráfica diferente, uma seqüência de laços. Aqui falta o conhecimento da categorização gráfica das letras. A criança escreve assim por causa da maneira como interpreta o gesto mecânico de escrita do adulto, que mantém o lápis fixo ao papel constantemente. Outra estratégia de escrita de uma história. O primeiro exemplo mostra um uso de letras de fôrma maiúsculas e o segundo, de escrita manuscrita cursiva. Os dois alunos aprenderam a forma gráfica de algumas letras e escreveram seqüências de letras. Aqui falta o conhecimento da categorização funcional das letras. Quando esta prática se repete, o aluno fica completamente perdido, porque ele sabe que não sabe ler. Conhecendo a forma gráfica das letras, a criança é capaz de escrever palavras cujas letras são ditadas por um adulto [HOMEM DA LUA]. Esse ditado-cópia não é suficiente para que a criança aprenda a ler, mas pode ser um bom começo. O fato de um aluno “decorar” a escrita UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 18 .
  • 19. de algumas palavras e de identificá-la lendo ajuda-o a refletir sobre a categorização funcional, ou seja, a relação entre letras e sons. Quando, porém, a memorização é mecânica ou simples cópia, a reflexão do aluno desaparece. Os antigos e modernos ditados podem perpetuar a dificuldade que o aluno tem com a categorização funcional, mesmo quando adquirem excelente caligrafia. Não adianta pedir para a criança pensar, fazer hipóteses: ela precisa mesmo de explicações detalhadas. Analisar com os alunos como se lê e como se escreve uma palavra vale muito mais do que muitos ditados tradicionais. Alguns alunos não chegam nem mesmo a aprender a categorização gráfica, apesar de escreverem ocasionalmente algumas letras. Esta tentativa de escrever o próprio nome revela isso. A variação no traçado mostra que a aluna poderia ser uma boa copista, mas só isto não basta. Ela sabe que a simples cópia não a leva a escrever por iniciativa própria o que desejar; então, começa a fazer tentativas estranhas. A questão da programação de conteúdo e das estratégias de ensino e de aprendizagem, na alfabetização, assume um papel muito importante. A alfabetização não pode ser feita “de qualquer jeito”. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 19 .
  • 20. Com poucos conhecimentos, um aluno já pode tentar escrever suas histórias. Os erros de ortografia vão aos poucos sumindo e sobram poucos. Ao tentar escrever com os próprios recursos, aparecem muitas hipóteses de como os alunos acham que as palavras são escritas (ortografia) e de como se pode contar um fato (organização do texto). Grande parte do processo de alfabetização é dedicada a isso. Veja: Oca chorro / caxorro [cachorro]; mimodeu [me mordeu]; no são [no chão]. Se o aluno só escreve, sem o professor analisar, discutir e corrigir, - com o tempo, o aluno acha que pode escrever de qualquer jeito. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 20 .
  • 21. O menino guardinnha O menino ele apredeu ser um guarda iele eraosje iele mãondava todo os quardas ida cidade para ve sinão tei ladro sitifer eles prede sinão tifer ele não prede ieles jegara com um labral qui eu mandei [não prende e eles chegaram com um ladrão que eu mandei] Mais eles pegaro o homen erado ieu fale i o nome dele iera dodal mente erado o nome dele era Artur muito erado easim acaba aestoria fin O professor não precisa ter medo de ver textos escritos assim. Eles mostram que o aluno já aprendeu a ler (está alfabetizado) e está muito adiantado na habilidade de passar da fala para a escrita. Muitos problemas de escrita podem se reduzir a dificuldades ortográficas, porém, esses problemas se corrigem com o tempo. As hipóteses que as crianças fazem quando aprendem a ler e a escrever, ou seja, o que costuma acontecer durante o processo de alfabetização 1. Diferença entre desenho e escrita: desenho representa o mundo, escrita representa palavra. A escrita pode ser figurativa (pictogramas) ou geométrica (letras) ☼ SOL ♥ AMOR  TELEFONE  BICICLETA  CHUVA 2. Como a escrita representa a fala e permite a leitura, qualquer rabisco pode assumir o valor de escrita, como as assinaturas e os rabiscos que as crianças fazem para escrever. Esse sistema, porém, não pode ser usado para todas as finalidades da escrita. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 21 .
  • 22. 3. Aprendendo a forma gráfica das letras do alfabeto, a criança passa a escrever usando seqüências de letras aleatórias: ASPTLMONSPTOA [era uma vez um macaco chamado Mico]. Aluno que escreve assim é sinal de alerta para o professor: está indo para o caminho errado. É preciso usar palavras curtas para explicar as relações entre letras e sons. 4. Quando o aluno é exposto à escrita manuscrita cursiva, pode interpretar erroneamente a forma gráfica das letras. Com essa dificuldade não saberá, depois, relacionar letras com sons. Um aluno que vê escrito prato pode pensar que essa palavra tem as seguintes letras: j s c a t i e ou que rato começa com a letra c. 5. Aluno não corrige e vai escrevendo o que acha que precisa. Assim, uma palavra como “pai” acaba recebendo a seguinte escrita: APAAIPAI e “sapato”: SABAPATO. A escrita está correta, mas veio com os erros da tentativa de escrita. Isto é muito comum, mas alguns professores não se dão conta disso. 6. Ao relacionar letras com sons, alguns alunos usam o nome das letras e não o valor alfabético. Assim, escrevem HRA para “agora”. CAMLO para “camelo”, etc. 7. Seguindo o modelo das cartilhas, alguns alunos, em vez dos nomes das letras, usam as famílias de letras (BaBeBiBoBu) e escrevem LT para “lata”; OA para “bola”. 8. Aparecem as mesmas escritas acima, quando o aluno repete várias vezes uma sílaba para perceber sua maior saliência: LA LA LA TA TA TA: tem o L e o T; ou prolonga a sílaba: BOOOO LAAAA: tem o O e o A. 9. Eventualmente, alguns alunos escrevem palavras ou letras de forma espelhada. Um pouco de exercício de escrita espelhada e não espelhada, feito pelo professor, mostra o contraste e o uso da direção da escrita. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 22 .
  • 23. 10. Nas escritas espontâneas iniciais, depois que o aluno aprendeu a usar letras relacionadas com sons, a primeira dificuldade que aparece é de como separar as palavras da fala em escrita. A falta de segmentação ou a segmentação indevida aparecem. Isso deve ser tratado como erro de ortografia, que se corrige com o tempo. Ex.: erumaveis [Era uma vez]; sitifer [se tiver]; aestoria [a estória] oca choro [o cachorro]; dodal mente [totalmente]; nucei [não sei] 11. A troca de letras tem muitas causas: variação, murmurar os sons, atenção, etc. bargi [balde]; acharo [acharam]; comprano [compando]; mecadio [merdadinho]; tele [dele]; latrão [ladrão]; pola [bola] 13. Na alfabetização, ocorrem muitos casos de hipercorreção: o aluno corrige uma forma errada e, depois, generaliza uma regra que não se aplica em outros contextos. Ele escreve MEDECO, corrige para MÉDICO e, depois, passa a escrever DECE em vez de DISSE; corrige POLA, escrevendo BOLA e, depois, escreve BETE para PENTE. 14. Alguns alunos misturam letras (quando estudam vários estilos ao mesmo tempo): caCHorro; casTeLo. 15. Ao aprender ou ver algumas marcas da escrita, como acentos, til, alguns alunos começam a colocar tais marcas em lugar errado: petecã; éla; úrúbú, póde. 16. Erros de ortografia podem mostrar uma variedade de casos. No fundo, erro de ortografia é erro de ortografia. Com relação à grafia das palavras: ou se sabe ou não se sabe; ou se escreve certo ou errado. Por isso, o aprendizado da ortografia exige tempo, muita leitura e muito exercício de escrita sob a supervisão do professor. Os erros de ortografia costumam chocar UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 23 .
  • 24. muito os professores e demais adultos, mas, na alfabetização, é um estágio inevitável de aprendizado. 17. Não confundir simples erro de ortografia com outros tipos de erros que têm causas mais graves, revelando que o aluno não aprendeu a categorização gráfica ou funcional das letras. Os erros de ortografia têm uma relação com uma possível dúvida ortográfica e não é simplesmente uma escrita estranha. Assim, se o aluno escreve MIGODE em vez de BRINCO DE não é um simples erro de ortografia. Mas, se escreve BICO em vez de BRINCO pode revelar uma simples dificuldade com a ortografia, no início. A falta de letras é mais grave do que o uso estranho de certas letras em certos contextos. 18. Superadas as dificuldades acima, a partir de então, os alunos podem escrever textos livres, espontâneos ou motivados pelo professor. A passagem do texto oral internalizado na mente do aluno para o texto escrito, expresso no papel, apresenta algumas dificuldades e problemas específicos. O sucesso da produção de bons textos depende crucialmente do modo como o professor leva seus alunos a produzirem textos. Se o modelo é de frases soltas, o resultado será textos desconexos. Se o aluno tiver mais liberdade para expressar na escrita o que poderia dizer falando, o resultado será textos mais bem elaborados. 11. Bibliografia comentada Alfabetização e Lingüística (de Luiz Carlos Cagliari, Editora Scipione, São Paulo, 10ª ed. 2006 – 1ª ed. de 1989). O livro apresenta uma visão geral dos problemas de linguagem oral e de linguagem escrita, que aparecem no processo de alfabetização. Acompanha um cartaz sobre a história das letras. Obra essencial para quem precisa de informações lingüísticas aplicadas à prática de alfabetização. Alfabetizando sem o Ba Be Bi Bo Bu (de Luiz Carlos Cagliari, Editora Scipione, São Paulo, 1998). Além de apresentar as questões teóricas que constituem os conhecimentos técnicos UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 24 .
  • 25. lingüísticos de que um alfabetizador precisa, traz comentários sobre métodos e metodologias, bem como sugestões de atividades. Diante das Letras: a escrita na alfabetização (de Gladis Massini-Cagliari e Luiz Carlos Cagliari, Editora Mercado de Letras, Campinas, 1999). Coletânea de artigos sobre diferentes aspectos da linguagem oral e escrita, como categorização gráfica, funcional, ortografia, história do alfabeto e o que é preciso saber para ler, decifrando a escrita. Nota: Professor Adjunto MS-5, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Araraquara, SP. Desenvolve pesquisas nas seguintes áreas: Lingüística, com especialidade em Fonética; Alfabetização; Sistemas de escrita; Ensino e aprendizagem; Letramento. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 25 .
  • 26. PROGRAMA 2 TEXTO: LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDO Texto: leitura e produção do sentido Ingedore G. Villaça Koch1 Neste texto tomo, como pressuposto básico, a concepção de que o texto é lugar de interação de sujeitos sociais que, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos. E, ainda, que esses sujeitos – ao operarem escolhas significativas entre as múltiplas formas de organização textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua lhes oferece – constroem objetos-de-discurso e propostas de sentido, por meio de ações lingüísticas e sociocognitivas. A esta concepção subjaz, necessariamente, a idéia de que há, em todo e qualquer texto, uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis pela mobilização do contexto sociocognitivo no interior do qual se movem os atores sociais. Em decorrência, fica patente que a leitura de um texto exige muito mais que o simples conhecimento lingüístico compartilhado pelos interlocutores: o leitor é, necessariamente, levado a mobilizar uma série de estratégias tanto de ordem lingüística, como de ordem cognitivo-discursiva, com o fim de levantar hipóteses, validar ou não as hipóteses formuladas, preencher as lacunas que o texto apresenta, enfim, participar, de forma ativa, da construção do sentido. Dessa forma, autor e leitor devem ser vistos como ‘estrategistas’ na interação pela linguagem. 1. Concepção de leitura Fala-se, constantemente, sobre a importância da leitura na nossa vida, sobre a necessidade de cultivar o hábito de leitura entre crianças e jovens, sobre o papel da escola na formação de leitores competentes. Mas, no bojo dessa discussão, cabe levantar uma série de questões, como: O que é ler? Para que ler? Como ler? Evidentemente, as perguntas poderão ser UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 26 .
  • 27. respondidas de diferentes modos, cada um deles revelando uma concepção de leitura, dependendo da concepção de sujeito, de língua, de texto e de sentido que se adote. 1. 1. Leitura: foco no autor Sobre essa questão, afirmei em Koch (2002) que, à concepção de língua, como representação do pensamento, corresponde a de sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações. Trata-se de um sujeito visto como um ego que constrói uma representação mental e deseja que esta seja “captada” pelo interlocutor exatamente da maneira como foi mentalizada. Nessa concepção de língua como representação do pensamento e de sujeito como senhor absoluto de suas ações e de seu dizer, o texto é visto como um produto – lógico – do pensamento (representação mental) do autor, nada mais cabendo ao leitor senão “captar” essa representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor, exercendo, assim, um papel totalmente passivo. A leitura, assim, é entendida como a atividade de captação das idéias do autor, sem que se levem em conta as experiências e os conhecimentos do leitor, a interação autor-texto-leitor com propósitos constituídos socio-cognitivo-interacionalmente. O foco de atenção é, somente, o autor e suas intenções. Daí as perguntas que, freqüentemente, são feitas: Foi isso mesmo que o autor quis dizer? Será que o autor realmente pensou nisso? 1.2. Leitura: foco no texto Por sua vez, à concepção de língua como estrutura corresponde à de sujeito determinado, “assujeitado” pelo sistema, caracterizado por uma espécie de “não consciência”. O princípio explicativo de todo e qualquer fenômeno e de todo e qualquer comportamento individual repousa sobre a consideração do sistema, quer lingüístico, quer social. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 27 .
  • 28. Nessa concepção de língua como código — portanto, como mero instrumento de comunicação — e de sujeito como (pre)determinado pelo sistema, o texto é visto como simples produto da codificação de um emissor, a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código utilizado. Conseqüentemente, a leitura é vista como uma atividade que exige do leitor o foco no texto, em sua linearidade, uma vez que tudo está dito no texto. Se, na concepção anterior, ao leitor cabia o reconhecimento das intenções do autor, nesta concepção cabe-lhe somente o reconhecimento do sentido das palavras e estruturas do texto: basta-lhe conhecer o código (a língua), que terá a chave para a interpretação. Em ambas, porém, o leitor é caracterizado como passivo, por realizar uma atividade de reconhecimento, de reprodução. 1.3. Leitura: foco na interação autor-texto-leitor Em contraposição às concepções anteriores, na concepção interacional (dialógica) da língua, os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que — dialogicamente — se constroem e são construídos no texto, considerado o próprio lugar da interação e da constituição dos sujeitos da linguagem. Desse modo, há lugar, em todo e qualquer texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação. Nessa perspectiva, o sentido de um texto é construído na interação texto-sujeitos e não é algo que preexista a essa interação. A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo. Isto é: a) a leitura é uma atividade na qual se levam em conta as experiências e os conhecimentos do leitor; UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 28 .
  • 29. b) a leitura exige do leitor bem mais do que o conhecimento do código lingüístico, uma vez que o texto não é apenas o produto da codificação de um emissor a ser decodificado por um receptor passivo. É esta a concepção sócio-cognitivo-interacional de língua que privilegia os sujeitos e seus conhecimentos em processos de interação. O lugar mesmo de interação é o texto, cujo sentido “não está lá”, mas é construído, considerando-se, para tanto, as “sinalizações” ou pistas textuais fornecidas pelo autor e os conhecimentos do leitor que, durante todo o processo de leitura, deve assumir uma atitude “responsiva ativa” (Cf. Bakhtin, 1992, p. 290). Em outras palavras, espera-se que o leitor concorde ou não com as idéias do autor, complete-as, adapte-as, etc., uma vez que “toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente, a produz” (Bakhtin, 1992, p. 290). 2. A interação: autor-texto-leitor Pela consonância com essa posição, destacamos aqui um trecho dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998): “A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita, etc. Não se trata simplesmente de ‘extrair informação da escrita’ decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão. Qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leitura constatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que utiliza quando lê: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias como seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível rapidez e proficiência. É o uso de procedimentos desse tipo que permite controlar o que vai sendo lido, tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-se diante do desconhecido, buscar no texto a comprovação das suposições feitas etc.” UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 29 .
  • 30. Nesse trecho, encontra-se reforçado, na atividade de leitura, o papel do leitor enquanto um construtor de sentido, utilizando-se, para tanto, de uma série de estratégias, entre as quais a seleção, antecipação, inferência e verificação. 2.1. Estratégias de leitura Assim, espera-se que o leitor processe, critique, contradiga ou avalie a informação que tem diante de si, que a aceite ou a conteste, que dê sentido e significado ao que lê (cf.: Solé, 2003, p. 21). Essa concepção de leitura, que põe em foco o leitor e seus conhecimentos, em interação com o autor e o texto, para a construção de sentido, vem já há algum tempo merecendo a atenção de estudiosos do texto e alimentando muitas pesquisas sobre o tema. Na qualidade de leitores ativos, estabelecemos relações entre nossos conhecimentos anteriormente constituídos e as novas informações contidas no texto, fazemos inferências, comparações, formulamos perguntas relacionadas com o seu conteúdo. Mais ainda: processamos, criticamos, contrastamos e avaliamos as informações que nos são apresentadas, produzindo sentido para o que lemos. Em outras palavras, agimos estrategicamente, o que nos permite dirigir e auto-regular nosso próprio processo de leitura. 2.2. Objetivos de leitura É claro que não devemos nos esquecer de que a constante interação entre o conteúdo do texto e o leitor é regulada, também, pelo propósito com que lemos o texto, pelos objetivos da leitura. De modo geral, podemos dizer que há textos que lemos para nos manter informados (jornais, revistas); há outros que lemos para realizar trabalhos acadêmicos (dissertações, teses, livros, periódicos científicos); há, ainda, aqueles cuja leitura é realizada por prazer, por puro deleite (poemas, contos, romances); os que lemos para consulta (dicionários, catálogos), os que somos “obrigados” a ler de vez em quando (manuais, bulas), os que nos caem em mãos UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 30 .
  • 31. (panfletos), ou os que nos são constantemente apresentados aos olhos (outdoors, cartazes, faixas). São, pois, os objetivos do leitor que nortearão o modo de leitura, em mais tempo ou em menos tempo; com mais atenção ou com menos atenção; com maior engajamento ou com menor engajamento, enfim. 3. Leitura e produção de sentido Se, portanto, a leitura é uma atividade baseada na interação autor-texto-leitor, nesse processo faz-se necessário considerar a materialidade lingüística do texto, elemento sobre o qual e a partir do qual se constitui a interação. E, por outro lado, é preciso também levar em conta o autor e o leitor, com seus conhecimentos e vivências, condição fundamental para o estabelecimento de uma interação com maior ou menor intensidade, durabilidade, qualidade. 3.1. Leitura e ativação de conhecimento É por essa razão que falamos de um sentido para o texto, não do sentido do texto, e justificamos essa posição, visto que, na atividade de leitura, é preciso ativar lugar social, vivências, relações com o outro, valores da comunidade, conhecimentos textuais (cf. Paulino et al., 2001). 3.2. Pluralidade de leituras e sentidos A pluralidade de leituras e de sentidos pode ser maior ou menor dependendo, por um lado, do texto, do modo como foi constituído, do que foi explicitamente revelado, e do que foi implicitamente sugerido; por outro lado, da ativação, por parte do leitor, de conhecimentos de natureza vária, bem como de seus objetivos e de sua atitude perante o texto. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 31 .
  • 32. Assim, considerar o leitor e seus conhecimentos e que esses conhecimentos são diferentes de um leitor para outro implica, necessariamente, aceitar uma pluralidade de leituras e de sentidos em relação a um mesmo texto. É claro que, com isso, não preconizamos que o leitor possa ler qualquer coisa com base em um texto, pois, como já afirmamos, o sentido não está apenas no leitor, nem no texto, mas na interação autor-texto-leitor. Por isso, é de fundamental importância que o leitor considere, na e para a produção de sentido, as “sinalizações” do texto, além dos conhecimentos que possui. 4. Fatores de compreensão da leitura A compreensão de um texto varia, portanto, segundo as circunstâncias de leitura e vai depender de vários fatores complexos e inter-relacionados (Alliende & Condemarín, 2002). Embora tais fatores estejam intimamente relacionados na compreensão da leitura, cabe chamar a atenção para os casos em que fatores relativos ao autor/leitor, por um lado, ou ao texto, por outro lado, podem interferir no processo, de modo a dificultá-lo ou facilitá-lo. 4.1. Fatores relativos ao autor/leitor Esses fatores referem-se ao conhecimento dos elementos lingüísticos (uso de determinadas expressões, léxico antigo etc.), esquemas cognitivos, bagagem sociocultural, circunstâncias em que o texto foi produzido. Em outras palavras, podemos dizer que os conhecimentos selecionados pelo autor – na e para a constituição do texto – “criam” um leitor-modelo. Desse modo, o texto, pela forma como é constituído, pode exigir mais ou menos conhecimento prévio de seus leitores. Isto é, um texto não se destina a todo e a qualquer leitor, mas pressupõe um determinado tipo de leitor e exclui outros. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 32 .
  • 33. Em nosso dia-a-dia, deparamo-nos com inúmeros textos veiculados em meios diversos (jornais, revistas, rádio, TV, internet, cinema, teatro), cuja produção é “orientada” para um determinado tipo de leitor (um público específico), o que, aliás, vem evidenciar o princípio interacional constitutivo não apenas do texto, como do próprio uso da língua. 4.2. Fatores relativos ao texto Além dos fatores da compreensão de leitura ligados ao autor e ao leitor, há os relacionados ao texto, que dizem respeito à sua legibilidade, podendo ser materiais, lingüísticos ou de conteúdo (Cf.: Alliende & Condemarín, 2002). Dentre os aspectos materiais que podem comprometer a legibilidade, os autores citam: o tamanho e a clareza das letras, a cor e a textura do papel, o comprimento das linhas, a fonte empregada, a variedade tipográfica, a constituição de parágrafos muito longos... E, em se tratando da escrita digital, a qualidade da tela e o uso apenas de maiúsculas ou de minúsculas, bem como o excesso de abreviações. Além dos fatores materiais, há fatores lingüísticos que podem dificultar a compreensão, tais como: a seleção lexical; estruturas sintáticas muito complexas, caracterizadas pela abundância de elementos subordinados; orações supersimplificadas, marcadas pela total ausência de nexos para indicar relações de causa/efeito, espaciais, temporais; ausência de sinais de pontuação etc. Uma bula, por exemplo, é conhecida como um texto de difícil leitura por seus aspectos materiais, lingüísticos e de conteúdo, a tal ponto que já existe em andamento uma proposta oficial para resolver o problema. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 33 .
  • 34. 5 . Escrita e Leitura: contexto de produção e contexto de uso Depois de escrito, o texto tem uma existência independente do autor. Entre a produção do texto escrito e a sua leitura, pode passar-se muito tempo, de modo que as circunstâncias da escrita (contexto de produção) podem ser absolutamente diferentes das circunstâncias da leitura (contexto de uso), fato esse que interfere na produção de sentido. O mesmo acontece também quando o texto vem a ser lido num lugar muito distante daquele em que foi escrito ou quando foi reescrito de muitas formas, mudando consideravelmente o modo de constituição da escrita com o objetivo de atingir diferentes tipos de leitor. 6. Texto e Leitura Cabe, assim, reiterar que a leitura é uma atividade que solicita intensa participação do leitor, pois, se o autor apresenta um texto lacunoso ou incompleto, por pressupor a inserção do que foi dito em esquemas cognitivos compartilhados, é preciso que o leitor o complete, produzindo uma série de inferências. Assim, no processo de leitura, o leitor aplica ao texto um modelo cognitivo (frame ou esquema), baseado em conhecimentos que ele tem representados na memória social. A hipótese inicial pode, no decorrer da leitura, confirmar-se e se fazer mais precisa; ou pode exigir alterações, maiores ou menores. Em certos casos, torna-se necessária, até mesmo, a reformulação total dessa hipótese, que terá de ser descartada. Assim, o texto é um exemplo de que o autor pressupõe a participação do leitor na construção do sentido, considerando a (re)orientação que lhe é dada. Nesse processo, ressalta-se que a compreensão não requer que os conhecimentos do texto e os do leitor coincidam, mas que possam interagir dinamicamente (Alliende & Condemarín, 2002, p. 126-7). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 34 .
  • 35. 7. E a produção de textos? Relativamente à prática de produção de textos, podem-se destacar as seguintes afirmações dos PCN: “Um escritor competente é alguém que sabe reconhecer diferentes tipos de texto e escolher o apropriado a seus objetivos num determinado momento (...).” “Um escritor competente é, também, capaz de olhar para o próprio texto como um objeto e verificar se está confuso, ambíguo, redundante, obscuro ou incompleto. Ou seja: é capaz de revisá-lo e reescrevê-lo até considerá-lo satisfatório para o momento. É, ainda, um leitor competente, capaz de recorrer, com sucesso, a outros textos quando precisa utilizar fontes escritas para a sua própria produção.” Assim, no que diz respeito à produção do sentido, defendem os PCN que o trabalho de análise epilingüística em sala de aula é importante, por possibilitar a discussão sobre os diferentes sentidos atribuídos aos textos e sobre os elementos discursivos que validam ou não essas atribuições, propiciando, inclusive, a construção de um repertório de recursos lingüísticos a ser utilizado quando da produção textual. A Lingüística Textual vem trazendo ao professor subsídios indispensáveis para a realização das atividades acima sugeridas, visto que ela tem por objeto o estudo dos recursos lingüísticos e condições discursivas que presidem à construção da textualidade e, em decorrência, à produção textual dos sentidos, o que vai significar, inclusive, uma revitalização do estudo da gramática: não mais, é claro, como um fim em si mesma, mas com o objetivo de evidenciar de que modo o trabalho de seleção e combinação dos elementos lingüísticos nos textos que lemos ou produzimos, dentro das variadas possibilidades que a gramática da língua nos põe à disposição, constitui um conjunto de decisões que vão servir de orientação na nossa busca pelo sentido. Assim sendo, é preciso que os produtores de textos dominem uma série de estratégias de organização da informação e de estruturação textual. A continuidade de um texto resulta de um equilíbrio variável entre dois movimentos fundamentais: retroação e progressão. Desta UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 35 .
  • 36. forma, a informação semântica contida no texto vai distribuir-se em (pelo menos) dois grandes blocos: o dado e o novo, cuja disposição e também dosagem interferem na construção do sentido. A informação dada (ou melhor, aquela que o produtor do texto apresenta como dada) tem por função estabelecer os pontos de ancoragem para o aporte da informação nova. A retomada desta informação opera-se por meio de remissão ou referência textual, que leva à formação, no texto, de cadeias referenciais anafóricas. Estas cadeias têm papel importante na organização textual, contribuindo para a produção do sentido. A informação nova introduz-se por meio das diversas estratégias de progressão textual, entre as quais as de contigüidade semântica (emprego de termos pertencentes a um mesmo campo de sentido), progressão temática, progressão tópica e articulação textual. 8. A importância do contexto Já foi salientado que o recurso ao contexto é indispensável para a produção e a compreensão e, deste modo, para a construção do sentido. O contexto engloba não só o co-texto, como a situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sócio-político-cultural), o contexto acional e, portanto, o contexto sociocognitivo dos interlocutores. Este último, na verdade, subsume os demais. Ele reúne todos os tipos de conhecimentos arquivados na memória dos actantes sociais, que necessitam ser mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal: o conhecimento lingüístico propriamente dito, o conhecimento enciclopédico, o conhecimento da situação comunicativa e de suas “regras” (situacionalidade), o conhecimento superestrutural ou tipológico (gêneros e tipos textuais), o conhecimento estilístico (registros, variedades de língua e sua adequação às situações comunicativas), bem como o conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade). Nesta acepção, portanto, vê-se o contexto como constitutivo da própria interação pela linguagem. É neste sentido que se pode dizer que certos enunciados são gramaticalmente ambíguos, mas o contexto se encarrega de fornecer condições para uma interpretação unívoca. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 36 .
  • 37. Admite-se, pois, que: 1. O contexto desambigüisa; 2. O contexto permite preencher as lacunas do texto (“o contexto completa” - cf. Dascal & Weizman, 1987; Clark, 1977, que fala em estabelecer os “elos faltantes - “missing links”-, por meio de inferências-ponte); 3. Os fatores contextuais podem alterar o que se diz (“o contexto modifica” – ironia, etc.); 4. Tais fatores se incluem entre aqueles que explicam por que se disse isso e não aquilo (“o contexto justifica”). De qualquer maneira, sob essa perspectiva, falar de discurso implica considerar fatores externos à língua, alguma coisa do seu exterior, para entender o que nela é dito, que por si só seria insuficiente. As relações entre informação explícita e conhecimentos pressupostos como partilhados estabelecem-se, como dissemos, por meio das estratégias de “sinalização textual”, por intermédio das quais o locutor, por ocasião do processamento textual, procura orientar o interlocutor no recurso ao contexto. É por isto que o sentido de um texto, qualquer que seja a situação comunicativa, não depende tão-somente da estrutura textual em si mesma (daí a metáfora do texto como um “iceberg”). Os objetos de discurso a que o texto faz referência são apresentados em grande parte de forma lacunar, permanecendo muita coisa implícita. O produtor do texto pressupõe, da parte do leitor/ouvinte, conhecimentos textuais, situacionais, culturais e enciclopédicos e, orientando- se pelo Princípio da Economia, não explicita as informações consideradas redundantes. Ou seja, visto que não existem textos totalmente explícitos, o produtor de um texto necessita proceder ao “balanceamento” do que necessita ser explicitado textualmente e do que pode permanecer implícito, por ser recuperável via inferenciação (cf. Nystrand & Wiemelt, 1991; Marcuschi, 1997). Na verdade, é este o grande segredo do locutor competente. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 37 .
  • 38. O leitor/ouvinte, por sua vez, espera sempre um texto dotado de sentido e procura, a partir da informação contextualmente dada, construir uma representação coerente, por meio da ativação de seu conhecimento de mundo e/ou de deduções que o levam a estabelecer relações de causalidade, temporalidade etc. Levado pelo Princípio da Continuidade de Sentido (Hörmann, 1976), ele põe em funcionamento todos os componentes e estratégias cognitivas que tem à disposição para dar ao texto uma interpretação adequada. Esse princípio se manifesta, pois, como uma atitude de expectativa do interlocutor de que uma seqüência lingüística produzida pelo falante/escritor possa ser considerada coerente (cf. Grice, 1975, Princípio da Cooperação). Verifica-se, assim, que o uso da linguagem, quer em termos de produção, quer de recepção, repousa visceralmente na interação produtor – texto – ouvinte/leitor, que se manifesta por uma antecipação e por uma coordenação recíprocas, em dado contexto, de conhecimentos e estratégias sociocognitivas e interacionais. Tanto em textos escritos como em textos orais, o produtor, visando à produção de sentidos, faz uso de uma multiplicidade de recursos que vai muito além das simples palavras que compõem as estruturas. Em obediência à Máxima da Relevância (Grice, 1975) e com base em seu modelo do interlocutor, o falante/escritor verbaliza somente as unidades referenciais e as representações necessárias à compreensão e que não possam ser deduzidas sem esforço pelo leitor/ouvinte, por meio de informações contextuais e/ou conceituais (Princípio da Seletividade). Mencione-se, a título de exemplo, o emprego de uma expressão referencial anafórica, que implica uma pressuposição de conhecimento partilhado e obriga o interlocutor a uma busca no contexto, cognitivo ou situacional. Visto que o produtor do texto procede à seleção daquela expressão que se mostra mais adequada ao seu projeto de dizer, seu emprego vai exigir do interlocutor a percepção do porquê da escolha feita, no contexto dado, com vistas à construção do sentido. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 38 .
  • 39. Verifica-se, desta forma, a justeza da definição de Van Dijk (1997): “contexto é o conjunto de todas as propriedades da situação social que são sistematicamente relevantes para a produção, compreensão e funcionamento do discurso e de suas estruturas”. Todos os fatores aqui mencionados, que intervêm nos processos de leitura e produção de textos, são responsáveis pela produção de sentidos. Referências bibliográficas Alliende, Felipe; Condemarín, Mabel. A leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed, 2005. Bakhtin, Michail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992 [1952], p. 290. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria do Ensino Fundamental Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Brasília: SEF/MEC, 1998. Clark, Herbert. Bridging. In: Wason, P.; Johnson-Laird, P. Thinking: Readings in Cognitive Sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 1977, pp. 417-20. Dascal, M.; Weizman, E. Contextual exploitation of interpretation clues in text understanding: an integrated model. In: Verschueren, J; Bertucelli-Papi, M. (eds.), The pragmatic perspective – Selected papers from the 1985. International Paragmatic Conference. Amsterdam: J. Benjamins, 1987, pp. 31-46. Grice, H. P. Logic and conversation.In: COLE, P.; MORGAN, J. L. (orgs.), Sintax and Semantics, n.3, Speech Acts. New York: Academic Press, 1975. Hörmann, H. Meinen und Verstehen. Grundzüge einer psychologischen Semantik. Frankfurt: Suhrkamp, 1976. Koch, Ingedore G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 39 .
  • 40. Marcuschi, Luiz A. Contextualização e explicitude na relação entre fala e escrita. 1997. mimeo. Nystrand, M.; Wiemelt, J. When is a text explicit? Formalist and dialogical conceptions. Text 11, 1991, pp. 25-41. Paulino, Graça et al. Tipos de textos, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato, 2001. Solé, Isabel. Ler, leitura, compreensão: “sempre falamos da mesma coisa?”. In: TEBEROSKY, Ana et al. Compreensão de leitura: a língua como procedimento. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 21. Van Dijk, Teun A. Cognitive context models and discourse. In: Oostendorp, H. van ; Goldman, S. (eds.) The construction of mental models during reading. Hilldsdale, N.J.: Erlbaum, 1997. Nota: Mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP e Livre-docente pela UNICAMP. Professora-titular do Depto. de Lingüística do IEL - Unicamp. Autora de diversos livros sobre língua, linguagem e ensino. Tem inúmeros trabalhos publicados em revista e coletâneas, no país e no exterior. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 40 .
  • 41. PROGRAMA 3 GÊNEROS TEXTUAIS: OBJETOS DE ENSINO Gêneros como objetos de ensino: questões e tarefas para o ensino Sandoval Nonato Gomes-Santos1 PARA INÍCIO DE CONVERSA Quase uma década vai se completar desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental. Hoje, parece que já temos, reunidos, alguns elementos importantes para avaliar os efeitos das diretrizes curriculares que foram expostas nesse documento nas práticas de ensino-aprendizagem da disciplina Língua Portuguesa. Principalmente, as implicações que as discussões sobre um currículo centrado nos gêneros (textuais ou discursivos) produziram e têm produzido na escola, em diferentes regiões do país. Desde a publicação do documento até hoje, só cresceu o interesse em compreender as possibilidades e os desafios do conceito de gênero, tanto para o currículo da formação inicial e a pesquisa na universidade, quanto para as políticas públicas de formação continuada do professor e de avaliação-distribuição de livros didáticos, e, principalmente, para as práticas didáticas de ensino de língua na escola. Atualmente, com certo distanciamento em relação às discussões iniciais (anteriores mesmo à publicação dos PCN em 1997-1998), é possível retomar certas preocupações e algumas indagações que vêm marcando a apropriação da proposta de trabalho com gêneros como objetos de ensino nas práticas escolares de ensino- aprendizagem da Língua Portuguesa. Sem o constrangimento de que um currículo centrado no ensino-aprendizagem de gêneros pudesse significar apenas “mais um modismo” da Universidade, imposto para a escola por UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 41 .
  • 42. intermédio da lei, podemos agora avaliar o diálogo institucional estabelecido entre as várias instâncias envolvidas com o tema do ensino-aprendizagem de língua na escola: o diálogo entre pesquisadores do campo dos estudos da linguagem e professores (em ações de formação inicial e continuada); entre os professores-alunos de cursos de graduação e pós-graduação e professores-pesquisadores da universidade (no ensino e na iniciação à pesquisa); entre esses professores-pesquisadores e o mercado editorial (por meio de consultorias à elaboração e mesmo da elaboração de livros didáticos) etc. Desse diálogo, ainda em andamento, questões iniciais retornam e outras, novas, aparecem. Algumas dessas questões foram apontadas com bastante precisão por Rojo (2000), em um texto não por acaso intitulado Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula: progressão curricular e projetos. Ao discutir a proposta curricular que toma o gênero como objeto de ensino e o texto como unidade de ensino, a autora enfatiza que a apropriação da proposta curricular expressa nos PCN pelas práticas escolares de ensino-aprendizagem requer um esforço que envolve três eixos de atuação: a) “a construção de currículos plurais e adequados a realidades locais”, b) “a elaboração de materiais didáticos que viabilizem a implementação destes currículos” e c) “a formação inicial e continuada de professores e educadores” (p. 28). Para contribuir no diálogo instigado pelas percepções de Rojo, proponho enfocar, neste texto, questões relativas à “realização do currículo em sala de aula”, ou seja, às práticas de ensino- aprendizagem de gêneros, considerados objetos de ensino. Suponho que um primeiro passo para refletir sobre essas práticas seja reconhecer que elas têm uma história, que elas são construídas no seio daquilo que Chervel (1998) descreveu como cultura escolar2. Assim, quando ouvimos, por exemplo, que hoje devemos ensinar gêneros, que a gramática deve ser contextualizada ou que é preciso trabalhar a oralidade, essas afirmações não são feitas por acaso. Elas testemunham que há uma demanda de reflexão sobre o ensino- aprendizagem de gêneros pelo professor, nos mais diversos contextos socioculturais pelo Brasil afora. Na base dessas questões está uma indagação primeira, de tão familiar às vezes deixada em segundo plano: o que, para que e como se ensina quando se pretende ensinar a UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 42 .
  • 43. língua? É nesse tripé que proponho localizar a discussão sobre o ensino-aprendizagem de gêneros na escola. Ou seja, proponho que essa discussão enfoque três eixos: • As finalidades da escola como agência de produção-recepção de gêneros; • Os gêneros como objeto de ensino em um projeto curricular; • O investimento na elaboração didática dos gêneros como objetos de ensino. 1. Gênero e forma escolar Um dos passos principais na construção de uma proposta curricular para o ensino- aprendizagem da Língua Portuguesa é o reconhecimento de que a Língua Portuguesa é uma disciplina escolar. Uma disciplina escolar não aparece ao acaso. Para Soares (2002) 3, sua constituição é resultado de motivações socioculturais e históricas: aquilo que supomos ser a disciplina Língua Portuguesa e seu ensino não é definido pela ação isolada de cada professor, mas está ligado àquilo que se pretende ensinar (quais os objetos de ensino visados?), às finalidades do ensino (para que ensinar?) e aos meios de ensino (como ensinar?). Ao se apropriar de objetos de saber e de práticas variadas de linguagem que se constroem na sociedade, a escola os transforma em objetos a serem ensinados. Quando falamos de um currículo centrado no ensino-aprendizagem de gêneros, podemos então pensar na escola, como muito bem sugeriu Schneuwly (2006) 4, como uma agência “inventora” de gêneros, os chamados gêneros escolarizados. Assim, os gêneros, ao se tornarem objetos a serem ensinados (ao adquirirem uma forma escolar, no dizer de Schneuwly), não se configuram de modo igual àquele modo com que aparecem nas práticas do cotidiano, embora estejam vinculados intimamente a essas práticas. Um relatório da visita ao museu, por exemplo, produzido por crianças da 3ª. série do Ensino Fundamental, necessariamente será diferente do esboço produzido por um jornalista que visa, a partir de suas anotações, à produção de uma UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 43 .
  • 44. reportagem sobre o museu. Será diferente, ainda, do relatório do biólogo que faz uma pesquisa sobre zootecnologia. Será diferente porque o gênero, uma vez escolarizado: i) é apropriado em uma situação diversa daquela em que seria apropriado fora da escola, ou seja, a forma escolar implica certa ruptura com o quotidiano; ii) torna-se passível de segmentação em dimensões que podem ser objeto de ensino- aprendizagem; iii) integra um desenho curricular mais amplo, que inclui uma determinada programação de conteúdos, além de procedimentos e instrumentos de avaliação; iv) adquire uma forma textualizada (em geral, um caráter escritural), ou seja, ele se materializa em textos que permitem sua circulação e seu reconhecimento públicos. A escola pode ser considerada inventora de gêneros também pelo fato de criar seus próprios gêneros: os chamados gêneros escolares. Alguns, entre eles, são criados para servir ao próprio funcionamento da instituição escolar – como histórico escolar, diário de classe, plano de aula, requerimento escolar etc. –, e outros são tornados objetos a serem ensinados. O exemplo mais representativo, nesse caso, é a dissertação escolar. Esses dois modos de invenção de gêneros pela escola podem ser considerados, para um determinado discurso pedagógico, um artificialismo, uma forma pela qual a escola reduz o conhecimento, corrompe-o, ou um mascaramento, uma forma de a escola escamotear as reais necessidades dos alunos quanto à aprendizagem de práticas de linguagem efetivamente autênticas. Entretanto, com base no pressuposto de que a linguagem é diálogo (tal como propôs Bakhtin) e de que a prática de ensino-aprendizagem constitui-se na interação entre indivíduos em um determinado contexto sociocultural e histórico (como enfatiza a psicologia de base UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 44 .
  • 45. vigotskiana), é possível pensar que a invenção de gêneros pela escola é condição para a inserção dos indivíduos em determinadas práticas de letramento (de leitura-escuta e produção de textos), especialmente em se tratando daquelas práticas em que circulam gêneros de que os alunos não se apropriariam se não estivessem na escola, como é o caso, por exemplo, de alguns gêneros orais formais públicos (solicitação de informações, debate, conferência, entrevista para emprego etc.). A tarefa da escola na apropriação desses gêneros implicaria não apenas a garantia do acesso a eles, mas, principalmente, o desenvolvimento de uma postura reflexiva sobre as práticas em que eles circulam. Em síntese, se considerarmos, com Bakhtin (1929, 1952-3), que os gêneros se constituem e vão-se diversificando historicamente nas práticas sociais e que sua apropriação se dá sempre em relação intrínseca com essas práticas, a principal contribuição da escola e a finalidade do trabalho de ensino seria inserir os alunos em práticas de letramento das mais simples às mais complexas, transformando seus modos de agir pela linguagem, de forma que possam não apenas usar a linguagem adequadamente – como se costuma dizer –, mas também desenvolver, ao longo da escolaridade formal, uma postura de reflexão sobre ela, sobre as implicações, os efeitos das ações de linguagem na própria construção da sociedade e da cultura5. 2. Os gêneros como objeto de ensino em um projeto curricular: por que um currículo centrado no trabalho com gêneros? Uma das questões iniciais que sempre retorna quando se propõe um currículo que tem como porta de entrada o trabalho com gêneros como objetos de ensino e com textos como unidades de ensino é: já não trabalhamos com textos na sala de aula? O que muda com a proposta de ensino de gêneros? Não são apenas os nomes dos conteúdos que mudaram? Essas questões são significativas porque apontam para o fato de que, para se discutir o currículo que se almeja construir para a disciplina Língua Portuguesa, é necessário reconhecer que já temos um lastro de práticas de ensino construídas historicamente. Por exemplo, um pressuposto comum, bastante freqüente entre os professores de Língua Portuguesa, diz respeito à necessidade de se trabalhar uma diversidade de textos e à necessidade de adequação das ações UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 45 .
  • 46. de linguagem aos vários contextos de uso. A questão, nesse caso, parece ser: como transformar esse pressuposto em orientação curricular na prática didática? Podem ser apontadas diversas motivações para a opção por um currículo com base no trabalho com gêneros. Do ponto de vista histórico, pode-se dizer que essa opção vai-se consolidando com o prestígio de uma perspectiva teórica que concebe a linguagem como prática social, e o processo de ensino-aprendizagem como construído na interação dos três pólos do chamado triângulo didático: o professor, os alunos e os objetos de ensino, em um dado contexto sociocultural. Essa perspectiva ganha visibilidade crescente a partir do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, no Brasil. A partir desse momento, propostas curriculares foram divulgadas, investigações sobre o ensino-aprendizagem se diversificaram, livros didáticos transformaram- se. Rojo & Cordeiro (2004) apresentam um percurso bastante interessante dos modos com que se vêm trabalhando as práticas de leitura e produção de textos na tradição escolar brasileira a partir dos anos 1980. Segundo as autoras, a proposta de trabalho com gêneros distingue-se de outros dois modos de conceber o trabalho com o texto na escola: i) Inicialmente, o texto visto como material ou objeto empírico que, em sala de aula, propiciava “hábitos de leitura”, de produção, de análise lingüística. O texto tomado, portanto, como objeto de uso, mas não de ensino; ii) Mais tardiamente, o texto visto como suporte para o desenvolvimento de estratégias e habilidades de leitura e de redação. Uma terceira possibilidade de trabalho com o texto é aquela chamada pelas autoras de enunciativo-discursiva. Nessa terceira via, o texto é tratado em articulação ao gênero a que ele pertence. Mesmo não escolarizado, o indivíduo é capaz de reconhecer, apropriar-se e produzir determinados gêneros, a depender do modo com que se integra às práticas em que esses gêneros circulam. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 46 .
  • 47. Assim, uma criança que participa da prática de conversação em sua família, ocasião em que se contam histórias e piadas, ou da prática de leitura de cartas, provavelmente reconhecerá os gêneros piada e carta pessoal com certa facilidade. Se não exercita a prática de discussão coletiva de questões polêmicas, por hipótese terá mais dificuldade de produzir o gênero debate quando for solicitada para isso. Isso não significa dizer que os gêneros são uma fôrma, uma camisa-de-força que determina por completo cada ação de linguagem do indivíduo. São formas flexíveis de materialização dos textos. Vejamos um exemplo (Gomes-Santos, 2003) que ilustra o modo com que construímos diálogo por meio dos gêneros, tanto com outros locutores, quanto com outros textos. Após leitura e comentário da versão de uma lenda amazônica – a Lenda da Cobra Grande – o professor apresenta aos alunos de 2ª. série do Ensino Fundamental a proposta de produção escrita – recontar a lenda – por meio das seguintes instruções: Produção de Texto Como você percebeu, na Lenda da Cobra Grande o encanto só pode ser quebrado se um corajoso guerreiro cortar a ponta do rabo da cobra, fazendo com que ela volte a ser uma índia bela e atraente. E você, que outra solução arrumaria para quebrar o encanto da cobra? Conte-nos esta história. Respondendo à tarefa, um dos alunos escreveu: “Para Quebrar o fentiço que o caçador colocou na índia precisa pegar um facão e cortar o rabo da cobra grande, e depois liberta a índio do fentiço que o cassado colocou, eu mesmo Fábio vol cortar o rabo da cobra grande.” (Texto: Quebra o encanto da cobra grande) Outro aluno atendeu à mesma tarefa assim escrevendo: Era uma vez uma índia muito bela e o Paje trasformou ela em uma cobra muito grande e para desfazer o encanto tinha que dar um beijo na cobra e o índio deu um beijo na nele UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 47 .
  • 48. tornou uma bela india denovo e se casaram e viveram felizes para sempre. (Texto: A bela índia) No primeiro caso, o aluno estabelece diálogo com as instruções do professor, que orientam para que “outra solução” deveria ser encontrada para quebrar o encanto da cobra. Na apropriação que faz do gênero lenda, ele se representa como figura textual, agente da quebra do encanto – “eu mesmo Fábio”. Ao fazer isso, busca, de certo modo, satisfazer a injunção da instrução, que exige uma resposta do escrevente à questão apresentada. Nesse caso, a resposta do aluno, ao enunciar “eu mesmo”, pode remeter à seqüência interrogativa da instrução iniciada por “E você”. Já no segundo caso, a solução para a quebra do encanto da cobra é constituída em referência aos “contos de fadas”. Nesse texto, a remissão aproxima-se do conto “A Bela Adormecida”, já que “para desfazer o encanto tinha que dar um beijo na cobra”, o que ocasionaria a quebra do encanto e, por conseguinte, o happy end do casal: “tornou uma bela india denovo e se casaram e viveram felizes para sempre”. Esses enunciados de escrita infantil testemunham o caráter dialógico do processo de produção-recepção dos gêneros no interior de uma determinada prática social. 3. A elaboração curricular dos gêneros como objetos de ensino Os critérios para a organização e seqüenciação dos conteúdos curriculares, conforme os PCN, teriam que levar em conta os eixos USO – REFLEXÃO – USO, princípio que deve atravessar toda a escolaridade e que implica “compreender que tanto o ponto de partida como a finalidade do ensino da língua é a produção/compreensão de discursos” (PCN – 1o. e 2o. ciclos [nota de rodapé], p. 44). Trata-se, assim, de um princípio curricular “em que se pretende que, progressivamente, a reflexão se incorpore às atividades lingüísticas do aluno de tal forma que ele tenha capacidade de monitorá-las com eficácia”(PCN – 1o. e 2o. ciclos, p. 48). UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 48 .
  • 49. Uma proposta de trabalho com o gênero como eixo norteador do currículo de Português exige que se defina uma entrada para o ensino que conjuga a abordagem do texto por meio, principalmente, das condições em que ele é produzido e circula. Nessa direção, muito mais do que o ensino de estruturas globais dos textos ou de seqüências tipológicas (narração, descrição, argumentação etc.), enfocam-se os sentidos neles construídos. Isso porque o texto é considerado em seu processo de significação, com base nos componentes que caracterizam o gênero a que ele pertence: finalidades reconhecidas, estatuto dos interlocutores, coordenadas espaço-temporais, suporte material e organização textual (ver Maingueneau, 2004). Com base nesse princípio geral, a entrada curricular pelos gêneros: i) Amplia o repertório de textos tornados unidades de ensino, incluindo-se aqueles ligados a gêneros orais (especialmente os formais públicos) e aqueles ligados às novas tecnologias de comunicação-informação (os gêneros digitais); ii) Aborda os conteúdos gramaticais, em articulação com o trabalho com os gêneros selecionados para o ensino; iii) Dá lugar ao tratamento de fenômenos de variação, relativos à modalidade, à norma e ao registro da língua. Essa entrada curricular pelos gêneros distingue-se de pelo menos dois outros modos de organizar o currículo de Português. Vejamos: (a) a entrada pelos objetos gramaticais: o foco é um objeto gramatical (encontro de letras, tonicidade, classes de palavras, sujeito e predicado etc.) e os textos (poemas, trava-línguas, quadrinhas, contos, receita culinária etc.) que são selecionados e trabalhados em sala de aula, em função do ensino do tópico gramatical escolhido. UM MUNDO DE LETRAS: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA. 49 .