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A experiência e o juízo estéticos
CAPÍTULO 7
2
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
O que é a experiência estética?
- Para onde estás a olhar, Rita?
- Para aquele quadro. E tu, João?
- Curioso, eu também.
- Sim? Então deves estar a sentir o mesmo que eu, João.
- O que estás a sentir, Rita?
- Sinto prazer. Estou encantada a olhar para ele.
- Fazes-me rir, Rita. Encantada com isto?
- Então porque estás também parado a olhar para o quadro?
- Ora, Rita, estou só a ver como aquela gente se vestia na
altura.
2
3
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
A resposta de Kant
A Rita sentiu prazer ao olhar para o quadro, ao passo que
o João não sentiu qualquer prazer.
O João aprendeu algo ao olhar para o quadro (como as
pessoas daquela época se vestiam), ao passo que a Rita
não estava interessada nisso.
Kant defende que só a Rita teve uma experiência
estética, poque:
1. essa experiência se caracteriza por um sentimento de prazer;
2. o prazer é desinteressado, pois tudo o que conta é o próprio
prazer de ter a experiência (não é o que se aprende com
ela, nem alguma outra finalidade).
3
4
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Terá Kant razão?
1. E se houver exemplos de experiências que consideramos
estéticas, mas cujo prazer não é desinteressado?
4
Será que teríamos o
mesmo tipo de
experiência ou de
sentimento diante de
uma obra como esta
se não soubéssemos
que os nomes
inscritos no muro são
os dos milhares de
jovens americanos
mortos na Guerra do
Vietname?
5
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Terá Kant razão?
2. Se Kant tiver razão, como se explica que observar a
mesma coisa umas vezes dê prazer e outras não?
5
A Rita só gosta da canção
Changes, dos Black Sabbath,
quando a ouve sozinha no
seu quarto, mas não quando
está com outras pessoas
num bar, por exemplo.
6
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
A atitude estética
Alguns filósofos pensam que o facto de tanto podermos
ter como não ter experiências estéticas acerca da
mesma coisa, só se explica tendo em conta a atitude
com que encaramos essa coisa.
Ter ou não experiências estéticas é uma questão de
atitude perante as coisas.
A atitude é a disposição para encarar as coisas de uma
certa maneira: a nossa atitude tanto pode ter um
caráter prático como um caráter estético.
A atitude estética é aquela que leva a observar algo
com uma atenção desinteressada (não prática).
6
7
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Atitudes diferentes
7
A Rita prestou atenção apenas à
harmonia e equilíbrio das formas,
linhas e cores deste quadro, nada
mais lhe interessando. Por isso,
teve uma experiência estética.
O que prendeu a atenção do
João foi algo exterior ao quadro
(querer saber como as pessoas se
vestiam naquela época) e não o
próprio quadro. A sua atenção
não é desinteressada, pois quer
aprender algo com ele.
8
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Será mesmo uma questão de
atitude?
8
1. Prestar atenção às formas, linhas e cores de um
quadro ou, em vez disso, desviar a atenção para
outras coisas (o modo como as pessoas se vestiam,
por exemplo) não é o mesmo que haver diferentes
tipos de atenção.
2. Se é tudo uma questão do tipo de atenção, por que
razão prestamos normalmente um tipo de atenção
à arte diferente do que prestamos, por exemplo, a
coisas como contentores de lixo?
9
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Propriedades estéticas
9
A melhor explicação para dirigirmos a nossa atenção
para umas coisas em vez de outras é, dizem alguns
filósofos, haver certas caraterísticas nas próprias
coisas responsáveis por isso.
A essas caraterísticas chama-se propriedades estéticas.
Exemplos de propriedades estéticas: beleza, harmonia,
delicadeza, equilíbrio, unidade, intensidade,
elegância e graciosidade.
10
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Mas haverá mesmo
propriedades estéticas?
10
1. Quando olhamos para um quadro, tudo o
que vemos são linhas direitas ou curvas,
cores e manchas; não vemos elegância,
nem delicadeza nem unidade.
1. Se houver tais propriedades nos próprios
objetos, como explicar a divergência de
opiniões das pessoas sobre se tal objeto é
bonito, elegante ou delicado?
11
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Onde está a diferença entre o
estético e o não estético?
11
12
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
JUÍZOS ESTÉTICOS
 «Price Tag, de Jessie J, é uma canção bonita»,
diz a Rita.
«Price Tag, de Jessie J, não é uma canção
bonita», afirma o João.
Quem tem razão, a Rita ou o João? Poderão ter
ambos razão?
Como justificar adequadamente os nossos juízos
estéticos?
12
13
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Subjetivismo e objetivismo
SUBJETIVISMO - Os juízos estéticos têm
um caráter subjetivo: são juízos de
gosto.
OBJETIVISMO - Os juízos estéticos têm
um caráter objectivo: não são uma
questão de gosto.
13
14
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Subjetivismo estético
HUME – Os juízos estéticos são juízos de gosto,
mas os gostos não valem todos o mesmo,
pois existe um critério geral de avaliação: o
padrão do gosto.
KANT – Os juízos estéticos são juízos de gosto,
mas são universais: nas mesmas condições
todos devíamos gostar das mesmas coisas.
14
15
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Terão os subjetivistas razão?
Objeção 1: Se o subjetivista tiver razão, então
ao proferirmos um juízo estético sobre algo
não estamos realmente a falar desse algo
mas de nós próprios (das nossas preferências).
Objeção 2: O subjetivismo parece não
conseguir explicar por que razão gostamos do
que gostamos, que é o que precisamos de
explicar.
15
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50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Objetivismo estético
O que justifica que gostemos de umas
coisas e não de outras é umas coisas
terem certas caraterísticas que outras
não têm.
Gostamos de algo por ser bonito
(elegante, harmonioso, intenso, ...);
não é por gostarmos dele que é
bonito.
A beleza está nas coisas, mas
precisamos de saber detetá-la.
16
17
50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO
Terão os objetivistas razão?
Objeção 1: Há demasiadas discordâncias
profundas sobre questões estéticas.
Objeção 2: Mesmo quando há algum
consenso, isso deve-se a influências
culturais e sociais passageiras (publicidade,
moda, etc.), e não às características das
próprias coisas.
17

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Cap 7 (completo)

  • 1. A experiência e o juízo estéticos CAPÍTULO 7
  • 2. 2 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO O que é a experiência estética? - Para onde estás a olhar, Rita? - Para aquele quadro. E tu, João? - Curioso, eu também. - Sim? Então deves estar a sentir o mesmo que eu, João. - O que estás a sentir, Rita? - Sinto prazer. Estou encantada a olhar para ele. - Fazes-me rir, Rita. Encantada com isto? - Então porque estás também parado a olhar para o quadro? - Ora, Rita, estou só a ver como aquela gente se vestia na altura. 2
  • 3. 3 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO A resposta de Kant A Rita sentiu prazer ao olhar para o quadro, ao passo que o João não sentiu qualquer prazer. O João aprendeu algo ao olhar para o quadro (como as pessoas daquela época se vestiam), ao passo que a Rita não estava interessada nisso. Kant defende que só a Rita teve uma experiência estética, poque: 1. essa experiência se caracteriza por um sentimento de prazer; 2. o prazer é desinteressado, pois tudo o que conta é o próprio prazer de ter a experiência (não é o que se aprende com ela, nem alguma outra finalidade). 3
  • 4. 4 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Terá Kant razão? 1. E se houver exemplos de experiências que consideramos estéticas, mas cujo prazer não é desinteressado? 4 Será que teríamos o mesmo tipo de experiência ou de sentimento diante de uma obra como esta se não soubéssemos que os nomes inscritos no muro são os dos milhares de jovens americanos mortos na Guerra do Vietname?
  • 5. 5 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Terá Kant razão? 2. Se Kant tiver razão, como se explica que observar a mesma coisa umas vezes dê prazer e outras não? 5 A Rita só gosta da canção Changes, dos Black Sabbath, quando a ouve sozinha no seu quarto, mas não quando está com outras pessoas num bar, por exemplo.
  • 6. 6 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO A atitude estética Alguns filósofos pensam que o facto de tanto podermos ter como não ter experiências estéticas acerca da mesma coisa, só se explica tendo em conta a atitude com que encaramos essa coisa. Ter ou não experiências estéticas é uma questão de atitude perante as coisas. A atitude é a disposição para encarar as coisas de uma certa maneira: a nossa atitude tanto pode ter um caráter prático como um caráter estético. A atitude estética é aquela que leva a observar algo com uma atenção desinteressada (não prática). 6
  • 7. 7 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Atitudes diferentes 7 A Rita prestou atenção apenas à harmonia e equilíbrio das formas, linhas e cores deste quadro, nada mais lhe interessando. Por isso, teve uma experiência estética. O que prendeu a atenção do João foi algo exterior ao quadro (querer saber como as pessoas se vestiam naquela época) e não o próprio quadro. A sua atenção não é desinteressada, pois quer aprender algo com ele.
  • 8. 8 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Será mesmo uma questão de atitude? 8 1. Prestar atenção às formas, linhas e cores de um quadro ou, em vez disso, desviar a atenção para outras coisas (o modo como as pessoas se vestiam, por exemplo) não é o mesmo que haver diferentes tipos de atenção. 2. Se é tudo uma questão do tipo de atenção, por que razão prestamos normalmente um tipo de atenção à arte diferente do que prestamos, por exemplo, a coisas como contentores de lixo?
  • 9. 9 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Propriedades estéticas 9 A melhor explicação para dirigirmos a nossa atenção para umas coisas em vez de outras é, dizem alguns filósofos, haver certas caraterísticas nas próprias coisas responsáveis por isso. A essas caraterísticas chama-se propriedades estéticas. Exemplos de propriedades estéticas: beleza, harmonia, delicadeza, equilíbrio, unidade, intensidade, elegância e graciosidade.
  • 10. 10 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Mas haverá mesmo propriedades estéticas? 10 1. Quando olhamos para um quadro, tudo o que vemos são linhas direitas ou curvas, cores e manchas; não vemos elegância, nem delicadeza nem unidade. 1. Se houver tais propriedades nos próprios objetos, como explicar a divergência de opiniões das pessoas sobre se tal objeto é bonito, elegante ou delicado?
  • 11. 11 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Onde está a diferença entre o estético e o não estético? 11
  • 12. 12 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO JUÍZOS ESTÉTICOS  «Price Tag, de Jessie J, é uma canção bonita», diz a Rita. «Price Tag, de Jessie J, não é uma canção bonita», afirma o João. Quem tem razão, a Rita ou o João? Poderão ter ambos razão? Como justificar adequadamente os nossos juízos estéticos? 12
  • 13. 13 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Subjetivismo e objetivismo SUBJETIVISMO - Os juízos estéticos têm um caráter subjetivo: são juízos de gosto. OBJETIVISMO - Os juízos estéticos têm um caráter objectivo: não são uma questão de gosto. 13
  • 14. 14 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Subjetivismo estético HUME – Os juízos estéticos são juízos de gosto, mas os gostos não valem todos o mesmo, pois existe um critério geral de avaliação: o padrão do gosto. KANT – Os juízos estéticos são juízos de gosto, mas são universais: nas mesmas condições todos devíamos gostar das mesmas coisas. 14
  • 15. 15 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Terão os subjetivistas razão? Objeção 1: Se o subjetivista tiver razão, então ao proferirmos um juízo estético sobre algo não estamos realmente a falar desse algo mas de nós próprios (das nossas preferências). Objeção 2: O subjetivismo parece não conseguir explicar por que razão gostamos do que gostamos, que é o que precisamos de explicar. 15
  • 16. 16 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Objetivismo estético O que justifica que gostemos de umas coisas e não de outras é umas coisas terem certas caraterísticas que outras não têm. Gostamos de algo por ser bonito (elegante, harmonioso, intenso, ...); não é por gostarmos dele que é bonito. A beleza está nas coisas, mas precisamos de saber detetá-la. 16
  • 17. 17 50 LIÇÕES DE FILOSOFIA 10.º ANO Terão os objetivistas razão? Objeção 1: Há demasiadas discordâncias profundas sobre questões estéticas. Objeção 2: Mesmo quando há algum consenso, isso deve-se a influências culturais e sociais passageiras (publicidade, moda, etc.), e não às características das próprias coisas. 17