Responsabilidade social, meio ambiente cultural e televisão artigos - jus navigandi
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Responsabilidade social das
empresas de telecomunicação em
face do meio ambiente cultural: o
problema da televisão no Brasil
Fernando Augusto de Vita Borges de Sales
ASSUNTOS: DIREITO ADMINISTRATIVO DIREITO CONSTITUCIONAL CULTURA TELEVISÃO
V. O direito de antena e as emissoras de televisão.
Um dos pioneiros na difusão do direito de antena no País foi o professor Celso
Fiorillo. Em sua fundamental obra sobre o tema[17], o ilustre ambientalista,
após fazer um estudo sobre os fundamentos do direito ambiental, traça as
bases para definir aquele direito.
Direito de antena, colocado aqui de maneira bastante singela, é o direito de
captação ou transmissão da comunicação por meio de ondas[18]. Tais ondas
se propagam, artificialmente, através do espectro eletromagnético, sendo
captadas por instrumentos denominados de antena.
A televisão, como visto acima, é o serviço de radiodifusão de transmissão de
sons e imagens. Essa transmissão se propaga por meio do espectro
eletromagnético.
Esse espectro eletromagnético é um bem ambiental, na forma do que se pode
entender da leitura do art. 225 da Constituição Federal. Logo, é um bem de
uso comum do povo, a que todos têm direito.
O direito de antena apresenta mão dupla: tanto se refere à transmissão – que
é feita pelas empresas emissoras de televisão –, quando à captação – que é
feita pelo telespectador.
Isso importa dizer que, se o telespectador tem o direito de captar as ondas
que vêm pelo espectro eletromagnético, as empresas emissoras de televisão
devem ter o cuidado com os sons e imagens que transmitem.
VI. Responsabilidade social das empresas de telecomunicação e o
problema da televisão no Brasil.
VI. 1. Função social das empresas emissoras de televisão.
A função social das empresas de televisão vem albergada na Constituição
Federal (art. 170, III, c.c. 221).
No plano infraconstitucional, temos o Decreto 52.795/63, que reconhece essa
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função social no art. 3º:
Art. 3º. Os serviços de radiodifusão têm finalidade educativa e cultural,
mesmo em seus aspectos informativo e recreativo, e são
considerados de interesse nacional, sendo permitida, apenas, a
exploração comercial dos mesmos, na medida em que não prejudique
esse interesse e aquela finalidade.
Como observa Guilherme Fernandes Neto, “a função social da comunicação
de massa evidencia-se em razão da capacidade desta em alterar
comportamentos, do impacto que causa na sociedade [...]”[19].
Reconhecer essa função social é importante para atribuir responsabilidades.
Nesse sentido, Guilherme Döring Cunha Pereira afirma que “as exigências
éticas implicadas pela noção de função social tem, em determinadas
circunstâncias, tal densidade que se impõe que impregnem a própria análise
da responsabilidade jurídica que possa advir de tal situação”[20].
As empresas emissoras de televisão têm responsabilidade pelos serviços que
oferecem. Essa responsabilidade nasce com a Constituição Federal, como
visto acima, e vai extrapolar para todo o ordenamento jurídico. Anota
Guilherme Fernandes Neto, que “a função social da comunicação de massa
irradia-se – por força de imposição constitucional de valores sociais e éticos –
para todo o ordenamento jurídico [...]”[21]. O autor refere-se, em especial, ao
Código de Defesa do Consumidor, para quem “[...] não restam dúvidas quanto
à aplicabilidade do CDC a toda a programação televisiva, aberta ou
fechada.”[22].
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Mas não é apenas o direito do telespectador enquanto consumidor que está
em jogo, pois este é fácil identificar com as disposições da lei consumerista,
embora o âmbito seja restrito.
É o direito do cidadão (CF/art. 1º, II), que tem direito a uma vida digna (CF/art.
1º. III), respeitados direitos mínimos, neles incluído o lazer (CF/art. 6º). É o
direito a um meio ambiente – cultural – equilibrado como garantia da sadia
qualidade de vida (CF/art. 225). É o direito de não ser bombardeado com
programas de baixo nível cultural, que atentam contra os valores morais e
éticos seu e de sua família (CF/art. 221).
VI. 2. Responsabilidade das empresas emissoras de televisão pelo
conteúdo transmitido.
Não há censura no País. Toda forma de censura foi abolida pela Constituição
Federal. Melhor ainda, podemos dizer que a censura foi definitivamente
banida do País.
Vigora, hoje, o princípio da liberdade de expressão.
Mas essa liberdade não é absoluta. Como todas as liberdades reconhecidas
na Constituição Federal (liberdade de ação, liberdade de associação,
liberdade de concorrência, etc.) a liberdade de expressão está mitigada,
limitada por outros princípios igualmente importantes, como vemos no art. 221
da Constituição Federal:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas:
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção
independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística,
conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Assim, as empresas emissoras de televisão tem o dever de observar, na sua
Teresina / PI
(86) 3226-5226
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programação, tais princípios. Isso significa que, embora tenham a liberdade de
expressão, na sua programação deverão dar preferência aos programas de
caráter educativo, promovendo a cultura e respeitando os valores éticos e
sociais.
A emissora que não cumprir estas diretrizes estará sujeita a todos os tipos de
sanção, nas esferas administrativas, civil e penal.
É preciso observar que as emissoras de televisão exercem uma atividade
concedida pelo Poder Público, em prol dos telespectadores. As emissoras
devem servir aos telespectadores e não o contrário.
O que temos visto, no entanto, é essa inversão de valores. As emissoras não
atendem aos princípios do art. 221 e empurram para o telespectador uma
programação enlatada, repetitiva, de baixo – ou nenhum – nível cultural,
sensacionalista, que explora a nudez e a violência gratuitas.
Esse tipo de programação é uma agressão aos valores culturais, morais e
sociais, consubstanciando uma degradação – poluição – do meio ambiente
cultura do País.
Como salienta Guilherme Döring Cunha Pereira,
[...] a agressão que um abuso dos meios de comunicação é capaz de produzir
pode dirigir-se a bens das mais variadas índole, incluindo bens praticamente
intangíveis por qualquer outro meio: o patrimônio cultural e moral de uma
nação, por exemplo, isto é, o conjunto das suas convicções mais arraigadas e
mais valiosas, alicerçadas ao longo de séculos e ainda bens outros, ao
alcance de instituições ou pessoas menos onipresentes.[23]
Ter uma programação calcada em programas alienantes como reality shows,
programas sensacionalistas travestidos de jornalísticos que promovem a
violência em todos os seus aspectos, novelas com altas doses de sexualidade
e nudez despropositada, programas matinais de fofoca, e seriados americanos
repetidos à exaustão, representa uma grave violação dos preceitos
constitucionais.
É preciso que se veja que não basta, como proclamam alguns, que se mude
de canal ou se desligue o televisor. Isso não resolve o problema. A utilização
do espectro eletromagnético – que é um bem ambiental, de uso comum do
povo – se dá por autorização do Poder Público e essas ondas transmitidas
atingem pessoas indiscriminadas, até mesmo pessoas vulneráveis que não
tem o discernimento necessário para trocar o canal, ferindo o seu direito de
antena.
As empresas emissoras de televisão podem – e devem – ser
responsabilizadas por isso. Alguns autores argumentam que essa
responsabilidade depende de lei ordinária que a regulamente. Mas não
depende, não. As bases para a responsabilização estão na própria
Constituição, especialmente no art. 5º, V e X.
Seguindo a lição de Fiorillo,
[..] todo e qualquer brasileiro ou estrangeiro residente no País tem direito à
informação (arts. 5º, XIV, e 220), captada através de meios que utilizam o
espectro eletromagnético, caso do rádio e da televisão, podendo responder
em face de eventuais agravos que venha sofrer, bem como receber
indenização por dano sofrido – material, moral ou à sua imagem (art. 5º, V), ou
de ter violada, através das transmissões de rádio ou televisão, sua intimidade,
sua vida privada e honra (art. 5º, X).[24]
VII. Conclusão
As empresas emissoras de televisão exercem um papel fundamental como
meio de comunicação de massa. Nas grandes cidades, quase todos os lares
contam com um aparelho televisor. Alguns, com dois ou três, até mais.
Por conta desse papel, tais empresas devem ser exercidas de maneira
responsável, atentando para sua função social.
A preservação do meio ambiente cultural passa em muito pela atuação dessas
empresas.
A liberdade de expressão, conquistada com a redemocratização do Brasil,
somente será legítima quando exercida de acordo com os princípios
estabelecidos na Constituição Federal. Não existe liberdade absoluta, de sorte
que, ao não observar os princípios informadores da comunicação social, a
empresa emissora de televisão sujeita-se à responsabilidade integral, nas
áreas administrativas, civil e penal.
Já está mais do que na hora de cobrar dessas empresas o respeito à
Constituição, oferecendo ao telespectador programas de melhor nível cultural,
educativo, com respeitando aos valores morais e sociais tão raros
ultimamente.
Bibliografia.
BARROS, Wellington Pacheco. Curso de direito ambiental. São Paulo:
Atlas, 2008.
BULOS, Uadi Lammêgos. Curso de direito constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2009.
FERNANDES NETO, Guilherme. Direito da comunicação social. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro.
São Paulo: Saraiva, 2009.
_____. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São
Paulo: Saraiva, 2000.
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas,
4. 25/09/13 Responsabilidade social, meio ambiente cultural e televisão - Artigos - Jus Navigandi
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2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo:
Saraiva, 2009.
PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Liberdade e responsabilidade dos
meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
SALES, Fernando Augusto de Vita Borges de. A natureza jurídica da praça
à luz da ordem constitucional e sua submissão ao Estatuto da Cidade.
Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1376, 8 abr. 2007. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/9710>. Acesso em: 27 jun. 2012.
SILVA, José Afonso da. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo:
Malheiros, 2001.
RODRIGUES, José Rubens Andrade Fonseca. Princípios de direito
internacional de telecomunicação e a Lei n. 9.472/97 da República
Federativa do Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
Notas:
[1]Sobre a classificação do meio ambiente, ver nosso artigo: A natureza
jurídica da praça à luz da ordem constitucional e sua submissão ao
Estatuto da Cidade.
[2]Ordenação constitucional da cultura, p. 29.
[3]Curso de direito ambiental, p. 143.
[4]Ordenação constitucional da cultura, p. 35.
[5] Em relação aos bens materiais, o Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de
1937, dispõe sobre a proteção do patrimônio histórico. O seu art. 1º dispõe:
Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis
e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público,
quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu
excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
[6] Cf. Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de direito ambiental
brasileiro, 2009, p. 299.
[7] Maria Luiza Machado Granziera, Direito Ambiental, p. 252.
[8]Ordenação constitucional da cultura, pp. 149-150.
[9] Ver arts. 966 e seguintes do Código Civil.
[10] Ver arts. 40 e seguintes do Código Civil
[11] Cf. José Arruda de Andrade Fonseca Rodrigues, Princípios gerais de
direito internacional de telecomunicação..., passim, pp. 64-65.
[12] O art. 21 é um exemplo de competência administrativa exclusiva, que não
pode ser transferido de um poder para outro, apenas podendo ser exercida
pelo ente federado que a Constituição especificou (cf. Uadi Lammêgo Bulos,
Curso de direito constitucional, p. 829).
[13] Marçal Justen Filho, Curso de direito administrativo, p. 621.
[14] Em 15 de setembro de 1968, Caetano Veloso, acompanhado do grupo Os
Mutantes, apresentou a música “É proibido proibir”, no III Festival de Música da
TV Record. Em dezembro de 1968, Caetano Veloso foi preso pela ditadura
militar. Libertado em fevereiro de 1969, partiu para o exílio em Londres em
julho do mesmo ano.
[15] O Pacto de San Jose da Costa Rica foi incorporado ao nosso direito
interno através do Decreto n. 678/92, ostentando a qualidade de norma
supralegal (STF, HC 87585/TO).
[16] A Escola Base foi fechada em 1994, em razão de denúncia de que seus
proprietários teriam cometido abuso sexual contra uma aluna. Os meios de
comunicação de massa, em especial as emissoras de televisão, acusaram,
julgaram e condenaram aquelas pessoas. Todavia, a acusação não era
verídica, como ficou demonstrado na investigação policial. A Rede Globo foi
condenada a pagar R$ 1,35 milhões de indenização. Revista Veja, Isto É,
Folha de São Paulo e Estado de São Paulo forma outros veículos de
comunicação condenados.
[17]O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil.
[18] Cf. Celso Fiorillo, O direito de antena..., p. 121.
[19]Direito da comunicação social, p. 78.
[20]Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação, p. 42.
[21]Direito da comunicação social, p. 80.
[22]Direito da comunicação social, p. 80.
[23]Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação, p. 75.
[24]O direito de antena..., p. 187.
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Comentários 1 Comentar
Ismael Façanha 05/07/2012 15:40
Ao menos fossem os programas de televisão menos deseducativos, conservando o interesse dos tele-
espectadores também.
Publique seu texto na Revista Jus Navigandi
Artigos, monografias, petições, pareceres e jurisprudência
Autor
Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
SALES, Fernando Augusto de Vita Borges de. Responsabilidade social das
empresas de telecomunicação em face do meio ambiente cultural: o
problema da televisão no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3290, 4
jul. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22148>. Acesso em: 25
set. 2013.
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