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A EXCLUSÃO DA ILICITUDE NO ABORTO EUGÊNICO
Pâmella Gemma Zilio1
Rosana Bonissoni2
RESUMO: Enquanto de um lado a taxa de mortalidade só aumenta em gestantes
que buscam clínicas clandestinas para praticar aborto, de outro, a sociedade espera
alguma atitude definitiva dos legisladores. Este estudo busca quebrar um pouco do
tabu que cerca a sociedade quando o assunto é aborto. Aduz sobre o crime de
aborto de forma geral, as modalidades e, sobre quais as práticas de aborto
impuníveis pelo ordenamento jurídico brasileiro. Há um estudo minucioso sobre a
prática do aborto Eugênico, também conhecido como Eugenésico, que expõe os
principais pontos sobre a inclusão de um inciso III no artigo 128 do Código Penal
Brasileiro, uma vez que não há previsão legal para esta prática.
PALAVRAS-CHAVE: Aborto; Aborto Eugênico; Imputabilidade;
1. INTRODUÇÃO
Não há como negar que o aborto por si só traz à tona uma série de
discussões morais, éticas, sociais, religiosas, etc. Quando o assunto é aborto
eugênico, a discussão não é diferente, uma vez que existe uma série de dogmas e
princípios envoltos nesta discussão.
O aborto eugênico é uma modalidade de aborto que visa interromper a
gravidez, uma vez que seja comprovado que o feto sofre de anomalias que não o
permitam ter uma vida compatível com a extrauterina.
Essa forma de aborto ainda não está prevista no ordenamento jurídico
brasileiro, muito menos como lícita, uma vez que só há duas formas em que o aborto
não é punível, sendo aquela em que não há outro meio de salvar a vida da gestante
e, se a gravidez resulta de estupro.
No entanto, nosso Código Penal é do ano de 1940, uma época em que a
medicina não possuía mecanismos que possibilitassem fazer um “exame” no feto, ou
seja, não havia como saber se o mesmo era saudável ou não. Hoje em dia, com o
avanço da medicina e da tecnologia, com poucos meses de gestação já é possível
1
Acadêmica do 4º ano do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de
Cascavel.
2
Mestre em Direito pela UFPR. Professora do Curso Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências
Sociais Aplicadas de Cascavel.
saber se o feto traz consigo alguma anomalia física e/ou mental que o impossibilite
de ter uma existência normal (entenda-se digna), fora do útero.
Devido a esse avanço, será que a partir do momento que fica comprovada a
grave deformidade fetal, é justo deixar uma mãe carregar dentro de seu ventre, um
feto que, minutos após o parto, morrerá? Ou então, é justo punir criminalmente uma
mãe e um médico que interrompem esta modalidade de gravidez?
Gestações cujos fetos são anencefálicos, acranianos, possuem síndrome de
Patau, não são casos isolados na sociedade, assim, não é aceitável que hoje em
dia, 70 anos após a entrada em vigor do Código Penal Brasileiro, as pessoas ainda
tenham que ser submetidas ao dissabor de levar uma gravidez como essa em
frente.
Já passou da hora dos legisladores incluírem um terceiro inciso no artigo 128
do Código Penal prevendo a não punição do aborto praticado por médico nos casos
de aborto eugênico, ou seja, “art. 128 (...), iii- se for detectado, até a 26ª (vigésima
sexta) semana de gestação, má formação do feto, devendo o aborto ser autorizado
pela gestante, ou se menor de idade, pelo seu representante legal3
”.
É importante que fique claro que o objetivo deste estudo é conscientizar, ao
menos uma parcela da sociedade, que o aborto eugênico é uma forma de poupar
sofrimento de pessoas e pessoas, uma vez que essa prática será realizada somente
quando a expectativa de vida do feto na forma extrauterina seja ínfima e, se a
gestante assim o quiser e permitir.
Deve ficar bem claro que a intenção aqui não é fazer apologia à prática de
aborto de forma discriminada, mas sim, somente nos casos em que haja
deformidades específicas no feto. Assim, a importância de ser acrescentado um
terceiro artigo no nosso Código Penal, afinal, não faz sentido ainda seguirmos com
leis que eram aplicadas a uma sociedade totalmente diferente da atual, onde
costumes, medicina, atitudes, pensamentos, foram totalmente reformados.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Não é desde sempre que a prática de aborto é considerada crime, já que
durante muito tempo o feto era considerado parte do corpo da mulher e,
consequentemente, cabia à mesma decidir continuar ou não com a gravidez.
3
http://www.jurisway.org.br/v2/eulegisladorlei.asp?id_lei=417. Acesso em 20.06.2011.
Em Roma, tal prática era considerada comum até o reinado do Imperador
Septimius Severus (193-211 d.C); posteriormente “passou a ser considerado como
uma lesão ao direito de paternidade e sujeito às penas cominadas as veneficio”4
.
Já sob a influência do Cristianismo, o aborto era visto como homicídio, sendo
assim, tal ato era reprovável, uma vez que era considerado literalmente a morte de
uma pessoa.
Na idade média, não existia um entendimento pacífico sobre o aborto, a
saber:
Segundo Santo Agostinho, com lastro na doutrina aristotélica, o aborto só
seria delito em se tratando de feto animado, o que ocorria quarenta ou
oitenta dias após a concepção, conforme fosse do sexo masculino ou do
sexo feminino. De outro lado São Basílio (374 d.C) afirmava que o aborto
provocado seria sempre criminoso, não havendo porque corroborar a
distinção entre feto animado (foectus animadus) e inanimados (foectus
inanimatus). O Direito canônico sustentava a reprovação ao aborto pela
perda da alma do nascituro, que morria sem que fosse batizado.5
Em 1869, já não fazia mais diferença se o aborto era praticado em feto
animado ou inanimado. Dessa forma, não haveria distinção na hora de aplicar penas
a quem abortava.
O primeiro órgão de Direito Penal alemão Constitutio Criminalis Carolina,
punia com pena de morte pela espada quem praticasse o crime de aborto em
outrem e, nos casos em que a própria gestante praticasse o auto-aborto a pena da
mesma era o afogamento.
Em 1830, o Código Criminal do Império, previa o “Art. 199. Occasionar aborto
por qualquer meio empregado interior, ou exteriormente com consentimento da
mulher pejada. Penas - de prisão com trabalho por um a cinco annos”6
. Destarte,
não se punia a mulher e sim o terceiro.
O Código Penal de 1890, punia tanto a mulher como o terceiro responsável
pelo aborto, sendo que previa também distinção de pena nos casos em que havia ou
não expulsão do feto e, se a mulher praticava com o fim de esconder a desonra, a
título de conhecimento:
“Art. 300. Provocar abôrto, haja ou não a expulsão do fructo da concepção:
No primeiro caso: – pena de prisão cellular por dous a seis annos.
4
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Especial – Volume 2: Art. 121 a 249. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 103;
5
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, 2008. p 103;
6
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm, acesso em 29.06.2011;
No segundo caso: – pena de prisão cellular por seis mezes a um anno.
§ 1º Si em consequencia do abôrto, ou dos meios empregados7
para
provocal-o, seguir-se a morte da mulher:
Pena – de prisão cellular de seis a vinte e quatro annos.
§ 2º Si o abôrto for provocado por medico, ou parteira legalmente habilitada
para o exercicio da medicina:
Pena – a mesma precedentemente estabelecida, e a de privação do
exercicio da profissão por tempo igual ao da condemnação.
Art. 301. Provocar abôrto com annuencia e accordo da gestante:
Pena – de prissão cellular por um a cinco annos.
Paragrapho unico. Em igual pena incorrerá a gestante que conseguir
abortar voluntariamente, empregado para esse fim os meios; e com
reducção da terça parte, si o crime for commettido para occultar a deshonra
própria”.
Finalmente, o Código Penal vigente, datado de 1940, dispõe que a prática de
aborto é considerada crime, e está prevista na Parte Especial, no título de Crimes
Contra a Vida. Assim, pune-se tanto a mulher que aborta, como quem o pratica com
ou sem consentimento da mesma, sendo que somente não é punível em dois casos:
quando a gravidez resulta de estupro ou, quando não há outro meio de salvar a vida
da gestante.
3. O ABORTO AOS OLHOS DO DIREITO PENAL BRASILEIRO
O aborto é considerado crime contra a vida e sua pena pode variar de um ano
de detenção a 10 anos reclusão. Está previsto no Título I, Dos crimes contra a
pessoa, Capítulo I, Dos crimes contra a vida, artigo 124 a 128 do Código Penal
Brasileiro.
Como não está conceituado no Código Penal o que é aborto, uma vez que só
se descreve a conduta de “praticar aborto” várias conceituações são possíveis.
Segundo Luiz Regis Prado, “consiste na morte dada ao nascituro intra uterum ou
pela provocação de sua expulsão8
” ou seja, quando o feto morre dentro do útero da
mãe, independente da morte ser natural, espontânea ou provocada.
Já, nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini Mirabete,
“aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a
morte do ovo (até três semanas da gestação), embrião (de três semanas a três
meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente na expulsão9
”,
7
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049, acesso em 29.06.2011;
8
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, 2008. p. 106;
9
MIRABETE, Julio Fabbrini; MIRABETE, Renato N. Frabbrini. Manual de Direito Penal, volume 2: Parte
Especial, arts. 121 a 234 do Código Penal. São Paulo: Atlas 2008. p. 62;
que não é necessária para caracterizar o aborto, levando em conta, não somente a
mumificação, dissolvição do produto, mas também a morte da gestante.
Supondo que a gestante venha a morrer devido a complicações que teve
durante a prática do aborto, como por exemplo, porque a mesma tomou alguma
medicação com o intuito de abortar e, conseguiu, porém logo em seguida veio a
falecer, verifica-se que não foi necessária a expulsão do feto, uma vez que faleceu
praticamente com o produto; no entanto, o aborto terá ocorrido.
Já nas palavras de Aníbal Bruno “(...) provocar aborto é interromper o
processo fisiológico da gestação, com a conseqüente morte do feto. Tem-se
admitido muitas vezes o aborto ou com a expulsão prematura do feto, ou com a
interrupção do processo da gestação. Mas nem um nem outro desses fatos bastará
isoladamente para caracterizá-lo10
”.
Ou ainda, segundo Frederico Marques “Para o Direito Penal e do ponto de
vista médico-legal, o aborto é a interrupção voluntária da gravidez, com a morte do
produto da concepção11
”. Assim, mesmo diante de vários conceitos, todos nos
remetem a um único caminho, de que o aborto é a interrupção da gravidez pela
morte do feto.
3.1 Classificação doutrinária
A objetividade jurídica do crime em comento é a proteção, a preservação da
vida humana.
Configura como sujeito ativo no crime de aborto a própria gestante, caso ela
mesma tenha praticado o ato, sendo que nas demais hipóteses não é necessária
nenhuma qualificação especial para configurar o agente da conduta como sujeito
ativo (crime comum).
Surge uma divergência doutrinária no tocante ao sujeito passivo, uma vez que
para o doutrinador Rogério Greco, somente a mulher e o feto podem configurar no
pólo passivo. Para Luiz Regis Prado, somente o feto e, nas palavras de Mirabbete
“sujeito passivo é o Estado ou a comunidade nacional12
”.
10
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial – Volume 2: Art. 121 a 154 do Código Penal.
Niterói, RJ: Impetus, 2007. p. 238.
11
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, v.II. p. 238.
12
MIRABBETE, Manual de Direito Penal. Ob. Cit. vol 2, p. 63;
Diante de tal discussão, a que parece mais sensata é a de que “no co-aborto
o sujeito passivo é o feto, enquanto no provocado por terceiro, é o feto e a
gestante13
”.
Contudo, o entendimento da doutrina majoritária é de que o sujeito passivo no
crime de aborto é o objeto da concepção, ou seja, o ovo, embrião ou feto.
A conduta necessária para que se configure tal crime é a provocação, ou seja
é necessário que o aborto seja provocado por alguém. No entanto, essa ação pode
se dar por um ato omissivo ou comissivo. Este provocar pode ocorrer de diversas
maneiras, conforme ensinamento de Mirabette:
“Os processos utilizados podem ser químicos, orgânicos, físicos ou
psíquicos. São substancias que provocam a intoxicação do organismo da
gestante e o conseqüente aborto o fósforo, o chumbo, o mercúrio, o
arsênico (químicos), e a quinina, a estricnina, o ópio a beladona etc.
(orgânicos). Os meios físicos são os mecânicos (traumatismo do ovo com
punção, dilatação do colo do útero, curetagem do útero, microcesária),
térmicos (bolsas de água quente, escalda-pés etc.) ou elétricos (choque
elétrico por maquina estática). Os meios psíquicos ou morais são que agem
sobre o psiquismo da mulher (sugestões, susto, terror, choque moral
etc.)”14
É ainda um crime doloso, ou seja, é essencial que haja a vontade de que
ocorra o resultado e, imprescindível que ao menos o risco de produzi-lo seja
assumido, assim, deve ficar comprovada a gravidez. Destarte, não há que se falar
em aborto culposo, pois não há previsão expressa dessa modalidade, e a culpa,
para que se configure, deve estar expressamente prevista no tipo penal.
Como já exposto, é um crime que se consuma pelo resultado, ou seja, trata-
se de um crime material. É necessário que ocorra a morte do feto e a interrupção da
gravidez para que haja o aborto (ressaltando que a expulsão do feto é
desnecessária para que o crime seja consumado) e, é um crime que admite
tentativa, quando os meios utilizados para interromper a gravidez não foram eficazes
para alcançar o fim desejado.
Por fim, trata-se de um crime instantâneo de efeitos permanentes e, de forma
livre, ou seja, ocorre com a morte do feto e não exige um meio único de fazê-lo.
3.2 Espécies de Aborto
13
DELMANTO, Celso [et al], Código Penal Comentado. 7ª ed. Atualizada e Ampliada. Rio de Janeiro: Renovar,
2007. p. 373;
14
MIRABBETE, Manual de Direito Penal. Ob. Cit. vol 2, p. 64;
O aborto pode ocorrer de forma natural ou espontânea e, provocado.
O aborto natural (espontâneo) é aquele que ocorre sem que haja provocação,
ou seja, acontece de forma espontânea, o próprio organismo elimina o feto, não
dando chances deste sobreviver.
Já a aborto provocado, também entendido como doloso, são aqueles
previstos nos artigos 124 (Provocar Aborto em si mesma ou consentir que outrem
lho provoque), 125 (Provocar Aborto, sem o consentimento da gestante) e, 126
(Provocar Aborto com o consentimento da gestante) do Código Penal Brasileiro,
assim, nestas três modalidades, deverão ser submetidos os sujeitos ativos ao
Tribunal do Júri, uma vez que é crime contra a vida.
3.3. Formas de Aborto
Como já exposto até aqui, em regra, aborto é crime, punido com até 10 anos
de reclusão, e o sujeito ativo irá a Júri Popular para julgamento. No entanto, como
em grande parte do nosso ordenamento jurídico, há exceções que afastam a ilicitude
da conduta.
Está disposto no artigo 128 do Código Penal, algumas modalidades de aborto
que não são puníveis a luz do Código Penal, ou seja, são consideradas práticas
legais à luz do Código Penal Brasileiro, a saber:
“Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico: I - se não há outro
meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o
Aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de
seu representante legal”
15
.
No inciso I, fala-se em aborto necessário, também conhecido por parte da
doutrina como terapêutico ou profilático, que é aquele que decorre por motivos
cogentes, ou seja, quando não há outro meio de salvar a vida da gestante.
Nas palavras de Rogério Grecco, “(...) não temos dúvidas em afirmar que se
trata de uma causa de justificação correspondente ao estado de necessidade”16
,
aliás esse entendimento de “estado de necessidade” é pacífico, já que pretende-se
salvar a vida da gestante, afastando perigos atuais ou eminentes, através de uma
“intervenção cirúrgica” e, não é necessário o consentimento da gestante.
15
Vade Mecum Universitário [Equipe RT]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 891;
16
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, v.II. p. 252;
Nas palavras de Mirabbete: “No caso, não é necessário que o perigo seja
atual, bastando a certeza de que o desenvolvimento da gravidez poderá provocar a
morte da gestante. O risco de vida pode decorrer de anemias profundas, diabetes,
cardiopatias, tuberculose pulmonar, câncer uterino, má conformação da mulher,
etc17
”.
Já o inciso II, é conhecido como Aborto Sentimental, Ético ou Humanitário, é
aquele cuja gravidez resulta de um estupro, no entanto ao contrário do inciso I, que
independe do consentimento da gestante para a interrupção da gravidez, neste caso
o consentimento da mesma é indispensável e, se a gestante for incapaz, será
indispensável o consentimento de seu representante legal.
Sobre essa modalidade de aborto, nas palavras de Nélson Hungria, “Nada
justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que
dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível episódio da violência
sofrida.18
”.
Fica evidente que o artigo 128 do Código Penal é extremamente justo e
correto ao prever estas duas modalidades de aborto como lícitas, já que não seria
certo sacrificar a vida da gestante para proteger a de um feto (aborto necessário),
muito menos a de carregar no ventre o fruto de uma agressão, que servirá apenas
para a mesma relembrar os momentos em que sofrera a agressão.
No entanto, o artigo 128 pecou em não incluir a previsão como impunível a
pratica de aborto eugênico ou eugenésico, que é o praticado quando se constata no
feto alguma anomalia grave, que não o permita ter uma vida compatível com a
extrauterina.
4. ABORTO EUGÊNICO
O aborto eugênico é praticado quando o feto é possuidor de alguma
anomalia, genética ou não, que o impossibilite de ter uma vida extrauterina viável,
com o mínimo de qualidade existencial, ou seja, essa prática ocorre quando fica
comprovado que o feto sempre dependerá de terceiros para exercer qualquer
atividade, isso, nos casos em que o mesmo não morre logo após o parto, como
acontece em 65% dos casos, principalmente em fetos anencefálicos.
17
MIRABBETE, Manual de Direito Penal. Ob. Cit. vol 2, p. 68;
18
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, RJ, ed. Forense, 1955, vol. V, p. 304;
Essa modalidade de aborto pode ser conceituada como “um tipo de aborto
preventivo executado em casos em que há suspeita de que a criança possa nascer
com defeitos físicos, mentais ou anomalias, implicando em uma técnica artificial de
seleção do ser humano19
”. Ou ainda como a “interrupção proposital da gravidez feita
sempre que fortes razões científicas autorizarem a suposição de que existe toda a
probabilidade de nascer um deficiente físico ou mental. Também chamado de aborto
profilático, pois evitaria um nascimento inconveniente20
”.
Já, nas palavras de Fernando Capez o aborto eugênico é "aquele realizado
para impedir que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável";
E ainda, no entendimento de Franco:
A expressão aborto eugênico é a mais usada para referir-se ao aborto
realizado quando existe importante risco ou probabilidade de que o feto
esteja gravemente afetado, dando origem a uma criança com graves
anomalias ou malformações. O aborto eugênico tem por fundamento o
interesse social na qualidade de vida independente de todo ser humano e
não o interesse em assegurar a existência de qualquer um desses seres e
em quaisquer condições
21
.
Destarte, deve ficar claro que a eugenia de que trata esse artigo, não é
aquela desvirtuada pelos nazistas, ou seja, não se objetiva com a prática do aborto
eugênico uma “raça pura”, e sim, terminar com o sofrimento físico e psicológico de
uma gestante que carrega em seu ventre um feto comprovadamente inviável.
Importante ressaltar que o aborto eugênico diz respeito a tão somente casos
em que o feto tenha uma gravíssima anomalia, como nos casos de acrania,
anencefalia, síndrome de Patau, entre outras. Não há que se falar em aborto de uma
forma indiscriminada, por qualquer motivo.
É evidente que uma gravidez como essa, em que o feto é incompatível com a
vida extra uterina, acarreta vários transtornos e estresse pós-traumático, cujas
consequências podem durar toda uma vida.
Nos casos em que o feto é anencefálico, é possível até que a gestante morra
em decorrência de tal gravidez, nas palavras de Nilson Roberto de Melo, Presidente
da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia:
A literatura científica demonstra a associação entre anencefalia fetal e maior
frequência de complicações maternas, como hipertensão arterial e aumento
do volume de líquido amniótico (polidrâmnio), alterações respiratórias,
19
http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/542/Aborto-Eugenico, acesso em 15.08.2011;
20
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/382674/aborto-eugenico,acesso em 15.08.2011;
21
http://www.silviamota.com.br/enciclopediabiobio/aborto/aborto-eugenico.htm, acesso em 19/08/2011.
hemorragias vultosas por descolamento prematuro da placenta,
hemorragias no pós-parto por atonia uterina e embolia de líquido amniótico
(grave alteração que cursa com insuficiência respiratória aguda e alteração
na coagulação sanguínea). Portanto, a manutenção da gestação eleva o
risco de morbimortalidade materna.
Isso comprova que permitir a realização da prática de aborto eugênico é uma
forma de poupar não apenas sofrimento da gestante e das pessoas ao seu redor,
mas também de poupar a vida da mesma.
De acordo com a psicóloga Maria T. Maldonado, “no caso de uma gravidez
em que há riscos, as ansiedades e os medos da mãe são potencializados. Além das
expectativas ditas normais relacionadas a esse período, somam-se sentimentos de
punição e culpa por estar gerando uma criança malformada. Sentimentos de
regressão e fragilidade também são observados22
”.
Ou seja, não permitir que uma gestante interrompa uma gravidez como essa,
é submetê-la a uma tortura diária, é fazer com que a mesma viva 9 meses de
agonia. É fazê-la sentir-se incapaz de gerar um feto saudável, o que pode acarretar
danos traumáticos severos, podendo essa nunca mais querer engravidar, entrando
num estado neurótico e de depressão profunda.
4.1 Direitos e Garantias Constitucionais
4.1.1. Do Direito à Vida
Os direitos e garantias fundamentais estão previstos na Constituição Federal
Brasileira de 1988, e não devem ser confundidos, explica Pedro Lenza “os direitos
são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são
os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos
(preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados23
”.
O direito à vida, previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal está ligado
tanto ao direito de não ser morto, quanto ao direito de uma vida digna.
De suma importância determinar “quando” se inicia a vida, uma vez que tanto
a Constituição Federal quanto os outros Códigos Brasileiros silenciaram a respeito
22
MALDONADO, Maria T.; DICKSTEIN, Júlio; NAHOUM, Jean Cloude. Nós Estamos Grávidos. 9 ed. São
Paulo: Saraiva, 1999;
23
LENZA, Pedro. Direito Constitucional: Esquematizado. 13ª Edição revista, atualizada e ampliada. EC n.
57/2008. Editora Saraiva, 2009;
desse assunto. Então, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, a vida se dá a
partir da concepção in ventre.
Nessa ótica, “o direito à vida, contemplado pela Constituição, deve ser
compreendido de acordo com uma visão global que dele se faça, incluindo na sua
interpretação outros valores superiores, entre os quais se destaca a dignidade
humana, elevando-o à categoria de princípio fundamental da República Federativa
do Brasil, assim como o direito à liberdade, que dela se origina24
”.
E ainda, nas palavras de Capelo, “A vida humana, qualquer que seja sua
origem, apresenta-se-nos, antes de mais, como um fluxo de projeção coletivo,
contínuo, transmissível, comum a toda a espécie humana e presente em cada
indivíduo humano, enquanto depositário, continuador e transmitente dessa energia
vital global, constitui um elemento primordial e estruturante da personalidade, a vida
humana é susceptível de diversas perspectivações”25
.
Nesse sentindo, embora a vida do feto seja protegida constitucionalmente,
deve-se preservar também a vida da gestante, uma vez que ao dar a luz para um
feto anômalo, a mesma estará sacrificando a sua própria vida, ou seja, tanto a
gestante quanto o feto estarão sendo impedidos de exercerem o direito de uma vida
digna.
4.1.2 Principio da Dignidade Humana
Prevista no artigo 1º, III, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa
humana é um princípio fundamental. A discussão sobre esse assunto ganha
diariamente espaço na sociedade, tanto no âmbito nacional como internacional.
Assim, para dar continuidade ao presente estudo, alguns conceitos doutrinários
devem ser observados.
Para Alexandre de Moraes “a dignidade da pessoa humana é um valor
espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a
pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas
excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
24
http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=245, acesso em 20.08.2011;
25
SOUZA, Reindranath V. A. Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra, Portugal: Coimbra
Editora, 1995;
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem
todas as pessoas enquanto seres humanos26
”.
Já nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet, citado por Sidney Guerra e Lilian
Márcia Balmant Emerique:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade
intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa
corresponsável nos destinos da própria existência e da vida
em comunhão dos demais seres humanos27
”
A relevância de deixar claro tais conceitos (Direito à Vida e Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana) está em demonstrar para a sociedade que, ao negar
o alvará de aborto nos casos em que está comprovado que o feto é inviável, é ir
contra o que está disposto na Constituição Federal Brasileira, uma vez que que o
Estado está negando a uma pessoa o direito a uma vida digna, à saúde e,
constrangendo a mesma, ao passo que a está torturando física e mentalmente.
4.1.3 Princípio da Autonomia da Vontade
O princípio da autonomia da vontade é muito condizente com o presente
estudo, uma vez que esse diz respeito, literalmente, à vontade da pessoa. Assim, no
tocante ao aborto eugênico, tal princípio não é respeitado, já que a gestante não tem
a oportunidade de expressar sua vontade.
Tal princípio pode ser melhor compreendido, utilizando-se das palavras da
Professora Maria Angélica Benetti Araújo, a saber:
A autonomia da vontade é o poder dos indivíduos de suscitar,
mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e
tutelados pela ordem jurídica. A produção destes efeitos pode
ser determinada pela vontade unilateral, bem como pelo
concurso de vontades. Qualquer indivíduo capaz pode, por
íntima vontade, criar direitos e obrigações. As pessoas são
livres para acertar as condições e circunstâncias que mais
satisfazem seus interesses, estejam ou não previstos ou
regulamentados por lei, gozando da mais ampla liberdade para
celebrar os contratos da maneira mais útil e conveniente,
26
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional-5ª Edição. São
Paulo, Editora Atlas: 2005;
27
http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Sidney.pdf. Acesso em 20.08.2011;
atribuindo-lhes efeitos distintos dos que a lei lhes confere e,
quiçá, modificando sua estrutura jurídica28
.
Assim, resta evidenciado que a partir do momento em que o Estado não
autoriza a prática do Aborto, não está preservando tal princípio, uma vez que não
está respeitando a vontade da gestante e, na grande maioria das vezes, também a
vontade de sua família, amigos, etc.
De grande valia ressaltar, como já dito anteriormente, que a gravidez de feto
anômalo pode ser extremamente arriscada. Negar à gestante sua vontade, é
desampará-la, é negar-lhe o direito à saúde, à vida, ou seja, é submetê-la a um
regime ditatorial, mascarado como democrático.
4.1.4 Direito à Saúde
O Direito à Saúde está positivado no Ordenamento Jurídico Brasileiro, no
art. 196 da Constituição Federal, que dispõe: “A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Assim, quando se nega à gestante o alvará de aborto, além dos outros
princípios violados, há também a violação do Direito à Saúde, uma vez que está
explícito que é um Direito de todos e dever do Estado a proteção da saúde. De suma
importância ressaltar que a saúde, segundo a OMS – Organização Mundial da
Saúde, diz respeito “ao completo bem estar físico, mental e social e não apenas da
ausência de doença29
”.
Muito boa é a colocação de Marcus Orione Correia e Érica Paula Correia,
para quem “implica sua conceituação (à saúde) a partir da ótica de uma política
destinada à prevenção e do tratamento dos males que afligem o corpo e a mente
humana, com a criação inclusive de um sistema organizado que atenda aos
doentes30
”.
Veja, a Constituição Federal em nenhum momento impõe a obrigação de
uma pessoa sacrificar a própria saúde, com o fim de proteger a de outrem, ou seja, o
que está positivado é que todos têm Direito à Saúde e, é dever do Estado promove-
28
http://www.cursoiuris.com.br/artigos_direito-civil2.asp. Acesso em 20.08.2011
29
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54-8 (STF) - DISTRITO
FEDERAL. Ministro: Marco Aurélio
30
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3º ed. – revista e atualizada. São Paulo: Saraiva,
2006.
la. Assim, quando o Estado submete uma gestante a 09 meses de tortura, está indo
contra tudo o que está descrito na nossa carta maior.
4.2. Divergências Doutrinárias
É inegável que o tema do presente estudo é polêmico e delicado e, traz à
tona uma série de discussões políticas sociais e religiosas, entre outras. Como não
há uma pacificação referente ao aborto eugênico, é importante conhecer quais
argumentos os doutrinadores utilizam para defender, ou não, a prática de aborto
Eugenésico.
Capez defende sua posição favorável quanto à exclusão de ilicitude nos
casos de aborto eugênico, a saber:
“Eugenia é expressão que tem forte conteúdo discriminatório, cujo
significado é purificação das raças. A vida intra-uterina perfeita ou não,
saudável ou não, há que ser tutelada, não só por força do direito penal, mas
por imposição direta da Carta Magna, que consagrou a vida como direito
individual inalienável. No que toca ao abortamento do feto anencefálico,
porém, entendemos que não existe crime, ante a inexistência de bem
jurídico. O encéfalo é a parte do sistema nervoso central que abrange o
cérebro, de modo que sua ausência implica inexistência de atividade
cerebral, sem a qual não se pode falar em vida. A Lei 9.434/97, em seu art.
3º, permite a retirada post mortem de tecidos e órgãos do corpo humano
depois de diagnosticada a morte encefálica. Ora, isso significa que sem
atividade encefálica não há vida, razão pela qual não se pode falar em
crime de aborto, que é a supressão da vida intra-uterina. Fato atípico,
portanto31
.
Neste sentido ainda, Warley Rodrigues e Apud Belo:
“Quanto ao aborto eugênico, é do senso comum a sua admissibilidade. Por
que levar adiante uma gravidez cujo feto seguramente não sobreviverá?
Porque impor um sofrimento psicológico tão intenso e inútil à gestante?
Direito é bom senso. Direito é balanceamento de bens, cotejando-se, em
cada situação, os seus valores. Diante do diagnóstico de anomalia do feto,
que o incompatibiliza com a vida, de modo definitivo, a melhor solução é o
aborto. A hipótese é de inexigibilidade de conduta conforme o dever, na
atual legislação. Mas melhor fosse ela uma excludente da criminalidade,
facilitando o acolhimento de pedidos de autorização para o aborto
eugênico”32
Nucci deixa bem claro que é favorável à prática de aborto apenas nos casos
em que há comprovadamente anencefalia, dizendo que, não deve ser estendido a
todos os casos de graves anomalias, como nos casos de fetos monstruosos, ou
seja, aqueles que aparentam ser uma aberração e, defende sua posição da seguinte
forma:
31
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal - Parte Especial. 7ª Ed. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2007;
32
BELLO, Apud. Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatados. Belo
Horizonte: Del Rey, 1999;
“Não podemos acolher a tese de que o feto, com anomalias, que irá
constituir-se em ser vivo monstruoso, possa ser exterminado (...)”; E ainda,
“a curta expectativa de vida do futuro recém-nascido também não deve
servir de justificativa para o aborto, uma vez que não se aceita, no Brasil, a
Eutanásia (...)”; E por fim, aduz que “a ausência de viabilidade cerebral
pode ser motivo mais que suficiente para a realização do aborto, que não é
baseado, porém, em características monstruosas do ser em gestação, e sim
na sua completa inviabilidade como pessoa, com vida autônoma, fora do
útero materno
.33
”
EDUARDO RAZUK, citado na obra de Maria Helena Diniz, é extremamente
radical ao argumentar sua opinião, contra a modalidade de aborto discutida no
presentre trabalho, pois para esse autor “o aborto eugênico é um retrocesso, pois
não passa de uma eutanásia de seres humanos na fase intra-uterina, que em nada
se diferencia da matança de recém-nascidos imperfeitos praticada na era pagã em
Esparta34
”.
Neste posicionamento ainda, MARIA HELENA DINIZ aponta que “a ninguém
é lícito, muito menos à sociedade ou ao Estado, julgar o valor intrínseco de uma vida
humana por suas deficiências35
”.
Diante destas opiniões tão distintas, fica evidente que é quase impossível
existir uma pacificação no tocante a essa modalidade de aborto, uma vez que quem
se posiciona no sentido favorável, apoia-se tanto na saúde da gestante, como nas
graves anomalias que acometem o feto, impossibilitando-o de ter uma vida viável.
Os posicionamentos desfavoráveis, que não são poucos, apoiam-se na ideia
de que a partir do momento em que há a fecundação, o feto já tem uma “vida”,
independente da ausência ou não da massa encefálica, como deformidades,
defendendo, principalmente, o Direito à Vida do nascituro.
Assim, não há que se falar em posicionamento certo ou errado, pois são
opiniões, ou seja, mesmo que a prática de aborto de feto anencefálico seja lícita, as
opiniões desfavoráveis a essa prática, existirão, certamente. Contudo, em sendo
permitida a prática do aborto e desde que estejam presentes os requisitos
ensejadores, será a gestante quem optará por interromper ou não, a gestação.
4.3 JURISPRUDÊNCIAS
33
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – Parte Geral e Parte Especial. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007;
34
DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000;
35
DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000;
Mesmo não sendo positivada essa prática de aborto, cada vez mais estes
assuntos estão presentes nos tribunais de todo o país e, vem sendo concedidas
diversas autorizações judiciais para a prática de aborto de feto anencefálico ou nos
casos em que há uma anomalia que torne o feto incompatível com a vida
extrauterina.
O que pode justificar esse aumento de autorizações é o fato de que a
medicina está avançando de tal forma que com poucas semanas de gestação já é
possível detectar se o feto é, ou não, viável. E ainda, verifica-se que o princípio da
Dignidade Humana é um dos principais argumentos utilizados favoráveis a esta
prática, pois que, não há porque submeter uma gestante de feto inviável a nove
meses de tortura física e mental.
O entendimento do Relator Desembargador José Antônio Braga, do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais, é de que a interrupção de gestação de feto desprovido
de vida cerebral não poderá ser considerado aborto, uma vez que não há vida
autônoma. Assim, busca-se com a interrupção da gravidez “paralisar uma gravidez
sem vida presente ou futura e não, evitar a existência de uma vida vegetativa”,
prevalecendo o princípio da dignidade da pessoa humana, sobre a garantia de uma
vida meramente orgânica:
APELAÇÃO CÍVEL - PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL -
INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO DE FETO ANENCEFÁLICO -
PATOLOGIA LETAL COMPROVADA - DESCARACTERIZAÇÃO DA
PRÁTICA DE ABORTO - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA -
CONHECIMENTO E ADESÃO DO PAI. - Dispensa-se a presença do pai no
polo ativo se ele e gestante, ouvidos pelo médico e cientificados da
ocorrência da anencefalia no feto, solicitam, expressamente, a expedição de
laudo para encaminhamento judicial de interrupção da gravidez. - ""Existe,
hoje, capacidade técnica para diagnosticar a anencefalia com 100% de
segurança, já no primeiro trimestre de gestação, mais precisamente a partir
da 8ª semana. Essa segurança técnica foi alcançada nos anos de 1995-
1996, com o advento da ultra-sonografia em três dimensões (3D) e com a
padronização de normas sobre o assunto. Basta termos a imagem do feto,
um corte transverso no pólo cefálico, e teremos a imagem ultra-sonográfica
bem clássica da formação correta do desenvolvimento do sistema nervoso
central"". (Médico Everton Neves Pettersen, da Sociedade Brasileira de
Medicina Fetal). - A interrupção de gestação de feto desprovido de vida
cerebral não poderá ser considerada aborto, pois não há vida autônoma.
Não se está diante de um pleito de paralisação de uma vida indesejada ou
que tenha uma deformidade qualquer, ainda que grave e incurável; não se
quer evitar a existência de uma vida vegetativa, mas sim paralisar uma
gravidez sem vida presente ou futura. - O princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana deverá prevalecer sobre a garantia de uma
vida meramente orgânica, sendo indubitável que o prosseguimento da
gravidez é capaz de gerar imensuráveis danos à integridade física e mental
da gestante e demais familiares. ACOLHERAM DOCUMENTO TRAZIDO
NA APELAÇÃO E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO (Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, Des.(a) JOSÉ ANTÔNIO BRAGA, Apelação
0351315-65.2010.8.13.0079. Julgado em 24.08.2010, Publicado em
30/08/2010). (Grifo nosso).
Neste mesmo Tribunal, o Relator Desembargador Fernando Caldeira Brant,
baseou sua decisão em valores consagrados na Constituição Federal,
principalmente a vida, liberdade, autonomia da vontade e, dignidade da pessoa
humana. Aduzindo, que se há o atestado médico e o parecer do perito judicial,
confirmando que a anomalia que acomete o feto é incompatível com a vida
extrauterina e, a certeza médica de que se trata de feto natimorto, não há razão de
prolongar problemas clínicos e emocionais que acometem à gestante, ao pai e a
todos os familiares.
ALVARÁ JUDICIAL - ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO - FETO
COM ANOMALIA CONGÊNITA INCOMPATÍVEL COM A VIDA - DISPLASIA
TANATOFÓRICA - EXAMES MÉDICOS COMPROBATÓRIOS -
PONDERAÇÃO DE VALORES - CONCESSÃO - VOTO VENCIDO
PARCIALMENTE. A constatação segura do desenvolvimento de gravidez
de feto com anomalia congênita incompatível com a vida põe em confronto
muitos valores consagrados por nossa Constituição Federal, sendo a vida o
bem mais precioso, seguido da liberdade, autonomia da vontade e
dignidade humana. Tendo poucas probabilidades de sobrevivência ao
nascimento, atestado pelo médico que assiste a requerente, bem assim,
corroborado com parecer do perito médico judicial, assiste a requerente o
direito de exercer a liberdade e autonomia de vontade, realizando o aborto e
abreviando os sérios problemas clínicos e emocionais que a estão
acometendo, ao pai e a todos os familiares. Diante da certeza médica de
que o feto será natimorto, protegendo-se a liberdade, a autonomia de
vontade e a dignidade da gestante, deve a ela ser permitida a interrupção
da gravidez. DERAM PROVIMENTO, COM RECOMENDAÇÃO DA
EXPEDIÇÃO DO ALVARÁ INDEPENDENTE DO TRÂNSITO, VENCIDO
PARCIALMENTE O REVISOR (Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Des.(a)
FERNANDO CALDEIRA BRANT, Autos nº. 1.0027.08.157422-3/001(1).
Julgado em 25.06.2008, Publicado em 15.08.2008).
Não apenas nos casos de anencefalia estão sendo autorizadas as práticas
de aborto eugênico, uma vez que, como já citado anteriormente, existem outras
anomalias que não permitem que o feto tenha uma vida compatível na forma
extrauterina, como nos casos em que se confirma a Síndrome de Edwards36
, onde a
morte ocorre em geral antes dos 3 ou 4 meses de idade, podendo ser protelada há
quase dois anos.
36
Características dos Portadores de Síndrome de Edwards: Os portadores apresentam retardamento físico e
mental, defeitos cardíacos. O crânio é muito alongado na região occipital. O pescoço é curto. O pavilhão das
orelhas é dismórfico, com poucos sulcos. A boca é pequena e triangular. Grande distância intermamilar. Os
genitais externos são anômalos. O dedo indicador é maior do que os outros e flexionado sobre o dedo médio. Os
pés têm as plantas arqueadas. As unhas costumam ser hipoplásticas e atrofiadas. Disponível em
http://www.ghente.org/ciencia/genetica/trissomia18.htm. Acesso em 01.09.2011;
Neste sentido, muito coerente a decisão do Relator Desembargador Edison
Brandão, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar procedente o pedido de
interrupção de gravidez por feto portador de Síndrome de Edwards, argumentando
que:
(...) Diante de tal fato, a hipótese permite, segundo entendemos, a
concessão da ordem, posto que legal a prática do abortamento por tais
motivos, sendo viável que se entenda o presente como caso de aborto
terapêutico, em interpretação teleológica da norma penal, dada não apenas
os riscos de saúde, porém, terrível dano psicológico existente em se obrigar
a gestante a levar a termo a gravidez de um feto inviável37
.
Nos casos de aborto eugênico, deve estar presente o bom senso, o lado
humano do julgador. É absolutamente inaceitável que, em pleno século XXI, quando
resta comprovada a inviabilidade de vida extrauterina, não seja concedida a
permissão de interrupção de gravidez.
Assim, utilizando do bom senso e racionalidade, são as palavras do Relator
Desembargador Nereu José Giacomolli, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, ao afirmar que mesmo não sendo previsto no ordenamento jurídico brasileiro a
prática do aborto eugênico, “pode ser judicialmente permitido nas hipóteses em que
comprovada a inviabilidade da vida extrauterina, independente de risco de morte da
gestante, pois também a sua saúde psíquica é tutelada pelo ordenamento jurídico”.
APELAÇÃO. PEDIDO DE INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO. FETO
ANENCÉFALO E COM MÚLTIPLAS MAL-FORMAÇÕES CONGÊNITAS.
INVIABILIDADE DE VIDA EXTRA-UTERINA COMPROVADA POR
EXAMES MÉDICOS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
APLICAÇÃO DO ARTIGO 128, I, DO CÓDIGO PENAL, POR ANALOGIA IN
BONAM PARTEM. Comprovadas por variados exames médicos a
anencefalia e as múltiplas mal-formações congênitas do feto, de modo a
tornar certa a inviabilidade de vida extra-uterina do nascituro, é possível a
interrupção da gestação com base no Princípio constitucional da Dignidade
da Pessoa Humana e, por analogia in bonam partem, no artigo 128, I, do
Código Penal. No caso dos autos, exames médicos demonstram,
inequivocamente, estar o feto com seus órgãos vitais (encéfalo, coração,
estômago, fígado e alças intestinais) em contato com o líquido amniótico,
para fora da caixa torácica. O aborto eugênico, embora não autorizado
expressamente pelo Código Penal, pode ser judicialmente permitido nas
hipóteses em que comprovada a inviabilidade da vida extra-uterina,
independente de risco de morte da gestante, pois também a sua saúde
psíquica é tutelada pelo ordenamento jurídico. A imposição de uma
37
HABEAS CORPUS - Pedido de gestante para interrupção de gravidez por ser o feto portador da Síndrome de
Edwards - Liminar concedida - Inviabilidade de sobrevida ao feto - Riscos de saúde e possível dano psicológico
à gestante - Abortamento terapêutico - Manutenção da concessão em definitivo - Necessidade Impossibilidade ao
Poder Judiciário de fazer juízo moral, devendo se ater à legalidade ou não da conduta - Ordem concedida em
definitivo. (Tribunal de Justiça de São Paulo - 16ª Câmara de Direito Criminal, Desembargador Edison Brandão.
Data do Julgamento 08.06.2010, Publicação em 25.06.2010).
gestação comprovadamente inviável constitui tratamento desumano e cruel
à gestante. 3. Parecer favorável do Ministério Público, nas duas instâncias.
RECURSO PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70040663163, Terceira Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli,
Julgado em 30/12/2010)
Ao finalizar seu julgamento, o relator supra citado, de forma muito pertinente,
afirmou que “a imposição de uma gestação comprovadamente inviável constitui
tratamento desumano e cruel à gestante”, e deixa claro que, ao ser negado o pedido
de aborto nos casos de fetos inviáveis, nega-se também garantias fundamentais e
direitos previstos na Constituição Federal, uma vez que esta prevê, dentre outros
que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante38
”.
5. CONCLUSÕES
Como se viu, a prática de aborto no Brasil sempre esteve prevista no
ordenamento jurídico, no entanto, de diversas formas e, em vários momentos
diferentes.
Não há como afirmar que o aborto eugênico será, algum dia, uma prática
permitida e aceita por todos os seres humanos, todavia, o que parece claro no
presente estudo, é que apesar desta modalidade de aborto não estar prevista no
ordenamento jurídico brasileiro, há uma tendência demonstrando que cada vez mais
os julgamentos de fetos inviáveis estão sendo julgados procedentes.
Esta tendência é um reflexo da evolução da medicina, vez que em poucas
semanas de gravidez já é possível determinar se o feto será ou não, compatível com
a vida extrauterina. Não obstante tal evolução (de julgamentos procedentes) está
ligada ao fato que, nos casos de fetos anencefálicos, por exemplo, a chance de o
feto não sobreviver fora do útero é de 100%.
Assim, não se pode permitir que em pleno século XXI, seja possível a prática
de tortura em pessoas inocentes, uma vez que estas são obrigadas a conviver 09
meses angustiantes, com uma gravidez de feto comprovadamente inviável,
justificando tal atitude em ensinamentos religiosos, crenças e, no Código Penal
Brasileiro, que data de 1940, tempo este em que a medicina nem se comparava a
atual.
38
Art. 5º, III, Constituição Federal.
Finalmente, deve ficar claro que o presente estudo em nenhum momento é
favorável à prática de aborto de uma forma indiscriminada, como ocorre no México,
mas sim, como no ocorre na Colômbia, quem desde 2006 passou a permitir a prática
de aborto em três situações: gravidez decorrente de aborto, que cause risco à saúde
da gestante (esses dois casos como no Brasil) e nos casos de fetos anencefálicos.
REFERÊNCIAS
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correlatados. Belo Horizonte: Del Rey, 1999;
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Aborto e saúde pública no
Brasil: 20 anos / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. – Brasília: Ministério da
Saúde, 2009.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal - Parte Especial. 7ª Ed. Volume 2. São
Paulo: Saraiva, 2007.
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transexualidade, transplantes). 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
DELMANTO, Celso [et al], Código Penal Comentado. 7ª ed. Atualizada e
Ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 1ª edição. São Paulo: Saraiva,
2000.
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154 do Código Penal. Niterói, RJ: Impetus, 2007.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional: Esquematizado. 13ª Edição revista,
atualizada e ampliada. EC n. 57/2008. Editora Saraiva, 2009;
MIRABETE, Julio Fabbrini; MIRABETE, Renato N. Frabbrini. Manual de Direito
Penal, volume 2: Parte Especial, arts. 121 a 234 do Código Penal. São Paulo:
Atlas 2008.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação
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NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. São Paulo:
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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – Parte Geral e Parte
Especial. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Especial – Volume
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SOUZA, Reindranath V. A. Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra,
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LEI DE 16 DE DEZEMBRO DE 1830. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil
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Xavier, Luciana. Direito à vida. Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.as
p?id_dh=245, acesso em 20.08.2011.

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Pamella gemma zilio a exclusão da ilicitude no aborto eugênico

  • 1. A EXCLUSÃO DA ILICITUDE NO ABORTO EUGÊNICO Pâmella Gemma Zilio1 Rosana Bonissoni2 RESUMO: Enquanto de um lado a taxa de mortalidade só aumenta em gestantes que buscam clínicas clandestinas para praticar aborto, de outro, a sociedade espera alguma atitude definitiva dos legisladores. Este estudo busca quebrar um pouco do tabu que cerca a sociedade quando o assunto é aborto. Aduz sobre o crime de aborto de forma geral, as modalidades e, sobre quais as práticas de aborto impuníveis pelo ordenamento jurídico brasileiro. Há um estudo minucioso sobre a prática do aborto Eugênico, também conhecido como Eugenésico, que expõe os principais pontos sobre a inclusão de um inciso III no artigo 128 do Código Penal Brasileiro, uma vez que não há previsão legal para esta prática. PALAVRAS-CHAVE: Aborto; Aborto Eugênico; Imputabilidade; 1. INTRODUÇÃO Não há como negar que o aborto por si só traz à tona uma série de discussões morais, éticas, sociais, religiosas, etc. Quando o assunto é aborto eugênico, a discussão não é diferente, uma vez que existe uma série de dogmas e princípios envoltos nesta discussão. O aborto eugênico é uma modalidade de aborto que visa interromper a gravidez, uma vez que seja comprovado que o feto sofre de anomalias que não o permitam ter uma vida compatível com a extrauterina. Essa forma de aborto ainda não está prevista no ordenamento jurídico brasileiro, muito menos como lícita, uma vez que só há duas formas em que o aborto não é punível, sendo aquela em que não há outro meio de salvar a vida da gestante e, se a gravidez resulta de estupro. No entanto, nosso Código Penal é do ano de 1940, uma época em que a medicina não possuía mecanismos que possibilitassem fazer um “exame” no feto, ou seja, não havia como saber se o mesmo era saudável ou não. Hoje em dia, com o avanço da medicina e da tecnologia, com poucos meses de gestação já é possível 1 Acadêmica do 4º ano do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel. 2 Mestre em Direito pela UFPR. Professora do Curso Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel.
  • 2. saber se o feto traz consigo alguma anomalia física e/ou mental que o impossibilite de ter uma existência normal (entenda-se digna), fora do útero. Devido a esse avanço, será que a partir do momento que fica comprovada a grave deformidade fetal, é justo deixar uma mãe carregar dentro de seu ventre, um feto que, minutos após o parto, morrerá? Ou então, é justo punir criminalmente uma mãe e um médico que interrompem esta modalidade de gravidez? Gestações cujos fetos são anencefálicos, acranianos, possuem síndrome de Patau, não são casos isolados na sociedade, assim, não é aceitável que hoje em dia, 70 anos após a entrada em vigor do Código Penal Brasileiro, as pessoas ainda tenham que ser submetidas ao dissabor de levar uma gravidez como essa em frente. Já passou da hora dos legisladores incluírem um terceiro inciso no artigo 128 do Código Penal prevendo a não punição do aborto praticado por médico nos casos de aborto eugênico, ou seja, “art. 128 (...), iii- se for detectado, até a 26ª (vigésima sexta) semana de gestação, má formação do feto, devendo o aborto ser autorizado pela gestante, ou se menor de idade, pelo seu representante legal3 ”. É importante que fique claro que o objetivo deste estudo é conscientizar, ao menos uma parcela da sociedade, que o aborto eugênico é uma forma de poupar sofrimento de pessoas e pessoas, uma vez que essa prática será realizada somente quando a expectativa de vida do feto na forma extrauterina seja ínfima e, se a gestante assim o quiser e permitir. Deve ficar bem claro que a intenção aqui não é fazer apologia à prática de aborto de forma discriminada, mas sim, somente nos casos em que haja deformidades específicas no feto. Assim, a importância de ser acrescentado um terceiro artigo no nosso Código Penal, afinal, não faz sentido ainda seguirmos com leis que eram aplicadas a uma sociedade totalmente diferente da atual, onde costumes, medicina, atitudes, pensamentos, foram totalmente reformados. 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA Não é desde sempre que a prática de aborto é considerada crime, já que durante muito tempo o feto era considerado parte do corpo da mulher e, consequentemente, cabia à mesma decidir continuar ou não com a gravidez. 3 http://www.jurisway.org.br/v2/eulegisladorlei.asp?id_lei=417. Acesso em 20.06.2011.
  • 3. Em Roma, tal prática era considerada comum até o reinado do Imperador Septimius Severus (193-211 d.C); posteriormente “passou a ser considerado como uma lesão ao direito de paternidade e sujeito às penas cominadas as veneficio”4 . Já sob a influência do Cristianismo, o aborto era visto como homicídio, sendo assim, tal ato era reprovável, uma vez que era considerado literalmente a morte de uma pessoa. Na idade média, não existia um entendimento pacífico sobre o aborto, a saber: Segundo Santo Agostinho, com lastro na doutrina aristotélica, o aborto só seria delito em se tratando de feto animado, o que ocorria quarenta ou oitenta dias após a concepção, conforme fosse do sexo masculino ou do sexo feminino. De outro lado São Basílio (374 d.C) afirmava que o aborto provocado seria sempre criminoso, não havendo porque corroborar a distinção entre feto animado (foectus animadus) e inanimados (foectus inanimatus). O Direito canônico sustentava a reprovação ao aborto pela perda da alma do nascituro, que morria sem que fosse batizado.5 Em 1869, já não fazia mais diferença se o aborto era praticado em feto animado ou inanimado. Dessa forma, não haveria distinção na hora de aplicar penas a quem abortava. O primeiro órgão de Direito Penal alemão Constitutio Criminalis Carolina, punia com pena de morte pela espada quem praticasse o crime de aborto em outrem e, nos casos em que a própria gestante praticasse o auto-aborto a pena da mesma era o afogamento. Em 1830, o Código Criminal do Império, previa o “Art. 199. Occasionar aborto por qualquer meio empregado interior, ou exteriormente com consentimento da mulher pejada. Penas - de prisão com trabalho por um a cinco annos”6 . Destarte, não se punia a mulher e sim o terceiro. O Código Penal de 1890, punia tanto a mulher como o terceiro responsável pelo aborto, sendo que previa também distinção de pena nos casos em que havia ou não expulsão do feto e, se a mulher praticava com o fim de esconder a desonra, a título de conhecimento: “Art. 300. Provocar abôrto, haja ou não a expulsão do fructo da concepção: No primeiro caso: – pena de prisão cellular por dous a seis annos. 4 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Especial – Volume 2: Art. 121 a 249. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 103; 5 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, 2008. p 103; 6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm, acesso em 29.06.2011;
  • 4. No segundo caso: – pena de prisão cellular por seis mezes a um anno. § 1º Si em consequencia do abôrto, ou dos meios empregados7 para provocal-o, seguir-se a morte da mulher: Pena – de prisão cellular de seis a vinte e quatro annos. § 2º Si o abôrto for provocado por medico, ou parteira legalmente habilitada para o exercicio da medicina: Pena – a mesma precedentemente estabelecida, e a de privação do exercicio da profissão por tempo igual ao da condemnação. Art. 301. Provocar abôrto com annuencia e accordo da gestante: Pena – de prissão cellular por um a cinco annos. Paragrapho unico. Em igual pena incorrerá a gestante que conseguir abortar voluntariamente, empregado para esse fim os meios; e com reducção da terça parte, si o crime for commettido para occultar a deshonra própria”. Finalmente, o Código Penal vigente, datado de 1940, dispõe que a prática de aborto é considerada crime, e está prevista na Parte Especial, no título de Crimes Contra a Vida. Assim, pune-se tanto a mulher que aborta, como quem o pratica com ou sem consentimento da mesma, sendo que somente não é punível em dois casos: quando a gravidez resulta de estupro ou, quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. 3. O ABORTO AOS OLHOS DO DIREITO PENAL BRASILEIRO O aborto é considerado crime contra a vida e sua pena pode variar de um ano de detenção a 10 anos reclusão. Está previsto no Título I, Dos crimes contra a pessoa, Capítulo I, Dos crimes contra a vida, artigo 124 a 128 do Código Penal Brasileiro. Como não está conceituado no Código Penal o que é aborto, uma vez que só se descreve a conduta de “praticar aborto” várias conceituações são possíveis. Segundo Luiz Regis Prado, “consiste na morte dada ao nascituro intra uterum ou pela provocação de sua expulsão8 ” ou seja, quando o feto morre dentro do útero da mãe, independente da morte ser natural, espontânea ou provocada. Já, nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini Mirabete, “aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas da gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente na expulsão9 ”, 7 http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049, acesso em 29.06.2011; 8 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, 2008. p. 106; 9 MIRABETE, Julio Fabbrini; MIRABETE, Renato N. Frabbrini. Manual de Direito Penal, volume 2: Parte Especial, arts. 121 a 234 do Código Penal. São Paulo: Atlas 2008. p. 62;
  • 5. que não é necessária para caracterizar o aborto, levando em conta, não somente a mumificação, dissolvição do produto, mas também a morte da gestante. Supondo que a gestante venha a morrer devido a complicações que teve durante a prática do aborto, como por exemplo, porque a mesma tomou alguma medicação com o intuito de abortar e, conseguiu, porém logo em seguida veio a falecer, verifica-se que não foi necessária a expulsão do feto, uma vez que faleceu praticamente com o produto; no entanto, o aborto terá ocorrido. Já nas palavras de Aníbal Bruno “(...) provocar aborto é interromper o processo fisiológico da gestação, com a conseqüente morte do feto. Tem-se admitido muitas vezes o aborto ou com a expulsão prematura do feto, ou com a interrupção do processo da gestação. Mas nem um nem outro desses fatos bastará isoladamente para caracterizá-lo10 ”. Ou ainda, segundo Frederico Marques “Para o Direito Penal e do ponto de vista médico-legal, o aborto é a interrupção voluntária da gravidez, com a morte do produto da concepção11 ”. Assim, mesmo diante de vários conceitos, todos nos remetem a um único caminho, de que o aborto é a interrupção da gravidez pela morte do feto. 3.1 Classificação doutrinária A objetividade jurídica do crime em comento é a proteção, a preservação da vida humana. Configura como sujeito ativo no crime de aborto a própria gestante, caso ela mesma tenha praticado o ato, sendo que nas demais hipóteses não é necessária nenhuma qualificação especial para configurar o agente da conduta como sujeito ativo (crime comum). Surge uma divergência doutrinária no tocante ao sujeito passivo, uma vez que para o doutrinador Rogério Greco, somente a mulher e o feto podem configurar no pólo passivo. Para Luiz Regis Prado, somente o feto e, nas palavras de Mirabbete “sujeito passivo é o Estado ou a comunidade nacional12 ”. 10 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial – Volume 2: Art. 121 a 154 do Código Penal. Niterói, RJ: Impetus, 2007. p. 238. 11 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, v.II. p. 238. 12 MIRABBETE, Manual de Direito Penal. Ob. Cit. vol 2, p. 63;
  • 6. Diante de tal discussão, a que parece mais sensata é a de que “no co-aborto o sujeito passivo é o feto, enquanto no provocado por terceiro, é o feto e a gestante13 ”. Contudo, o entendimento da doutrina majoritária é de que o sujeito passivo no crime de aborto é o objeto da concepção, ou seja, o ovo, embrião ou feto. A conduta necessária para que se configure tal crime é a provocação, ou seja é necessário que o aborto seja provocado por alguém. No entanto, essa ação pode se dar por um ato omissivo ou comissivo. Este provocar pode ocorrer de diversas maneiras, conforme ensinamento de Mirabette: “Os processos utilizados podem ser químicos, orgânicos, físicos ou psíquicos. São substancias que provocam a intoxicação do organismo da gestante e o conseqüente aborto o fósforo, o chumbo, o mercúrio, o arsênico (químicos), e a quinina, a estricnina, o ópio a beladona etc. (orgânicos). Os meios físicos são os mecânicos (traumatismo do ovo com punção, dilatação do colo do útero, curetagem do útero, microcesária), térmicos (bolsas de água quente, escalda-pés etc.) ou elétricos (choque elétrico por maquina estática). Os meios psíquicos ou morais são que agem sobre o psiquismo da mulher (sugestões, susto, terror, choque moral etc.)”14 É ainda um crime doloso, ou seja, é essencial que haja a vontade de que ocorra o resultado e, imprescindível que ao menos o risco de produzi-lo seja assumido, assim, deve ficar comprovada a gravidez. Destarte, não há que se falar em aborto culposo, pois não há previsão expressa dessa modalidade, e a culpa, para que se configure, deve estar expressamente prevista no tipo penal. Como já exposto, é um crime que se consuma pelo resultado, ou seja, trata- se de um crime material. É necessário que ocorra a morte do feto e a interrupção da gravidez para que haja o aborto (ressaltando que a expulsão do feto é desnecessária para que o crime seja consumado) e, é um crime que admite tentativa, quando os meios utilizados para interromper a gravidez não foram eficazes para alcançar o fim desejado. Por fim, trata-se de um crime instantâneo de efeitos permanentes e, de forma livre, ou seja, ocorre com a morte do feto e não exige um meio único de fazê-lo. 3.2 Espécies de Aborto 13 DELMANTO, Celso [et al], Código Penal Comentado. 7ª ed. Atualizada e Ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 373; 14 MIRABBETE, Manual de Direito Penal. Ob. Cit. vol 2, p. 64;
  • 7. O aborto pode ocorrer de forma natural ou espontânea e, provocado. O aborto natural (espontâneo) é aquele que ocorre sem que haja provocação, ou seja, acontece de forma espontânea, o próprio organismo elimina o feto, não dando chances deste sobreviver. Já a aborto provocado, também entendido como doloso, são aqueles previstos nos artigos 124 (Provocar Aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque), 125 (Provocar Aborto, sem o consentimento da gestante) e, 126 (Provocar Aborto com o consentimento da gestante) do Código Penal Brasileiro, assim, nestas três modalidades, deverão ser submetidos os sujeitos ativos ao Tribunal do Júri, uma vez que é crime contra a vida. 3.3. Formas de Aborto Como já exposto até aqui, em regra, aborto é crime, punido com até 10 anos de reclusão, e o sujeito ativo irá a Júri Popular para julgamento. No entanto, como em grande parte do nosso ordenamento jurídico, há exceções que afastam a ilicitude da conduta. Está disposto no artigo 128 do Código Penal, algumas modalidades de aborto que não são puníveis a luz do Código Penal, ou seja, são consideradas práticas legais à luz do Código Penal Brasileiro, a saber: “Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal” 15 . No inciso I, fala-se em aborto necessário, também conhecido por parte da doutrina como terapêutico ou profilático, que é aquele que decorre por motivos cogentes, ou seja, quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Nas palavras de Rogério Grecco, “(...) não temos dúvidas em afirmar que se trata de uma causa de justificação correspondente ao estado de necessidade”16 , aliás esse entendimento de “estado de necessidade” é pacífico, já que pretende-se salvar a vida da gestante, afastando perigos atuais ou eminentes, através de uma “intervenção cirúrgica” e, não é necessário o consentimento da gestante. 15 Vade Mecum Universitário [Equipe RT]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 891; 16 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, v.II. p. 252;
  • 8. Nas palavras de Mirabbete: “No caso, não é necessário que o perigo seja atual, bastando a certeza de que o desenvolvimento da gravidez poderá provocar a morte da gestante. O risco de vida pode decorrer de anemias profundas, diabetes, cardiopatias, tuberculose pulmonar, câncer uterino, má conformação da mulher, etc17 ”. Já o inciso II, é conhecido como Aborto Sentimental, Ético ou Humanitário, é aquele cuja gravidez resulta de um estupro, no entanto ao contrário do inciso I, que independe do consentimento da gestante para a interrupção da gravidez, neste caso o consentimento da mesma é indispensável e, se a gestante for incapaz, será indispensável o consentimento de seu representante legal. Sobre essa modalidade de aborto, nas palavras de Nélson Hungria, “Nada justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível episódio da violência sofrida.18 ”. Fica evidente que o artigo 128 do Código Penal é extremamente justo e correto ao prever estas duas modalidades de aborto como lícitas, já que não seria certo sacrificar a vida da gestante para proteger a de um feto (aborto necessário), muito menos a de carregar no ventre o fruto de uma agressão, que servirá apenas para a mesma relembrar os momentos em que sofrera a agressão. No entanto, o artigo 128 pecou em não incluir a previsão como impunível a pratica de aborto eugênico ou eugenésico, que é o praticado quando se constata no feto alguma anomalia grave, que não o permita ter uma vida compatível com a extrauterina. 4. ABORTO EUGÊNICO O aborto eugênico é praticado quando o feto é possuidor de alguma anomalia, genética ou não, que o impossibilite de ter uma vida extrauterina viável, com o mínimo de qualidade existencial, ou seja, essa prática ocorre quando fica comprovado que o feto sempre dependerá de terceiros para exercer qualquer atividade, isso, nos casos em que o mesmo não morre logo após o parto, como acontece em 65% dos casos, principalmente em fetos anencefálicos. 17 MIRABBETE, Manual de Direito Penal. Ob. Cit. vol 2, p. 68; 18 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, RJ, ed. Forense, 1955, vol. V, p. 304;
  • 9. Essa modalidade de aborto pode ser conceituada como “um tipo de aborto preventivo executado em casos em que há suspeita de que a criança possa nascer com defeitos físicos, mentais ou anomalias, implicando em uma técnica artificial de seleção do ser humano19 ”. Ou ainda como a “interrupção proposital da gravidez feita sempre que fortes razões científicas autorizarem a suposição de que existe toda a probabilidade de nascer um deficiente físico ou mental. Também chamado de aborto profilático, pois evitaria um nascimento inconveniente20 ”. Já, nas palavras de Fernando Capez o aborto eugênico é "aquele realizado para impedir que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável"; E ainda, no entendimento de Franco: A expressão aborto eugênico é a mais usada para referir-se ao aborto realizado quando existe importante risco ou probabilidade de que o feto esteja gravemente afetado, dando origem a uma criança com graves anomalias ou malformações. O aborto eugênico tem por fundamento o interesse social na qualidade de vida independente de todo ser humano e não o interesse em assegurar a existência de qualquer um desses seres e em quaisquer condições 21 . Destarte, deve ficar claro que a eugenia de que trata esse artigo, não é aquela desvirtuada pelos nazistas, ou seja, não se objetiva com a prática do aborto eugênico uma “raça pura”, e sim, terminar com o sofrimento físico e psicológico de uma gestante que carrega em seu ventre um feto comprovadamente inviável. Importante ressaltar que o aborto eugênico diz respeito a tão somente casos em que o feto tenha uma gravíssima anomalia, como nos casos de acrania, anencefalia, síndrome de Patau, entre outras. Não há que se falar em aborto de uma forma indiscriminada, por qualquer motivo. É evidente que uma gravidez como essa, em que o feto é incompatível com a vida extra uterina, acarreta vários transtornos e estresse pós-traumático, cujas consequências podem durar toda uma vida. Nos casos em que o feto é anencefálico, é possível até que a gestante morra em decorrência de tal gravidez, nas palavras de Nilson Roberto de Melo, Presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia: A literatura científica demonstra a associação entre anencefalia fetal e maior frequência de complicações maternas, como hipertensão arterial e aumento do volume de líquido amniótico (polidrâmnio), alterações respiratórias, 19 http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/542/Aborto-Eugenico, acesso em 15.08.2011; 20 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/382674/aborto-eugenico,acesso em 15.08.2011; 21 http://www.silviamota.com.br/enciclopediabiobio/aborto/aborto-eugenico.htm, acesso em 19/08/2011.
  • 10. hemorragias vultosas por descolamento prematuro da placenta, hemorragias no pós-parto por atonia uterina e embolia de líquido amniótico (grave alteração que cursa com insuficiência respiratória aguda e alteração na coagulação sanguínea). Portanto, a manutenção da gestação eleva o risco de morbimortalidade materna. Isso comprova que permitir a realização da prática de aborto eugênico é uma forma de poupar não apenas sofrimento da gestante e das pessoas ao seu redor, mas também de poupar a vida da mesma. De acordo com a psicóloga Maria T. Maldonado, “no caso de uma gravidez em que há riscos, as ansiedades e os medos da mãe são potencializados. Além das expectativas ditas normais relacionadas a esse período, somam-se sentimentos de punição e culpa por estar gerando uma criança malformada. Sentimentos de regressão e fragilidade também são observados22 ”. Ou seja, não permitir que uma gestante interrompa uma gravidez como essa, é submetê-la a uma tortura diária, é fazer com que a mesma viva 9 meses de agonia. É fazê-la sentir-se incapaz de gerar um feto saudável, o que pode acarretar danos traumáticos severos, podendo essa nunca mais querer engravidar, entrando num estado neurótico e de depressão profunda. 4.1 Direitos e Garantias Constitucionais 4.1.1. Do Direito à Vida Os direitos e garantias fundamentais estão previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988, e não devem ser confundidos, explica Pedro Lenza “os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados23 ”. O direito à vida, previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal está ligado tanto ao direito de não ser morto, quanto ao direito de uma vida digna. De suma importância determinar “quando” se inicia a vida, uma vez que tanto a Constituição Federal quanto os outros Códigos Brasileiros silenciaram a respeito 22 MALDONADO, Maria T.; DICKSTEIN, Júlio; NAHOUM, Jean Cloude. Nós Estamos Grávidos. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 1999; 23 LENZA, Pedro. Direito Constitucional: Esquematizado. 13ª Edição revista, atualizada e ampliada. EC n. 57/2008. Editora Saraiva, 2009;
  • 11. desse assunto. Então, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, a vida se dá a partir da concepção in ventre. Nessa ótica, “o direito à vida, contemplado pela Constituição, deve ser compreendido de acordo com uma visão global que dele se faça, incluindo na sua interpretação outros valores superiores, entre os quais se destaca a dignidade humana, elevando-o à categoria de princípio fundamental da República Federativa do Brasil, assim como o direito à liberdade, que dela se origina24 ”. E ainda, nas palavras de Capelo, “A vida humana, qualquer que seja sua origem, apresenta-se-nos, antes de mais, como um fluxo de projeção coletivo, contínuo, transmissível, comum a toda a espécie humana e presente em cada indivíduo humano, enquanto depositário, continuador e transmitente dessa energia vital global, constitui um elemento primordial e estruturante da personalidade, a vida humana é susceptível de diversas perspectivações”25 . Nesse sentindo, embora a vida do feto seja protegida constitucionalmente, deve-se preservar também a vida da gestante, uma vez que ao dar a luz para um feto anômalo, a mesma estará sacrificando a sua própria vida, ou seja, tanto a gestante quanto o feto estarão sendo impedidos de exercerem o direito de uma vida digna. 4.1.2 Principio da Dignidade Humana Prevista no artigo 1º, III, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental. A discussão sobre esse assunto ganha diariamente espaço na sociedade, tanto no âmbito nacional como internacional. Assim, para dar continuidade ao presente estudo, alguns conceitos doutrinários devem ser observados. Para Alexandre de Moraes “a dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos 24 http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=245, acesso em 20.08.2011; 25 SOUZA, Reindranath V. A. Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 1995;
  • 12. fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos26 ”. Já nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet, citado por Sidney Guerra e Lilian Márcia Balmant Emerique: Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos27 ” A relevância de deixar claro tais conceitos (Direito à Vida e Princípio da Dignidade da Pessoa Humana) está em demonstrar para a sociedade que, ao negar o alvará de aborto nos casos em que está comprovado que o feto é inviável, é ir contra o que está disposto na Constituição Federal Brasileira, uma vez que que o Estado está negando a uma pessoa o direito a uma vida digna, à saúde e, constrangendo a mesma, ao passo que a está torturando física e mentalmente. 4.1.3 Princípio da Autonomia da Vontade O princípio da autonomia da vontade é muito condizente com o presente estudo, uma vez que esse diz respeito, literalmente, à vontade da pessoa. Assim, no tocante ao aborto eugênico, tal princípio não é respeitado, já que a gestante não tem a oportunidade de expressar sua vontade. Tal princípio pode ser melhor compreendido, utilizando-se das palavras da Professora Maria Angélica Benetti Araújo, a saber: A autonomia da vontade é o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica. A produção destes efeitos pode ser determinada pela vontade unilateral, bem como pelo concurso de vontades. Qualquer indivíduo capaz pode, por íntima vontade, criar direitos e obrigações. As pessoas são livres para acertar as condições e circunstâncias que mais satisfazem seus interesses, estejam ou não previstos ou regulamentados por lei, gozando da mais ampla liberdade para celebrar os contratos da maneira mais útil e conveniente, 26 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional-5ª Edição. São Paulo, Editora Atlas: 2005; 27 http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Sidney.pdf. Acesso em 20.08.2011;
  • 13. atribuindo-lhes efeitos distintos dos que a lei lhes confere e, quiçá, modificando sua estrutura jurídica28 . Assim, resta evidenciado que a partir do momento em que o Estado não autoriza a prática do Aborto, não está preservando tal princípio, uma vez que não está respeitando a vontade da gestante e, na grande maioria das vezes, também a vontade de sua família, amigos, etc. De grande valia ressaltar, como já dito anteriormente, que a gravidez de feto anômalo pode ser extremamente arriscada. Negar à gestante sua vontade, é desampará-la, é negar-lhe o direito à saúde, à vida, ou seja, é submetê-la a um regime ditatorial, mascarado como democrático. 4.1.4 Direito à Saúde O Direito à Saúde está positivado no Ordenamento Jurídico Brasileiro, no art. 196 da Constituição Federal, que dispõe: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Assim, quando se nega à gestante o alvará de aborto, além dos outros princípios violados, há também a violação do Direito à Saúde, uma vez que está explícito que é um Direito de todos e dever do Estado a proteção da saúde. De suma importância ressaltar que a saúde, segundo a OMS – Organização Mundial da Saúde, diz respeito “ao completo bem estar físico, mental e social e não apenas da ausência de doença29 ”. Muito boa é a colocação de Marcus Orione Correia e Érica Paula Correia, para quem “implica sua conceituação (à saúde) a partir da ótica de uma política destinada à prevenção e do tratamento dos males que afligem o corpo e a mente humana, com a criação inclusive de um sistema organizado que atenda aos doentes30 ”. Veja, a Constituição Federal em nenhum momento impõe a obrigação de uma pessoa sacrificar a própria saúde, com o fim de proteger a de outrem, ou seja, o que está positivado é que todos têm Direito à Saúde e, é dever do Estado promove- 28 http://www.cursoiuris.com.br/artigos_direito-civil2.asp. Acesso em 20.08.2011 29 ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54-8 (STF) - DISTRITO FEDERAL. Ministro: Marco Aurélio 30 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3º ed. – revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006.
  • 14. la. Assim, quando o Estado submete uma gestante a 09 meses de tortura, está indo contra tudo o que está descrito na nossa carta maior. 4.2. Divergências Doutrinárias É inegável que o tema do presente estudo é polêmico e delicado e, traz à tona uma série de discussões políticas sociais e religiosas, entre outras. Como não há uma pacificação referente ao aborto eugênico, é importante conhecer quais argumentos os doutrinadores utilizam para defender, ou não, a prática de aborto Eugenésico. Capez defende sua posição favorável quanto à exclusão de ilicitude nos casos de aborto eugênico, a saber: “Eugenia é expressão que tem forte conteúdo discriminatório, cujo significado é purificação das raças. A vida intra-uterina perfeita ou não, saudável ou não, há que ser tutelada, não só por força do direito penal, mas por imposição direta da Carta Magna, que consagrou a vida como direito individual inalienável. No que toca ao abortamento do feto anencefálico, porém, entendemos que não existe crime, ante a inexistência de bem jurídico. O encéfalo é a parte do sistema nervoso central que abrange o cérebro, de modo que sua ausência implica inexistência de atividade cerebral, sem a qual não se pode falar em vida. A Lei 9.434/97, em seu art. 3º, permite a retirada post mortem de tecidos e órgãos do corpo humano depois de diagnosticada a morte encefálica. Ora, isso significa que sem atividade encefálica não há vida, razão pela qual não se pode falar em crime de aborto, que é a supressão da vida intra-uterina. Fato atípico, portanto31 . Neste sentido ainda, Warley Rodrigues e Apud Belo: “Quanto ao aborto eugênico, é do senso comum a sua admissibilidade. Por que levar adiante uma gravidez cujo feto seguramente não sobreviverá? Porque impor um sofrimento psicológico tão intenso e inútil à gestante? Direito é bom senso. Direito é balanceamento de bens, cotejando-se, em cada situação, os seus valores. Diante do diagnóstico de anomalia do feto, que o incompatibiliza com a vida, de modo definitivo, a melhor solução é o aborto. A hipótese é de inexigibilidade de conduta conforme o dever, na atual legislação. Mas melhor fosse ela uma excludente da criminalidade, facilitando o acolhimento de pedidos de autorização para o aborto eugênico”32 Nucci deixa bem claro que é favorável à prática de aborto apenas nos casos em que há comprovadamente anencefalia, dizendo que, não deve ser estendido a todos os casos de graves anomalias, como nos casos de fetos monstruosos, ou seja, aqueles que aparentam ser uma aberração e, defende sua posição da seguinte forma: 31 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal - Parte Especial. 7ª Ed. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2007; 32 BELLO, Apud. Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatados. Belo Horizonte: Del Rey, 1999;
  • 15. “Não podemos acolher a tese de que o feto, com anomalias, que irá constituir-se em ser vivo monstruoso, possa ser exterminado (...)”; E ainda, “a curta expectativa de vida do futuro recém-nascido também não deve servir de justificativa para o aborto, uma vez que não se aceita, no Brasil, a Eutanásia (...)”; E por fim, aduz que “a ausência de viabilidade cerebral pode ser motivo mais que suficiente para a realização do aborto, que não é baseado, porém, em características monstruosas do ser em gestação, e sim na sua completa inviabilidade como pessoa, com vida autônoma, fora do útero materno .33 ” EDUARDO RAZUK, citado na obra de Maria Helena Diniz, é extremamente radical ao argumentar sua opinião, contra a modalidade de aborto discutida no presentre trabalho, pois para esse autor “o aborto eugênico é um retrocesso, pois não passa de uma eutanásia de seres humanos na fase intra-uterina, que em nada se diferencia da matança de recém-nascidos imperfeitos praticada na era pagã em Esparta34 ”. Neste posicionamento ainda, MARIA HELENA DINIZ aponta que “a ninguém é lícito, muito menos à sociedade ou ao Estado, julgar o valor intrínseco de uma vida humana por suas deficiências35 ”. Diante destas opiniões tão distintas, fica evidente que é quase impossível existir uma pacificação no tocante a essa modalidade de aborto, uma vez que quem se posiciona no sentido favorável, apoia-se tanto na saúde da gestante, como nas graves anomalias que acometem o feto, impossibilitando-o de ter uma vida viável. Os posicionamentos desfavoráveis, que não são poucos, apoiam-se na ideia de que a partir do momento em que há a fecundação, o feto já tem uma “vida”, independente da ausência ou não da massa encefálica, como deformidades, defendendo, principalmente, o Direito à Vida do nascituro. Assim, não há que se falar em posicionamento certo ou errado, pois são opiniões, ou seja, mesmo que a prática de aborto de feto anencefálico seja lícita, as opiniões desfavoráveis a essa prática, existirão, certamente. Contudo, em sendo permitida a prática do aborto e desde que estejam presentes os requisitos ensejadores, será a gestante quem optará por interromper ou não, a gestação. 4.3 JURISPRUDÊNCIAS 33 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – Parte Geral e Parte Especial. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007; 34 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000; 35 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000;
  • 16. Mesmo não sendo positivada essa prática de aborto, cada vez mais estes assuntos estão presentes nos tribunais de todo o país e, vem sendo concedidas diversas autorizações judiciais para a prática de aborto de feto anencefálico ou nos casos em que há uma anomalia que torne o feto incompatível com a vida extrauterina. O que pode justificar esse aumento de autorizações é o fato de que a medicina está avançando de tal forma que com poucas semanas de gestação já é possível detectar se o feto é, ou não, viável. E ainda, verifica-se que o princípio da Dignidade Humana é um dos principais argumentos utilizados favoráveis a esta prática, pois que, não há porque submeter uma gestante de feto inviável a nove meses de tortura física e mental. O entendimento do Relator Desembargador José Antônio Braga, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, é de que a interrupção de gestação de feto desprovido de vida cerebral não poderá ser considerado aborto, uma vez que não há vida autônoma. Assim, busca-se com a interrupção da gravidez “paralisar uma gravidez sem vida presente ou futura e não, evitar a existência de uma vida vegetativa”, prevalecendo o princípio da dignidade da pessoa humana, sobre a garantia de uma vida meramente orgânica: APELAÇÃO CÍVEL - PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO DE FETO ANENCEFÁLICO - PATOLOGIA LETAL COMPROVADA - DESCARACTERIZAÇÃO DA PRÁTICA DE ABORTO - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA - CONHECIMENTO E ADESÃO DO PAI. - Dispensa-se a presença do pai no polo ativo se ele e gestante, ouvidos pelo médico e cientificados da ocorrência da anencefalia no feto, solicitam, expressamente, a expedição de laudo para encaminhamento judicial de interrupção da gravidez. - ""Existe, hoje, capacidade técnica para diagnosticar a anencefalia com 100% de segurança, já no primeiro trimestre de gestação, mais precisamente a partir da 8ª semana. Essa segurança técnica foi alcançada nos anos de 1995- 1996, com o advento da ultra-sonografia em três dimensões (3D) e com a padronização de normas sobre o assunto. Basta termos a imagem do feto, um corte transverso no pólo cefálico, e teremos a imagem ultra-sonográfica bem clássica da formação correta do desenvolvimento do sistema nervoso central"". (Médico Everton Neves Pettersen, da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal). - A interrupção de gestação de feto desprovido de vida cerebral não poderá ser considerada aborto, pois não há vida autônoma. Não se está diante de um pleito de paralisação de uma vida indesejada ou que tenha uma deformidade qualquer, ainda que grave e incurável; não se quer evitar a existência de uma vida vegetativa, mas sim paralisar uma gravidez sem vida presente ou futura. - O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana deverá prevalecer sobre a garantia de uma vida meramente orgânica, sendo indubitável que o prosseguimento da gravidez é capaz de gerar imensuráveis danos à integridade física e mental da gestante e demais familiares. ACOLHERAM DOCUMENTO TRAZIDO
  • 17. NA APELAÇÃO E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Des.(a) JOSÉ ANTÔNIO BRAGA, Apelação 0351315-65.2010.8.13.0079. Julgado em 24.08.2010, Publicado em 30/08/2010). (Grifo nosso). Neste mesmo Tribunal, o Relator Desembargador Fernando Caldeira Brant, baseou sua decisão em valores consagrados na Constituição Federal, principalmente a vida, liberdade, autonomia da vontade e, dignidade da pessoa humana. Aduzindo, que se há o atestado médico e o parecer do perito judicial, confirmando que a anomalia que acomete o feto é incompatível com a vida extrauterina e, a certeza médica de que se trata de feto natimorto, não há razão de prolongar problemas clínicos e emocionais que acometem à gestante, ao pai e a todos os familiares. ALVARÁ JUDICIAL - ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO - FETO COM ANOMALIA CONGÊNITA INCOMPATÍVEL COM A VIDA - DISPLASIA TANATOFÓRICA - EXAMES MÉDICOS COMPROBATÓRIOS - PONDERAÇÃO DE VALORES - CONCESSÃO - VOTO VENCIDO PARCIALMENTE. A constatação segura do desenvolvimento de gravidez de feto com anomalia congênita incompatível com a vida põe em confronto muitos valores consagrados por nossa Constituição Federal, sendo a vida o bem mais precioso, seguido da liberdade, autonomia da vontade e dignidade humana. Tendo poucas probabilidades de sobrevivência ao nascimento, atestado pelo médico que assiste a requerente, bem assim, corroborado com parecer do perito médico judicial, assiste a requerente o direito de exercer a liberdade e autonomia de vontade, realizando o aborto e abreviando os sérios problemas clínicos e emocionais que a estão acometendo, ao pai e a todos os familiares. Diante da certeza médica de que o feto será natimorto, protegendo-se a liberdade, a autonomia de vontade e a dignidade da gestante, deve a ela ser permitida a interrupção da gravidez. DERAM PROVIMENTO, COM RECOMENDAÇÃO DA EXPEDIÇÃO DO ALVARÁ INDEPENDENTE DO TRÂNSITO, VENCIDO PARCIALMENTE O REVISOR (Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Des.(a) FERNANDO CALDEIRA BRANT, Autos nº. 1.0027.08.157422-3/001(1). Julgado em 25.06.2008, Publicado em 15.08.2008). Não apenas nos casos de anencefalia estão sendo autorizadas as práticas de aborto eugênico, uma vez que, como já citado anteriormente, existem outras anomalias que não permitem que o feto tenha uma vida compatível na forma extrauterina, como nos casos em que se confirma a Síndrome de Edwards36 , onde a morte ocorre em geral antes dos 3 ou 4 meses de idade, podendo ser protelada há quase dois anos. 36 Características dos Portadores de Síndrome de Edwards: Os portadores apresentam retardamento físico e mental, defeitos cardíacos. O crânio é muito alongado na região occipital. O pescoço é curto. O pavilhão das orelhas é dismórfico, com poucos sulcos. A boca é pequena e triangular. Grande distância intermamilar. Os genitais externos são anômalos. O dedo indicador é maior do que os outros e flexionado sobre o dedo médio. Os pés têm as plantas arqueadas. As unhas costumam ser hipoplásticas e atrofiadas. Disponível em http://www.ghente.org/ciencia/genetica/trissomia18.htm. Acesso em 01.09.2011;
  • 18. Neste sentido, muito coerente a decisão do Relator Desembargador Edison Brandão, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar procedente o pedido de interrupção de gravidez por feto portador de Síndrome de Edwards, argumentando que: (...) Diante de tal fato, a hipótese permite, segundo entendemos, a concessão da ordem, posto que legal a prática do abortamento por tais motivos, sendo viável que se entenda o presente como caso de aborto terapêutico, em interpretação teleológica da norma penal, dada não apenas os riscos de saúde, porém, terrível dano psicológico existente em se obrigar a gestante a levar a termo a gravidez de um feto inviável37 . Nos casos de aborto eugênico, deve estar presente o bom senso, o lado humano do julgador. É absolutamente inaceitável que, em pleno século XXI, quando resta comprovada a inviabilidade de vida extrauterina, não seja concedida a permissão de interrupção de gravidez. Assim, utilizando do bom senso e racionalidade, são as palavras do Relator Desembargador Nereu José Giacomolli, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao afirmar que mesmo não sendo previsto no ordenamento jurídico brasileiro a prática do aborto eugênico, “pode ser judicialmente permitido nas hipóteses em que comprovada a inviabilidade da vida extrauterina, independente de risco de morte da gestante, pois também a sua saúde psíquica é tutelada pelo ordenamento jurídico”. APELAÇÃO. PEDIDO DE INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO. FETO ANENCÉFALO E COM MÚLTIPLAS MAL-FORMAÇÕES CONGÊNITAS. INVIABILIDADE DE VIDA EXTRA-UTERINA COMPROVADA POR EXAMES MÉDICOS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 128, I, DO CÓDIGO PENAL, POR ANALOGIA IN BONAM PARTEM. Comprovadas por variados exames médicos a anencefalia e as múltiplas mal-formações congênitas do feto, de modo a tornar certa a inviabilidade de vida extra-uterina do nascituro, é possível a interrupção da gestação com base no Princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e, por analogia in bonam partem, no artigo 128, I, do Código Penal. No caso dos autos, exames médicos demonstram, inequivocamente, estar o feto com seus órgãos vitais (encéfalo, coração, estômago, fígado e alças intestinais) em contato com o líquido amniótico, para fora da caixa torácica. O aborto eugênico, embora não autorizado expressamente pelo Código Penal, pode ser judicialmente permitido nas hipóteses em que comprovada a inviabilidade da vida extra-uterina, independente de risco de morte da gestante, pois também a sua saúde psíquica é tutelada pelo ordenamento jurídico. A imposição de uma 37 HABEAS CORPUS - Pedido de gestante para interrupção de gravidez por ser o feto portador da Síndrome de Edwards - Liminar concedida - Inviabilidade de sobrevida ao feto - Riscos de saúde e possível dano psicológico à gestante - Abortamento terapêutico - Manutenção da concessão em definitivo - Necessidade Impossibilidade ao Poder Judiciário de fazer juízo moral, devendo se ater à legalidade ou não da conduta - Ordem concedida em definitivo. (Tribunal de Justiça de São Paulo - 16ª Câmara de Direito Criminal, Desembargador Edison Brandão. Data do Julgamento 08.06.2010, Publicação em 25.06.2010).
  • 19. gestação comprovadamente inviável constitui tratamento desumano e cruel à gestante. 3. Parecer favorável do Ministério Público, nas duas instâncias. RECURSO PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70040663163, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 30/12/2010) Ao finalizar seu julgamento, o relator supra citado, de forma muito pertinente, afirmou que “a imposição de uma gestação comprovadamente inviável constitui tratamento desumano e cruel à gestante”, e deixa claro que, ao ser negado o pedido de aborto nos casos de fetos inviáveis, nega-se também garantias fundamentais e direitos previstos na Constituição Federal, uma vez que esta prevê, dentre outros que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante38 ”. 5. CONCLUSÕES Como se viu, a prática de aborto no Brasil sempre esteve prevista no ordenamento jurídico, no entanto, de diversas formas e, em vários momentos diferentes. Não há como afirmar que o aborto eugênico será, algum dia, uma prática permitida e aceita por todos os seres humanos, todavia, o que parece claro no presente estudo, é que apesar desta modalidade de aborto não estar prevista no ordenamento jurídico brasileiro, há uma tendência demonstrando que cada vez mais os julgamentos de fetos inviáveis estão sendo julgados procedentes. Esta tendência é um reflexo da evolução da medicina, vez que em poucas semanas de gravidez já é possível determinar se o feto será ou não, compatível com a vida extrauterina. Não obstante tal evolução (de julgamentos procedentes) está ligada ao fato que, nos casos de fetos anencefálicos, por exemplo, a chance de o feto não sobreviver fora do útero é de 100%. Assim, não se pode permitir que em pleno século XXI, seja possível a prática de tortura em pessoas inocentes, uma vez que estas são obrigadas a conviver 09 meses angustiantes, com uma gravidez de feto comprovadamente inviável, justificando tal atitude em ensinamentos religiosos, crenças e, no Código Penal Brasileiro, que data de 1940, tempo este em que a medicina nem se comparava a atual. 38 Art. 5º, III, Constituição Federal.
  • 20. Finalmente, deve ficar claro que o presente estudo em nenhum momento é favorável à prática de aborto de uma forma indiscriminada, como ocorre no México, mas sim, como no ocorre na Colômbia, quem desde 2006 passou a permitir a prática de aborto em três situações: gravidez decorrente de aborto, que cause risco à saúde da gestante (esses dois casos como no Brasil) e nos casos de fetos anencefálicos.
  • 21. REFERÊNCIAS BELLO, Apud. Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatados. Belo Horizonte: Del Rey, 1999; BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Aborto e saúde pública no Brasil: 20 anos / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. – Brasília: Ministério da Saúde, 2009. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal - Parte Especial. 7ª Ed. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2007. CHAVES, Antonio. Direito à vida e ao próprio corpo (Intersexualidade, transexualidade, transplantes). 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. DELMANTO, Celso [et al], Código Penal Comentado. 7ª ed. Atualizada e Ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial – Volume 2: Art. 121 a 154 do Código Penal. Niterói, RJ: Impetus, 2007. LENZA, Pedro. Direito Constitucional: Esquematizado. 13ª Edição revista, atualizada e ampliada. EC n. 57/2008. Editora Saraiva, 2009; MIRABETE, Julio Fabbrini; MIRABETE, Renato N. Frabbrini. Manual de Direito Penal, volume 2: Parte Especial, arts. 121 a 234 do Código Penal. São Paulo: Atlas 2008. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional-5ª Edição. São Paulo, Editora Atlas: 2005; NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – Parte Geral e Parte Especial. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Especial – Volume 2: Art. 121 a 249. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileito. Volume 2: Parte Especial: arts. 121 a 183. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
  • 22. SOUZA, Reindranath V. A. Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 1995; TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3º ed. – revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006. Vade Mecum Universitário [Equipe RT]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. Aborto Eugênico - Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/topicos/382674/aborto- eugenico, acesso em 15.08.2011. ALLAN, Dennis. Aborto: Uma Perspectiva Bíblica. Disponível em http://www. estudosdabiblia.net/d59.htm, acesso em 15.03.2011. Alteração do Art. 128 do Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.jurisway .org.br/v2/eulegisladorlei.asp?id_lei=417, acesso em 23.06.11. ARAÚJO, Maria Angélica Benetti. Autonomia da vontade no direito contratual. Disponível em http://www.cursoiuris.com.br/artigos_direito-civil2.asp. Acesso em 20.08.2011 ARAÚJO, Saint-Clair Cardoso. MÉTODOS DE PESQUISA. Disponível em http:// www.iesambi.org.br/apostila_2007/metodos_pesquisa.htm, acesso em 18.03.2011. BARSTED, Leila Linhares. Direito a liberdade individual. Disponível em http:// www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1656&sid=51, acesso em 20.03.2011. BBC. Estudos indicam tendência liberalizante do aborto no mundo. Disponível em http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/10/estudos-indicam-tendencia- liberalizante-do-aborto-no-mundo.html. Acesso em 15.04.2011. DECRETO N. 847 – DE 11 DE OUTUBRO DE 1890, Disponível em http://www6.sen ado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049, acesso em 29.06.2011. Direito Net - Disponível em http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/542/Aborto- Eugenico, acesso em 15.08.2011. GUERRA, Sidney. EMERIQUE, Linian Márcia Balmant Emerique. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Disponível em http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Sidney.pdf. Acesso em 20.08.2011; LEI DE 16 DE DEZEMBRO DE 1830. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil _03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm, acesso em 29.06.2011. LEITE, Leonardo. Síndrome de Edwards ou Trissomia do 18. Disponível em http://www.ghente.org/ciencia/genetica/trissomia18.htm. Acesso em 01.09.2011;
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