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EPICURO



Epicuro - Filósofo grego nascido em Samos (341 - 270 a. C), favorável ao atomismo, doutrina
desenvolvida originalmente por Leucipo e Demócrito, que o influenciou quando começou a
filosofar, aos catorze anos. Sua família era nobre, mas ficou pobre. Seu pai foi um dos colonos que
foram de Atenas para Samos. Quando criança acompanhava a mãe no trabalho em casas de pobres,
e assim conheceu as crenças populares. Não sofreu muita influência dos filósofos que o
precederam, pois não se dispôs a estudá-los.

       Em 325 a. C Epicuro vai para Atenas onde comprou um jardim estabeleceu sua escola. Os
epicuristas, alunos desta escola filosófica podiam ser homens ou mulheres, eram unidos entre si e
com os professores. Atenas atravessava uma época difícil, mas ele lá permaneceu. Existe um busto
que nos dá a descrição de Epicuro: a cabeça é forte, o nariz acentuado, os lábios espessos, a
expressão calma e benevolente. Tinha muitos discípulos e amigos. O ponto básico de sua doutrina
é que o bem é o prazer, e acusam os epicuristas de terem se entregue aos excessos dos festins, mas
Epicuro comia muito pouco nas suas refeições diárias. Os atenienses eram atraídos pelo programa
da sua escola: “aqui vocês encontrar-se-ão bem, aqui reside o prazer”.

       Os epicuristas tinham os estóicos como adversários. Epicuro foi um dos grandes escritores
da Antigüidade, compôs mais de trezentos tratados. Não era muito científico, e suas conclusões são
passíveis de críticas. Escreveu um tratado, Da Natureza, em trinta e sete livros, no qual delineia a
teoria atomística, os átomos são a explicação final das coisas, pontos últimos de deslocando no
vazio, nada existe a não ser isso, a alma é formada de átomos materiais, tudo acontece devido a
interação mecânica entre eles. O universo é corpo e espaço. Deve-se argumentar com aquilo que
não é evidente aos sentidos. Sempre existiu alguma coisa e os átomos tem variadas formas.
Enquanto o prazer é o soberano bem, a dor é o soberano mal. É uma moral hedonista, e tem que se
eliminar toda a dor. A ataraxia (que é um estado da alma em que nada consegue perturbá-la, ela
fica impassível. Chega-se a ela atendendo os desejos naturais e ignorando os desejos supérfluos, o
sábio feliz contenta-se com o estritamente necessário) é o prazer estável que garante a felicidade.
Devemos filosofar em atos. Todo o incômodo desejo se dissolve no amor a filosofia. E o sábio não
tema a morte, pois quando se vive ela não existem não a sentimos e quando chega a morte, se
deixa de ser.
Para Epicuro, o essencial para a felicidade é a nossa condição íntima. O desejo precisa ser
controlado, para que a serenidade nos ajude a suportar a dor. A vida se torna agradável com o
sábio raciocínio, que investiga a causa. A justiça não existe em si. Outra coisa interessante é o seu
conselho para vivermos em reclusão, ignorados. Por ser um defensor do prazer, quiseram fazer de
Epicuro e os Epicuristas defensores da volúpia, mas o próprio fala contra isso, o prazer não é
sensual.

       Karl Marx escreveu uma tese sobre Demócrito e Epicuro. Nietzsche em alguns trechos
comenta o epicurismo e o estoicismo, especialmente na Gaia Ciência.

                        Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se
                        canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado
                        jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma
                        que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já
                        passou, é como se dissesse que ainda não chegou, ou que já passou a hora
                        de ser feliz.

       Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está
envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram, e para
o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto,
cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela,
tudo fazemos para alcançá-la.

       Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que
deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que
têm dos deuses. Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui
aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não
se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores
malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles
só aceitam a convivência com seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente
deles.Acostuma-te à idéia de que a morte para nós não é nada, visto que todo o bem e todo o mal
residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações.

       A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da
vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.
Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada
de terrível em deixar de viver. É tolo, portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada
desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba
quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado. Então, o mais terrível de
todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a
morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A
morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aquele ela não
existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da
morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida.

       O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; viver não é um fardo e
não-viver não é um mal. Assim como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante,
do mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve. Nunca
devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso,
para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos
desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.

       Dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que
são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais
para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o
conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do
corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim
praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo.

       Uma vez que se tenha atingido esse estado, toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser
vivo, não tendo que ir em busca de algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da
alma e do corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos sua
ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir.

       É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com
efeito, nós o identificamos como o bem primeiro, é inerente ao ser humano, em razão dele
praticamos toda escolha ou recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a
distinção entre prazer e dor.

       Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer
prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles advêm efeitos o mais das vezes
desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um
prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo.

       Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem
todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser evitadas.
Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios
e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal
como se fosse um bem.

       Consideramos ainda a auto-suficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer
com pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos muito honestamente
convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é
natural é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.

       Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas,
desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo
quando ingeridos por quem deles necessita. Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não
luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios
para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma
existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar
sem temor as vicissitudes da sorte.

       Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos
intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que
ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao
prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma.

       Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o
sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um
exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as
opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos.

       De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é
mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que
nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência,
beleza e justiça sem felicidade.
Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas.
Será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio, que tem um juízo reverente acerca dos
deuses, que se comporta de modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende
a finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de obter,
e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimentos leves? Que nega o destino,
apresentado por alguns como o senhor de tudo, já que as coisas acontecem ou por necessidade, ou
por acaso, ou por vontade nossa; e que a necessidade é incoercível, o acaso, instável, enquanto
nossa vontade é livre, razão pela qual nos acompanham a censura e o louvor?

       Mais vale aceitar o mito dos deuses, do que ser escravo do destino dos naturalistas: o mito
pelo menos nos oferece a esperança do perdão dos deuses através das homenagens que lhes
prestamos, ao passo que o destino é uma necessidade inexorável.

       Entendendo que a sorte não é uma divindade, como a maioria das pessoas acredita (pois um
deus não faz nada ao acaso), nem algo incerto, o sábio não crê que ela proporcione aos homens
nenhum bem ou nenhum mal que sejam fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que dela pode
surgir o início de grandes bens e de grandes males. A seu ver, é preferível ser desafortunado e
sábio, a ser afortunado e tolo; na prática, é melhor que um bom projeto não chegue a bom termo,
do que chegue a ter êxito um projeto mal.

       Medita, pois, todas essas coisas e muitas outras a elas congêneres, dia e noite, contigo
mesmo e com teus semelhantes, e nunca mais te sentirás perturbado, quer acordado, quer
dormindo, mas viverás como um deus entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a
um mortal o homem que vive entre bens imortais.

       O epicurismo teve, vasta difusão no mundo romano, onde encontramos, sobretudo, Tito
Lucrécio Caro - I século a.C. - o poeta entusiasta, autor de De rerum natura, que venerava Epicuro
como uma divindade. A ele devemos as melhores notícias sobre o sistema epicurista. A escola
epicurista durou até o IV século d.C., mas teve escasso desenvolvimento, conforme o desejo do
mestre, que queria os discípulos fiéis até a letra do sistema. A originalidade deveria manifestar-se
na vida.

O Pensamento: Gnosiologia e Metafísica

       Também o epicurismo - como o estoicismo - divide a filosofia em lógica, física e ética;
também subordina a teoria à pratica, a ciência à moral, para garantir ao homem o bem supremo, a
serenidade, a paz, a apatia. A filosofia é a arte da vida. Precisamente, é tarefa do conhecimento do
mundo, da física - diz Epicuro - libertar o homem dos grandes temores que ele tem a respeito da
sua vida, da morte, do além-túmulo, de Deus e fazer com que ele atue de conformidade. Portanto,
recorre Epicuro à física atomista, mecanicista, democritiana, pela qual também os deuses vêm a ser
compostos de átomos, e - habitadores felizes de intermundos - desinteressam-se por completo dos
homens. Aliás, não é excluído o fato de que a necessidade universal oprimiria o homem ainda mais
do que o arbítrio divino. Igualmente, a alma - formada de átomos sutis, mas sempre materiais -
perece com o corpo; daí, nenhuma preocupação com a morte, nem com o além-túmulo: seria
igualmente absurdo preocupar-se com aquilo que se segue à morte, como com aquilo que precede
o nascimento.

       A gnosiologia (lógica, canônica) epicurista é rigorosamente sensista. Todo o nosso
conhecimento deriva da sensação, é uma complicação de sensações. Estas nos dão o ser, indivíduo
material, que constitui a realidade originária. O processo cognoscitivo da sensação é explicado
mediante os assim chamados fantasmas, que seriam imagens em miniatura das coisas, arrancar-se-
iam destas e chegariam até à alma imediatamente, ou mediatamente através dos sentidos. Dada tal
gnosiologia coerentemente sensista, é natural que o critério fundamental e único da verdade seja a
sensação, a percepção sensível, que é imediata, intuitiva, evidente. Como a sensação, a evidência
sensível é o único critério de verdade no campo teorético, da mesma forma o sentimento (prazer e
dor) será o critério supremo de valor no campo prático.

       Como a gnosiologia epicurista é rigorosamente sensista, a metafísica epicurista é
rigorosamente materialista: quer dizer, resolve-se numa física. Epicuro, seguindo as pegadas de
Demócrito, concebe os elementos últimos constitutivos da realidade como corpúsculos inúmeros,
eternos, imutáveis, invisíveis, homogêneos, indivisíveis (átomos), iguais qualitativamente e
diversos quantitativamente - no tamanho, na figura, no peso. Também segundo Epicuro, os átomos
estão no espaço vazio, infinito, indispensável para que seja possível o movimento e,
consequentemente, a origem e a variedade das coisas. Os átomos são animados de movimento
necessário para baixo. Entretanto, no movimento uniforme retilíneo para baixo introduz Epicuro
desvios múltiplos, sem causa, espontâneos (clinamen); daí derivam encontros e choques de átomos
e, por conseqüência, os vórtices e os mundos. Estes, de fato, não teriam explicações se os átomos
caíssem todos com movimentos uniformes e retilíneos para baixo - como pensava Demócrito.

       Mediante o clinamen Epicuro justifica ainda o livre arbítrio, que é uma simples combinação
da contingência, do indeterminismo universal. O universo não é concebido como finito e uno, mas
infinito e resultante de mundos inúmeros divididos por intermundos, espalhado pelo espaço
infindo, sujeitos ao nascimento e à morte. Nesse mundo o homem, sem providência divina, sem
alma imortal, deve adaptar-se para viver como melhor puder. Nisto estão toda a sabedoria, a
virtude, a moral epicurista.

       A moral epicurista é uma moral hedonista. O fim supremo da vida é o prazer sensível;
critério único de moralidade é o sentimento. O único bem é o prazer, como o único mal é a dor;
nenhum prazer deve ser recusado, a não ser por causa de conseqüências dolorosas, e nenhum
sofrimento deve ser aceito, a não ser em vista de um prazer, ou de nenhum sofrimento menor. No
epicurismo não se trata, portanto, do prazer imediato, como é desejado pelo homem vulgar, trata-se
do prazer imediato, refletido, avaliado pela razão, escolhido prudentemente, sabiamente,
filosoficamente.

       É mister dominar os prazeres, e não se deixar por eles dominar; ter a faculdade de gozar e
não a necessidade de gozar. A filosofia toda está nesta função prática. Este prazer imediato deveria
ficar sempre essencialmente sensível, mesmo quando Epicuro fala de prazeres espirituais, para os
quais não há lugar no seu sistema, e nada mais seriam que complicações de prazeres sensíveis. O
prazer espiritual diferenciar-se-ia do prazer sensível, porquanto o primeiro se estenderia também
ao passado e ao futuro e transcende o segundo, que é unicamente presente. Verdade é que Epicuro
mira os prazeres estéticos e intelectuais, como os mais altos prazeres. Aqui, porém, se ele faz uma
afirmação profunda, está certamente em contradição com a sua metafísica materialista.

       Em que consiste, afinal, esse prazer imediato, refletido, racionado? Na satisfação de uma
necessidade, na remoção do sofrimento, que nasce de exigências não satisfeitas. O verdadeiro
prazer não é positivo, mas negativo, consistindo na ausência do sofrimento, na quietude, na apatia,
na insensibilidade, no sono, e na morte. Mas precisamente ainda, Epicuro divide os desejos em
naturais e necessários - por exemplo, o instinto da reprodução; não naturais e não necessários - por
exemplo, a ambição. O sábio satisfaz os primeiros, quando for preciso, os quais exigem muito
pouco e cessam apenas satisfeito; renuncia os segundos, porquanto acarretam fatalmente
inquietação e agitação, perturbam a serenidade e a paz; mas ainda renuncia os terceiros, pelos
mesmos motivos. Assim, a vida ideal do sábio, do filósofo, que aspira a liberdade e à paz como
bens supremos, consistiria na renúncia a todos os desejos possíveis, aos prazeres positivos, físicos
e espirituais; e, por conseguinte, em vigiar-se, no precaver-se contra as surpresas irracionais do
sentimento, da emoção, da paixão. Não sofrer no corpo, satisfazendo suas necessidades essenciais,
para estar tranqüilo; não ser perturbado no espírito, renunciando a todos os desejos possíveis, visto
ser o desejo inimigo do sossego: eis as condições fundamentais da felicidade, que é precisamente
liberdade e paz.

        É de fato, nos jardins de Epicuro que a vida se inspirava nos mais requintados costumes,
preenchida com as mais nobres ocupações - como na Academia e no Liceu. Almejava, no entanto,
dar uma unidade estética e racional à vida, mais do que ao mundo. O epicurismo, portanto,
considerado vulgarmente como propulsor de devassidão e sensualidade, representa, inversamente,
uma norma de vida ordinária e espiritual, até um verdadeiro pessimismo e ascetismo, praticamente
ateu.

        Epicuro admite a divindade transcendente, diversamente do imanentismo estóico. A prova
da existência da divindade estaria no fato de que temos na mente humana a sua idéia, que não pode
ser senão cópia de realidade. Os fantasmas dos deuses proviriam dos próprios deuses - como os
fantasmas de todas as outras coisas - desceriam até nós dos intermundos, especialmente durante o
sono. Os deuses de Epicuro são muitos, constituídos de átomos etéreos, sutis e luzentes, dotados de
corpos luminosos, tendo forma humana belíssima, imortais - diversamente dos deuses estóicos -
beatos, contemplados - segundo ideal grego. Epicuro venera os deuses, não para receber auxílio,
mas porque eles encarnam o ideal estético grego da vida, ideal que tem uma expressão concreta
precisamente nas belas divindades do panteão helênico.

Princípios

Os princípios enunciados por Epicuro e praticados pela comunidade epicurista resumem-se em
evitar a dor e procurar os prazeres moderados, para alcançar a sabedoria e a felicidade. Cultivar a
amizade, satisfazer as necessidades imediatas, manter-se longe da vida pública e rejeitar o medo da
morte e dos deuses são algumas das fórmulas práticas recomendadas por Epicuro para atingir a
ataraxia, estado que consiste em conservar o espírito imperturbável diante das vicissitudes.

        De seus estudos científicos, Epicuro derivou uma filosofia essencialmente moral. À
semelhança de outras correntes filosóficas da época, como o estoicismo e o ceticismo, suas
concepções vieram ao encontro das necessidades espirituais de seus contemporâneos, preocupados
com a desintegração da polis (cidade) grega. O prazer sensorial converteu-se na única via de
acesso à ataraxia. Esse prazer, porém, não consiste numa busca ativa da sensualidade e do gozo
corporal desenfreado, como interpretaram erroneamente outras escolas filosóficas e também o
cristianismo, mas baseia-se no afastamento das dores físicas e das perturbações da alma. O maior
prazer, segundo Epicuro, é comer quando se tem fome e beber quando se tem sede. A receita do
mestre para a vida tranqüila, tem o seguinte teor: "O bem é fácil de conseguir, o mal é fácil de
suportar, a morte não deve ser temida, os deuses não são temíveis."

       No ano 270 a.C., Epicuro morreu e tornou-se objeto de culto para os epicuristas, o que
contribuiu para aumentar a coesão da seita e para conservar e propagar a doutrina. O epicurismo
foi a primeira filosofia grega difundida em Roma, não apenas entre os humildes, mas também entre
figuras importantes como Pisão, Cássio, Pompônio Ático e outros. O epicurismo romano contou
com autores como Lucrécio e se manteve vivo até o princípio do século IV da era cristã, como
poderoso rival do cristianismo.

A Carta a Meneceu

       A carta é fonte para historiadores e epicurista, interpretar o pensamento de Epicuro. A
transcrição inicia com Epicuro saúdando Meneceu e persegue destacando seus principais trechos
apresentados na ordem de um a sete:

01 - Sempre é tempo de filosofar, sejamos velhos ou jovens.

     Quem é jovem não espere para fazer filosofia; quem é velho não se canse disso. Com efeito,
     ninguém é imaturo ou superado em relação à saúde da alma. Quem diz que ainda não é hora
     de fazer filosofia, ou que a hora já passou, parece-se com quem diz, em relação à felicidade,
     que ainda não é o momento dela, ou que ele já passou. Por isso, tanto o jovem como o velho,
     devem fazer filosofia; um para que, embora envelhecendo, permaneça sempre jovem de bens
     por causa do passado, o outro para que se sinta jovem e velho ao mesmo tempo, para que não
     tema o futuro. É preciso, portanto, ocupar-se de tudo o que leva à felicidade, se é fato que
     quando ela está conosco, possuímos tudo, e que, quando não está conosco, fazemos de tudo
     para obtê-la.

2 - Os deuses existem e são imortais e felizes

     Pratica e medita aquilo que te ensinei continuamente, convicto de que se trata do abc para
     uma vida feliz. Em primeiro lugar, considera que a divindade é um vivente incorruptível e
     feliz, como a noção comum do divino costuma aceitar, e não lhe atribuas qualquer coisa
     estranha à imortalidade ou de pouca consonância com a felicidade. Em relação à divindade,
     pensa tudo o que serve para preservar sua felicidade unida com a imortalidade. Os deuses
     existem de fato e o conhecimento que deles se tem é evidente. Eles, porém, não são como a
maioria os crê, pois não continuam coerentemente a considerá-los como os concebem. Ímpio
     não é quem nega os deuses como a maioria os quer, e sim aquele que atribui aos deuses as
     opiniões que deles tem a maioria. Com efeito, as opiniões da maioria sobre os deuses não são
     prolepses, mas enganosas hipolepses (Conceito inadequado, fundado sobre a opinião
     corrente). Daqui se segue que dos deuses se fazem derivar para os homens as razões de todo
     maior dano e de todo bem; os deuses, com efeito, entregues continuamente às suas virtudes,
     são queridos por todos os seus semelhantes, mas rejeitam como estranho tudo o que não é
     semelhante a eles.

3 - O que é a morte para o homem

     Habituados a considerar que a morte é nada para nós, do momento que todo bem e todo mal
     reside na sensação, e a morte é privação de sensação. Por isso, a noção correta de que a morte
     é nada para nós, torna alegre o fato de que a vida seja concluída com a morte, não lhe
     concedendo um tempo infinito, e sim lhe subtraindo o desejo da imortalidade. Não há nada
     de terrível na vida para quem tenha compreendido bem que não há nada de terrível no fato de
     não viver mais. Por isso, é tolo quem diz temer a morte, não porque trará dor ao momento em
     que ela se apresentar a nós, mas porque nos faz sofrer na sua espera; com efeito, tolamente
     pode causar sofrimento na espera, ao mesmo tempo em que não faz sofrer com sua presença.

     Portanto, o mal que nos faz ter arrepios, ou seja, a morte, é nada para nós, a partir do
     momento que, quando vivemos, a morte não existe, e quando, ao contrário, existe a morte,
     nós não existimos mais. A morte, portanto, não se refere a nós, nem quando estamos vivos,
     nem quando estamos mortos, porque para os vivos ela não existe, e os mortos, ao contrário,
     não existem mais. Os outros, por sua vez, fogem por vezes da morte como do pior dos males,
     outras vezes a [procuram] como alívio [das desgraças] da vida. [O sábio, ao invés, nem
     rejeita a vida], nem teme o não viver mais; com efeito, a vida não lhe é molesta, e ele
     também não crê que a morte seja um mal. Assim como para o alimento, ele não se serve dele
     em abundância, mas escolhe o melhor; também não procura gozar o tempo mais longo, mas o
     melhor.

4 - Como é preciso julgar os prazeres e as dores

     É necessário depois pensar por analogia que alguns desejos são naturais, outros vãos; entre os
     naturais, alguns são necessários, outros são simplesmente naturais. Depois, dos necessários
     alguns são tais em relação à felicidade, outros são assim em relação ao bem-estar físico,
outros ainda em relação à própria vida. Com efeito, uma sólida noção de desejo sabe guiar
     cada escolha e cada rejeição para a saúde do corpo e para a ataraxia da alma, uma vez que
     justamente este é o fim da vida feliz. Com efeito, justamente com este escopo fazemos de
     tudo, a fim de não experimentar nem sofrimento nem perturbação. Uma vez que isto se
     verifique em nós, toda tempestade da alma se aplaca, porque o ser humano não sabe que
     outra coisa desejar que lhe falte, nem que outra coisa pedir para tornar pleno o bem da alma e
     do corpo. Sentimos necessidade do prazer, quando sofremos pela sua falta, [quando, ao
     contrário, não sofremos], então não temos nenhuma necessidade do prazer.

     Por estes motivos, dizemos que o prazer é princípio e termo último de uma vida feliz. Com
     efeito, sabemos que o prazer é o bem primeiro e conatural a nós, a partir do prazer
     permitimos toda escolha e toda rejeição, e ao prazer nos reportamos para avaliar todo bem
     com a sensação assumida como norma. E, a partir do momento que este é o bem primeiro e
     conatural a nós, justamente por isto não aceitamos todo prazer, mas acontece o caso de que
     descuramos muitos deles,quando disso provier um incômodo maior; e assim consideramos
     que muitas dores são preferíveis aos prazeres, no caso que um prazer maior nos toque depois
     deter resistido longamente ao sofrimento. Todos os prazeres, portanto, porque têm uma
     natureza congênita a nós, são um bem, todavia, porém, nem todos devem ser aceitos. Da
     mesma forma, toda dor é um mal, todavia, porém, nem todas são de tal gênero que delas
     devêssemos fugir sempre. É preciso julgar tudo isso em base ao cálculo e a uma visão geral
     da utilidade e do dano.Com efeito, podemos experimentar que o bem, por certo tempo, é mal,
     e, vice-versa, que o mal pode ser um bem.

5 - A independência em relação aos desejos

     Também consideramos um grande bem a independência em relação aos desejos, não com o
     escopo de gozar apenas um pouco, mas porque se não temos o muito, nos possa bastar o
     pouco, corretamente convictos de que melhor goza da abundância quem menos sente a sua
     necessidade, que tudo o que é requerido por natureza é facilmente obtenível, e tudo o que, ao
     contrário, é vão, dificilmente se adquires, que os alimentos frugais produzem um prazer
     idêntico ao de uma farta mesa, quando eliminarmos a dor da necessidade, e que pão e água
     oferecem o máximo dos prazeres, quando deles se serve quem deles tem necessidade.
6 - Como devemos entender o prazer e a sua ligação com a virtude

     Portanto, o hábito de um alimento simples e de modo nenhum refinado, de um lado confere
     saúde, do outro torna o homem alegre nas ocupações necessárias da vida, e se nós nos
     aproximamos, de vem em quando, a um teor de vida suntuoso, nos dispomos melhor em
     relação a ele, e ficamos sem medo do destino. Por conseguinte, quando dizemos que o prazer
     é o fim último, não pretendemos falar dos prazeres dos dissolutos e nem dos que consistem
     na crápula, como afirmam aqueles que não conhecem, não partilham ou mal entendem
     nossos princípios, e sim, ao contrário, pretendemos falar da falta de dor no corpo e da falta de
     perturbação na alma. Com efeito, não são os simpósios ou os banquetes contínuos, o
     aproveitar de jovenzinhos e mulheres, ou o peixe e tudo o que pode oferecer uma rica mesa
     que levam a uma existência feliz, e sim uma límpida capacidade de raciocínio que esteja
     consciente de cada aceitação e de cada rejeição, e elimine a vacuidade das opiniões, pelas
     quais a pior das perturbações surpreende a alma.

     De tudo isso, o princípio e o bem supremo é a prudência que, justamente por isso, constitui
     algo de ainda maior valor da filosofia. Dela se originam todas as outras virtudes, e ela ensina
     como não é possível uma vida feliz sem que seja sábia, bela e justa, [e também que seja
     sábia, bela e justa] sem que seja feliz. As virtudes, com efeito, são conaturais à vida feliz,
     que, por sua vez, não é separável das virtudes.

7 - A causa do bem e do mal está no próprio homem

     Por outro lado, a quem consideras melhor do que aquele que tem idéias santas sobre os
     deuses, que não tem medo algum da morte, que conhece a fundo o fim natural, que tenha
     firme consciência que é fácil realizar e prático alcançar o limite extremo do bem, enquanto o
     limite extremo do mal tem tempo e penas breves? Ou de quem proclama que [o destino], por
     alguns considerado senhor absoluto de tudo [...]? [...] em parte acontecem por necessidade
     [...], em parte, ao contrário, pelo capricho da sorte, outros ainda estão em nosso poder,
     porque se constata que a necessidade é irresponsável, a sorte é instável, ao passo que aquilo
     que está em nós é livre e, por isso, ligado a zombaria e a elogio. Na realidade, era melhor
     ater-se ao mito que circunda os deuses, em vez de servir o destino dos físicos. Com efeito, o
     primeiro subentende a esperança de aplacar os deuses, honrando-os; o segundo, ao contrário,
     conserva toda a implacabilidade do necessário. [O sábio] não crê que a sorte seja um deus,
     como pensam os demais (com efeito, nada é realizado desordenadamente pela divindade), e
nem que ela seja uma causa vaga; com efeito, o sábio [não] pensa que bem e mal, no que se
     refere à vida, sejam concedidos aos homens pela fortuna, e que todavia o início dos grandes
     bens e dos grandes males se encontre sob a influência dela. Ele pensa finalmente que é
     melhor ser desafortunados com um pouco de sabedoria, ao invés de afortunados sem
     qualquer sabedoria, porque nas coisas humanas é melhor que uma reta decisão [não] seja
     coroada pela fortuna, em vez de [uma decisão errada] o ser.

     Rumina contigo mesmo, dia e noite, estas argumentações e outras ainda semelhantes a elas,
     discute também com quem está próximo de tuas posições.

O tetrapharmakón

          São frases também retiradas dos trechos de Epicuro que foram escritas em um muro, na
Turquia, descobertas em escavações realizadas no fim do século IXX. Estas frases escritas por um
epicurista, destinavam-se a todos aqueles que delas precisassem como um remédio. Era um
remédio para a alma e, enquanto remédio, as frases deveriam ser administradas na dose certa. São
quatro frases que explicitam princípios curativos, capazes de libertar o ser humano das trevas das
crendices e libertar a alma dos males. Em síntese, esse quádruplo remédio tenta combater os males
freqüentes da alma; o temor à cólera dos deuses, o pavor ante a morte, a má escolha dos desejos e a
angústia ante o sofrimento:

                 Não há o que temer quanto aos deuses.

                 Não há nada a temer quanto à morte.

                 Pode-se alcançar a felicidade.

                 Pode-se afastar a dor.

          Nada a temer em relação aos deuses. Os deuses não teriam motivo algum para preocupar-se
com os homens, considerando o enunciado recíproco igualmente verdadeiro. Epicuro afirma que é
tolice ter medo da morte. Não desconhece, contudo, a ruptura que a mesma estabelece, visto que a
morte daqueles que participam da família ou do círculo de amizades nos faz sofrer, pois se trata de
um desenlace de caráter irreversível. Mas ela, propriamente, nada é

“Enquanto estamos presentes, a morte está ausente; quando ela se apresenta, já não mais estamos
vivos”.

          O terceiro componente aponta o fato de que a felicidade está ao nosso alcance pela redução
do sofrimento. Não é propriamente o refinamento da satisfação dos prazeres que nos traz a
felicidade e, sim, supressão da dor. Preconiza-se, pois, a satisfação da necessidade, da maneira
mais simples, condenando-se os desejos naturais, contudo, não necessários.

       Finalmente, o último componente dessa terapia. O princípio de que o prazer efetivamente
existe, não obstante a existência do sofrimento. Há um processo de abertura baseado no princípio
de que a dor não pode ser eternamente duradoura. O que, entretanto, pode acontecer quando, por
circunstanciais especiais ou pela crueldade dos homens, há o prolongamento intencional. Contudo,
em termos de natureza, o mal pode ser superado e, conseqüentemente, o prazer, alcançado. O
mundo não se fecha num beco sem saída. Se existe o mal e a dor, há igualmente formas de superá-
los.


Bibliografia:


BRUN, Jean, O epicurismo. Trad. João Amado. Lisboa: Setenta, 1987.
FARRINGTON, Benjamim. A fé de Epicuro. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
HADOT, Pierre. O que é a Filosofia Antiga? S. Paulo: Loyola, 1999.
JOYAU, E. Antologia de textos de Epicuro. São Paulo: Abril Cultural, 1973 (Coleção “Os
Pensadores”).
MARX, Karl. Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. Trad. de Edson
Bini e Armandina Venâncio. São Paulo: Global, 1979.
PESSANHA, J. Américo Mota. As delícias do jardim. In Adauto Novaes (org.)
QUARTIM, João Moraes de. Epicuro. As luzes da ética. São Paulo: Moderna, 1998.

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Bas 04 ética de epicuro

  • 1. EPICURO Epicuro - Filósofo grego nascido em Samos (341 - 270 a. C), favorável ao atomismo, doutrina desenvolvida originalmente por Leucipo e Demócrito, que o influenciou quando começou a filosofar, aos catorze anos. Sua família era nobre, mas ficou pobre. Seu pai foi um dos colonos que foram de Atenas para Samos. Quando criança acompanhava a mãe no trabalho em casas de pobres, e assim conheceu as crenças populares. Não sofreu muita influência dos filósofos que o precederam, pois não se dispôs a estudá-los. Em 325 a. C Epicuro vai para Atenas onde comprou um jardim estabeleceu sua escola. Os epicuristas, alunos desta escola filosófica podiam ser homens ou mulheres, eram unidos entre si e com os professores. Atenas atravessava uma época difícil, mas ele lá permaneceu. Existe um busto que nos dá a descrição de Epicuro: a cabeça é forte, o nariz acentuado, os lábios espessos, a expressão calma e benevolente. Tinha muitos discípulos e amigos. O ponto básico de sua doutrina é que o bem é o prazer, e acusam os epicuristas de terem se entregue aos excessos dos festins, mas Epicuro comia muito pouco nas suas refeições diárias. Os atenienses eram atraídos pelo programa da sua escola: “aqui vocês encontrar-se-ão bem, aqui reside o prazer”. Os epicuristas tinham os estóicos como adversários. Epicuro foi um dos grandes escritores da Antigüidade, compôs mais de trezentos tratados. Não era muito científico, e suas conclusões são passíveis de críticas. Escreveu um tratado, Da Natureza, em trinta e sete livros, no qual delineia a teoria atomística, os átomos são a explicação final das coisas, pontos últimos de deslocando no vazio, nada existe a não ser isso, a alma é formada de átomos materiais, tudo acontece devido a interação mecânica entre eles. O universo é corpo e espaço. Deve-se argumentar com aquilo que não é evidente aos sentidos. Sempre existiu alguma coisa e os átomos tem variadas formas. Enquanto o prazer é o soberano bem, a dor é o soberano mal. É uma moral hedonista, e tem que se eliminar toda a dor. A ataraxia (que é um estado da alma em que nada consegue perturbá-la, ela fica impassível. Chega-se a ela atendendo os desejos naturais e ignorando os desejos supérfluos, o sábio feliz contenta-se com o estritamente necessário) é o prazer estável que garante a felicidade. Devemos filosofar em atos. Todo o incômodo desejo se dissolve no amor a filosofia. E o sábio não tema a morte, pois quando se vive ela não existem não a sentimos e quando chega a morte, se deixa de ser.
  • 2. Para Epicuro, o essencial para a felicidade é a nossa condição íntima. O desejo precisa ser controlado, para que a serenidade nos ajude a suportar a dor. A vida se torna agradável com o sábio raciocínio, que investiga a causa. A justiça não existe em si. Outra coisa interessante é o seu conselho para vivermos em reclusão, ignorados. Por ser um defensor do prazer, quiseram fazer de Epicuro e os Epicuristas defensores da volúpia, mas o próprio fala contra isso, o prazer não é sensual. Karl Marx escreveu uma tese sobre Demócrito e Epicuro. Nietzsche em alguns trechos comenta o epicurismo e o estoicismo, especialmente na Gaia Ciência. Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou, ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la. Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses. Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles.Acostuma-te à idéia de que a morte para nós não é nada, visto que todo o bem e todo o mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade. Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada
  • 3. de terrível em deixar de viver. É tolo, portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado. Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aquele ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida. O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; viver não é um fardo e não-viver não é um mal. Assim como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve. Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais. Dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo. Uma vez que se tenha atingido esse estado, toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo, não tendo que ir em busca de algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir. É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro, é inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha ou recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor. Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles advêm efeitos o mais das vezes
  • 4. desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem. Consideramos ainda a auto-suficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos muito honestamente convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é natural é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil. Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita. Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temor as vicissitudes da sorte. Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade.
  • 5. Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas. Será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio, que tem um juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende a finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimentos leves? Que nega o destino, apresentado por alguns como o senhor de tudo, já que as coisas acontecem ou por necessidade, ou por acaso, ou por vontade nossa; e que a necessidade é incoercível, o acaso, instável, enquanto nossa vontade é livre, razão pela qual nos acompanham a censura e o louvor? Mais vale aceitar o mito dos deuses, do que ser escravo do destino dos naturalistas: o mito pelo menos nos oferece a esperança do perdão dos deuses através das homenagens que lhes prestamos, ao passo que o destino é uma necessidade inexorável. Entendendo que a sorte não é uma divindade, como a maioria das pessoas acredita (pois um deus não faz nada ao acaso), nem algo incerto, o sábio não crê que ela proporcione aos homens nenhum bem ou nenhum mal que sejam fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que dela pode surgir o início de grandes bens e de grandes males. A seu ver, é preferível ser desafortunado e sábio, a ser afortunado e tolo; na prática, é melhor que um bom projeto não chegue a bom termo, do que chegue a ter êxito um projeto mal. Medita, pois, todas essas coisas e muitas outras a elas congêneres, dia e noite, contigo mesmo e com teus semelhantes, e nunca mais te sentirás perturbado, quer acordado, quer dormindo, mas viverás como um deus entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a um mortal o homem que vive entre bens imortais. O epicurismo teve, vasta difusão no mundo romano, onde encontramos, sobretudo, Tito Lucrécio Caro - I século a.C. - o poeta entusiasta, autor de De rerum natura, que venerava Epicuro como uma divindade. A ele devemos as melhores notícias sobre o sistema epicurista. A escola epicurista durou até o IV século d.C., mas teve escasso desenvolvimento, conforme o desejo do mestre, que queria os discípulos fiéis até a letra do sistema. A originalidade deveria manifestar-se na vida. O Pensamento: Gnosiologia e Metafísica Também o epicurismo - como o estoicismo - divide a filosofia em lógica, física e ética; também subordina a teoria à pratica, a ciência à moral, para garantir ao homem o bem supremo, a serenidade, a paz, a apatia. A filosofia é a arte da vida. Precisamente, é tarefa do conhecimento do
  • 6. mundo, da física - diz Epicuro - libertar o homem dos grandes temores que ele tem a respeito da sua vida, da morte, do além-túmulo, de Deus e fazer com que ele atue de conformidade. Portanto, recorre Epicuro à física atomista, mecanicista, democritiana, pela qual também os deuses vêm a ser compostos de átomos, e - habitadores felizes de intermundos - desinteressam-se por completo dos homens. Aliás, não é excluído o fato de que a necessidade universal oprimiria o homem ainda mais do que o arbítrio divino. Igualmente, a alma - formada de átomos sutis, mas sempre materiais - perece com o corpo; daí, nenhuma preocupação com a morte, nem com o além-túmulo: seria igualmente absurdo preocupar-se com aquilo que se segue à morte, como com aquilo que precede o nascimento. A gnosiologia (lógica, canônica) epicurista é rigorosamente sensista. Todo o nosso conhecimento deriva da sensação, é uma complicação de sensações. Estas nos dão o ser, indivíduo material, que constitui a realidade originária. O processo cognoscitivo da sensação é explicado mediante os assim chamados fantasmas, que seriam imagens em miniatura das coisas, arrancar-se- iam destas e chegariam até à alma imediatamente, ou mediatamente através dos sentidos. Dada tal gnosiologia coerentemente sensista, é natural que o critério fundamental e único da verdade seja a sensação, a percepção sensível, que é imediata, intuitiva, evidente. Como a sensação, a evidência sensível é o único critério de verdade no campo teorético, da mesma forma o sentimento (prazer e dor) será o critério supremo de valor no campo prático. Como a gnosiologia epicurista é rigorosamente sensista, a metafísica epicurista é rigorosamente materialista: quer dizer, resolve-se numa física. Epicuro, seguindo as pegadas de Demócrito, concebe os elementos últimos constitutivos da realidade como corpúsculos inúmeros, eternos, imutáveis, invisíveis, homogêneos, indivisíveis (átomos), iguais qualitativamente e diversos quantitativamente - no tamanho, na figura, no peso. Também segundo Epicuro, os átomos estão no espaço vazio, infinito, indispensável para que seja possível o movimento e, consequentemente, a origem e a variedade das coisas. Os átomos são animados de movimento necessário para baixo. Entretanto, no movimento uniforme retilíneo para baixo introduz Epicuro desvios múltiplos, sem causa, espontâneos (clinamen); daí derivam encontros e choques de átomos e, por conseqüência, os vórtices e os mundos. Estes, de fato, não teriam explicações se os átomos caíssem todos com movimentos uniformes e retilíneos para baixo - como pensava Demócrito. Mediante o clinamen Epicuro justifica ainda o livre arbítrio, que é uma simples combinação da contingência, do indeterminismo universal. O universo não é concebido como finito e uno, mas infinito e resultante de mundos inúmeros divididos por intermundos, espalhado pelo espaço
  • 7. infindo, sujeitos ao nascimento e à morte. Nesse mundo o homem, sem providência divina, sem alma imortal, deve adaptar-se para viver como melhor puder. Nisto estão toda a sabedoria, a virtude, a moral epicurista. A moral epicurista é uma moral hedonista. O fim supremo da vida é o prazer sensível; critério único de moralidade é o sentimento. O único bem é o prazer, como o único mal é a dor; nenhum prazer deve ser recusado, a não ser por causa de conseqüências dolorosas, e nenhum sofrimento deve ser aceito, a não ser em vista de um prazer, ou de nenhum sofrimento menor. No epicurismo não se trata, portanto, do prazer imediato, como é desejado pelo homem vulgar, trata-se do prazer imediato, refletido, avaliado pela razão, escolhido prudentemente, sabiamente, filosoficamente. É mister dominar os prazeres, e não se deixar por eles dominar; ter a faculdade de gozar e não a necessidade de gozar. A filosofia toda está nesta função prática. Este prazer imediato deveria ficar sempre essencialmente sensível, mesmo quando Epicuro fala de prazeres espirituais, para os quais não há lugar no seu sistema, e nada mais seriam que complicações de prazeres sensíveis. O prazer espiritual diferenciar-se-ia do prazer sensível, porquanto o primeiro se estenderia também ao passado e ao futuro e transcende o segundo, que é unicamente presente. Verdade é que Epicuro mira os prazeres estéticos e intelectuais, como os mais altos prazeres. Aqui, porém, se ele faz uma afirmação profunda, está certamente em contradição com a sua metafísica materialista. Em que consiste, afinal, esse prazer imediato, refletido, racionado? Na satisfação de uma necessidade, na remoção do sofrimento, que nasce de exigências não satisfeitas. O verdadeiro prazer não é positivo, mas negativo, consistindo na ausência do sofrimento, na quietude, na apatia, na insensibilidade, no sono, e na morte. Mas precisamente ainda, Epicuro divide os desejos em naturais e necessários - por exemplo, o instinto da reprodução; não naturais e não necessários - por exemplo, a ambição. O sábio satisfaz os primeiros, quando for preciso, os quais exigem muito pouco e cessam apenas satisfeito; renuncia os segundos, porquanto acarretam fatalmente inquietação e agitação, perturbam a serenidade e a paz; mas ainda renuncia os terceiros, pelos mesmos motivos. Assim, a vida ideal do sábio, do filósofo, que aspira a liberdade e à paz como bens supremos, consistiria na renúncia a todos os desejos possíveis, aos prazeres positivos, físicos e espirituais; e, por conseguinte, em vigiar-se, no precaver-se contra as surpresas irracionais do sentimento, da emoção, da paixão. Não sofrer no corpo, satisfazendo suas necessidades essenciais, para estar tranqüilo; não ser perturbado no espírito, renunciando a todos os desejos possíveis, visto
  • 8. ser o desejo inimigo do sossego: eis as condições fundamentais da felicidade, que é precisamente liberdade e paz. É de fato, nos jardins de Epicuro que a vida se inspirava nos mais requintados costumes, preenchida com as mais nobres ocupações - como na Academia e no Liceu. Almejava, no entanto, dar uma unidade estética e racional à vida, mais do que ao mundo. O epicurismo, portanto, considerado vulgarmente como propulsor de devassidão e sensualidade, representa, inversamente, uma norma de vida ordinária e espiritual, até um verdadeiro pessimismo e ascetismo, praticamente ateu. Epicuro admite a divindade transcendente, diversamente do imanentismo estóico. A prova da existência da divindade estaria no fato de que temos na mente humana a sua idéia, que não pode ser senão cópia de realidade. Os fantasmas dos deuses proviriam dos próprios deuses - como os fantasmas de todas as outras coisas - desceriam até nós dos intermundos, especialmente durante o sono. Os deuses de Epicuro são muitos, constituídos de átomos etéreos, sutis e luzentes, dotados de corpos luminosos, tendo forma humana belíssima, imortais - diversamente dos deuses estóicos - beatos, contemplados - segundo ideal grego. Epicuro venera os deuses, não para receber auxílio, mas porque eles encarnam o ideal estético grego da vida, ideal que tem uma expressão concreta precisamente nas belas divindades do panteão helênico. Princípios Os princípios enunciados por Epicuro e praticados pela comunidade epicurista resumem-se em evitar a dor e procurar os prazeres moderados, para alcançar a sabedoria e a felicidade. Cultivar a amizade, satisfazer as necessidades imediatas, manter-se longe da vida pública e rejeitar o medo da morte e dos deuses são algumas das fórmulas práticas recomendadas por Epicuro para atingir a ataraxia, estado que consiste em conservar o espírito imperturbável diante das vicissitudes. De seus estudos científicos, Epicuro derivou uma filosofia essencialmente moral. À semelhança de outras correntes filosóficas da época, como o estoicismo e o ceticismo, suas concepções vieram ao encontro das necessidades espirituais de seus contemporâneos, preocupados com a desintegração da polis (cidade) grega. O prazer sensorial converteu-se na única via de acesso à ataraxia. Esse prazer, porém, não consiste numa busca ativa da sensualidade e do gozo corporal desenfreado, como interpretaram erroneamente outras escolas filosóficas e também o cristianismo, mas baseia-se no afastamento das dores físicas e das perturbações da alma. O maior
  • 9. prazer, segundo Epicuro, é comer quando se tem fome e beber quando se tem sede. A receita do mestre para a vida tranqüila, tem o seguinte teor: "O bem é fácil de conseguir, o mal é fácil de suportar, a morte não deve ser temida, os deuses não são temíveis." No ano 270 a.C., Epicuro morreu e tornou-se objeto de culto para os epicuristas, o que contribuiu para aumentar a coesão da seita e para conservar e propagar a doutrina. O epicurismo foi a primeira filosofia grega difundida em Roma, não apenas entre os humildes, mas também entre figuras importantes como Pisão, Cássio, Pompônio Ático e outros. O epicurismo romano contou com autores como Lucrécio e se manteve vivo até o princípio do século IV da era cristã, como poderoso rival do cristianismo. A Carta a Meneceu A carta é fonte para historiadores e epicurista, interpretar o pensamento de Epicuro. A transcrição inicia com Epicuro saúdando Meneceu e persegue destacando seus principais trechos apresentados na ordem de um a sete: 01 - Sempre é tempo de filosofar, sejamos velhos ou jovens. Quem é jovem não espere para fazer filosofia; quem é velho não se canse disso. Com efeito, ninguém é imaturo ou superado em relação à saúde da alma. Quem diz que ainda não é hora de fazer filosofia, ou que a hora já passou, parece-se com quem diz, em relação à felicidade, que ainda não é o momento dela, ou que ele já passou. Por isso, tanto o jovem como o velho, devem fazer filosofia; um para que, embora envelhecendo, permaneça sempre jovem de bens por causa do passado, o outro para que se sinta jovem e velho ao mesmo tempo, para que não tema o futuro. É preciso, portanto, ocupar-se de tudo o que leva à felicidade, se é fato que quando ela está conosco, possuímos tudo, e que, quando não está conosco, fazemos de tudo para obtê-la. 2 - Os deuses existem e são imortais e felizes Pratica e medita aquilo que te ensinei continuamente, convicto de que se trata do abc para uma vida feliz. Em primeiro lugar, considera que a divindade é um vivente incorruptível e feliz, como a noção comum do divino costuma aceitar, e não lhe atribuas qualquer coisa estranha à imortalidade ou de pouca consonância com a felicidade. Em relação à divindade, pensa tudo o que serve para preservar sua felicidade unida com a imortalidade. Os deuses existem de fato e o conhecimento que deles se tem é evidente. Eles, porém, não são como a
  • 10. maioria os crê, pois não continuam coerentemente a considerá-los como os concebem. Ímpio não é quem nega os deuses como a maioria os quer, e sim aquele que atribui aos deuses as opiniões que deles tem a maioria. Com efeito, as opiniões da maioria sobre os deuses não são prolepses, mas enganosas hipolepses (Conceito inadequado, fundado sobre a opinião corrente). Daqui se segue que dos deuses se fazem derivar para os homens as razões de todo maior dano e de todo bem; os deuses, com efeito, entregues continuamente às suas virtudes, são queridos por todos os seus semelhantes, mas rejeitam como estranho tudo o que não é semelhante a eles. 3 - O que é a morte para o homem Habituados a considerar que a morte é nada para nós, do momento que todo bem e todo mal reside na sensação, e a morte é privação de sensação. Por isso, a noção correta de que a morte é nada para nós, torna alegre o fato de que a vida seja concluída com a morte, não lhe concedendo um tempo infinito, e sim lhe subtraindo o desejo da imortalidade. Não há nada de terrível na vida para quem tenha compreendido bem que não há nada de terrível no fato de não viver mais. Por isso, é tolo quem diz temer a morte, não porque trará dor ao momento em que ela se apresentar a nós, mas porque nos faz sofrer na sua espera; com efeito, tolamente pode causar sofrimento na espera, ao mesmo tempo em que não faz sofrer com sua presença. Portanto, o mal que nos faz ter arrepios, ou seja, a morte, é nada para nós, a partir do momento que, quando vivemos, a morte não existe, e quando, ao contrário, existe a morte, nós não existimos mais. A morte, portanto, não se refere a nós, nem quando estamos vivos, nem quando estamos mortos, porque para os vivos ela não existe, e os mortos, ao contrário, não existem mais. Os outros, por sua vez, fogem por vezes da morte como do pior dos males, outras vezes a [procuram] como alívio [das desgraças] da vida. [O sábio, ao invés, nem rejeita a vida], nem teme o não viver mais; com efeito, a vida não lhe é molesta, e ele também não crê que a morte seja um mal. Assim como para o alimento, ele não se serve dele em abundância, mas escolhe o melhor; também não procura gozar o tempo mais longo, mas o melhor. 4 - Como é preciso julgar os prazeres e as dores É necessário depois pensar por analogia que alguns desejos são naturais, outros vãos; entre os naturais, alguns são necessários, outros são simplesmente naturais. Depois, dos necessários alguns são tais em relação à felicidade, outros são assim em relação ao bem-estar físico,
  • 11. outros ainda em relação à própria vida. Com efeito, uma sólida noção de desejo sabe guiar cada escolha e cada rejeição para a saúde do corpo e para a ataraxia da alma, uma vez que justamente este é o fim da vida feliz. Com efeito, justamente com este escopo fazemos de tudo, a fim de não experimentar nem sofrimento nem perturbação. Uma vez que isto se verifique em nós, toda tempestade da alma se aplaca, porque o ser humano não sabe que outra coisa desejar que lhe falte, nem que outra coisa pedir para tornar pleno o bem da alma e do corpo. Sentimos necessidade do prazer, quando sofremos pela sua falta, [quando, ao contrário, não sofremos], então não temos nenhuma necessidade do prazer. Por estes motivos, dizemos que o prazer é princípio e termo último de uma vida feliz. Com efeito, sabemos que o prazer é o bem primeiro e conatural a nós, a partir do prazer permitimos toda escolha e toda rejeição, e ao prazer nos reportamos para avaliar todo bem com a sensação assumida como norma. E, a partir do momento que este é o bem primeiro e conatural a nós, justamente por isto não aceitamos todo prazer, mas acontece o caso de que descuramos muitos deles,quando disso provier um incômodo maior; e assim consideramos que muitas dores são preferíveis aos prazeres, no caso que um prazer maior nos toque depois deter resistido longamente ao sofrimento. Todos os prazeres, portanto, porque têm uma natureza congênita a nós, são um bem, todavia, porém, nem todos devem ser aceitos. Da mesma forma, toda dor é um mal, todavia, porém, nem todas são de tal gênero que delas devêssemos fugir sempre. É preciso julgar tudo isso em base ao cálculo e a uma visão geral da utilidade e do dano.Com efeito, podemos experimentar que o bem, por certo tempo, é mal, e, vice-versa, que o mal pode ser um bem. 5 - A independência em relação aos desejos Também consideramos um grande bem a independência em relação aos desejos, não com o escopo de gozar apenas um pouco, mas porque se não temos o muito, nos possa bastar o pouco, corretamente convictos de que melhor goza da abundância quem menos sente a sua necessidade, que tudo o que é requerido por natureza é facilmente obtenível, e tudo o que, ao contrário, é vão, dificilmente se adquires, que os alimentos frugais produzem um prazer idêntico ao de uma farta mesa, quando eliminarmos a dor da necessidade, e que pão e água oferecem o máximo dos prazeres, quando deles se serve quem deles tem necessidade.
  • 12. 6 - Como devemos entender o prazer e a sua ligação com a virtude Portanto, o hábito de um alimento simples e de modo nenhum refinado, de um lado confere saúde, do outro torna o homem alegre nas ocupações necessárias da vida, e se nós nos aproximamos, de vem em quando, a um teor de vida suntuoso, nos dispomos melhor em relação a ele, e ficamos sem medo do destino. Por conseguinte, quando dizemos que o prazer é o fim último, não pretendemos falar dos prazeres dos dissolutos e nem dos que consistem na crápula, como afirmam aqueles que não conhecem, não partilham ou mal entendem nossos princípios, e sim, ao contrário, pretendemos falar da falta de dor no corpo e da falta de perturbação na alma. Com efeito, não são os simpósios ou os banquetes contínuos, o aproveitar de jovenzinhos e mulheres, ou o peixe e tudo o que pode oferecer uma rica mesa que levam a uma existência feliz, e sim uma límpida capacidade de raciocínio que esteja consciente de cada aceitação e de cada rejeição, e elimine a vacuidade das opiniões, pelas quais a pior das perturbações surpreende a alma. De tudo isso, o princípio e o bem supremo é a prudência que, justamente por isso, constitui algo de ainda maior valor da filosofia. Dela se originam todas as outras virtudes, e ela ensina como não é possível uma vida feliz sem que seja sábia, bela e justa, [e também que seja sábia, bela e justa] sem que seja feliz. As virtudes, com efeito, são conaturais à vida feliz, que, por sua vez, não é separável das virtudes. 7 - A causa do bem e do mal está no próprio homem Por outro lado, a quem consideras melhor do que aquele que tem idéias santas sobre os deuses, que não tem medo algum da morte, que conhece a fundo o fim natural, que tenha firme consciência que é fácil realizar e prático alcançar o limite extremo do bem, enquanto o limite extremo do mal tem tempo e penas breves? Ou de quem proclama que [o destino], por alguns considerado senhor absoluto de tudo [...]? [...] em parte acontecem por necessidade [...], em parte, ao contrário, pelo capricho da sorte, outros ainda estão em nosso poder, porque se constata que a necessidade é irresponsável, a sorte é instável, ao passo que aquilo que está em nós é livre e, por isso, ligado a zombaria e a elogio. Na realidade, era melhor ater-se ao mito que circunda os deuses, em vez de servir o destino dos físicos. Com efeito, o primeiro subentende a esperança de aplacar os deuses, honrando-os; o segundo, ao contrário, conserva toda a implacabilidade do necessário. [O sábio] não crê que a sorte seja um deus, como pensam os demais (com efeito, nada é realizado desordenadamente pela divindade), e
  • 13. nem que ela seja uma causa vaga; com efeito, o sábio [não] pensa que bem e mal, no que se refere à vida, sejam concedidos aos homens pela fortuna, e que todavia o início dos grandes bens e dos grandes males se encontre sob a influência dela. Ele pensa finalmente que é melhor ser desafortunados com um pouco de sabedoria, ao invés de afortunados sem qualquer sabedoria, porque nas coisas humanas é melhor que uma reta decisão [não] seja coroada pela fortuna, em vez de [uma decisão errada] o ser. Rumina contigo mesmo, dia e noite, estas argumentações e outras ainda semelhantes a elas, discute também com quem está próximo de tuas posições. O tetrapharmakón São frases também retiradas dos trechos de Epicuro que foram escritas em um muro, na Turquia, descobertas em escavações realizadas no fim do século IXX. Estas frases escritas por um epicurista, destinavam-se a todos aqueles que delas precisassem como um remédio. Era um remédio para a alma e, enquanto remédio, as frases deveriam ser administradas na dose certa. São quatro frases que explicitam princípios curativos, capazes de libertar o ser humano das trevas das crendices e libertar a alma dos males. Em síntese, esse quádruplo remédio tenta combater os males freqüentes da alma; o temor à cólera dos deuses, o pavor ante a morte, a má escolha dos desejos e a angústia ante o sofrimento: Não há o que temer quanto aos deuses. Não há nada a temer quanto à morte. Pode-se alcançar a felicidade. Pode-se afastar a dor. Nada a temer em relação aos deuses. Os deuses não teriam motivo algum para preocupar-se com os homens, considerando o enunciado recíproco igualmente verdadeiro. Epicuro afirma que é tolice ter medo da morte. Não desconhece, contudo, a ruptura que a mesma estabelece, visto que a morte daqueles que participam da família ou do círculo de amizades nos faz sofrer, pois se trata de um desenlace de caráter irreversível. Mas ela, propriamente, nada é “Enquanto estamos presentes, a morte está ausente; quando ela se apresenta, já não mais estamos vivos”. O terceiro componente aponta o fato de que a felicidade está ao nosso alcance pela redução do sofrimento. Não é propriamente o refinamento da satisfação dos prazeres que nos traz a
  • 14. felicidade e, sim, supressão da dor. Preconiza-se, pois, a satisfação da necessidade, da maneira mais simples, condenando-se os desejos naturais, contudo, não necessários. Finalmente, o último componente dessa terapia. O princípio de que o prazer efetivamente existe, não obstante a existência do sofrimento. Há um processo de abertura baseado no princípio de que a dor não pode ser eternamente duradoura. O que, entretanto, pode acontecer quando, por circunstanciais especiais ou pela crueldade dos homens, há o prolongamento intencional. Contudo, em termos de natureza, o mal pode ser superado e, conseqüentemente, o prazer, alcançado. O mundo não se fecha num beco sem saída. Se existe o mal e a dor, há igualmente formas de superá- los. Bibliografia: BRUN, Jean, O epicurismo. Trad. João Amado. Lisboa: Setenta, 1987. FARRINGTON, Benjamim. A fé de Epicuro. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. HADOT, Pierre. O que é a Filosofia Antiga? S. Paulo: Loyola, 1999. JOYAU, E. Antologia de textos de Epicuro. São Paulo: Abril Cultural, 1973 (Coleção “Os Pensadores”). MARX, Karl. Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. Trad. de Edson Bini e Armandina Venâncio. São Paulo: Global, 1979. PESSANHA, J. Américo Mota. As delícias do jardim. In Adauto Novaes (org.) QUARTIM, João Moraes de. Epicuro. As luzes da ética. São Paulo: Moderna, 1998.