Este documento discute abordagens psicopedagógicas para dificuldades de aprendizagem. Apresenta uma visão histórica das perspectivas sobre o tema e modelos teóricos atuais. Também aborda a etiologia, epidemiologia, caracterização e taxonomia de dificuldades de aprendizagem, além de discutir avaliação, identificação precoce e intervenção pedagógica. Finalmente, reflete sobre o conceito de insucesso escolar e os desafios atuais no tratamento de dific
( Educacao) vitor fonseca - insucesso escolar, abordagem psicopedagogica das dificuldades de aprendizagem
1. INSUCESSO ESCOLAR
ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
VITOR DA FONSECA
2. a edição
Índice
PREFÁCIO DA 2. ^ EDIÇÃO... 7
INTRODUÇÃO 13
CAPÍ'I'ULO 1
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... . . 17
Os grandes pioneiros... 17
Perspectivas lesionais e cerebrais... ... ... . . 22
Perspectivas perceptivo-motoras das DA 24
Perspectivas de linguagem... ... . 29
Perspectivas neuropsicológicas das DA. 63
Perspectiva de integração... ... . . 65
Algumas perspectivas actuais... . g2
Modelo interaccional, de Adelman... ... . . g3
Teoria integrada da informação, de Senf g4
Teoria do desenvolvimento das capacidades perceptivas e cognitivas, de Satz
e Van Nostrand... . . g6
Teoria do atraso de desenvolvimento da atenção selectiva, de Ross... ... . 88
Hipótese do défice verbal, de Vellutino g9
Hipótese do educando inactivo, de Torgesen... . . 90
Modelo hierarquizado, de Wiener e Cromer... . 92
CAPÍTI. TLO 2
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS
DESAFIOS... . . 93
Definição de DA 95
Expectativas sobre as DA 97
Modelos de avaliação das DA... 9g
Método de intervenção nas DA. 1Q
Novos desafios para as DA... ... . . 101
Problemática da définição da criança com dificuldades de áprendizagem 105
Modelos teóricos das dificuldades de aprendizagem... ... 113
CAPÍTULO 3
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... .
1I 9
565
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
2. Aspectos gerais, condições associadas e problemas de definição... ... ... . 119 Factores
etiológicos das dificuldades de aprendizagem 133 Factores biológicos... 135 Factores
genéticos... ... . 137 Factores pré, peri e pós-natais. 140 Factores neurobiológicos e
neurofisiológicos... 142 Factores sociais 148
CAPÍTULO 4
VISÃO INTEGRADA DA APRENDIZAGEM 163 Aprendizagem e comportamento. :.
163 Teorias da aprendizagem. 164 Aprendizagem humana e aprendizagem animal 166
Aprendizagem, estímulo, reflexo e condicionamento... 167 Aprendizagem e motivação...
. . 168 Aprendizagem, habituação e reforço... . 168 Aprendizagem e encadeamento 168
Aprendizagem e discriminação 168 Aprendizagem e memória... ... . . 169
Aprendizagem, noção de desenvolvimento, noção de deficiência e de dificuldade de
aprendizagem... ... . 170 Condições de aprendizagem: neurobiológicas, socioculturais e
psicoemocionais 175 Sistemas psiconeurológicos de aprendizagem. . 177
CAPÍTULO 5
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM. . 189
Relações entre o cérebro e o comportamento e entre o cérebro e a aprendizagem 189
Interdependência das capacidades psiconeurológicas da aprendizagem 206 Alguns
factores psiconeurológicos implicados nas DA 224
CAPfTULo 6
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 243 Definições. 244
Dificuldades e incapacidades de aprendizagem (agnosias, afasias e apraxias)... 249
Dificuldades de aprendizagem não verbais... . . 251 Dificuldades de aprendizagem
primárias e secundárias 273 Taxonomia das DA e hierarquia da linguágem 277
CAPÍTULO 7
NECESSIDADES DA CRIANÇA EM IDADE PRÉ-ESCOLAR... ... . . . 303
Introdução... . . . 303
Necessidades da criança em idade pré-escolar . 305
Algumas reflexões práticas para a criança em idade pré-escolar . 314
CaPírULo 8
DESPISTAGEM E IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM . 323
CAPÍTULO 9
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDIZAGEM... ... . . . 347
Factores psicodinâmicos e sociodinâmicos... ... . 350
566
ÍNDICE
Função do sistema nervoso periférico (SNP)... . 351
Funções do sistema nervoso central (SNC)... ... . 355
CAPÍTULO 1O...
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICULDADES
3. DE APRENDIZAGEM... . 361
Problemas de atenção. . 362
Problemas perceptivos. 364
Problemas emocionais. . 377
Froblemas de memória 379
Problemas cognitivos... 384
Problemas psicolinguísticos... ... 396
Problemas psicomotores 402
CAPÍTCTLO 11
PROFICIÊNCIA MOTORA EM CRIANÇAS NORMAIS E EM CRIANÇAS
COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... . 407
Estudo comparativo e correlativo com base no Teste de Proficiência Motora
de Bruininks- Oseretsky... . . 407
CAPÍ1'CILo 12
ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZAÇÃO PSICONEUROLÓGICA DA
CRIANÇA E DO JOVEM COM DISFUNÇÃO CEREBRAL M VIMA... . 441
Disfunção cerebral mínima (DCM) e confusão neurofuncional máxima 441
Caracterização psicomotora... ... . 447
Caracterização socioemocional e compQrtamental... ... ... 453
Caracterização cognitiva 455
CAPfTULO
DISSECAÇÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA 459
Causas exógenas e endógenas... 460
Processo de leitura... ... . 462
Dificuldades auditivas (dislexia e auditiva disfonética). . 471
Dificuldades visuais (dislexia visual discidética) 472
CAPÍ'I'LILO 14
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES
DA DISLEXIA... ... . 475
Substratos neurológicos da leitura... ... ... 484
Perfil psicomotor da criança disléxica. Introdução à síndroma dislexia mais dispraxia
494
Algumas implicações para a mvestigaçao futura 507
CAPfrutO 15
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VERSUS INSUCESSO ESCOLAR...
509
CAPÍ'TULO 16
(IN)CONCLUSÕES... ... 521
BIBLIOGRAFIA 537
SIGLAS E ACRÓNIMOS... ... ... 563
567
PREFÁCIO DA 2. " EDIÇÃO
Pais, professores e responsáveis pela educação em geral, todos sem excepção,
têm-se preocupado e preocupam-se com a questão das dificuldades de aprendizagem
(DA) em todos os graus de ensino e em todos os níveis de formação dos recursos
humanos, visto que, em última análise, se trata de preparar o futuro de uma sociedade.
4. Portugal é certamente um país onde o problema das DA e o consequente
fenómeno sociocultural e socioeconómico do insucesso escolar e profissional não tem
merecido dos líderes e dos responsáveis do sector uma abordagem integrada nem
longitudinal, uma vez que a implicação deste facto crucial e controverso dos sistemas de
ensino e de formação joga cam a qualificação futura da força de trabalho duma nação e
com a integração social plena dos seus cidadãos.
Com a taxa de ensino pré primário muito baixa, com as percentagens
ameaçadoras de insucesso escolar nos ensinos básico e secundário, apesar dos novos
sistemas de avaliação, com a pobreza de recursos humanos e té cnicos do ensino
especial, com a vulnerável qualifica ão cognitiva e social dos cursos técnicos e dos
programas de transição para a vida activa, com a impreparação cientifica e pedagógica
assustadora de muitos cursos superiores, com cursos de formação profissional
extremamente limitados na adaptabilidade à mudanÇa tecnológica, com uma taxa de
analfabetismo técnico efi ncional critica em termos de desenvolvimento económico, etc.
, o panorama não é animador e a meta da democracia cognitiva não será certamente
alcançada na próxima década.
A <<exclusão de crianças, jovens e adultos com DA das políticas de educação e
de formação não tem sido acidental, ela enferma de uma atitude passiva e pessimista em
relação ao potencial de desenvolvimento do indivíduo.
Conceber que, ao longo da evolução da espécie, o ser humano foi portador de
potencial de modificabilidade e de adaptabilidade, independentemente das suas
dificuldadés adaptativas, e conceber que a criança, o jovem ou o adulto (porque não o
idoso ?), ao longo do seu percurso educativo formativo,
7
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
têm potencial cognitivo de transformação e de criatividade, independentemente das suas
DA, tem sido uma crenÇa" muito vulnerável e frágil, assunÇão esta que, infelizmente,
paira em inúmeros agentes de ensino e de formaÇão entre nós. As nossas taxas de
reprovação escolar e os indicadores de aproveitamento aeadémico comprovam-no
friamente, apesar das camuflagens subtis que são conhecidas.
Se os agentes de ensino ou de formaÇão adoptarem uma atitude activa e
optimista em rela ão ao potencial da pessoa (criança, jovem ou adulto), e se se criar essa
crença com DA, poderão ter a alternativa de maximizaÇão dos seus potenciais
cognitivos e não o seu progressivo empobrecimento e, estarão certamente mais
integrados e realizados pessoal e socialmente e, consequentemente, mais preparados
para os desafios das mudanças tecnológicas aceleradas que caracterizam as sociedades
actuais.
Para se operar esta modificação estrutural de atitudes no contexto das DA, é
necessário ter um pensamento educacional mais baseado no sentimento de
competência do que no sentimento de incompetência, quer dos actores do ensino, quer
dos da aprendizagem.
Assim, como é impossivel dissociar em termos de desenvolvimento, a criança do
adulto, também é irracional separar o ensino da aprendizagem, porque há entre ambos
uma identidade interactiva fundamental, na medida em que a aprendizagem ilustra e é
condição do ensino; daí que seja difícil separar também as dificuldades de
aprendizagem das dificuldades de ensino.
5. Em síntese, para cada dislexia (termo que simplesmente quer dizer diflculdade
de aprendizagem da leitura inerente à pessoa em formação) há uma dispedagogia (termo
que unicamente quer ilustrar uma dificuldade em diagnosticar e compensar as
necessidades educacionais dos formandos). Sem expandir e ampliar os sentimentos de
competência das crianças ou dos formandos e dos professores ou dos formadores, não é
possivel produzir mudanças qualitativas e substanciais no macrocontexto das DA.
As crianças, os jovens e os adultos com DA ainda não são reconhecidos como
uma nova taxonomia educacional, por isso estão perdidos conceptualmente entre o dito
ensino regular" e o dito ensino especial, transcendente e complexo, ou seja, o que
separa a denominada unormalidade da dita excepcionalidade,
Independentemente de algumas iniciativas fragmentadas como o extinto PIPSE,
as DA são vistas por muitos administradores e gestores educacionais como uma
verdadeira ameaÇa orÇamental quando os fundos para a edueação, para os serviços de
apoio pedagógico, para o desenvolvimento de modelos, estratégias e adaptações
curriculares, para a investigação e inovação educacional, etc. são efectivamente de parca
eftciência.
Directores de serviços de edueação e de formação, coordenadores,
administradores, legisladores, professores, investigadores, psicólogos e médicos
eseolares e demais responsáveis, partindo de perspectivas diferentes e antagónicas sobre
as DA, necessitam de informações válidas e cientificamente
PREFÁCIO DA 2. " EDI ÇÃO
fidedignas sobre esta polémica, não de meras opiniões ou palpites insubstanciados,
pressupostos economicist. as ou administrativos, para suportarem os seus juízos e
decisões, que em último caso se reflectem no futuro de crianças, jovens e adultos
considerados, justamente, nada mais nada menos, o maior capital de que um país
desfruta.D
e acordo com a Organização Mundial de Saúde, as crianças e os jovens com
DA representam hoje o maior grupo do sistema escolar (55%), comparativamente com
as crianças e os jovens supra ou sobredotados e ou <<normais com bom ou médio
aproveitamento escolar (25%), os quais, desde a entrada no sistema pré-primário até à
saída do sistema universitário, nunca evidenciaram DA. A mesma fonte aponta crianças
e jovens portadores de deficiências ou desordens (20%), que evidenciam já necessidades
especiais antes da entrada no sistema, ou eventualmente vêm a adquiri-las durante o seu
percurso de desenvolvimento.
O número de crianças e jovens com DA é desconhecido no sistema escolar
português, porque não há consenso sobre a sua elegibilidade ou a sua identificação, mas
a taxa de insucesso escolar é talvez a mais alta dos países da UE.
Cerca de 35 000 crianças no ensino primário são repetentes (fonte do Ministério
da Educação de 1988; os números actuais são desconhecidos e imprecisos, tendo em
atenção o período experimental do novo sistema de avaliação). O número de jovens
repetentes no ensino secundário reduz-se sensivelmente, mas sabe-se que tal é devido ao
abandono escolar e ao trabalho infantil, situações socioculturais de risco,
verdadeiramente indutoras de fenómenos de exclusão social muito problemáticos.
A urgência, portanto, de uma perspectiva preventiva das DA desde a escola
primária torna-se evidente à luz destes pressupostos; para isso é necessário apoiar a
investiga ão educacional que vise a identificação precoce, pragmática e económica de
6. tais casos, o que implica necessariamente acções estratégicas de intervenÇão
compensatória.
Para se identificar crian as e jovens com DA, é necessário que se vá mais longe
do que até à olimpica constata ão de repetências ou meros aproveitamentos académicos
abaixo da média, pois torna-se premente apurar psicoeducacionalmente uma gama de
características que constituem uma definição de DA testável, defmição hoje ainda
inexistente no nosso sistema de ensino, e, quanto a nós, comprovativa da cristalina
defesa dos direitos humanos inerentes à criança e ao jovem.
Das muitas definições já avançadas por eminentes investigadores e academias de
renome internacional; a definição do Comité Nacional Americano de Dificuldades de
Aprendizagem (National Joint Commitee of Learning Disabilities - NJCLD 1988) é
presentemente a que reúne maior consenso.
Pela importância que ela pode ter para pais, professores, administradores e
investigado. r vejamos de perto a sua defmição de DA: <<DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM é uma expressão genérica que refere um grupo
heterogéneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
aQuisição e no uso da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e da
matemática. Tais desordens são intrinsecas ao individuo, presumindo-se que sejam
devidas a uma disfi nção do sistema nervoso que pode ocorrer e manifestar-se durante
toda a vida. Problemas na auto- regulação do comportamento, na atençâo, na percepção
e na interacção social podem coexistir com as DA. Apesar de as DA ocorrerem com
outras deficiências (ex. : deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbio
socioemocional) ou com infiuências extrinsecas (ex. : diferenças culturais, insuficiente
ou inadequada instrução pedagógica), elas não são o resultado de tais condições. "
De facto, a expressão DA" é usada para designar um fenómeno extremamente
complexo, independentemente desta definição. O campo das DA abrange uma
desorganizada variedade de conceitos, critérios, teorias, modelos e hipóteses.
Efectivamente, as DA têm sido uma área obscura e uma espécie de esponja
sociológica" onde cabe tudo, desde os imensos problemas pedagógicos inadequados até
a uma enorme variedade de factores estranhos ao processo ensino-aprendizagem.
No campo educacional, muitos dos que ensinam estudantes normais" não têm
dúvidas em sugerir para eles uma colocação segregativa e não integrativa. Não se
consegue um consenso na definição das DA, porque elas têm emergido mais de pressões
e necessidades sociais e politicas do que de bases cientificas.
Há necessidade de compreender, portanto, que mesmo na presença de uma
pedagogia considerada eficiente, as DA não desaparecem nas crianças ou nos jovens
que as evidenciam. De modo a minimizar a confusão crónica neste domínio, precisamos
de uma aproximação científica ao estudo das DA. A falta de um enquadramento teórico
é assim, talvez, uma das razões do caos semântico do sector, porque a ambiguidade
alastra e a criação ou a promulgação de serviços de apoio são ainda muito restritas e
limitadas.
Em Portugal, muitas crianças são identificadas com base em critérios
psicopedagógicos arbitrários e em avaliações médicas e psicológicas convencionais.
Não existe uma identificação no sentido ecológico e psicoeducacional. Muitas crianças
7. e muitos jovens são excluídos dos serviços de apoio, enquanto outros não são incluídos,
mesmo não tendo sido identificados objectivamente como revelando DA.
Quais são os pontos comuns e discordantes entre os estudantes com DA? Haverá
subtipos de DA? Quais são as variáveis e os marcadores mais relevantes? Como
podemos identificar os problemas mais subtis ou mais marcantes? Quem está
devidamente especializado para observar e (re)educar estas crianças e estes jovens?
Sem uma resposta adequada a estas perguntas, novas confusões vão
conúnuar a emergir e provavelmente muitos gastos financeiros vão ser desperdiçados,
apesar de muitos pais continuarem mais ansiosos porque os seus filhos não estão a
receber o apoio adequado e de milhares de professores,
10
PREFÁCIO DA 2. " EDlÇÃO
reeducadores, médicos, terapeutas e psicólogos praticarem diariamente a identificação e
tentarem a reeducação e a reabilitação das crianças e dos jovens com DA.
Dos 100 comportamentos mais referidos nos estudantes ou formandos com DA
pela literatura internacional especializada, os 10 mais referenciados são os seguintes:
problemas de hiperactividade, problemas psicomotores, problemas de orienta ão
espacial, labilidade emocional e motivacional, impulsividade, problemas de memória,
problemas cognitivos de processa mento de infoimação, problemas de audição e de
linguagem, sinais neuro lógicos difi sos e dificuldades especificas na aprendizagem da
leitura, da escrita e da matemática.
Isto é, as DA envolvem disfi nções num ou mais dos processos de re cepção,
integraÇão, elaboraÇão e expressão de informação (sistemas neurofuncionais da
aprendizagem) que afectam o desempenho e o rendimento escolar.
Precisamos realmente de determinar na definição da criança e do jovem com DA
o que é que não são (conceito de exclusão) e o que são ou o que revelam em termos
comportamentais (conceito de inclusão).
Em termos de exclusão, destacamos: l. o não aprendem normalmente; 2 " não
têm qualquer deficiência (sensorial, mental, emocional, ou motora); e 3 ", não advêm de
meios familiares ou sociais de extrema privação cultural ou económica.
Em termos de inclusão, dèstacamos: 1. " evidenciam uma DA específica e não
geral; 2. o revelam discrepância entre o seu potencial normal (em termos de quociente
intelectual - QI - ele deve ser igual ou superior a 80, sensivelmente, cerca de um desvio-padrão
aquém da média que é de 100) e o seu perfil psicoeducacional de áreas fortes e
fracas que substancia a sua elegibilidade e o seu encaminhamento; 3. o revelam
dificuldades no processamento da informação inerentes a qualquer processo de
aprendizagem.
O conceito de necessidades educativas especiais co sig ádó no Decreto-Lei n "
319/91 é um avanço de grande alcance, na, m i á e n que todos estes parâmetros e
pressupostos de definição estão c nsa 'á Qs. Falta agora juntar outros desafios relevantes
para que a orgánizaçao da esposta dos serviços educacionais possa ser mais humanizada
é socialmente mais prospectiva em termos da qualificação de recursos humanos.
A questão das DA nunca poderá ser equivalente a uma questão pessoal ou
individual, e muito menos uma questão de insucesso da criança ou do jovem formando,
porque não há caracteristicas ou comportamentos especi ficos do estudante com DA,
8. isto é, as suas características em termos globais são semelhantes à dos outros processos
de avaliação de potencial e outros programas de intervenção mais adequados a cada
caso, porque cada caso, porque cada criança ou jovem é um ser único, evolutivo e total.
A inadequabilidade e a imutabilidade científica adstrita a muitos testes
psicométricos deve dar lugar a outros processos mais dinâmicos e hipotéÚ
11
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
cos, mais explicativos do que descritivos. O diagnóstico como conswcto deve-estar-a
no, e não fechado, a diferentes níveis de análise (importâneia das equipas
mùftidisciplinares; pers ivar mais como a criança ou o jovem com DA vai aprender no
futuródo que como não aprendeu no passado).
Regra geral, os que têm trabalhado só com erianças normais, com médio ou bom
aproveitamento escolar, podem não compreender como pequenos problemas de
aprendizagem (de input ou output) podem influenciar o desempenho de crianças e
jovens com DA. A tradicional avaliação psicométrica baseada no QI é ainda, em muitos
casos, uma base exclusiva para o encaminhamento educacional; consequentemente,
pode haver o perigo de o sistema escolar ser super ou subinclusivo. A avaliação
psicoeducacional é uma das áreas fracas no campo das DA em Ponugal - cerca de 6 lo
dos estudantes identificados com o insucesso escolar não satisfazem a definição de DA
da literatura internacional.
Em síntese, um número de crianças e jovens que experimentaram dificuldades
na sala de aula regular pode ultrapassá-las através de uma instrução mais enriquecida e
individualizada. O objectivo da avaliação psicoeducacronal deve levar a melhores
métodos e estratégias de intervenção, e aqui o desafio é mais do professor do que do
aluno, pelo que o seu treino especializado e o seu aperfei oamento têm de ser
equacionados.
A demasiada confiança no QI, nas idades mentais e nos índices médios de
aproveitamento escolar continua a guiar a maioria das decisões administrativo-educacionais
das crianças e jovens com DA no sistema escolar português, sem que se
tome em linha de conta que a avaliação psicoeducacional só por si não tem relevância
educacional ou cunieular e raramente leva a um apropriado programa educaeional
individualizado (PEI).
Os sistemas de ensino e de formação têm de enfrentar uma série de desafios para
ajudar as crianças e os jovens com DA, senão vedamos-lhes os seus direitos e
comprometemos a qualificação futura dos nossos recursos humanos. A não ser que os
vários técnicos de apoio educativo se dediquem a tais desafios, as grandes esperanças
dos pais e dos pioneiros na pesquisa educacional das DA terão os seus sonhos e esforços
desfeitos. A crença no potencial humano de muitas crianÇas e muitos jovens merece que
nos dediquemos à resolu ão estratégica e atempada das suas difrculdades. É disso que
trata este livro.
Nova Oeiras, Maio de 1999
O AUTOR
12
9. INTRODUÇÃO
Ao apresentar o actual volume, queremos alenar que não se trata de um trabaiho
planificado ou eswturado como era nosso desejo. Compreende um esforço, modesto,
mas necessárío, para responder a algumas preocupações e a inúmeras confusões, dada a
atenção que hoje a sociedade dedica à problemáúca da aprendizagem escolar.
O campo das di culdades de aprendizagem (DA) é fértil em concepções
unidimensionais e em divisões conceptuais entre os diferentes profissionais que o
integram, nom ente médicos, psicólogos e professores. Toda a gente se convence de que
o seù conhecimento é suficiente, independentemente de poucos esforços, estudos ou
investigações interdisciplinares terem sido tentados.
No sentido de criar temas de discussão interdisciplinar e cienúficopedagógica,
vimos por agora lançar algumas reflexões que resultam de 10 anos de pesquisa e
intervenção no âmbito das DA, quer no respeitante à orientação reeducativa de crianças,
iniciada no Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian (de
1972 a 1975) e continuada no Consultório Médico-Psicopedagógico e aprofundada no
CLIMEFIRE, quer no que respeita à formação de professores do ensino especial no
Instituto António Aurélio da Costa Ferreira (IAACF) (1976, 1977, 1978, 1979) e de
psicólogos no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), quer ainda nalgumas
tentativas; lamentavelmente acidentais e episódicas, que vamos fazendo em
investigação.
Com o presente estudo pretendemos abordar alguns aspectos que tentam explicar
porque é que algumas crianças, independentemente das suas inteligências normais, das
suas adequadas acuidades sensoriais, dos seus adequados comportamentos motores e
socioemocionais, não aprendem normalmente a ler, a escrever e a contar.
A render envolve processos complexos e determinado número de con dições e
oponunidadés. Os processos complexos, uns de natureza psicoló gica, outms de natureza
neurológica (condições internas psiconeurológicas),
13
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
compreendem o perfil intraindividual do educando, que obviamente nos remete para os
estudos das dificuldades de aprendizagem, da patologia da linguagem, da psicologia
clínica, da neuropsicologia e da neurolinguística e muitos outros conteúdos
relacionados. As condições e as oportunidades, umas sócio e psicodinâmicas, outras
culturais e económicas (condições externas psicopedagógicas), compreendem o perfil
científico-relacional do educador, que obviamente nos remete para os estudos das
teorias da comunicação, das teorias do comportamento, da modificação do
comportamento, da psicoterapia e da psiquiatria, dos processos psicolinguísticos de
transmissão-aquisição, dos processos de informação, formação e transformação, dos
processos de caracterização e observação pedagógica, dos condicionalismos sociais da
educação e dá educação especial, para o processo sistemático e total do ensino-e-da-aprendizagem
etc. , para além de muitos outros conteúdos inter- relacioziados.
O objectivo prioritário deste nosso trabalho é contribuir para o estudo da
natureza da aprendizagem humana e dos seus processos. Aprendizagem concebida como
10. a capacidade de processar, armazenar e usar a informação, ao ponto de a estruturar em
condições de intervenção e investigação aplicada, para daí se obter dados que
impliquem a melhoria, o progresso, a compreensão e, fundamentalmente, a prevenção e
a intervenção no âmbito da DA.
Pretendemos igualmente avançar com algumas relações entre os processos
psicológicos e os processos neurológicos, uns em relação dialéctica com os outros, em
termos, inequivocamente, de aprendizagem humana e suas alterações e afinidades, e não
em termos experimentais ou patológicos, que cabem obviamente aos neurologistas. Não
desejamos penetrar em competências alheias; apenas teremos de nos referir aos
processos neurológicos na medida em que é hoje impossível separar o estudo da
aprendizagem humana e da linguagem do estudo do sistema nervoso, visto ser incontes=
tável a afirmação de que é efectivamente o cérebro o órgão da aprendizagem.
De acordo com os dados da investigação, quer no âmbito da DA, quer no das
dificuldades de leitura (dislexia), habitualmente identificados, embora sejam coisas
diferentes, há entre eles campos e inter-relações básicas a ter em conta. No entanto,
muitas crianças que não aprendem a ler não apresentam dificuldades de aprendizagem
noutros conteúdos, enquanto outras revelam dificuldades em todas as áreas. Através da
investigação, constatou-se que podem surgir crianças disléxicas com quociente
intelectual superior à média, enquanto crianças deficientes mentais educáveis obtêm
níveis de competência na leitura.
A presente obra procura, preliminarmente, pôr em destaque os requisitos
psiconeurológicos fundamentais da aprendizagem simbólica, visando apresentar
posteriormente, em segundo volume, sugestões e ideias quanto a modelos de
identificação precoce, estratégias de planificação educacional,
14
INTRODUÇÃO
abordagens da intervenção reeducativa, processos de observação informal, de avaliação
contínua e de caracterização pedagógica, etc. , com a finalidade de virem a ser aplicados
no ensino de crianças com DA.
Trata-se, simultaneamente, de um livro de estudo e de um manual peda gógico
que pode ser útil e de interesse a educadores de infância, professores primários,
professores do ensino especial, reeducadores, professores do ensino secundário,
psicólogos, terapeutas, orientadores escolares, médicos escolares, pais, estudantes destas
áreas, etc.
Basicamente, resulta do trabalho que desenvolvemos e orientámos com a
colaboração de ex-alunos de Psicologia, quando fui rèsponsável pelo já extinto
Depártamento de Dificuldades de Aprendizagem na formação e pós- graduação de
professores do ensino especial no IAACF; durante os anos de 1976-1979. No Gabinete
de Estudos e Intervenção Psicopedagógica (GEIPP) do ISPA, démos continuidade a
outros projectos; porém, a exiguidade dos recursos e a incompreensão institucional não
permitiram ir mais longe.
Visto tratar-se de uma introdução, os diferentes capítulos não se encontram
analisados com a profundidade que o assunto réquer. De momento desejamos atrair
leitores na base de uma linguagem, tanto quanto possível, acessível e pedagógica,
porém muitas vezes simplificada, não podendo evitar, noutras passagens, a inclusão de
termos técnicos e científicos.
11. O livro está estruturado numa dimensão mais teórica, pois procura reunir novas
perspectivas com abordagens já publicadas em ar tigos dispersos em várias revistas e
que ágora se reunifica conceptualmente. Integramos aí aspectos introdutórios das DA
que englobam perspectivas integradas da aprendizagem humana, dados epidemiológicos
e etiológicos, taxonomia das DA, características das crianças com DA, estudos de
dislexia e do insucesso escolar, etc. Num segundo volume, e se este resultar, com uma
visão mais prática, procuraremos integrar aspectos da observação, do diagnóstico e da
intervenção reeducativa, para além de apresentar alguns dados dos nossos mais recentes
trabalhos de investigação.
Não podemos deixar de focar que este trabalho resulta de uma certa contestação
ao que se tem feito em Portugal, que neste domínio é preferenciado por perspectivas
francesas. Em certa medida, é um compromisso que assumimos com a nossa formação
de pós-licenciado [Master of Arts (MA)) em DA e em Educação Especial pela
Universidade de Northwestern-Evanston, Chicago.
No interesse das crianças com DA, não meramente em afirmações pes soais ou
em defesa de ucorrentes" pedagógicas, aqui abrimos um conjunto de estudos sobre o
tema.
Os nossos trabalhos visam e procuram essencialmente a troca de processos e
ideias que possam vir a contribuir para maximizar e modificabilizar o potencial
simbólicó e cognitivo das crianças e, assim, optimizar a sua intervenção social e futura
num mundo onde, de facto, a alfabetização e a cognição são condição sine qua non da
liberdade humana.
IS
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGbGICA
O CamPO das DA evoluirá, quanto a nós, na razão directa dos resultados
da investigação. É este o futuro desafio, e vai ser neste sentido que vamos dirigir o
nosso esforço continuado, mesmo que momentaneamente seja rejeitado ou
incompreendido.
A todos os nossos alunos do IAACF e do ISPA um obrigado especial
la motivação que constituíram. não só pelas leituras necessárias que exige
a preparação das suas aulas, bem como pelas reflexões e debates que nelas surgiram.
A todos os professores primários e secundários, professores do ensino es ial e
psicólogos, que vão tendo a atenção, a paciência e a curiosidade pe o que vamos
transmiúndo em inúmeras acções de formação, outro obrigado pelos subsídios que
deixam nos nossos diálogos realizadores. Aos nossos colegas de trabalho e amigos
Nelson Mendes, Maria Ceci ia Corrêa Mendes, Arquimedes Silva Santos, Ramos
Lampreia, Olga Miranda, Helena Se ueira, Vítor Soares e mais elementos do ex-
Gabinete de Estudos e In rvenção Psicopedagógica do ISPA, um agradecimento
significativo pela dinâmica das nossas conversas e das nossas realizações, bem como
pelas sugestões de alteração do texto, que em muito permitiram o alargamento, o
refmamento e o aprofundamento das ideias que agora se materializam.
12. Outm agradecimento indispensável e necessário estende-se ao projecto
CLiMEFIRE em prol da reabilitação humana em Portugal, onde se abrem perspectivas
verdadeiramente ímpares para concretizar as ideias aqui ex ostas. Principalmente aos
seus responsáveis e à equipa de terapeutas da Miniclínica e a todos os demais
colaboradores, um obrigado muito especial pelo que nos têm proporcionado.
Não podemos esquecer igualmente a acção estimuladora dos nossos
amigos e colegas espanhóis do CITAP (Centro de Investigação de Terapias A licadas à
Psicomotricidade) e italianos da SIPCOM (Società de Investig ione per la Patologia
della Comunicazione e della Motricità), pela solicitação que nos têm feito paca aí
realizar cursos de formação nesta área.
Este livro é, também, com a gratidão que é necessário realçar, o resultado
da compreensão de minha mulher por esta actividade e da tolerância dos meus filhos,
Saca, Rodrigo e João, por lhes ocupar o seu tempo livre em experiências, ou por lhes
coibir esse direito quando me solicitam e não os acompanho.
Um agradecimento inconcluso paca os meus reeducandos e respectivos
familiares, que muito nos têm ensinado e sem os quais este trabalho não seria possível.
16
CAPÍTULO 1
PASSADO E PRESENTE
NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Os grandes pioneiros
A investigação em DA tem sido controversa e fundamentalmente pouco
produúva no que respeita a um melhor controlo e a uma maior compreensão das suas
causas e consequências.
As teorias surgem escassas nas suas inter-relações, pois normalmente são
apresentadas unidimensionalmente, muitas vezes de acordo com a formação inicial dos
seus proponentes.
Historicamente, as perspectivas oferecem-nos outros tantos factores aliciantes de
análise e de reflexão. Se quisermos fazer uma análise histórica, necessariamente
superficial, a problemática das DA equaciona- se em paralelo com o desenvolvimento
das sociedades. Nos séculos xII e xtv a entrada para a escola dava-se por volta dos 13
anos. No século xv os Jesuítas estabeleceram a entrada para a escola aos sete anos e
criaram as classes de nível que podiam ter crianças de oito anos e adultos de 24. No
séeulo xv nos reinados de Luís XIII e Luís XIV, a entrada para a escola é criada aos
nove e aos cinco anos, respecúvamente. Em pleno século xvnI, as mudanças de atitude
decorrentes da filosofia de Rousseau e de Diderot levam ao ensino para todos e na base
da diversidade". Mais tarde, já nos séculos xrx e xx, as ideias de Montessori, Decroly,
Froebel, Dewey, Makarenko, Mendel, Freinet, etc. , e tantos outros, reforçam a
necessidade de a escola estar aberta à vida, ao mesmo tempo que devia ser obrigatória
para todos e não só para os filhos dos favorecidos ou privilegiados.
Na base desta simples abordagem, chega-se à conclusão de que a escola foi
impondo exigências, ao mesmo tempo que se foi abrindo a um maior número de
13. crianças, aumentando as taxas de escolarização, o que, como consequência, implicou
obviamente inúmeros processos de inadaptação. Quando os métodos que eram eficazes
pára a maioria não serviam, rapidamente se criava (e cria ainda hoje) processos de
selecção e de segregação para outras crianças.
17
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A escola pode humilhar, ameaçar e desencorajar, mais do que reforçar o Eu,
libertar ou encorajar a criança. Temos o hábito de dizer que mandamos as crianças para
a escola para aprenderem. O que se faz tradicionalmente é ensinar-lhes a pensar
erradamente, perdendo elas as suas espontaneidade e curiosidade, submetendo-as muitas
vezes a normas de rendimento e ef Icácia ou a métodos e correntes pedagógicas que
estão na moda.
As crianças não podem continuar a ser vítimas de métodos, por mais populares
que eles sejam. Temos de ajustar as condiÇões internas de aprendizagem, isto é, as
condições da criança (o que pressupõe um estudo aprofundado do seu desenvolvimento
biopsicossocial), às exigências das tarefas educacionais, ou seja, às condições externas
da aprendizagem, ou melhor, às condições de ensino inerentes ao professor e ao sistema
de ensino, ou seja, aos seus processos de transmissão cultural (Figura I).
Condiçdes externas
ENSINO
T smis o I
Assimila ão
CRIANÇA i
DISLEXIA - PROFESSOR DISPEDAGOGIA Processo de i
Sistema de ensino
aprendizagem
A comodação Aquisição
APRENDI7AGEM
Condiçdes intemas
Figura I - Interacção dos factores da aprendizagem humana
Na base da transmissão de conhecimentos estereotipados e de interesses
ideológicos dominantes perde-se a dimensão sublime e majestosa da educação, ou seja,
o direito que todas as crianças (verdadeiros pais dos adultos) têm à cultura, naturalmente
respeitando o seu perfil intraindividr al, a sua personalidade e a sua origem
sociocultural.
Já Binet e Simon, com base em estudos que mais tarde redundaram na
psicometria, reconheceram que muitas crianças não podiam seguir o ritmo (programas,
14. avaliação, etc. ) escolar normal, de onde surgiram as justiftcações científicas, para a
criação das famigeradas classes especiais".
Conclui-se, de facto, que, ao encararmos a problemática das DA, não as
podemos analisar sem a noção de que a escola, como instituição, é essen
18
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICU1. IlADES DE APRENDIZAGEM
cialmente reveladora dos problemas da criança e não dos seus atributos e competências.
A passagem da familia à escola primária constitui uma rotura muito significativa, uma
transição de ecossistemas. Trata-se de uma passagem brutal de um meio protector e
seguro para um meio aberto e quase sempre inseguro.
A solução passa obviamente pela democratização socioeconómica anterior à
escola, e evidentemente pela implementação de condições de segurança social e de um
ensino pré-primário de cobertura nacional que permita compensar a enormidade de
factores desviantes do desenvolvimento: subcultura, mediatização, nutrição, padrões de
adaptação, códigos linguísticos, estimulação do desenvolvimento neuropsicomotor,
facilitação de experiências interpessoais, etc. Sabe- se, por dados sociológicos, que tais
factores afectam mais as crianças de níveis socioeconómicos desfavorecidos, que, por
consequência, se encontram ainda mais inadaptadas e desestimadas no seio da escola e
dos seus processos pedagógicos.
A escola, com os seus professores e métodos, não pode continuar a legitimar as
diferenças socioeconómicas dos diferentes estratos sociais.
A ac ão preventiva é exterior à escola numa dimensão, e interior a ela noutra. E
dentro desta última perspectiva que me quero situar, não esquecendo que entre ambas, a
exterior e a interior, se passam inter- relações dialécticas muito complexas e que
obviamente se reflectem numa perspectiva mais ampla da problemática das DA1.
Do cruzamento destes vectores de análise sobre o problema ressaltam modelos
ideológicos e confusões conceptuais que complicam o quadro do caos semântico que
envolve os conceitos das DA e do insucesso escolar. A popularidade das justificações do
insucesso escolar, à base de modelos encantatórios e exclusivamente socializantes pode
levar a um simplismo perigoso ou à ilusão de progresso, originando consequentemente
medidas, decisões e serviços educacionais pouco eficazes.
A dúvida vem dos dois lados. De um lado a visão dogmática, que vê unicamente
um modelo de explicação das DA na base de um problema so cioeconómico. Do outro,
a perspectiva somática, que se baseia na infalibilidade e na incontestabilidade do
processo diagnóstico- intervenção.
Muito se descreve e investiga sobre as DA e o insucesso escolar, mas pouco ou
quase nada se fez para modificar a arterioesclerose, do sistema escolar, da propriedade
privada da classe, da invulnerabilidade autoritária do diagnóstico, da formação dos
professores e dos psicólogos e médicos escolares, etc.
As actuais teorias estão mais devotadas à descrição do que à prescrição,
tornando o diagnóstico um fim em si próprio, muitas vezes alienado de preocupações
investigativas, mas pouco centrado na avaliação dinâmica e na maximização do
potencial de aprendizagem da criança (ou do jovem) observados.
15. 1 Noutros capítulos - <<Etiologia e epidemiologia das dificuldades de
aprendizagem>> e <<Visão integrada da aprendizagem>> - apresentamos mais dados
deste problema.
19
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
A avaliação e a intervenção em DA são as duas faces do problema, devendo
entre elas edificar-se uma complementaridade dialéctica na defesa dos direitos da
criança. A preocupação pelas necessidades educacionais especificas (NEE) das crianças
pode ser menos dispendiosa e mais eficiente e rentável, na medida em que a decisão nos
parece muito simples, visto que está inequivocamente em causa a educabilidade máxima
dos seus potenciais simbóticos e cognitivos.
Compreender as funções desviantes das crianças com DA depende, quanto a nós,
de um fundamento teórico coerente e orientador de investigações sistemáticas, para
integrar pedagogicamente os dados obtidos de uma forma mais significativa.
É necessário destrinçar entre (crianças com DA>>1 e crianças normais>> a fim
de se eliminar as expectativas negativas resultantes do insucesso escolar>> e dos
resultados dos testes. Para nós, haverá hipóteses de identificar um padrão (cluster)
comportamental típico das crianças com DA; basta que para isso sejam produzidos
trabalhos interdisciplinares de investigação.
Tem-se encarado as DA na base de metodologias reeducativas (Fernald, Orton e
Gillingham, etc. ), de processos de informação (Kirk, Chalfant, Scheffelin, etc. ) de
processos escolares (Larsen, Bateman, Adelman), de metodologias sofisticadas
(McCarthy, Beecker e Engelman, Gentry e Haring) de processos neuropsicológicos
(Geschwind, Fried, Bakker, Masland, etc. ), etc. , cujos dados empíricos, encarados só
em si, alicerçam teorias de validade reeducativa questionável.
As críticas às teorias das DA são facilmente ilustradas não só pelos conceitos
unidimensionais ou unifactoriais que a caracterizam, mas também pela divergência
entre os diferentes profissionais, divergência essa intraprofissional e interprofissional.
Vejamos o primeiro aspecto, passando uma revista ligeira ao passado das DA
através da apresentação dos conceitos e teorias de alguns dos pioneiros mais
representativos.
As concepções unidimensionais iniciais tendiam para uma visão unidimensional,
de que são exemplo os modelos psiquiátricos, psicométricos, neuropsieológicos,
pedagogizantes ou socializantes exelusivistas. Dentro destes podemos destacar as
teorias de organização neurológica (Doman e Delaeato 1954, Zucman 1960, etc. ), as
teorias de dominância hemisférica (Orton 1931), as teorias perceptivas (Bender 1957,
Frostig 1966, Cruickshank 1931, 1972, Wepman 1969, etc. ). Estas teorias focam apenas
um aspecto das DA com exclusão de outras abordagens. É óbvio que tais concepções
estão inequiv amente marcadas pela sua limitação disciplinar.
Os estudos de Hallahan e Kauffman 1973, Myers e Hammill 1976, McCarthy e
McCarthy 1969, Jonhson e Myklebust 1967, e de outros, evidenciam claramente a
heterogeneidade da populaÇão das crianças com DA.
Mais à frente apresentamos várias definições da expressão.
20
16. PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
O modelo das teorias unidimensionais não respeita a interacção que está contida
no conceito das DA, na qual as condições internas (neurobiológicas) e as condições
externas (socioculturais) desempenham funções dialécticas (psicoemocionais) que estão
em jogo na aprendizagem humana.
Na aprendizagem humana, os factores psicobiológicos internos (da criança)
encontram-se, permanente e dialecticamente, em interacção com os factores situacionais
externos (da escola, do professor, etc. ); daí os conceitos de dispedagogia, tão relevantes
como os da dislexia.
Segundo Jeanne S. Chall 1979, o cenário anterior a 1950 e até 1960 nos Estados
Unidos era mais ou menos o seguinte: Se se verificasse uma dislexia, prúneiro ver o QI
(quociente intelectual). Se o QI era normal, ver os problemas emocionais. Se os
problemas emocionais não existiam, então ver a mãe ansiosa (pushy). Este cenário, que
se admite simplificado, ainda é muito praticado, ind pendentemente da posição
multicausal, que é assumida em inúmeros trabalhos da especialidade. Geralmente,
durante esse período, a possibilidade de um envolvimento neurológico ou de uma
inadequada intervenção do professor era quase sempre negligenciada e contestada.
Muito menos se faria referência a perspectivas de informação ou às perspectivas neuro e
psicolinguísticas.
Rabinovitch 1960 é talvez o primeiro investigador a integrar aspectos
neuropsiquiátricos no conceito da dislexia. Segundo o mesmo autor, o perfil da criança
disléxica pode ser provocado por:
1) Aspecto emocional - a capacidade está intacta, mas afectada por
influência exógena negativa;
2) Lesão cerebral - a capacidade de aprendizagem está afectada,
devido a uma lesão cerebral manifestada por défices neurológicos eviden tes (clearent
neurological deficits);
3) Verdadeira dificuldade de leitura - a capacidade de aprendizagem
da leitura está afectada, sém qualquer lesão cerebral detectada na anamnese ou no
exame neurológico.
Continuando com o mesmo autor, o defeito (defect) encontra-se na capacidade
para lidar com letras e palavras como símbolos, com uma capacidade diminuída para
integrar significativamente o material escrito. O problema parece refiectir um padrão de
organização neurológica basicamente perturbado. Porque a causa é biológica ou
endógena, estes casos são diagnosticados primariamente como deficientes. Nesta
afirmaçãó, feita há 20 anos, a explicação parte de uma pespectiva multifactorial, para
chegar a uma explicação unifactorial.
Imensas perspectivas ficam de fora, independentemente da validade de cada
uma, em que se torna necessário realçar, evidentemente, os trabalhos dos pioneiros. Na
nossa análise, qualquer campo de estudo não deve ignorar as pessoas e as ideias que
influenciaram o seu desenvolvimento. Dando continuidade a uma apresentação histórica
dos primeiros investigadores, iremos de seguida referir alguns segmentos das suas
perspectivas.
21
17. INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Perspectivas lesionais e cerebrais
ALFRED STRAUSS E HEINS WERNER
Os ioneiros Alfred Strauss e Heins Werner foram cientistas germânicos
que emigraram para os Estados Unidos após o regime nazista. O primeiro, psiquiatra e
professor da Universidade de Heidelberg, o segundo, psicólogo e professor da
Universidade de Hamburgo. Súauss passou por Barcelona de 1933 a 1936, onde
desenvolveu intensa actividade no campo, tendo abandonado a Espanha em plena guerra
civil, para se flxar no Michigan como psiquiatra investigador do Wayne Country
Training School. Werner passou pela Holanda e flxou-se mais tarde também em
Michigan. Ambos, e com diferentes perspectivas, iniciaram um trabalho de investigação
no âmbito das lesões cerebrais e da deflciência mental, aproveitando magistralmente os
dados e as conceptualizações dos trabalhos de Head (1926) e de Goldstein (1939).
Os trabalhos de Goldstein, em adultos cerebralmente traumatizados em
consequência de acidentes de guerra, influenciaram os estudos de Strauss e Werner em
crianças com lesões cerebrais. As características de comportamento encontradas nos
adultos, como por exemplo: comportamento concreto e imediatista, meticulosidade,
perseveração, confusão figura-fundo, reacções catastróficas, labilidade emocional,
desorientação, extremo asseio, desintegração das capacidades de categorização, etc. ,
levaram os dois autores alemães a inúmeras investigações, de que são conhecidos,
fundamentalmente, os estudos em crianças deficientes mentais. É devida a Strauss a
distinção entre deficientes mentais endógenos (indicando uma deficiência mental devida
a factores genéticos e/ou familiares) e deficientes exógenos (indicando uma deflciência
mental devida a déflces neurológicos provocados por doenças pré, peri ou pós-natais,
originando, consequentemente, lesões ou disfunções cerebrais de vários tipos).
Nesta linha, os seus estudos mais relevantes compreenderam a
comparação entre crianças endógenas e exógenas em várias tarefas, tendo chegado a
resultados que demonstravam que as crianças deficientes mentais exógenas
apresentavam:
1) um perfil desorganizado das funções perceptivo-motoras,
quer nas funções visuo-motoras (praxias com pérolas), quer auditivo-motoras
(reprodução vocal de padrões melódicos);
2) dificuldades na atenção selectiva com problemas de
discriminação entre estímulos relevantes e irrelevantes, ou seja, entre a figura e o fundo
na base de apresentações no taquitoscópio'
Aparelho que serve para medir a acuidade, a atenção, a discriminação e a
compreensão de estímulos visuais.
22
18. PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
3) traços de comportamento mais desinibidos, erráticos, impulsivos,
des controlados, sociopáticos e descoordenados, aos quais vieram associar-se os
conceitos de hiperactividade (Strauss e Kephart 1940).
Em resumo, as características psicológicas que Goldstein encontrou em adultos
lesados cerebralmente eram, de certa forma, idênticas às encontradas por Strauss e
Werner em crianças deficientes mentais, classificadas como exógenas. Com apoio
nestes trabalhos, surgiram métodos pedagógicos de grande interesse, como sejam os
inúmeros processos de aprendizagem baseados na atenuação e na minimização de
estímulos não essenciais ou irrelevantes que se encontram explicados em detalhe num
livro essencial, hoje clássico e fundamental para o estudo das DA - Psychopathology
and Education of the Brain Injured Child, 16. a edição, de Strauss e Lehtinen (1947).
Estes dois autores afu'nzam nesse livro que dado que a lesão orgânica é medicamente
intratável, os nossos esforços devem ser orientados em dois sentidos: na manipulação e
no controlo de envolvimentos superestimulados e na educação de crianças para
exercitarem o seu controlo voluntário.
Provavelmente, sem o trabalho destes dois autores, o campo da defi ciência
mental seria visto num contexto homogéneo, quando a investigação prova a existência
de significativas diferenças entre a deficiência mental e as DA. Devem-se a estes
autores recomendações de grande significado para a compreensão do problema. Ambos
os autores advogaram que é necessário equacionar o campo das DA na perspectiva da
psicologia do desenvolvimento. E mais: para eles, a evolução no terreno poderia ser
alcançada na base de um estudo comparativo entre a psicologia da criança normal e a
psicologia da criança deficiente mental.
Para Werner, especiflcamente, é preciso ir mais além dos resultados nos testes
estandardizados, i. e. , não basta quantificar (quocientizar); é necessário analisar os
processos mentais e os processos de assimilação, conservação e utilização da
informação que estão por detrás dos resultados que a criança atinge nos testes.
Strauss e Werner, há 40 anos, já preconizavam uma análise funcional na
abordagem psicológica e educacional da criança deficiente mental. Não há diferença
nenhuma entre esta abordagem e a que se faz, ou pelo menos, a que se devia fazer,
actualmente no campo das DA. De acordo com estes aspectos, e segundo os mesmos
autores, não basta preocuparmo-nos com o resultado num teste ou num subteste, mais
sim preocuparmo-nos com como a criança realizou e atingiu tal resultado. Em
complemento, o que é evidente e importante. no diagnóstico são as situações críticas
que evidenciam deternúnados distúrbios funcionais.
O alcance psicopedagógico desta dimensão é notável, principalmente pelo que se
pode retirar guanto à planificação educacional a prescrever.
Cada criança deve ser avaliada nas suas possibilidades ou facilidades (abilities) e
nas suas dificuldades (disabilities). Não há dúvida de que a partir
23
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
19. daqui podemos organizar métodos, técnicas, materiais e processos que obviamente se
terão de ajustar às necessidades educacionais (perceptivas, linguísticas, simbólicas e
cognitivas) específicas das crianças.
As recomendações destes pioneiros continuam válidas 50 anos depois, tão
válidas e intrínsecas que em muitos centros de diagnóstico e de reeducação ainda não
foram tomadas em consideraçãn.
Perspectivas perceptivo-motoras das DA
William Cruickshank, Newell Kephart, Gerald Getman, Ray Barsch, Marianne
Frostig, Glenn Doman e Carl Delacato
Estes sete autores, quatro dos quais já abordámos deferencialmente noutro livro
(Fonseca e Mendes 1978), são reconhecidos como os defensores das teorias perceptivo-motoras
no campo das DA.
CRUICKSHANK
Cruickshank apresenta os seus trabalhos com crianças paralíticas cerebrais, de
QI próximos da média, experimentalmente comparadas com crianças não deficientes,
tendo demonstrado que tais crianças revelam os seguintes traços comportamentais:
dificuldades de discriminação figura-fundo, de formação de conceitos, de
visuomotricidade e de tactilomotricidade, etc. , confirmando, em certa medida, os
resultados que Werner e Strauss obtiveram com crianças classificadas como exógenas.
Este autor, nas suas inúmeras investigações, defendeu a ideia de que é necessário fazer
uma transicaçâo conceptual entre as crianças com paralisia cerebral (que são lesadas
cerebralmente) e as crianças com inteligência próxima do normal, exibindo
características de comportamento muitas vezes associadas a lesões cerebrais mínimas
(minimal brain damage), mas nas quais não se pode, objectivamente, assegurar que
sofrem de lesão do sistema ner oso central.
Estas crianças, frequentemente designadas por crianças com lesões cerebrais
mínimas, (LCM) (minimal brain injured, Hallahan e Cruickshank 1973) são hoje
consideradas crianças com DA. Em muitos casos, e a literatura é ambígua e confusa
nessa matéria, é impossível em termos históricos relacionar os estudos e as
investigações realizados com crianças com LCM e com crianças com DA. De qualquer
forma, a espressão LCM é destituída de significação educacional, para além do estigma
que cria e da expectativa negativa dos pais e dos professores, pois alimenta a noção de
que o problema é irrecuperável.
Por tudo isto, é preferívei optar pela expressão DA; pelo menos, parece-nos mais
adequado educacionalmente. Cruickshank é conhecido como um pioneiro no campo da
tecnologia pedagógica e da arquitectura do envolvi
24
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
20. mento estruturado da classe, nomeadamente com os materiais e cubículos que criou para
reduzir os estímulos distrácteis dentro da sala de aula (ou na classe), tendo ainda
implementado processos de modificação de comportamento e processos de reforço
contingente no campo das DA.
Kephart, Getman, Barsch e Frostig são autores a que já nos referimos noutro
trabalho (Fonseca e Mendes 1978); no entanto, convém dizer que são, em conjunto,
defensores de uma perspectiva perceptivomotora integrada como meio de intervenção
no âmbito das DA.
KEPHART
Kephart, com o seu livro The Slow Learner in the Classroom, apresenta um
contributo filogenético no processo de aprendizagem humana, tomando como alicerce
duas teorias de Hebb: a da proporção entre o córtex associativo e o córtex sensorial (A/S
ratio), e a da função associativa do córtex (cell assembly).
Segundo o mesmo autor, e de acordo com Hebb, Hunt, Pribram, Kendlery, etc. ,
o organismo humano, devido à grande diferença entre o córtex associativo e o córtex
sensorial, ou entre os sistemas cerebrais intrínsecos ou extrínsecos, é capaz de atingir
comportamentos muito complexos, mas só quando estão adquiridos comportamentos
mais elementares e cumulativos. Tais aquisições evidenciam a hierarquia e a interacção
entre os processos sensóriomotores e os processos perceptivo- motores, naturalmente
pondo em relevo o papel da estimulação precoce e das oportunidades de aprendizagem
no desenvolvimento intelectual posterior.
ECEPÇÃO Presente EXPRESSÃO Input INTEGRAÇÃO Output Estímulo
Resposta
Passado
Feedback
Resposta muscular MOTRICIDADE
Figura 2 - Modelo perceptivo-motor, de Kephart
25
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Kephart, para além do seu trabalho no domínio da perceptivomotricidade é
também responsável por uma teoria perceptiva baseada num modelo semelhante a um
servomecanismo, defendendo que os sistemas de input (sensação e percepção) são
inseparáveis do output (motricidade). Noutras palavras, a percepção é indissociável da
resposta motora - não podemos pensar em actividade perceptiva e em actividade
motora como dois aspectos diferentes; devemos pensar no termo hifenizado integrado
perceptivo-motricidade (Kephart 1960, ver modelo atrás).
Kephart defendeu, portanto, que as funções intelectuais superiores, como a
simbolização e a conceptualização, dependem de aquisições perceptivomotoras básicas,
que por si próprias podem manifestar problemas e défices. Em dois dos nossos
21. anteriores trabalhos (Fonseca 1977 e Mendes e Fonseca 1978) avançamos com aspectos
mais concretos sobre esta perspectiva psicomotora.
GETMAN
Getman, optometrista e colaborador de Kephart, é responsável por um modelo
de desenvolvimento visuomotor e por técnicas apropriadas de grande interesse
educativo: Getman, influenciado por Renshaw e por Gesell, é co-autor de livros
importantíssimos - Vision: Its Development in Infant and Child; The Physiology of
Readiness, que adiantaram inúmeros subsídios ao campo das DA já publicados algures
(Mendes e Fonseca 1978 e Fonseca e colaboradores 1978).
BARSCH
Barsch, criador da teoria movigenética, também influenciado por Strauss e
Getman, baseia o seu trabalho numa perspectiva de padrões espaciais de movimento
que, segundo ele, são as bases fisiológicas da aprendizagem. Tais componentes e
dimensões do curriculo movigenético são os seguintes: força muscular, equih'brio
dinâmico, consciência espacial, consciência corporal, dinâmica visual, dinâmica
auditiva, dinâmica tactiloquinestésica, bilateralidade, ritmo, flexibilidade e planificação
motora, também analisados anteriormente (Mendes e Fonseca 1978).
FROSTIG
Frostig, reconhecida como desenvolvimentalista, é criadora de testes e de
processos de reeducação, tendo já sido abordada num dos nossos livros (Mendes e
Fonseca 1978) e num dos projectos de investigação (Fonseca e colaboradores 1978):
26
c
pTfVO ou SENSORIAL Cleitu al
1 SNO ou MOTOR (es l COMPETÈNCIA
COMP EN C COMPEl NCIA COMPETENCiA TÁCIlL
VISUAL
AUDITIVA
MOBILm E LINGUAGEM IpNUAL
Leitura de palavras com Compreende Identifica objectos
y
Escreve com uma com a mão 0
Vocabulátìo o olho dominante va u) "o e frases dominante
5up r:o (5) Uúlização de umaadequado mão, de aco rio om Co o ade9 do
0 % m l%a) donunan e Idenúficaçáo " "r" pelo tacto
2QQO palavras Função bimanual stmbolos visuais de 2000 P av s
5- 22m Mdar e corter num Pe nenas frases (dexValidade)e de leuas e de
frases simp (.
VIM 46m padrão assimétrico Diferenci ão táctil
L - 67m Com reende 10-25
22. ç Diferenciação de p
T 10-25 atavras 0 si ão cortical5im los visuais palavras e frases
5- t3m Andar com os F ses de três e manual semelhantes de 2palavr
M o "'
V E - 28m br os em balanç p avr gilateralidade '1
L ompree
IV M -16m n
braços afastados p reCi ão da
L - 2a m A reciação de sons p
pteensão de objectos Apr<<iação dos psigni0caúvos
sensação gnó
Criação de sons
L - li m mãos e oen percepção n 't""" sensaçóv ss %t!
Choro vital em Larga objectosgestalts estranhos
pOI 5- t m Rep çao relação a situações b
II M Z, 5m 5im t"Ca de neaça Rellexo de Babinski
L - 4, 5m Reflexo à luz Reflexo de Moro
Choro ReOexo de pr nsão
I MEDULA Nascimemo Movime ó 5bra os
Figura 3- Perf Il de desenvolvimento neurológico
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
DOMAN E DELACATO
Doman e Delacato são autores contestados. O primeiro, fisioterapeuta, e o
segundo, psicólogo escolar, são responsáveis por uma teoria de organização
neurológica (ver Figura 3). O seu trabalho The Treatment and Prevention of Reading
Problems é uma adaptação de Gesell e de Temple Fay (neurocirurgião). As suas teorias
criadas para intervir em crianças com lesões cerebrais são alicerçadas em cinco
premissas:
1) Pôr a criança no chão para treinar actividades que
reeduquem as áreas lesadas cerebralmente;
2) Manipular externamente o corpo em padrões
corporais característicos da lesão cerebral;
3) Treinar dominância hemisférica e a unilateralidade;
4) Administrar terapia de dióxido de carbono (o COz,
segundo Fay, pode contribuir para a dilatação das veias, facilitando assim a cir culação
cerebral);
5) Estimular os sentidos para melhorar a consciência corporal.
Estes autores criaram o Institute for the Achievement of Human Potencial e
atingiram grande popularidade, independentemente de grandes críticas da parte de
médicos, psicólogos e professores. Na base da sua teoria desencadearam-se grandes
debates e controvérsias, exactamente por certos singularismos, nomeadamente os da
23. ontogénese do cérebro e da localização funcional, bem como os da eficiência dos seus
métodos de tratamento.
1
zy
3
[ Figura 4- Esquema de organização neuroló gica. Os números
identificam os níveis neuro I lógicos inferiores que afectam os níveis
i superiores, que em contrapartida são afectados
[ por aqueles. A inoperância de um nível supe rior torna dominante
o nível imediatamente
inferior (Doman e Delacato)
s.
28
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Perspectivas de finguagem
Samuel Orton, Katrina de Hirsch, Samuel Kirk e Helmer Myklebust
Durante algum tempo os principais pioneiros no campo das DA sofreram grande
influência dos trabalhos de Strauss e Werner, mais inclinados para as perspectivas
perceptivomotoras (ou psicomotoras, visto que no fundo a significação conceptual se
encontra próxima deste termo de raiz francesa, como sabemos, e sobre os quais já
desenvolvemos vários trabalhos (Fonseca 1977, 1978, 1979).
Constatou-se historicamente, numa análise crítica, que pouca atenção se tinha
dedicado aos problemas da linguagem, sabendo-se que é hoje inegável o papel da
linguagem no desenvolvimento global da criança, como é indubitável a relevância das
funções receptivas e expressivas da linguagem na comPreensão das DA.
E incontestável que os problemas de linguagem (compreensão auditiva, fala,
leitura e escrita) se encontram envolvidos preferencialmente no âmbito das DA; todavia,
o estudo aprofundado das suas variáveis não foi tomado em consideração nos primeiros
trabalhos mais de índole perceptivomotora, como acabamos de ver, dada a influência
marcante de Strauss e Werner.
SAMUEL ORTON
Em 1930, independentemente de ser contemporâneo dos dois autores ale mães,
Samuel Orton, um neuropatologista, iniciou os seus estudos sobre os efeitos das lesões
cerebrais na linguagem, utilizando para o efeito as primeiras comparações entre adultos
e crianças.
Orton postulava a implicação hereditária da dislexia, para além de situar e
localizar as repercussões das lesões cerebrais na linguagem. No seu livro clássieo
Reading, Writing and Speech, Problems in Children (1937) p8s em destaque as
influências psicológicas e envolvimentais no desenvolvimento da linguagem, para além
de dar relevância à integração motora (motor integrating) da dominância hemisférica.
24. Para este autor, a lentidão na aquisição ou a disfunção da dominância hemisférica
podem provocar atrasos e dificuldades na aprendizagem da leitura, suportando a
necessidade de uma maturação e de uma hierarquização na dominância hemisférica e na
preferência manual.
Orton provou que todos os seus cásos disléxicos apresentavam uma ambi dextria
revelada pela hesitação, a inconstância e a descoordenação da lateralidade. As mesmás
crianças evidenciavam necessariamente dificuldades no plano da dextralidade,
impedindo-as de realizar tarefas com ambas as mãos, pois não se verificavam nelas as
divisões funcionais: iniciativa-auxilio, força-suporte, movimento-postura, etc. , que são
a manifestação de uma dominância hemisfériea, por um lado, e de uma cofunção
integrada e inter-hemisférica por outro.
29
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Enquanto não se estabelecer a lateralização no plano motor, segundo Orton,
podem deparar-se-lhes inversões (omissões, substituições, adições, confusões,
repetições, etc. ) na leitura. As inversões surgem, visto que as palavras são armazenadas
(recorded) no hemisfério não dominante, e consequentemente o indivíduo pode trocar b
com d, q com up", u com n, 6 com 9 ou as suas combinações dão lido como bão",
pai como qai", 69" lido como 96", etc. (casos de estrefossimbolia').
Sem ter adquirido uma dominância hemisférica, a criança pode experimentar
uma grande confusão, e portanto diflculdades na aprendizagem da leitura. Estas
afirmações de Orton são hoje incontestáveis, visto saber-se que a mielinização do
hemisfério esquerdo se inicia por volta dos seis anos (Killen 1978), sendo posterior à do
hemisfério direito, o que põe em relevo o papel preventivo e facilitador da
psicomotricidade na obtenção da laterali dade, principalmente quando tal intervenção é
assegurada no período pré- primário. As técnicas que Orton recomenda para superar
estes problemas são ainda consideravelmente utilizadas, para além da motivação que
constitui o seu notável trabalho, do qual resultaram métodos pedagógicos e reeducativos
(Orton-Gillingham, Approach to Teaching Reading).
Os seus métodos resultam da noção que Orton tem do Homem, veriftcando que a
sua superioridade depende essencialmente de dois factores:
1) A comunicação com os outros seres da sua espécie
2) A dextralidade manual (tool user), dependente da
assimetria funcional que está na base do desenvolvimento tecnológico da Humanidade.
É preciso notar, no entanto, que estes dois factores são controlados normalmente
num dos dois hemisférios e, em 94% dos casos, no hemisfério esquerdo.
As expressões emocionais e gestuais, de raiz instintiva, iniciam-se muito cedo no
desenvolvimento do Homem (de forma quase idêntica à dos animais); porém, a
linguagem simbólica é muito mais complexa e depende quase sempre da socialização.
A linguagem falada na raça humana surge sempre antes da linguagem escrita. De
facto, para Orton a linguagem simbólica é uma série de sons e de sinais que servem
para substituir objectos e conceitos, podendo ser utilizadas para transferir e transmitir
ideias".
25. A faculdade da linguagem (language faculty) - e este aspecto foi o que mais
preocupou Orton - decorre de quatro estádios de desenvolvimento, a saber:
1) Compreensão da linguagem falada; 2) Sua reprodução;
3 Compreensão da linguagem escrita; 4) Sua reprodução.
1 Estrefossimbolia - confusão percepávovisual caracterizada pela tendência de
orientar simbolos numa direcção similar, mas oposta (escrita em espelho) (Orton).
30
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Onon apresenta a evolução da linguagem em termos filogenéticos e ontogénicos,
indo buscar dados à antropologia e à sua experiência de neuroanatomista. A evolução da
linguagem na criança começa a partir das lalações, desenvolvendo-se à medida que o
mecanismo motor da fala se vai integrando com os centros auditivos, a fim de produzir
ecos dos sons vocais dos outros (ecolalias), sem se dar, todavia, a compreensão da sua
significação. Mais tarde, a associação de sons a objectos ou ideias que os representam
vai-se operando em paralelo com a expansão do vocabulário, desde os nomes até às
frases, passando pelos verbos. Passará depois gradualmente para eswturas de linguagem
mais longas e mais complexas. Só por volta dos seis anos a criança estará capaz de se
adaptar a outros símbolos da linguagem, iniciando, então, os processos da leitura e da
escrita, que corres
3 - 2. o ginu jronta! e girus
precentral - cenrm grafomotor
4- 3. " convodução jrontal '
1- Girus angutar (área de Broca) - - cenuo de leitura
- cenun do conunlo
motor da fala
:. ::: : : : 1
:: ::. . . :,
FúMISFÉRlO ' '
ESQUERIlO 2 - 2. e 3. 8i - temOoraliscentro
de compreensão das palavras e da5 frases
I
I-lEMISFÉRIO DIREITO
Figura 5 - O hemisfério esquerdo e o hemisfério direito. Um responsável pelas funções
verbais, ouvo pelas funções não verbais. No hemisfério esquerdo encontram-se
assinaladas, segundo Onon, as quatro áreas fundamentais da linguagem
26. 31
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
pondem, segundo Orton, à maturidade anatómica ou fisiológica da região do girus
angular, verdadeiro centro da leitura, ou centro privilegiado de associação
neurossensorial, localizado no primeiro sulco temporal do hemisfério dominante.
Através dos seus trabalhos de autópsia confirmou os seguintes teoremas:
1) A área da lesão é mais importante do que a quantidade de tecidos
des truídos, reforçando a importância das áreas críticas da linguagem;
2) As lesões do hemisfério esquerdo são mais severas quanto
aos problemas da fala ou da leitura, enquanto as mesmas lesões no hemisfério não
dominante não provocam desordens na linguagem.
Com estes fundamentos, Orton preconizou processos de aprendizagem de ordem
analítica e fonética, visto ter provado que as crianças disléxicas não apresentavam (?)
diflculdades na linguagem falada. Ele começou por ensinar os equivalentes fonéticos
das letras impressas (relação fonema-grafema). O som da letra foi associado à
apresentação de uma ficha com a letra escrita, levando a criança a repetir o som da letra,
até a aprender. Tratava-se de um processo caracterizado por uma estimulação auditiva,
seguida de uma estimulação visual (ficha), culminando numa resposta (repetição) verbal
do som da letra. Podia-se e devia-se utilizar igualmente o gesto (padrão
tactiloquinestésico) traçando a letra com o indicador, ao mesmo tempo que a criança
reproduzia o som da letra. Primeiro os sons das consoantes com as várias vogais e as
suas associações adequadas, depois a introdução das sequências exactas da esquerda
para a direita, conforme surgem nas palavras. A criança progredirá na leitura oral, de
acordo com Orton, utilizando as unidades" e combinações fonéticas, asabas com várias
significações, as familias de palavras, os prefixos e sufixos, as derivações simples e as
construções gramaticais, etc.
Para Orton e os seus colaboradores iniciais- Gillingham, Stillman, etc.
-, a utilização do método global pode estar contra-indicada para crianças disléxicas
visuais (word blindness ou diseidéticas), dado que a palavra no seu todo (gestalt) as
confunde e as prejudica.
Orton pôs em evidência o papel da identificação precoce e da intervenção
preventiva, combatendo claramente os progt-antas de reeducação que só se iniciam três
anos mais tarde. Neste sentido Orton sugeriu a identificação na escola pré-primária dos
seguintes tipos de crianças:
1) Crianças com manifestações de gaguez ou de atcaso de fala; 2) Crianças com
dificuldades na compreensão auditiva;
3) Crianças dispráxicas (problemas de coordenação de movimentos); 4) Crianças
com histórias familiares de canhotismo ou com atrasos de linguagem.
Para Orton, muitos dos atrasos e dificuldades no desenvolvimento da linguagem
são função de um desvio no processo da superioridade unilateral
27. 32
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
do cérebro e de factores hereditários. O seu credo (Orton's credo) aponta para que cada
desordem tenha o seu método específico de reeducação: se efectivamente formos
suficientemente perspicazes no diagnóstico e se provarmos que somos suficientemente
"inteligentes" para desenvolvermos métodos de treino adequados para satisfazer as
necessidades de cada caso particular, então os problemas podem ser superados".
Orton, ao contrário de Strauss e Werner, não atraiu tantos discípulos; no entanto,
a sua obra foi reconhecida após a sua morte com a criação da Orton Society (OS).
A OS é uma das organizações mais dedicadas ao estudo das dificuldades
específicas da linguagem (DEL) e das dificuldades de aprendizagem (DA). Estes dois
conceitos, todavia, não devem ser confundidos. As DEL consideram os aspectos
receptivos, integrativos e expressivos da linguagem. As DA podem compreender
aspectos mais globais, i. e. , não verbais, práxicos e outros aspectos cognitivos e
simbólicos, como por exemplo as aquisições (skills) necessárias ao cálculo.
A sociedade criada em nome de Samuel Orton, a quem se deve um dos primeiros
trabalhos de investigação neste domínio, compreende como mem bros não só
educadores como médicos, psicólogos, pais, isto é, todos os que se interessam em
proporcionar oportunidades educacionais às crianças com problemas de linguagem e de
aprendizagem.
A sociedade tem vários ramos espalhados pela maioria dos estados da América
do Norte, que são perfeitamente autónomos cientificamente. A sociedade mantém um
boletim anual e outras monografias de grande pro fundidade científica, reconhecidos
inclusivamente nos países socialistas, como provam os inúmeros artigos publicados no
boletim por autores russos, checos, polacos, etc.
Outro aspecto importante da sua acção compreende a realização de conferências
anuais iniciadas a partir de 1949, para as quais são convidados especialistas de todo o
mundo.
A função da Orton Society é predominantemente científica e não propagandista
ou reducionista, no sentido de defender um sistema reeducativo oficial ou especial.
Procura ver as necessidades da criança quanto ao processo de aprendizagem e não
defender um processo exclusivo de reeducação. A OS defende que a sua sobrevivência
depende do convívio e da comunicação científica entre proftssionais que directa ou
indirectamente se interessem pelos problemas de aprendizagem da linguagem. Um dos
seus objectos fundamentais é a promoção da investigação e dos meios de prevenção e
identificação precoces, quer no campo do diagnóstico, quer no campo da intervenção
pedagógica, quer ainda no campo das DEL, que são designadas correntemente por
dislexia (DL). Este interesse científico tem crescido e evoluído, e para isso têm
contribuído inúmeros investigadores, psicólogos, pedagogos e educadores que
anualmente nas conferências divulgám e debatem os seus resultados, exemplo que em
vários campos culturais devia ser seguido.
33
lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
28. Como causas mais relevantes para as DEL, a OS coloca as seguintes:
1) Atraso na aquisição das primeiras palavras;
2) Fala inadequada;
3) Dificuldade de aprendizagem e de retenção (memória) das
palavras impressas
4) Inversões e rotações na escrita e omissões e substituições na leitura; 5)
Repetição de erros ortográficos;
6) Problemas de lateralização e dominância cerebral;
7) Confusão em seguir instruções e direcções, quer no
espaço, quer no tempo, como, por exemplo, direita e esquerda, em cima e em baixo,
ontem e amanhã;
8) Dificuldade em encontrar a palavra adequada na expressão oral; 9) Escrita
ilegível e incompreensível,
para referir os mais significativos.
E evidente que a OS compreende uma associação científica de grande
significado humano. De facto, só podemos considerar que ascendemos ao estudo do
Homo sapiens a partir do momento em que se domina um código visuofonético, que
converte a linguagem falada em linguagem escrita. Quando não atingimos esse nível
multissensorial simbólico, justificativo de toda a evolução humana, e no fim, de toda a
civilização, o nível de domínio da realidade é apenas o do Homo habilis.
A Orton Society (OS) procura, no fundo, combater o analfabetismo, como
realidade universal, dado que provavelmente" dois terços da população mundial ainda
não conseguem ler nem escrever. Conseguú ler e escrever é um direito humano
fundamental que deve ser edificado com base no respeito pela dignidade humana. Só
através da leitura e da escrita independentemente operadas o ser humano compreenderá
a dialéctica da natureza e respeitará a civilização. É óbvio que aqui se ligam aspectos
sociopolíticos e socioculturais que tardam em ser resolvidos internacionalmente.
Para compreender o problema é necessário partir de um princípio básico. Muitos
cientistas dos países desenvolvidos acreditam que 10%, ou mais, das crianças em
situação escolar actual evidenciam problemas de aprendizagem da linguagem. Para
Portugal o número estimado é, para já, superior, o que equivale aproximadamente a 100
000 crianças na escolaridade primária. As crianças com DEL, independentemente de
serem normais e mesmo até com uma inteligência superior à média, não conseguem
aprender a ler e a escrever por métodos tradicionais, dado que eles não se adequam ao
seu perfil de aprendizagem e, por consequência, às suas necessidades e diferenças.
A DL é uma condição, não uma doença, que deve ser atendida e compreendida
por todos, e principalmente por pedagogos. As crianças com DL não podem aprender
com métodos tradicionais, ou em moda. Estas crianças, se não forem identificadas
precocemente, encontram-se em risco. Tendem ao insuces
34
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
so escolar, a ter problemas emocionais, perdem a sua identidade- criatividade e surgem
com problemas de adaptação social. São normalmente incompfeendidas por todos, e
29. muito especialmente por pais e professores. Se esta espiral de conflitos não for resolvida
no momento oportuno, o fundo do problema poderá ser a delinquência ou outra
predisposição sociopática.
A escola afecta toda a gente, mas especialmente estas crianças, que precisam de
métodos adaptados às suas condições e não de empirismos e intuições em que muitas
vezes se cai, dada a falta de conhecimento científlcopedagógico que circula nas nossas
escolas. Não é de admirar esta situação, na medida em que nas universidades ou nas
escolas de formação de professores pouco se tem feito para estimular a sua formação
científica avançada. Formação essa que tem de partir do estudo de problemas de
comportamento, de aprendizagem, de desenvolvimento, de neurolinguística,
psicolinguística, etc. , que não se compadecem só com os estudos históricofilosóficos. É
cada vez mais urgente edificar uma investigação pedagógica interdisciplinar para apoiar
a formação em exercício e operar medidas de prevenção, dando no fundo continuidade à
obra de Orton.
Voltando à Orton Society, é evidente que ela, como associação científica,
interessa a pais, médicos, psicólogos, professores, directores escolares, políticos e
nesponsáveis administrativos e ao cidadão em geral. Aos pais, porque muitas vezes a
sua ansiedade pode prejudicar as expectactivas quanto aos seus filhos, que, sendo
inteligentes, podem, porém, não apresentar resultados escolares satisfatórios,
provavelmente porque a metodologia pedagógica não se adapta às suas necessidades ou
aos seus problemas peculiares. Interessa a médicos e a psicólogos, porque poderão
detectar precocemente sinais de desenvolvimento e de aprendizagem e evitar problemas
de desajustamento emocional e de inadaptação sociocultural. A professores e
responsáveis administrativos, porque assim podem reconhecer a necessidade da
formação contínua e a criação de condições e de opoztunidades para que todas as
crianças portuguesas possam ser culturizadas e alfabetizadas. O professor em geral deve
ter consciência do problema, na medida em que tem de contar sempre com 10% das
crianças da sua classe com problemas ou distúrbios de aprendizagem.
A OS, através do encorajamento que tem proporcionado à causa da prevenção
das DA, encontra-se numa situação qualificada para alertar para vários problemas.
Dentro desses problemas, os mais relevantes são os seguintes:
1) A elevada percentagem de crìanças que não têm a quantidade e a
qua lidade de experiências sensoriomotoras e perceptivomotoras que de verão decorrer
naturalmente desde o nascimento até à entrada para a escola primária. Para evitar esta
situação dramática, a maioria dos países civilizados adoptou legislação para tornar
obrigatória a escolaridade a partir dos três anos, e não dos seis anos. Em Portugal, por
exemplo, a situação do ensino pré-primário continua a ser apenas pen
35
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG6GICA
sada nos gabinetes. É urgente, como meio preventivo de DA, criar em Portugal
um ensino pré-primário com um cumculo pensado à luz de uma investigação
psicopedagógica e que tenha como base os processos de maturação psicológica e os
processos de informação e des nvolvimento percepávo (auditivo e visual), linguístico
(fonético, semântico e sintáxico), motor (global e fino) e emocional (confiança,
iniciativa, autonomia, segurança, etc. );
30. 2) O cuidado especial que deve merecer a alimentação das
crianças em situação de aprendizagem. Uma carência caloricoproteica pode afectar
gravemente as condições de escolarização. A escola primária portuguesa deveria pensar
num suplemento nutritivo, principalmente às crianças de meios desfavorecidos e que
devem igualmente ser educadas em função das suas necessidades. Muitos problemas de
atenção, hiperactividade e comportamento seriam rapidamente resolvidos com uma
nutrição mais qualitativa;
3) Outro problema importante põe em destaque o insucesso escolar
pro vocado por repetências crónicas, cujo efeito na higiene mental das crianças ou dos
jovens pode ser causador de sentimentos de inferio ridade, de autodesvalorização, etc. O
gosto pela cultura contrói-se na escola primária, na medida em que a cultura deve ser
vista não como uma forma selectiva de oportunidades, mas como meio de libertação e
realização das crianças. Daqui decorre uma transformação de currículos escolares
proporcionando nos casos em risco" programas individualizados de aprendizagem e de
enriquecimento curricular, evitando formas desumanas e pouco dignas de segregação e
de humilhação;
4) A necessidade de uma formação universitária dos professores
primá rios, pois não trabalham com coisas ou objectos, mas com seres humanos
candidatos à hominização. A dignidade de um país passa pela sua cultura vivida e
multiplicada e os primeiros a fazê-la têm de ser bem estimados e acarinhados, a flm de
se lhes exigir níveis de intervenção mais qualificados cientificamente. É pelos
professores primários que se pode combater o analfabetismo funcional (de crianças e de
adultos) que entre nós é assustador e comprometedor em várias dimensões
socioculturais e socioeconómicas.
KATRINA DE HIRSCH
Outro impo tante vulto no estudo das DA é Katrina de Hirsch. Com a influência
dos gestaltistas (Goldstein, Werthein, etc. ) e com formação em Patolngia da Fala, no
Hospital de Doenças Nervosas de Londres, K. de Hirsch desenvolve intensa actividade
com crianças afásicas, com uma grande prática nos domínios das disfunções
neurológicas. Tendo sido a fundadora
36
PASSADO E PRESEME NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
da primeira clínica de desordens da linguagem nos Estados Unidos (Pediatric Language
Disorder Clinic - Columbia Medical Center), esta pioneira pode ser considerada, como
Orton e Myklebust, uma especialista da disfunção da fala, tendo nessa linha investigado
os défices, recepúvos e expressivos, da linguagem em crianças disléxicas.
Dentro de tais défices, conseguiu detectar os seguintes:
1) Dificuldade em processar verbalizações linguísúcas complexas; 2) Problemas
de formulação;
3) Disnomia;
4) Tendência para cluttering (confusão na produção);
5) Desorganização do output verbal;
6) Dificuldades espaciotemporais;
31. 7) Dificuldades em formar esquemas de anteeipação do conteúdo de fra ses;
8) Limitação da compreensão da leitura.
Para além destes aspectos, marcados essencialmente pela sua formação inicial,
K. de Hirsch também se debruçou sobre variáveis psicomotoras das crianças disléxicas,
caracterizando-as com um perfil diferenciado nas seguintes dificuldades: desorientação
espacial; problemas visuomotores e de figura e fundo; hiperactividade e padrões
motores primitivos. A autora é da mesma opinião que Bender, associando estes aspectos
ora a uma disfunção do sistema nervoso central (SNC), ora a problemas de
desenvolvimento e de imaturidade.
K. de Hirsch, noutra publicação editada na Europa (Folia Phoniatria), encontrou
na criança disléxica os seguintes factores não linguísticos:
1) Dificuldades na rememorização visual;
2) Características dispráxicas;
3) Problemas de reprodução e configurações espaciais;
4) Problemas de cónfusão figura-fundo, em aspectos quer visuais,
quer auditivos;
5) Problemas na reconswção de formas (gestalts) visuoauditivas; 6) Problemas
na reconswção de gestalts visuoauditivos;
7) Problemas emocionais como hiperactividade, distractibilidade,
desini bição, desorganização, alterações do eu, alterações da autoimagem, fobia escolar
e eultural, etc.
Pedagogicamente, K. de Hirseh recomenda que os métodos se centrem
fundamentalmente na criança. Os métodos deverão ser, segundo ela, pers pectivados de
acordo com as necessidades específicas e individuais das crianças. A sua visão eclética
integra ainda os trabalhos de Zangwill e de Kimura, pondo em destaque a importância
da dinâmica cortical e da dis
37
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
função maturacional provocada pela patologia da linguagem. A mesma autora, com
outros colaboradores, encontrou mais crianças prematuras num grupo experimental do
que num grupo de controlo, evidenciando a importância da maturação e do
desenvolvimento harmonioso na origem das DA.
Por último, é devido a K. de Hirsch o primeiro estudo predictivo do inêxito na
leitura. Estudando crianças de três, quatro e cinco anos em idade pré-escolar, esta autora
elaborou uma bateria com 37 tarefas contendo a avaliação de aquisições psicomotoras,
da imagem do corpo e aquisições linguísticas. Na base do seu índice predictivo, K. de
Hirsch foi capaz de identificar correctamente 10 crianças em 11 que subsequentemente
iam experimentar dificuldades de leitura no fim do segundo ano de escolaridade (grade).
Jansky chegou às mesmas conclusões após um estudo longitudinal de cinco anos, o que
prova a validade do seu contributo para o esclarecimento das DA.
SAMUEL KIRK
32. Uma das flguras mais relevantes do campo das DA é sem dúvida Samuel Kirk,
que iniciou a sua carreira no âmbito da deficiência mental. Doutorado em Psicologia
pela Universidade de Chicago, este autor conseguiu sempre aliar à sua formação a
experiência de professor numa escola de adolescentes delinquentes e de deficientes
mentais, caso único na história das DA, diga-se de passagem. É conhecida a sua
dedicação pedagógica a um caso de um rapaz de 10 anos diagnosticado como aléxico
(world blind - cego para palavras), tendo utilizado com êxito um método de intervenção
que o notabilizou e que inspirou o seu célebre e famosíssimo ITPA (The I!linois Test of
Psycholinguistic Abilities).
Figura 6 - Modelo de Osgood
38
ESTÍMULOS RESPOSTAS visuais motoras auditivos verbais
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
Processo Processo Processo
. receptivo organizativo expressivo
.
1Á Recepção Associação ' Expr
; visual visual ma,
,
,
,
,
ir "' , ---
, ; t auditiva i
Estímulo Estímulo Resposta Resposta auditivo visual verbal motora
Completamento gramaúcal Completamento Subteste
Completamentoauditivo
auditivo Combinação de sons
Figura 7 - Modelo u'idimensional do ITPA
39
33. INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Influenciado pelos trabalhos de Monroe, Hinhselwood e Fernald (outra pioneira
célebre a que nos vamos referir), Kirk seguiu estudos de neurologia, fisiologia e
psicologia experimental, tendo mesmo realizado trabalho laboratorial sobre os efeitos de
lesões cerebrais em ratos. Com a sua experiência tutorial e investigativa, prosseguiu
sempre com a ideia de isolar variáveis do processo de comunicação, no sentido de
determinar as suas importância e significação quer quanto às facilidades, quer quanto às
dificuldades de aprendizagem. Bastou-lhe para tal concluir um curso orientado por
Osgood, a quem se deve um dos mais significativos estudos sobre a comunicação
humana.
O modelo de Osgood é caracterizado por dois níveis: o integrativo e o
representativo.
No prime 'o a correlação estímulo-resposta compreende os eomportamentos
fundamentais como comer e falar e as funções de contiguidade temporal e a função do
gestalt visual, ao mesmo tempo que inclui o nível mais complexo de integração que
respeita à função gramatical e sintáctica da linguagem.
No segundo, a relação estímulo-resposta e resposta-estímulo compreende uma
função dialéctica que relaciona aspectos significativos e cognitivos da linguagem.
Com base neste modelo, Kirk desenvolveu o seu modelo tridimensional
adoptado no ITPA.
Após 15 anos de experiência clínica, Kirk e os seus colaboradores (McCarthy e
Kirk, W. 1961) produziram um dos mais importantes testes na história das DA, o TfPA.
Sete anos mais tarde, em 1968, publicou a sua nova edição, tendo introduzido
correcções nos aspectos mais susceptíveis de crítica, mormente os estatísticos e os
estudos de implicação educacional e reeducativa.
O ITPA consta de 12 subtestes subdivididos segundo o modelo de comunicação
inspirado em Osgood 1957, que postula as seguintes aquisições cognitivas: canais de
comunicação (auditivovocal, auditivomotor, visuomotor, visuovocal, tactilomotor e
tactiloverbal); processos psicolinguisticos (receptivo, organizativo e expressivo) e niveis
de organização (representativo ou significativo e automático ou integrativo).
As funções testadas no nível representacional são as seguintes: recepção
auditiva, recepção visual, associação auditivovocal, associação visuomotora, expressão
verbal e expressão manual.
Quanto ao nível automático temos: completamento gramatical, completamento
auditivo, combinação de sons, completamento visual, memória sequencial auditiva e
memória sequencial visual.
Um dos papéis fundamentais do trabalho que emergiu do ITPA foi o
desenvolvimento das capacidades mentais das crianças deficientes, visto que aquele
teste discrimina facilmente as aquisições fortes das fracas, possibilitando, a partir daí, o
desenvolvimento de programas individualizados de educação (Figura 7).
O ITPA cobre as idades compreendidas entre dois; quatro e oito; nove
anos e é usado principalmente para diagnosticar intraindividualmente as capa
40
34. PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM
cidades e as dificuldades psicolinguísticas. Pode ser utilizado em crianças com DA, em
crianças com DM, em crianças com LCM e em crianças com desordens perceptivas.
Seis funções ao nível representacional são avaliadas pelo ITPA. Duas envolvem
os processos de recepção (descodificação) auditiva e visual, isto é a capacidade de
captar a significação de palavras e de símbolos visuais.
Exemplos
Da recepção auditiva:
Os rapazes brincam? Sim ou Não As cadeiras brincam? Sim ou Não As
cadeiras comem? Sim ou Não Os cães comem? Sim ou Não
Da recepção visual:
Vês esta imagem?
Descobre aqui uma igual.
.
`e
Y "
Figura 8 - Imagens de recepção visual do ITPA
41
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
Duas outras funções compreendem a associação auditiva e a associação visual,
pondo em jogo uma relação de conceitos apresentados auditiva e visualmente.
Exemplos
Da associação auditiva:
O pai é grande; o bebé é O pássaro voa no ar; o peixe nada no O pão é para
comer; o leite é para Eu durmo numa cama; eu sento-me numa
Da associação visual:
35. Apontar para a figura central. O que é que fica bem com esta imagem?
Figura 9 - Imagens de associação visual do ITPA
42
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
As restantes funções ao nível representacional avaliam a expressão de conceitos
em termos verbais e em termos manuais.
Exemplos
Da expressão verbal:
São dados cinco objectos (prego, bola, cubo, envelope e botão). Pede- se ao
observado:
uDiz-me tudo o que sabes sobre -
Regista-se aqui todas as descrições espontâneas, bem como as categorizações
verbais seguintes: nomeação, cor, forma, constituição, função, etc.
Da expressão manual:
Figura 10 - Imagem de expressão manual do ITPA
43
Mostra-se várias figuras (martelo, chávena e cafeteira, guitarra, faca e garfo,
etc. ) e solicita-se ao observado a demonstração do uso em termos de gestos
intencionais.
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA
As outras seis funções avaGam o nível automático e integram as
capacidades respectivas e expressivas, para além das funções de completamento e de
memória sequencial au itiv a e visual.
Exemplos
Da memória sequencial auditiva:
Reprodução simples de dtgitos: 9-i; 8- 1-l; 2-7-3-3; 4-7-3-9-9; etc
Da memória sequencial visual:
Exposição de sequências de imagens, para posteriormente serem
reproduzidas por fichas coirespondentes.
36. Figura Il - Imagem de memória sequencial visual do ITPA
Para além destas situações, o TTPA inclui o completamento gramatical
para avaliar as redundâncias da linguagem oral na utilização da sintaxe e
das inflexões gramaticais. A combinação de sons (sound blending) está
incluída na função de completamento, exactamente para avaliar a capaci dade
de sintetizar partes da palavra (s0abas). Eis assim, de um modo esque máúco, a
apresentação de alguns itens do ITPA. Vejamos em seguida os
' seus resultados.
Vários estudos se têm se ido à ublica ão do ITPA. Vejam
' p ç os resumiidamente alguns:
1) Um sobre a sua validade (Paraskevopoulos e Kirk 1969), onde foram
aúngidas correlações de 0, 41a 0, 67entce o quociente psicolinguístico
(QPL) dado pelo ITPA e o quociente intelectual (QI) dado pela
Standfor Binet Intelligence Scale (SBIS).
Verificou-se ainda que os subtestes de associação auditiva e de
completamento gramaúcal evidenciavam uma coirelação superior à
dos restantes, sendo os de completamento auditivo e de combinação
; de sons os que mostravam correlações mais baixas;
44
PASSADO E PRESEME NAS DIFICUlDADES DE APRENDIZAGEM
Associação
Descodificação 1 3 5 Codificação u >
z 2 a ó
7I
ó a 8D c
z
I I I
b 9 d
E e 0
Esúmulo Resposta
visual e verbal e
auditivo motora
Sem déficeÁrea fone Défice marginal Défice
Nivel representacional Nivel integracional
1. Descodificação auditiva 7. Integração verbal automática
2. Descodificação visual 8. Sequência auditivoverbal
3. Associação auditxvoverbal9. Sequência visuomotora
4. Associação visuomotora a) Complemento visual automá 5. Codificação
verbal txo '
37. 6. Codificação motora b) Combinação de sons (Montne)
c) I. abirintos (WISC)
d) Memória de desenbos
(fnahatn-Kendal)
e) Velocidade perceptiva
Figura 12 - Modelo clínico do processo de leitura de Kass, indicando as áreas
fone, sem défice, com défice marginal e com défice
45
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA
2) Weener, Barnt e Semmel 1967 examinaram as intercorrelações
dos subtestes, criticando que o ITPA não corresponde exactamente ao modelo teórico de
Osgood. Os níveis, os canais e os processos não medem as mesmas funções, visto que a
análise factorial (rotação ortogonal) provou a existência de capacidades
psicolinguísticas isoladas e não uma capacidade geral, como defenderam Kirk e os seus
colaboradores. Estes autores concluem que o ITPA surge com várias contradições no
plano da sua validade estatística e da sua consistência interna;
3) Ryckman e Wregerink 1969, adoptando um estudo de análise
factorial (principal axis factor analysis), encontraram mais diferenças discri minativas
nuns níveis etários do que noutros. Aos três anos determinaram um factor geral com
ênfase forte no canal visuomotor pondo em evidência a instabilidade estatística dos seus
coeficientes.
Independentemente das críticas que têm sido publicadas sobre o ITPA, umas
com enfoque estatístico, outras na base dos problemas que se levantam ao nível
reeducativo, não restam dúvidas de que o ITPA é um instrumento valioso no que
respeita à articulação indispensável entre o diagnóstico e os programas de intervenção.
Seria exaustivo apresentar nesta sinopse os inúmeros trabalhos de inter
venção e aplicação do ITPA no ensino especial; de qualquer forma, podemos acrescentar
que ele foi amplamente estudado nos seguintes campos:
a) Dificuldades de leitura;
b) Desordens da fala; c) Deficiência mental;
d) Trissomia 21;
e) Grupos étnicos;
j) Crianças com paralisias cerebrais;
g) Crianças com deficiências visuais e auditivas, etc.
Pelo interesse que têm, principalmente para os professores, limitamo-nos
a destacar dois desses trabalhos:
; i) O de Corrine Kass 1966;
! 2) O de Macione 1969, em que se apresenta, pelo interesse didáctico
inerente, o respectivo perfll médio dos dois grupos experimentais.