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Poder Judiciário
Estado de Rondônia
2ª Vara Criminal da Comarca de Porto Velho
Autos : 0003877-52.2016.8.22.0501
Autor(s) : Ministério Público do Estado de Rondônia
Denunciado(s) : Francisco Barros Neto e Outros
Vistos etc.
I – R E L A T Ó R I O
O Ministério Público deste Estado, através de um de seus membros, denunciou Francisco
Barros Neto, Gilcicléia Brito Façanha, Alisson Vieira da Silva, Catiane Abadias do Nascimento,
Jennifer Callaú Bramini e Nelson Ney Campos Costa, todos qualificados nos autos em epígrafe,
por infração aos artigos:
(1) Todos: 2º, §4º, inciso II, da Lei nº 12.850/13 (1º fato);
(2) Jennifer, Gilcicléia e Alisson (aditamento à denúncia): 317, §1°, do Código Penal (2º fato);
(3) Catiane e Francisco: 333, parágrafo único, do Código Penal (2º fato);
(4) Francisco: 333, parágrafo único, e 337, c/c o 61, inciso II, b, na forma do 69, todos do Código
Penal (3º fato);
(5) Jennifer e Gilcicléia: 300 (1ª parte), do Código Penal (2º, 4º e 5° fatos); e
(6) Gilcicléia, Catiane, Francisco e Alisson (aditamento à denúncia): 300 (1ª parte), na forma do 29,
ambos do Código Penal (2º fato).
Consta na inicial que (v. fls. 2/22):
“1º Fato: Organização criminosa
(...) Durante as investigações levadas a efeito com relação à atividade da organização criminosa
comandada pelo indivíduo AGNALDO FROTA DOS SANTOS, conhecido como "GRAXA" - Ação Penal
0009078-59.2015.8.22.0501 - chegou ao conhecimento da Delegacia de Repressão às Ações
Criminosas Organizadas o registro de ocorrência nº 15E1023000035, da autoria de José Gentil da
Silva - Tabelião do 3º Registro Civil - relatando a descoberta pelo Tabelionato Beletti, de Cacoal, de
discrepância entre o selo de autenticação existente no recibo de um DUT e a numeração
correspondente no sistema do Tribunal de Justiça, onde constava que tal selo era referente ao
reconhecimento de firma em uma procuração. Apuração interna do Tabelião identificou a existência
de esquema de fraude em reconhecimentos de firmas, notadamente envolvendo transferências de
veículos. A partir daí, com a possibilidade dessa atividade criminosa estar relacionada às ações da
quadrilha do GRAXA, a DRACO passou a apurar no bojo do mesmo inquérito a atuação do grupo que
se passou a denominar "NÚCLEO GILCICLÉIA - CARTÓRIOS" (referência à agente com posição
predominante na organização). Com as devidas autorizações judiciais, acompanhou-se a
comunicação entre os alvos. Logo se descobriu que as fraudes eram trabalho de um organização
criminosa capitaneada por GILCICLÉIA BRITO FAÇANHA/GIL e que esta célula não se comunicava
direta e exclusivamente com a ORCRIM de GRAXA. Na verdade, formava um grupo independente,
atuante em dois Cartórios de Registro Civil (3° e 4° Cartórios de Registro Civil e Tabelião de Notas em
Porto Velho), agindo na falsificação de reconhecimentos de firma de diversos documentos em troca
de vantagens indevidas. Outrossim, destacava-se a atuação da organização criminosa no auxílio de
1
demandas captadas por despachantes locais, notadamente o denunciado FRANCISCO BARROS NETO,
quando se faziam necessários reconhecimentos fraudulentos de firmas para conferir aparente
legalidade a negociações escusas. Passa-se a pormenorizar as funções de cada membro da
organização criminosa: 1) GILCICLÉIA BRITO FAÇANHA, vulgo "GIL": exercia posição destacada na
organização criminosa, pois, ao que consta nos autos, até ser flagrada por ocasião da fraude
descrita na ocorrência 15E1023000035, era a única funcionária do Cartório Gentil que realizava as
falsificações de reconhecimento de firma. Na importante Ata de Reunião da Comissão Interna de
Verificação, instalada no 3º Registro Civil e Tabelião de Notas neste Município, destacou-se a forma
de operação da denunciada GIL: (texto - "omissis"). Com o seu afastamento da função de escrevente
autorizada, GIL logo se revelou capaz de manter a atuação da organização criminosa, corrompendo
outros funcionários de Cartórios para desempenhar as mesmas operações fraudulentas enquanto
continuava sendo procurada por interessados nos serviços escusos de seus comparsas dentro dos
Cartórios. Continuou, assim, mesmo afastada da função de escrevente, centralizando em sua pessoa
os pedidos de falsificação de reconhecimento mediante manipulação do sistema informatizado do
Cartório para geração de selos. Dessa maneira, GIL foi flagrada nas escutas telefônicas gerenciando
a atuação de novos membros da ORCRIM recrutados, negociando a atuação perante emissários dos
despachantes e inclusive ensinando outros membros do grupo a manipular os sistemas informáticos
internos do Cartório para lograr emitir os selos correspondentes ao ato extrajudicial visado pelo
demandante (quadro de degravação - "omissis"). Como já mencionado, a fraude foi descoberta em
dois casos concretos (4º e 5º FATOS adiante), sendo que a apuração destas duas fraudes gerou certa
movimentação entre os componentes da organização criminosa, a despeito de não desencorajar a
continuidade das atividades criminosas: (quadro de degravação - "omissis"). Comprovando que
GILCICLÉIA, mesmo afastada de suas funções, continuou centralizando as demandas do denunciado
FRANCISCO levadas até ela por CATIANE: (quadro de degravação – "omissis"). 2) ALISSON VIEIRA DA
SILVA: enquanto era funcionário do Cartório Gentil, exerceu as mesmas funções na organização
criminosa que GILCICLÉIA, manipulando, em troca de vantagens indevidas, o sistema cartorário
informatizado para gerar selos de reconhecimento de firma falsos e assim dar aparência de
autenticidade em documentos apresentados por despachantes, notadamente o denunciado
FRANCISCO e sua funcionária CATIANE: (quadro de degravação - "omissis"). Foi ALISSON quem
recrutou para a organização criminosa a denunciada JENIFFER CALLAÚ BRAMINI, responsável pela
fraude no reconhecimento do DUT da falecida ANA MARIA M. LUNA de CLAROS (2º FATO). Embora
não tenha sido captada nenhuma conversa telefônica entre tais agentes, a própria JENIFFER
confirmou que já fez um reconhecimento de firma em um DUT para ALISSON e as informações do
celular apreendido de JENIFFER revelaram dezenas de ligações telefônicas entre eles. 3) JENIFFER
CALLAÚ BRAMINI: como escrevente auxiliar do 4º Ofício de Notas e Registro Civil de Porto Velho esta
denunciada passou a integrar a organização criminosa a convite de ALISSON. Conforme se verifica
das interceptações telefônicas encartadas à investigação, foram constantes as referências nas
conversas dos outros participantes da organização referentes a valores exigidos por JENIFFER para
execução dos trabalhos criminosos. Em um desses trabalhos, utilizando meios fraudulentos, a
denunciada JENIFFER procedeu ao reconhecimento da assinatura falsificada de ANA MARIA MOLINA
LUNA DE CLAROS efetuada no DUT - Renavam nº 21256172855, em 10/12/2015. A fraude é
verificável de plano diante da comprovação do óbito da titular do veículo em 05/09/2014 (fl. 162 -
Apenso XI). Os comentários gravados em interceptação autorizada, comprovam o envolvimento da
organização criminosa para produzir tal resultado. Demonstra-se, assim, que a ligação da
denunciada JENIFFER com a organização criminosa ocorria por ALISSON, principalmente diante da
prova de que o solicitante da operação fraudulenta na transferência veicular citada no parágrafo
anterior foi HERLINDO ROGER CLAROS CLAROS, viúvo da ANA MARIA, e que o despachante
responsável por efetuar a regularização da transferência do veículo para o nome de HERLINDO foi o
denunciado FRANCISCO (fls. 85/86 e 144/145 - Apenso XI). Conversa gravada no dia 08/12/2015
entre CATIANE e GILCICLÉIA, fechou o círculo investigatório ao revelar a atuação da organização
criminosa para reconhecimento de firma no Documento Único de Transferência em nome de ANA
MARIA MOLINA LUNA DE CLAROS. Além disso, em conversa entre os denunciados NELSON e
2
GILCICLÉIA, há nítida menção a trabalho a ser executado no 4º Ofício, onde a organização criminosa
possuía como membro atuante a denunciada JENIFFER: (quadro de degravação – "omissis"). 4)
CATIANE ABADIAS DO NASCIMENTO: auxiliar do denunciado FRANCISCO BARROS NETO para as
práticas criminosas aqui referidas, levava as solicitações ilícitas do despachante aos funcionários dos
Cartórios de Registro Civil. CATIANE negociava diretamente com GILCICLÉIA os valores a serem pagos
para os membros responsáveis pelas falsificações de reconhecimento. Também acompanhava,
instruía e apoiava as ações dos demais membros nas falsificações. As conversas captadas e
documentos apreendidos (fls. 635) ressaltam que CATIANE repassava os pagamentos efetuados por
FRANCISCO aos demais componentes da organização criminosa. Além das gravações já transcritas
acima, são provas contundentes da atuação de CATIANE nas atividades da organização criminosa:
(quadros de degravação – "omissis"). 5) FRANCISCO BARROS NETO, vulgo "CHIQUINHO COWBOY": na
condição de proprietário da empresa FAMA AUTO ESCOLA - DESPACHANTE, o denunciado FRANCISCO
tinha grande facilidade para captar clientes interessados em fraudar os reconhecimentos de firma e
conferir aparente legitimidade a negócios ilícitos. Desta forma, conforme as diversas conversas
interceptadas, repassava as missões para CATIANE, que por sua vez buscava GILCICLÉIA e seus
parceiros junto aos Cartórios da cidade (quadro de degravação - "omissis"). Além disso, com o nítido
propósito de tentar apagar o rastro deixado pela ação da organização criminosa na transferência do
veículo Toyota Etios, placas OSL 1496, de ANA MARIA MOLINA L. DE CLAROS, o denunciado
FRANCISCO, mediante seus contatos escusos no DETRAN/RO, subtraiu dos arquivos daquela
autarquia o processo administrativo referente a tal operação (3° FATO). Com a apreensão do
aparelho celular de FRANCISCO durante a "Operação Clone" revelou-se a audácia do denunciado
FRANCISCO e de toda a organização criminosa, pois mesmo ciente da possibilidade de
desdobramentos penais quanto à transferência ilegal do veículo Toyota Etios, placas OSL 1496,
continuou operando criminosamente. Nesse sentido, extraiu-se tela de conversa pelo aplicativa
Whatsapp, de 05/02/2016, onde o indigitado aceita agir para reconhecer a firma de uma pessoa já
falecida pelo valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) - Relatório n. 05/2016 (fls. 127/137 -
Apenso XI). 6) NELSON NEY CAMPOS COSTA: também captava clientes para a organização criminosa,
repassando para a denunciada GILCICLÉIA as missões e os valores ilícitos pelos serviços. As conversas
captadas entre os dois denunciados supracitados revelaram a proximidade da dupla e a audácia da
organização criminosa ao continuar as atividades mesmo depois de descobertas as duas fraudes no
Cartório Gentil e a fraude no 4º Ofício (2º, 4º e 5º FATOS): (quadros de degravação – "omissis"). 2º
Fato: No dia 10 de dezembro de 2015, em horário não apurado, nas dependências do Cartório do 4º
Ofício de Notas e Registro Civil de Porto Velho, sito a rua Dom Pedro II, 1039, Centro, desta cidade, a
denunciada JENIFFER CALLAÚ BRAMINI reconheceu, como verdadeira, no exercício de função pública,
firma falsificada em documento público, solicitando e recebendo vantagem pecuniária indevida para
tal serviço criminoso efetivamente realizado. Restou apurado que a firma reconhecida falsamente
por JENIFFER era da proprietária do veículo Toyota Etios, placas OSL-1496, Ana Maria Molina Luna
de Claros, pessoa falecida em 05/09/2014 (fl. 162 - Apenso XI). O documento público onde lançada a
assinatura falsa era o Documento Único de Transferência de Veículo - Renavam nº 21256172855 (fl.
542). Conforme a investigação, atuaram em concurso de agentes para a consecução do intento
fraudulento os denunciados GILCICLÉIA, CATIANE e FRANCISCO. FRANCISCO foi contratado pelo viúvo
de Ana Maria, HERLINDO ROGER CLAROS CLAROS, para providenciar a transferência do veículo em
seu favor. Assim, o denunciado FRANCISCO, como de praxe (1° FATO), contratou as denunciadas
CATIANE e GILCICLÉIA para realizar a autenticação de assinatura falsa perante um dos Cartórios da
cidade, tudo mediante a promessa por parte de FRANCISCO e CATIANE de vantagem pecuniária
indevida, e por parte de GILCICLÉIA e JENIFFER mediante solicitação de vantagem pecuniária
indevida. Após a fraude no reconhecimento da assinatura de pessoa já falecida, a transferência do
bem foi efetivada para HERLINDO ROGER. Conversas captadas mediante autorização judicial, entre
as denunciadas CATIANE e GILCICLÉIA, demonstram a atuação dos quatro denunciados no sentido de
realizar a fraude acima, mediante recebimento e pagamento de vantagens indevidas. 3º Fato: Em dia
não apurado nos autos, mas certamente após o 2º FATO acima descrito, nas dependências do
DETRAN/RO, nesta cidade e Comarca, o denunciado FRANCISCO BARROS NETO ofereceu vantagem
3
indevida a funcionário público daquela autarquia, para determiná-lo a subtrair o processo
administrativo de recadastramento do veículo Toyota Etios, placa OSL – 1496, dos arquivos do
DETRAN/RO, a fim de evitar a responsabilização civil, administrativa e penal relativa ao 2º FATO
descrito acima. Durante a apuração policial relativa à fraude perpetrada no Documento de
Transferência do mencionado veículo, ciente que o falso reconhecimento de firma já havia sido
descoberto, o denunciado FRANCISCO, lançando mão de seus contatos privilegiados junto ao
DETRAN/RO, subtraiu dos arquivos daquela autarquia o processo administrativo referente à
transferência veicular, onde constaria o documento público em que ilicitamente se reconheceu a
firma de pessoa falecida. Restou comprovado, por meio da gravação de conversa entre as
denunciadas GILCICLÉIA e CATIANE, que o acusado pagou R$ 1.000,00 (mil reais) terceira pessoa
ainda não identificada, funcionária do DETRAN/RO, para subtrair da repartição competente os
documentos públicos supracitados. Requisitado pela autoridade policial, o processo não foi
encontrado no DETRAN/RO (fl. 144). 4º Fato: No dia 14 de setembro de 2015, período vespertino,
nas dependências do 3º Ofício de Notas e Registros Civil de Porto Velho - Cartório Gentil -, nesta
cidade e Comarca, a denunciada GILCICLÉIA reconheceu, como verdadeira, no exercício de função
pública, firma falsificada em documento público. As investigações comprovaram que o documento
público em que reconhecida falsamente a firma pela denunciada é o Certificado de Registro e
Licenciamento do veículo Toyota Hillux CD, placas MZX 5098, mais especificamente o DUT -
Documento Único de Transferência, no local da assinatura do proprietário Webert Weiller Keller.
Conforme documentos constantes nos autos, GILCICLÉIA manipulou o sistema informatizado do
mencionado Cartório para gerar o selo público de autenticação mesmo não havendo cartão de firma
do suposto signatário. Para isso usou o cartão de assinaturas de Gilberto Gonçalves dos Santos,
alterando os dados deste, imprimindo o selo de autenticação, e depois corrigindo os dados antes
alterados. Apuração interna realizada pelo Cartório Gentil identificou o modo de atuação da
denunciada (fls. 462/470). 5º Fato: No dia 20 de agosto de 2015, período matutino, nas
dependências do 3º Ofício de Notas e Registro Civil de Porto Velho - Cartório Gentil -, nesta cidade e
Comarca, a denunciada GILCICLÉIA reconheceu, como verdadeira, no exercício de função pública,
firma falsificada em documento público. Apurou-se que o documento público em que reconhecida
falsamente a firma pela denunciada é o Certificado de Registro e Licenciamento do veículo Honda
Hornet CB 600, placa NDQ-2342, mais especificamente o DUT - Documento Único de Transferência,
no local da assinatura do proprietário Algegson Campos Bezerra. Conforme documentos constantes
nos autos, GILCICLÉIA manipulou o sistema informatizado do mencionado Cartório para gerar o selo
público de autenticação mesmo não havendo cartão de firma do suposto signatário. Para isso usou o
cartão de assinaturas de Raquel Carvalho Dartiballe Saraiva, alterando os dados deste, imprimindo o
selo de autenticação, e depois corrigindo os dados antes alterados. Apuração interna realizada pelo
Cartório Gentil identificou o modo de atuação da denunciada (fls. 462/470). (Grifos no original)."
A denúncia, informada com o respectivo Inquérito Policial (nº 120/2015 - DERFRVA -
DRACO – v. mídia de fl. 39), foi recebida no dia 08/04/2016 (v. fls. 80/81).
Os acusados Francisco, Jennifer, Gilcicléia e Catiane foram pessoalmente citados (v.
certidões de fls. 127 e 129). Alisson e Nelson, apesar de não terem sido encontrados para citação
pessoal, constituíram defensores (v. fls. 89 e 185, respectivamente).
Respostas às acusações constam às fls. 154/158 (Jennifer), 161/167 (Alisson), 170/181
(Francisco), 189/191 (Catiane), 192 (Gilcicléia) e 195/204 (Nelson).
O processo foi saneado e deferida a produção da prova oral especificada pelas partes,
designando-se audiência de instrução e julgamento (v. fl. 207).
No curso da instrução criminal foram inquiridas 14 (catorze) testemunhas (v. mídias de fls.
253, 347 e 353) e interrogados os acusados (v. mídia de fl. 353).
4
O Ministério Público aditou à denúncia (v. fls. 359/363), requerendo a condenação do
acusado Alisson, nas penas dos artigos 317, §1°, e 300, com a norma de extensão do artigo 29,
todos do Código Penal (2º fato), a par do crime de organização criminosa.
Cumpriu-se o disposto no artigo 384, §2º, do Código de Processo Penal (v. fls. 364/373).
O aditamento foi recebido (v. fl. 374).
Reinterrogatório do acusado Alisson consta na mídia de fl. 384.
As partes não requereram diligências.
Em alegações finais o Ministério Público requereu a procedência parcial da denúncia (v.
fls. 385/429), para condenar os acusados, exceto Nelson, em relação ao qual pediu a absolvição,
por insuficiência de provas, pelos crimes abaixo relacionados, em concurso material:
(1) Artigo 2°, §4º, inciso II, da Lei 12.850/13: Francisco, Gilcicléia, Alisson, Catiane e Jennifer (1° Fato);
(2) Jennifer, Gilcicléia e Alisson (aditamento à denúncia): artigo 317, §1°, do Código Penal (2º fato);
(3) Catiane e Francisco: artigo 333, parágrafo único, do Código Penal (2º fato);
(4) Francisco: artigos 333, parágrafo único, e 305 (emendatio libelli), na forma do 69, todos do
Código Penal (3º fato);
(5) Jennifer e Gilcicléia: artigo 300 (1ª parte), do Código Penal (2º, 4º e 5° fatos); e
(6) Gilcicléia, Catiane, Francisco e Alisson (aditamento à denúncia): artigo 300 (1ª parte), na forma
do 29, ambos do Código Penal (2º fato).
A Defesa, por sua vez, requereu para o(s) acusado(s):
Jennifer: absolvição, nos termos do artigo 386, incisos V e VII, do Código de Processo Penal
(inexistência ou insuficiência de provas para a condenação) - conforme memoriais de fls. 432/441;
Nelson: absolvição, nos termos do artigo 386, incisos III (atipicidade) e V (inexistência de provas de
ter concorrido para as infrações penais), do Código de Processo Penal - conforme memoriais de fls.
452/460;
Alisson: absolvição, nos termos do artigo 386, incisos IV e VII, do Código de Processo Penal (estar
provado que não concorreu para os crimes ou insuficiência de provas para a condenação) -
memoriais de fls. 463/473;
Francisco: a nulidade da prova, sustendo que a interceptação telefônica, base da denúncia, foi
realizada sem autorização judicial e, no mérito, absolvição, nos termos do artigo 386, incisos IV, V e
VII, do Código de Processo Penal - conforme memoriais de fls. 474/530;
Gilcicléia: absolvição, nos termos do artigo 386, incisos IV e VII, do Código de Processo Penal (estar
provado que não concorreu para os crimes ou insuficiência de provas para condenação) - memoriais
de fls. 533/539; e
Catiane: absolvição, nos termos do artigo 386, incisos IV, V e VII, do Código de Processo Penal -
conforme memoriais de fls. 541/580;
É o relatório.
Decido.
II – F U N D A M E N T A Ç Ã O
II.1 - Questões deduzidas em preliminar
II.1.1 - Inépcia da denúncia. Rejeição.
5
Os Defensores dos acusados Alisson e Francisco requereram, em preliminar, inépcia da
denúncia, argumentando com a 'generalidade dos fatos ali descritos'. Dito de outro modo,
segundo os il. Defensores, a inicial acusatória não trata de forma precisa e pormenorizada as
condutas desses acusados, sendo, portanto, incapaz de apontá-los como integrantes da
organização criminosa apurada nos presentes autos.
Não obstante já tenha sido objeto de análise e rejeição no despacho saneador (v. fl. 207),
passo ao reexame dessa questão, evitando, com isso, futura alegação de deficiência na prestação
jurisdicional. Senão vejamos:
Aos acusados Alisson e Francisco foram imputadas, respectivamente, as seguintes
condutas:
"(...) enquanto era funcionário do Cartório Gentil, exerceu as mesmas funções na organização
criminosa que GILCICLÉIA, manipulando, em troca de vantagens indevidas, o sistema cartorário
informatizado para gerar selos de reconhecimento de firma falsos e assim dar aparência de
autenticidade em documentos apresentados por despachantes, notadamente o denunciado
FRANCISCO e sua funcionária CATIANE: (quadro de degravação - "omissis"). Foi ALISSON quem
recrutou para a organização criminosa a denunciada JENIFFER CALLAÚ BRAMINI, responsável pela
fraude no reconhecimento do DUT da falecida ANA MARIA M. LUNA de CLAROS (2º FATO). Embora
não tenha sido captada nenhuma conversa telefônica entre tais agentes, a própria JENIFFER
confirmou que já fez um reconhecimento de firma em um DUT para ALISSON e as informações do
celular apreendido de JENIFFER revelaram dezenas de ligações telefônicas entre eles (...)" (grifos no
original)" - Alisson Vieira da Silva. (grifos no original).
"(...) na condição de proprietário da empresa FAMA AUTO ESCOLA - DESPACHANTE, o denunciado
FRANCISCO tinha grande facilidade para captar clientes interessados em fraudar os reconhecimentos
de firma e conferir aparente legitimidade a negócios ilícitos. Desta forma, conforme as diversas
conversas interceptadas, repassava as missões para CATIANE que por sua vez buscava GILCICLÉIA e
seus parceiros junto aos Cartórios da cidade (quadro de degravação - "omissis"). Além disso, com o
nítido propósito de tentar apagar o rastro deixado pela ação da organização criminosa na
transferência do veículo Toyota Etios, placas OSL 1496, de ANA MARIA MOLINA L. DE CLAROS, o
denunciado FRANCISCO, mediante seus contatos escusos no DETRAN/RO, subtraiu dos arquivos
daquela autarquia, o processo administrativo referente a tal operação (3° FATO). Com a apreensão
do aparelho celular de FRANCISCO durante a "Operação Clone" revelou-se a audácia do denunciado
FRANCISCO e de toda a organização criminosa, pois mesmo ciente da possibilidade de
desdobramentos penais quanto à transferência ilegal do veículo Toyota Etios placas OSL 1496,
continuou operando criminosamente. Nesse sentido, extraiu-se tela de conversa pelo aplicativa
Whatsapp, de 05/02/2016, onde o indigitado aceita agir para reconhecer a firma de uma pessoa já
falecida pelo valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) - Relatório nº 05/2016 (fls. 127/137 -
Apenso XI)" (grifos no original) - Francisco Barros Neto. (grifos no original).
Verifica-se que as condutas imputadas a esses acusados encontram-se delineadas na
exordial acusatória, inocorrendo imputação genérica. A acusação recai sobre o fato de eles
integrarem, pessoalmente, a organização criminosa. Isto porque, enquanto Alisson - em troca de
vantagem econômica indevida -, manipulava (conduta comissiva o dolosa), em prol do grupo
criminoso, o sistema informatizado do Cartório Gentil para gerar selos de reconhecimento de firma
falsos (dentre outras condutas), Francisco tinha a missão de angariar, durante o desempenho de
sua atividade comercial, "clientes"/interessados no falso, fomentando a atividade ilícita
desenvolvida pela organização criminosa.
Conforme se verá adiante, a conduta de integrar consiste em aceitar, ser membro de
organização criminosa, permanecendo sempre à disposição para executar uma das diversas
6
atividades existentes, recebendo, direta ou indiretamente, vantagem indevida para tanto, mesmo
que não venha a praticar algum ato relativo aos crimes fins. Trata-se de crime de natureza formal.
A propósito:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PEÇA EM CONFORMIDADE
COM O DISPOSTO NO ART. 41 DO CPP. CRIME DE AUTORIA COLETIVA. MITIGAÇÃO DA
OBRIGATORIEDADE DE DESCRIÇÃO MINUCIOSA DE CADA AÇÃO. POSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DA
AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. (…) 4.
In casu, a denúncia, ainda que de forma sucinta, imputou aos recorrentes as condutas consistentes
em procurar profissionais para oferecer participação no esquema criminoso. Ou seja, é clara a
imputação, que possibilita o exercício da ampla defesa. Nessa fase processual, a imputação descrita
na denúncia é suficiente para deflagrar a ação penal e minúcias acerca das circunstâncias da prática
delitiva e demonstração do elemento subjetivo do tipo poderão ser aferidas durante a instrução
probatória, sob o crivo do contraditório. A denúncia ofertada pelo Parquet estadual permite o livre
exercício do direito de ampla defesa e do contraditório, na medida em que descreve a conduta
imputada aos recorrentes, demostrando indícios suficientes de autoria, prova da materialidade e
efetuando uma descrição fática que possibilita a adequação típica, nos termos do que dispõe o art.
41 do CPP. 5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem mitigado a exigência de descrição
minuciosa da ação de cada agente nos crimes de autoria coletiva, desde que a denúncia não seja
demasiadamente genérica. Precedentes. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido" (STJ - RHC
n° 62.255-SP. Ministro Relator Joel Ilan Paciornik. Quinta Turma. Julgado em: 22/11/2016). (Negritei).
Não se deve perder de vista também o fato de a denúncia ter sido aditada posteriormente
para acrescer, em desfavor do acusado Alisson, os crimes de corrupção passiva majorada (CP,
art. 317, §1º) e falso reconhecimento de firma (CP, art. 300, primeira parte).
Dessarte, é de se concluir que a denuncia não se encontra 'demasiadamente' genérica e,
com isso, não se vislumbra prejuízo apto a suplantar o exercício do contraditório e da ampla
defesa. A confirmação minuciosa do(s) fato(s) criminoso(s) só será possível no decorrer da
instrução processual, notadamente após análise de todo arcabouço probatório.
Pelo exposto, rejeito a preliminar em exame.
II.1.2 - Interceptação telefônica. Irregularidades. Prova ilícita. Teoria dos frutos da
árvore envenenada. Inocorrência. Alegação inoportuna. Ausência de boa-fé objetiva.
Renúncia tácita. Nulidade de algibeira. Inadmissibilidade. Rejeição.
A Defesa dos acusados Francisco e Catiane (embora Catiane não tenha se manifestado
expressamente pela nulidade dessa prova cautelar e tampouco apontado irregularidades durante
as investigações, limitando-se a descrever os requisitos legais para a realização da interceptação
telefônica), em alegações finais, alegou que a interceptação telefônica - prova cautelar, cujo
procedimento encontra-se previsto na Lei Federal n° 9.296/96 - foi ilícita (ou irregular), ante a
ausência de fundamentação idônea, e, por consequência, todas as demais (provas) obtidas por
derivação também o seriam (teoria dos frutos da árvore envenenada).
O crime de organização criminosa, como sabemos, é de difícil constatação, pois seus
integrantes agem na clandestinidade que, para sua permanência e assente desenvolvimento,
torna-se nota característica de sua própria concretização. Nessa conjuntura, o sistema processual
penal, guiado pelo princípio da verdade real (dentre outros), dispõe de mecanismos aptos a
desvendar (revelar) os contornos do grupo criminoso, seus participantes, formas de atuação, etc.
Dentre outros, destaca-se a interceptação telefônica. Destaco, nesse ponto, o seguinte trecho de
voto da Ministra do E. Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia:
7
"Não há nulidade na decisão que, embora sucinta, apresenta fundamentos essenciais para a
decretação da quebra do sigilo telefônico, ressaltando, inclusive, que “o modus operandi dos
envolvidos” “dificilmente” poderia “ser esclarecido por outros meios”. As informações prestadas pelo
juízo local não se prestam para suprir a falta de fundamentação da decisão questionada, mas podem
ser consideradas para esclarecimento de fundamentos nela já contidos" (STF. HC 94.028, rel. min.
Cármen Lúcia, j. 22/4/2009, 1ª T, DJE de 29/5/2009).
In casu, a decisão que incluiu a acusada Gilcicléia na ação cautelar de interceptação
telefônica foi devidamente fundamentada, tendo em vista que, em se tratando de "clonagens" de
veículos (envolvendo crimes de furto, roubo, adulteração de sinais identificadores de veículo
automotor e receptação qualificada), haveria, a princípio, possibilidade de falsos reconhecimentos
de firma nos documentos de transferência desses veículos (o que restou confirmado durante a
tramitação da ação penal n° 0009078-59.2015.8.22.0501 - "Grupo do Graxa"). É manifesta, em
tese, a correlação entre as práticas criminosas, estando, portanto, justificada a inclusão dessa
acusada na cautelar de interceptação e, com o passar do tempo, dos corréus.
Entretanto, a questão seguirá outro desfecho.
Isto porque, desde o momento em que os Defensores se habilitaram nos autos, eles
tiveram pleno acesso às provas produzidas, inclusive aos relatórios das interceptações
telefônicas, podendo, assim, desde as respostas às acusações, sustentar eventual nulidade, o
que não fizeram.
Curiosamente, a irresignação sobreveio há aproximadamente 01 (um) ano depois nas
alegações finais.
Verifica-se, nesse caso, a ocorrência da chamada nulidade de algibeira que, conforme o
E. Superior Tribunal de Justiça, ocorre quando a parte, estrategicamente, permanece silente no
momento oportuno, deixando para suscitar a nulidade em ocasião posterior, manobra que já foi
rechaçada pelo E. STJ, conforme a ementa transcrita a seguir:
"AGRAVO REGIMENTAL. NULIDADE. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA.. INOVAÇÃO RECURSAL.
PROCESSO UTILIZADO COMO DIFUSOR DE ESTRATÉGIAS. IMPOSSIBILIDADE DO MANEJO DA
CHAMADA "NULIDADE DE ALGIBEIRA". AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO SEGURADO. INDENIZAÇÃO
SECURITÁRIA.. CABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(...)
3. A jurisprudência do STJ, atenta à efetividade e à razoabilidade, tem repudiado o uso do processo
como instrumento difusor de estratégias, vedando, assim, a utilização da chamada "nulidade de
algibeira ou de bolso" (EDcl no REsp 1424304/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 12/08/2014, DJe 26/08/2014). (…). STJ - AgRg na PET no AREsp 204145/SP. Ministro
Relator Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Data de julgamento: 23/06/2015.
A título de exemplo, cito também decisão recente (14/06/2016), proferida no Habeas
Corpus n° 133.476/AM, de relatoria do Ministro Teori Zavascki. Nesse writ, a Defensoria Pública
da União pleiteou a nulidade do julgamento de apelação criminal, tendo em vista a ausência de
intimação pessoal da pauta da sessão de julgamento da apelação. Ao denegar a ordem, o ilustre
Relator asseverou que:
"(...) De fato, é de se exigir que a parte, caso se considere prejudicada em seu direito, manifeste sua
irresignação na primeira oportunidade a falar nos autos. Postergar tal irresignação processual,
mesmo estando compreendida dentre as matérias de ordem pública, implica verdadeira contradição
ao próprio interesse da parte em exercer sua defesa de forma efetiva e em momento oportuno.
Aparenta, inclusive, inovação de tese defensiva. No caso, não obstante tenha oposto embargos de
8
declaração, a Defensoria Pública veiculou tal insurgência tardiamente, quando da interposição do
Recurso Especial (...)" (negritei).
Infelizmente, no sistema processual penal brasileiro, a Defesa, ao invés de colaborar para
que seja proferida, em tempo razoável, uma decisão de mérito justa e efetiva, tenta se valer de
manobras evasivas e procrastinatórias. A conduta do Defensor, por vezes, afasta-se dos deveres
de boa-fé (objetiva), lealdade, informação e cooperação.
Esses postulados (em especial, o da boa-fé objetiva) exigem das partes o dever de, por
exemplo, suscitar, na primeira oportunidade em que lhes couber, ou, pelo menos, em prazo
razoável, nulidades que entenderem pertinentes, sob pena de preclusão.
Na verdade, a exigência também decorre diretamente da lei, conforme dispõe o artigo 396-
A do Código de Processo Penal: "Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar
tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas
pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando
necessário" (incluído pela Lei n° 11.719/08). (destaquei).
Entende-se, portanto, que a parte renunciou tacitamente ao seu direito de sustentar a
duvidosa nulidade.
Desta forma, afasta-se da boa-fé processual (e, porque não do devido processo legal) a
conduta daquele que ocultar uma tese de nulidade para arguí-la posteriormente, objetivando
possivelmente prejudicar à marcha processual, promovendo tumulo e, com isso, facilitando a
ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
Pelo que foi dito, rejeito também essa preliminar.
II. 2 - Mérito
Objetivando facilitar a compreensão, os fatos serão divididos entre crimes, organizado por
natureza (v. Lei n° 12.850/13, artigo 2º, caput) e por extensão (v. CP, artigos 300, caput; 305,
caput; 317, caput; e 333, caput).
II.2.1 - 1º Fato - Crime organizado por natureza. Causa de aumento. Concurso de
funcionário público. Prova suficiente, exceto em relação ao denunciado Nelson.
II.2.1.1 - Questões propedêuticas
Inovando no ordenamento jurídico pátrio, a Lei 12.850/13 alterou (revogando de maneira
tácita e parcial) a conceituação de organização criminosa, até então prevista no artigo 2º, da Lei
nº 12.694/2012, que agora passou a ser considerada como:
"(...) a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela
divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente,
vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, cujas penas máximas sejam
superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional." - (Lei 12.850/13, artigo 1º,
§1º).
Diferentemente de qualquer outro dispositivo legal, a Lei nº 12.850/2013 estabeleceu um
novo tipo penal incriminador para aquele que promove, constitui, financia ou integra,
pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, prevendo, inclusive, em seus
parágrafos e incisos, causas de aumento e agravantes específicas. Veja-se:
9
Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa,
organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às
demais infrações penais praticadas.
§1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de
infração penal que envolva organização criminosa.
§2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego
de arma de fogo.
§3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização
criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.
§4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
I - se há participação de criança ou adolescente;
II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a
prática de infração penal;
III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;
IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas
independentes;
V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.
§5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá
o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.
§ 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo,
função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo
prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.
§7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de
Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para
acompanhar o feito até a sua conclusão.
Merece transcrição, nesse ponto, a lição de Renato Brasileiro de Lima:
"(...) quando o conceito de organização criminosa foi introduzido no art. 2° da Lei n° 12.694/12, que
versa sobre a formação do juízo colegiado para o julgamento de crimes por elas praticados, a
formação de uma organização criminosa, por si só, não era crime, não era um tipo penal, já que
sequer havia cominação de pena. À época, tratava-se apenas de uma forma de se praticar crimes,
sujeitando o agente a certos gravames, tais como: 1) sujeição do preso provisório ou do condenado
ao regime disciplinar diferenciado (LEP, art. 52, § 2°); 2) realização do interrogatório por sistema de
videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real (CPP,
art. 185, § 2°, I); 3) impossibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena do §4° do art. 33 da
Lei n° 11.343/06 ao tráfico de drogas; 4) aumento da pena do crime de lavagem de capitais de um a
dois terços se o crime for cometido por intermédio de organização criminosa (Lei n° 9.613/98, art. 1°,
§ 4°, com redação dada pela Lei n° 12.683/12). Com a entrada em vigor da Lei n° 12.850/13, subsiste a
possibilidade de aplicação de todos esses gravames. No entanto, a figura da organização criminosa
deixa de ser considerada uma simples forma de se praticar crimes para se tornar um tipo penal
incriminador autônomo - "Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta
pessoa, organização criminosa" (Lei n° 12.850/13, art. 2°) -, punido com pena de reclusão, de 3 (três)
a 8 (oito) anos, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. Em
que pese a Lei n° 12.850/13 não ter fornecido o nomen iuris do crime, podemos denominá-lo de
organização criminosa" - LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume
único - 4. ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2016. (Negritei).
10
E continua:
"(...) Logo, trata-se de norma penal em branco homogênea. Grosso modo, são 3 (três) os requisitos
fixados pelo art. 1°, § 1°, da Lei n° 12.850/13, para o reconhecimento da organização criminosa: a)
Associação de 4 (quatro) ou mais pessoas: esta associação de 4 (quatro) ou mais pessoas deve
apresentar estabilidade ou permanência, características relevantes para sua configuração, que
diferenciam esta figura delituosa do concurso eventual de agentes a que se refere o art. 29 do CP,
dotado de natureza efêmera e passageira. Com efeito, apesar de não haver menção expressa no art.
2° da Lei n° 12.850/13, o ideal é concluir que a estabilidade e a permanência funcionam como
elementares implícitas do crime de organização criminosa, porquanto não se pode admitir que uma
simples coparticipação criminosa ou um eventual e efêmero acordo de vontades para a prática de
determinado crime tenha o condão de tipificar tal delito. (...)"; b) Estrutura ordenada que se
caracteriza pela divisão de tarefas, ainda que informalmente: geralmente, as organizações criminosas
se caracterizam pela hierarquia estrutural, planejamento empresarial, uso de meios tecnológicos
avançados, recrutamento de pessoas, divisão funcional das atividades, conexão estrutural ou
funcional com o poder público ou com agente do poder público, oferta de prestações sociais, divisão
territorial das atividades ilícitas, alto poder de intimidação, alta capacitação para a prática de
fraude, conexão local, regional, nacional ou internacional com outras organizações. Essa
compartimentalização das atividades, expressada na elementar "divisão de tarefas", reforça o
sentido de estruturação empresarial que norteia o crime organizado. A divisão direcionada de
tarefas costuma ser estabelecida pela gerência segundo as especialidades de cada um dos
integrantes do grupo, a exemplo do que ocorre com o roubo de veículos, em que um agente fica
responsável pela subtração, e outros pelo "esquentamento" ou desmanche, falsificação de
documentos e revenda; c) Finalidade de obtenção de vantagem de qualquer natureza mediante a
prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou de caráter
transnacional: para a caracterização de uma organização criminosa, a associação deve ter por
objetivo a obtenção de qualquer vantagem, seja ela patrimonial ou não, mediante a prática de
infrações penais com pena máxima superior a 4 (quatro) anos, ou que tenham caráter transnacional
(...)" - LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único - 4. ed. rev.,
atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2016. (Negritei).
Dentre os maiores avanços dessa inovação legislativa, destacam-se a adoção de técnicas
especiais de investigação (meios extraordinários de obtenção de provas), a par das já existentes
(meios ordinários de obtenção de provas) e, dentre aquelas, com maior preponderância neste
caso, a ação controlada e a interceptação de comunicações telefônicas (Lei 12.850/13, artigos 3º,
incisos III e V).
A ação controlada (técnica especial de investigação) consiste em retardar a intervenção
policial ou administrativa (após prévia comunicação ao juiz competente) relativa à ação praticada
por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e
acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de
provas e obtenção de informações (Lei 12.850/13, artigo 8º caput).
A interceptação de comunicações telefônicas, para fins de investigação criminal, prevista
constitucionalmente (CF, artigo 5°, inciso XII) e regulamentada pela Lei n° 9.296/96, afigura-se
como sendo a captação de comunicação telefônica alheia por um terceiro, sem o conhecimento
dos interlocutores.
A adoção de meios extraordinários de provas representa um dos mais importantes
instrumentos de combate ao crime organizado, posto que, não se espera que grupos criminosos
constituam-se através de estatuto jurídico ou que promovam atividades em observância às
exigências legais e sociais.
11
Noutras palavras, esta espécie de delito (“organização criminosa”) costuma não deixar
“rastros” (vestígios visíveis de sua existência), dificultando sobremaneira os trabalhos de
investigação criminal e, por consequência lógica, garantindo a permanecia do próprio grupo
criminoso.
Sobre o assunto, observa Antônio Scarance Fernandes que:
"(...) é essencial para a sobrevivência da organização criminosa que ela impeça a descoberta dos
crimes que pratica e dos membros que a compõem, principalmente dos seus líderes. Por isso ela atua
de modo a evitar o encontro de fontes de prova de seus crimes: faz com que desapareçam os
instrumentos utilizados para cometê-los e com que prevaleça a lei do silêncio entre os seus
componentes; intimida testemunhas; rastreia por meio de tecnologias avançadas os locais onde se
reúne para evitar interceptações ambientais; usa telefones e celulares de modo a dificultar a
interceptação, preferindo conversar por meio de dialetos ou línguas menos conhecidas. Por isso, os
Estados viram-se na contingência de criar formas especiais de descobrir as fomes de provas, de
conservá-las e de permitir produção diferenciada da prova para proteger vítimas, testemunhas e
colaboradores" - O equilíbrio entre a eficiência e o garantismo e o crime organizado. In: TOLEDO,
Otávio Augusto de Almeida; LANFREDI, Luís Geraldo Sant'Ana; SOUZA, Luciano Anderson de; SILVA,
Luciano Nascimento (Coord.). Repressão penal e o crime organizado, os novos rumos da política
criminal após o 11 de setembro. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 241. (apud, Renato Brasileiro de
Lima, Legislação Criminal Especial Comentada, 2016, pág. 503).
Nesse contexto, ante a insuficiência dos meios ordinários de coleta de provas, a Lei de
Organização Criminosa (Lei n° 12.850/13) elencou (artigo 3º), conforme já dito, uma série de
meios extraordinários, os quais, pela sua importância, estão transcritos a seguir:
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos
em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
I - colaboração premiada;
II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;
III - ação controlada;
IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos
de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais;
V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica;
VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica;
VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;
VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de
provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.
(…).
Feitas essas considerações, passo a análise do painel probatório.
II.2.1.2 - Questões fáticas
Ultimada a instrução, verifica-se nos presentes autos a existência de uma organização
criminosa, constituída pelo conjunto de esforços dos denunciados Francisco, Gilcicléia, Alisson,
Catiane e Jennifer, envolvida numa série de crimes de falso reconhecimento de firma em
documentos públicos.
No que se refere ao acusado Nelson, apesar de estar comprovado que ele, juntamente
com a corré Gilcicléia, promovia falsos reconhecimentos de firma (Nelson era responsável tanto
por captar "clientes"/interessados no falso, quanto por intermediar a execução do crime de falso
reconhecimento de firma), não há prova suficientemente capaz de evidenciar o seu envolvimento
12
no grupo criminoso. O conjunto probatório não demonstra se Nelson conhecia a existência de,
pelo menos, outros três falsários (e/ou intermediadores) e, com o seu comportamento (prévio ou
concomitante à prática dos crimes), aceitou, ainda que implicitamente, ser membro da
organização criminosa, orquestrada pelos corréus, pretendendo, assim como estes, indevida
vantagem econômica. A prova cautelar (interceptação telefônica - principal elemento de prova
juntado aos autos) revela atuação isolada e sem vinculação com os corréus (à exceção de
Gilcicléia e, possivelmente, Jennifer).
Pois bem.
Durante as investigações das organizações criminosas principais (especializadas em
furtos, roubos, adulteração de sinais identificadores e receptações qualificadas de veículos
automotores), sobrevieram informações de que documentos de transferência de veículos
automotores estavam sendo falsificados nos Cartórios desta Capital (3º e 4º, Tabelionato de Notas
e Ofício de Registro Civil), havendo, possivelmente, relação com os grupos criminosos
investigados. As falsificações consistiam em reconhecimentos fraudulentos de firmas
(reconhecimento de firma é o ato jurídico no qual o cartório reconhece que a assinatura constante
de um documento é de determinada pessoa) realizados em documentos de transferência de
veículos automotores, assim como noutros (procurações, certidões, etc.).
Sem relevante vinculação com as organizações criminosas dos já condenados Agnaldo
(autos nº. 0009078-59.2015.8.22.0501) e Railesson/Marlon (autos nº. 0003895-
73.2016.8.22.0501), restou satisfatoriamente comprovada a associação, informalmente
estruturada, dos acusados Francisco, Gilcicléia, Alisson, Catiane e Jennifer, para a prática de
crimes contra a fé pública, pretendendo a obtenção de ilícitas vantagens econômicas
[consistentes no pagamento de: R$ 400,00 (quatrocentos reais) a R$ 800,00 (oitocentos reais) -
para cada Documento Único de Transferência (DUT); e R$ 50,00 (cinquenta reais) a R$ 200,00
(duzentos reais) - para os demais documentos (v. Chamadas do Guardião n° 13713439.WAV e
13750337.WAV)].
O pagamento era realizado, conforme bem destacado pela testemunha, Policial Civil
Christian Carvalho Ribeiro, "(...) no ato, quando ia solicitar um 'serviço', você adiantava um sinal.
Dava, sei lá, trezentos, quatrocentos, quinhentos reais, ai dependia do que estava negociando.
Ela antecipava, como se fosse um sinal, após o documento é... já feito o reconhecimento de firma,
pagava de forma integral. O restante (...)".
Partindo-se da interceptação das conversas da acusada Gilcicléia, tornou-se possível
concluir pela existência de grupo criminoso autônomo, composto, em primeiro lugar, por Gilcicléia,
Alisson, Catiane e Francisco. Depois, verificou-se também o envolvimento da corré Jennifer. A
dificuldade inicial em vincular Jennifer a "associação" encontrava-se apoiada na inexistência de
prova direta (ex. alguém mencionando o seu nome durante as interceptações telefônicas). Os
acusados, durante as conversações, apenas revelavam a participação de "uma menina", que
trabalhava no 4º Ofício de Registro Civil e Notas, desta Comarca. Conforme será analisado infra,
a prova circunstancial, promovida a partir da junção de todas as provas indiretas, revelou, com a
certeza necessária, a integração de Jennifer na organização criminosa.
Neste contexto, passa-se a análise dos fatos, utilizando-se, para tanto, de uma construção
cronológica e, pouco a pouco, desencadeadora dos contornos do grupo criminoso, também
conhecido como "Núcleo Gilcicléia - Cartórios".
Num primeiro momento, com nível de acesso avançado (senha de nível 1), dada a função
de escrevente auxiliar, que exercia no Cartório Gentil (3º Ofício de Registro Civil e Notas), a
acusada Gilcicléia poderia reconhecer, através do sistema informatizado, a assinatura de qualquer
pessoa (era irrelevante o fato de o "beneficiado do falso" possuir cartão de reconhecimento de
firma no referido Cartório). Isto porque, caso inexistisse cartão de assinaturas, essa acusada
13
poderia facilmente "atualizar" o sistema, inserindo o nome do seu "cliente" (beneficiário do falso)
em outro cadastro (preexistente) e, em seguida, reconhecer firma em qualquer documento
pertencente à ele ("cliente"). Como funcionava: alterava-se, diretamente no sistema, o cartão de
assinaturas de outro indivíduo qualquer (valendo-se, para tanto, da senha de nível 1), registrava-
se os dados da pessoa que constava no documento em que seria falsamente reconhecida a
assinatura, após emitia-se o selo, afixando-se no documento, por vezes, público (ex. documentos
de transferência de propriedade de veículo automotor - DUT's) e, finalmente, 'corrigia-se' o
sistema, reinserindo-se o nome do titular legítimo daquele cartão de assinaturas. Desta forma,
dificilmente poder-se-ia rastrear a falsificação do documento e constatar a fraude. Exemplificando:
1 - João da Silva (beneficiado do falso); e
2 - José Andrade (titular do cartão de assinaturas).
Desse modo, a atividade mostrou-se altamente lucrativa. Num ambiente de intenso
formalismo, característico dos cartórios brasileiros de um modo geral, cuja presunção de
veracidade é pressuposto de existência dos seus próprios atos, encontrar alguém que seja capaz
de reconhecer/autenticar assinaturas de quem quer que seja, rapidamente, tornou-se uma
atividade economicamente promissora.
As interceptações telefônicas, juridicamente válidas, promovidas durante quase cinco
meses de investigação (28/10/2015 - 09/03/2016), foram cruciais para o deslinde dos fatos, em
especial para individualizar a conduta de cada um dos integrantes/acusados e apontar as
atividades espúrias desenvolvidas pelo grupo criminoso. Noutras palavras, graças a essa prova
cautelar, a "associação" foi desmantelada e seus "sócios" estão sendo responsabilizados.
O primeiro caso - inclusive ponto de partida para a inclusão, no dia 26/10/2015, da
acusada Gilcicléia na ação cautelar de interceptação telefônica (conforme IPL 120-15 APENSO I,
fls. 297/301, arquivo digital, de fl. 39) -, foi pessoalmente constatado pelo próprio titular do 3º
Tabelionato de Notas e Ofício de Registro Civil, desta Capital, José Gentil da Silva. Pela
importância, transcrevo trechos importantes do seu depoimento em juízo:
"(...) Um pouco antes do mês de outubro do ano passado [2015]... estava em setembro. Alguém me
14
JOSÉ ANDRADE
Titular
JOÃO DA SILVA
Beneficiado
JOSÉ ANDRADE
Titular
Alterava-se, diretamente no
sistema, o nome do titular
do cartão de assinaturas,
incluindo-se o nome do
beneficiado do falso
Após a alteração, emitia-se o
selo de reconhecimento de firma
em nome do beneficiado,
afixando-se no documento que
se pretendia falsificar
E, finalmente, alterava-se
novamente o sistema,
reinserindo o nome do titular
do cartão de assinaturas
Ao verificar o sistema,
apenas haveria o nome do
titular do cartão de
assinaturas,
desaparecendo, por
consequência, o nome do
beneficiado do falso
ligou lá... um dos funcionários me falou que o Cartório do senhor Beletti lá... estava reclamando de
um selo que tinha sido aposto no DUT e que o selo não batia. Eles consultavam no Tribunal de Justiça
e o selo referia-se a outro documento. Quando o meu funcionário é... me falou daquilo eu achei
estranho, porque geralmente cada documento tem um selo específico que é remetido diariamente
para o Tribunal de Justiça (...); o pessoal do Beletti que ligou e tem um despachante chamado Senhor
Claudemir que está com esse documento. Aí eu procurei me informar com maior clareza e a pessoa
que estava como reconhecida a firma naquele documento, naquele DUT, Senhor Webert, realmente
não tinha nenhum cartão, não tinha nenhum livro de assinatura feito, enfim... era uma série de
irregularidades naquela situação (...); mas quando eu verifiquei que o documento era um documento
falso eu é... fui para Cacoal/RO (...); me dirigi diretamente para a Delegacia local. Expliquei a situação
para um agente de polícia. De lá, eu liguei para o Senhor Claudemir (...); realmente ele trouxe para a
gente lá. De posse do documento, vimos que era um documento com o reconhecimento de firma falso
né e a funcionária... era a Gilcicléia (...); deu a entender que alguém tinha vindo em Porto Velho e, em
conluio com a escrevente local, fez a falsificação aqui em Porto Velho e levaram o documento para
Cacoal. Então, um documento falso, que foi o primeiro que nós arrecadamos e foi o que começou (...);
São dois casos concretos, este de Cacoal e o de Guajará-Mirim (...); quando aconteceu o caso de
Cacoal, eu chamei a funcionária Gilcicléia e falei: - Gilcicléia o que está acontecendo aqui? Toda essa
sequência né. Você não assinou o livro de forma verdadeira. Não tem Cartão. Não tem histórico do
documento. Ela me disse pessoalmente: - Senhor Gentil, isso ai não foi nada. Isso aí vai ter muito mais
coisas, desse tipo aí (...); nós fomos desconfiando do fato e descobrimos uma outra situação. No caso
de Guajará-Mirim (...); dois casos concretos, Doutor. Mas, o que acontece... em cartório. Estou com
um caso agora de 2006. Uma falsificação feita em... os casos demoram pra chegar (...); [Juiz: - Nesses
dois casos específicos, a falsificação consistiu no que?] No DUT, geralmente é no DUT (...)" - Gravação
audiovisual de fl. 253. (negritei).
Ao verificar a legitimidade da autenticação, a testemunha José Gentil constatou que o selo
de autenticidade pertencia, na verdade, a uma procuração, mas se encontrava aposto em
Documento Único de Transferência de Veículo Automotor (DUT). Indagada, ela esclareceu
também como era realizado o falso reconhecimento de firma:
"(...) O escrevente recebe um DUT assinado por qualquer pessoa (...); aí ele entra no sistema né (...);
ele altera no sistema o nome da pessoa (...); porque somente uma pessoa com nível 1, poderia
alterar... como era o caso da funcionária Gilcicléia; só ela poderia alterar o sistema. Porque o sistema...
é o seguinte... têm traços ali que só eu que tenho um nível maior posso verificar se o escrevente está
entrando no sistema e alterando dados (...); então, o escrevente quando ele faz a alteração, ele não
sabe que eu depois posso entrar e ver que o escrevente alterou (...); ela [Gilcicléia] entra no sistema,
pega uma ficha de qualquer pessoa, trás para o sistema né... apaga aquele nome no sistema
informatizado e entra com outro nome. Então sei lá, João Augusto da Silva, vamos dizer que aí ela
entra com Antônio Pereira da Silva. Ela faz a ficha né. Retira da ficha a etiqueta, põe no DUT né... e
assina (...); ela volta para o sistema e tira aquele nome que ela falsificou. Então voltou o nome original.
Então, é uma expertise muito grande e que só aqueles que estão muitos anos no cartório sabem fazer
(...); o selo é verdadeiro. [Juiz: - então, significa que esse selo foi obtido clandestinamente?] Isso. É...
clandestinamente. Que aí ela... insere outro nome, né verdade. E aquilo... se não houver ninguém que
vai é... tipo consultar o selo no Tribunal de Justiça, aquele documento pode valer para sempre (...); o
sistema é assim... o escrevente puxa o selo. Numera na etiqueta. Aí tira a etiqueta do computador e
coloca no DUT e ele libera aquele selo. Ele libera pra outra pessoa poder usar (...); o réu Alisson é o
seguinte. O que que aconteceu. Naquele sufoco que nós 'tava' com a Gil e tal, ele... quando a Gil saiu
e, parece que numa oportunidade ele 'tava' se relacionando com ela. Nós ficamos de olho. A Polícia
também e tal. Ele passou um envelope da cor marrom pra ela e tal (...); o Alisson trabalhava conosco
lá (...); descobri que ele também estava participando dessas coisas (...)" - Gravação audiovisual de fl.
253. (Negritei).
15
Os casos concretos narrados pela testemunha José Gentil são também objetos da
denúncia (4º e 5º fatos). São, na verdade, dois documentos públicos ('DUTs'), em que as
assinaturas das vítimas Webert Weiller Keller (Cacoal/RO) e Algegson Campos Bezerra (Guajará-
Mirim/RO) foram falsamente reconhecidas. Em sede policial, o Tabelião José Gentil também
esclareceu como ocorreram essas fraudes no sistema:
"(...) em pesquisa no sistema foi detectado que GILCICLEIA: a) com sua senha pessoal e intransferível,
no dia 14/09/2015, as 15h:27:01 alterou o número do cliente 171951 de GILBERTO GONÇALVES DOS
SANTOS, alterando para WEBERT WEILLER KELLER; b) as 15:29:40 liberou o selo A3ACC28415-15D18,
caindo no sistema novamente e, por fim as 15:31:58 retorna o nome do cliente para o GILBERTO,
assim, o nome de WEBERT desaparece do sistema do cartório; Que, com relação aos fatos narrados
na Ocorrência Policial 4481/2015-1ªDP/Guajará Mirim,esclarece que também foi utilizado o mesmo
modos operacionais da escrevente GILCICLEIA BRITO FAÇANHA, a qual entrou no sistema do cartório
alterando o nome do cliente existente para o nome de ALGEQSON CAMPOS BEZERRA, imprimindo a
etiqueta de reconhecimento de assinatura, liberando o selo digital de segurança do cartório e após
retornando ao nome original (...)" - Termo de Declaração - José Gentil da Silva - de fls. 454/457 (v. IPL
120-15. VOL. 2 - mídia de fl. 39).
A título de complementação, merece transcrição o teor da Ata de Reunião da Comissão
Interna de Verificação do 3º Registro Civil e Tabelionato de Notas desta Capital (v. IPL 120-15.
VOL. 2 - fls. 462/469 - mídia de fl. 39):
"(...) Em razão destas declarações e de suspeitas a respeito da conduta da escrevente Gilcicléia Brito
Façanha foi feito uma pesquisa nos computadores. Desta forma, confirmamos que nos dois casos
concretos houveram a prática de irregularidade praticadas pela escrevente GILCICLEIA BRITO
FAÇANHA, tendo sido composta uma comissão de verificação que comigo Tabelião certifica a
materialidade das irregularidades. Além dos dois fatos concretos, a comissão verificadora e o
Tabelião certificam outra série de situações onde, a escrevente que era autorizada, faz a inserção de
dados falsos, alterando e excluindo dados corretos do sistema e do banco de dados, com o fim de
obter alguma vantagem. A prática em resumo era a seguinte: A escrevente era autorizada e dotada
de senha com nível I, já que, era responsável pelo bom andamento do funcionamento do setor de
reconhecimentos e autentificações. Com essas facilidades, de posse dos documentos, começava o
segundo passo, a alteração do banco de dados. A conduta é entrar em um cadastro de um cliente
(aleatório) que realmente existe e trocar o nome do cliente, por exemplo, JOÃO cliente do cartório,
com ficha e dados corretos, apenas seu nome é alterado para JOSÉ, nesse mesmo ato imprime-se a
etiqueta de reconhecimento de firma com o nome de JOSÉ, após torna-se a ficha novamente ao
nome de JOÃO, desse modo só com uma investigação criteriosa no sistema de informática e que se
pode verificar até onde a pessoa mal intencionada, praticou realmente os ilícitos. Claro, que ninguém
no cartório iria desconfiar de alguém que é mãe de duas crianças (hoje grávida de uma terceira) e
até então não tinha desvio de conduta pudesse invadir e hackear os computadores da serventia desse
modo. Mal informada nesse ponto, a escrevente não sabia que são salvas em ocorrências todas as
alterações feitas no cadastro, pois permitem que se saiba com certeza qual o funcionário que abriu o
sistema e iniciou o processo, e quando ele fecha ou muda para outro usuário, fica registrado neste
sistema, todas estas informações de uso interno do titular do cartório e da operadora Ansata, da
cidade de Curitiba, gestora do sistema do cartório, sendo que os funcionários comuns do cartório não
sabem, e nem tem acesso a este tipo de informação que é privilegio somente do titular do cartório
administrador do sistema). Assim, quando o escrevente faz a primeira alteração e salva essa
alteração fica gravado uma ocorrência, com a alteração do nome anterior, ou seja, aquele que
estava no cartão. Então, como no exemplo acima, temos uma ocorrência onde menciona o que o
nome JOSÉ foi alterado, e após, temos uma ocorrência que temos o nome JOÃO alterado. O
reconhecimento foi feito com o nome de JOSÉ, mas fica como contabilizado na ficha do JOÃO (...)".
(grifos no original).
16
A numeração dos reconhecimentos de firmas é "(...) sequencial e fica numa fila no sistema
para ser utilizada quando o escrevente libera a numeração, esta retorna para a fila, e será
utilizada por outro escrevente, possivelmente em outra documentação, como foi neste caso, uma
procuração (...)" (v. Termo de Declaração - José Gentil da Silva - IPL 120-15. VOL. 2 - fls. 450/453
- mídia de fl. 39).
Assim que descobriu, a testemunha José Gentil afirmou que concedeu férias à acusada
Gilcicléia (a demissão somente não sobreveio porque os policiais pediram para que José Gentil
não interrompesse ou, de qualquer forma, atrapalhasse as investigações), afastando-a do Cartório
(v. Boletim de Ocorrência n° 15E1023000035, de fls. 294/295 - IPL 120-15 APENSO I, do arquivo
digital, de fl. 39). Urge ressaltar, contudo, que o afastamento não foi capaz de impedir a
continuidade das práticas criminosas.
Com efeito, em importante diálogo interceptado (Chamada do Guardião n° 13744229.WAV
- 15/12/2015, às 10h15min), a própria Gilcicléia detalha como era realizado o falso
reconhecimento (além de afirmar que: - "... eu e o ALISSON, a gente fazia os nossos rolo...):
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Esclarecedores também são os relatos da testemunha, Policial Civil Christian Carvalho
Ribeiro, que acompanhou as investigações. Segundo ele:
"(...) Esse grupo iniciou-se com o registro de ocorrência policial é.. em Guajará-Mirim. Não me
recordo agora o nome da pessoa, acho que é Webert... alguma coisa assim. Ele registou uma
ocorrência policial lá de que ele não teria assinado um DUT, de um documento. E esse documento
teria alguém, eventualmente, teria falsificado a assinatura dele e teria sido reconhecido lá no
Cartório Gentil. Partindo dessa ocorrência policial, nós iniciamos uma investigação, chegamos no
nome da Gilcicléia (...); no curso da investigação a Gilcicléia, ela se mostrou a líder do grupo,
juntamente com a Catiane e com o Alisson. A Gilcicléia era uma intermediária de falsificação de
documentos. Reconhecimento de firma fraudulento. Produção de... enfim, umas dezenas de
documentos é... assinados de forma fraudulenta, reconhecendo firma de forma fraudulenta. [Juiz: -
Foram descobertos efetivamente quantos documentos falsificados?] O de Guajará-Mirim/RO. Tem
uma da Ana Maria Luma Claros, que foi uma senhora médica falecida. Tem uma também... se eu não
me engano, de Cacoal (...); e as outras que nós não conseguimos pegar né. Que a gente flagramos
em atitude... três documentos. Isso. Os demais a gente... eu particularmente flagrei diversos
encontros deles, inclusive recebendo dinheiro para executar os serviços. [Juiz: esses encontros foram
aonde?] É... flagrei num posto de combustível da Jorge Teixeira com a Carlos Gomes. [Juiz: esses
encontros foram com quem?] Da Catiane com o Alisson. Depois, foi a Catiane e a Gilcicléia. Eles
fizeram a transação dentro do carro, mas eu consegui... está no meu relatório policial... eu flagrei o
momento (...)" - Gravação audiovisual de fl. 253. (negritei).
Nesse ponto, o acusado Alisson, ao ser interrogado em Juízo, revelou que:
"(...) eu encontrei com ela num posto de gasolina?! Na verdade foi assim... A Gil pediu para mim
pegar um documento, num envelope, que 'tava' com ela. Ela me passou e eu entreguei para a Gil...
não demorou mais de cinco minutos. [Juiz: Quem te passou o envelope?] A Catiane (...); Ela [Catiane]
me entregou o envelope e o dinheiro e eu entreguei para a Gil (...)".
Note-se que somente três casos concretos de falsificação desses documentos (DUT's)
foram desvendados, pois, como se trata de alterações internas, realizadas diretamente no sistema
de forma provisória, torna-se difícil (senão impossível), descobrir todas as fraudes, notadamente
quando os selos e dados são formalmente verdadeiros. Naturalmente, com o tempo, esses outros
documentos com o reconhecimento de firma falso serão apresentados e, certamente, novas
investigações serão levadas a cabo.
A propósito:
"(...) O único que nós íamos é... fazer exames periciais, foi o que... é o processo foi é... "extraviado" lá
do DETRAN, que é o da Ana Maria Luna Claros. Os demais nós não conseguimos flagrar, porque eram
encontros ali... os dois [Alisson e Gilcicléia] estavam dentro do Cartório ou, eventualmente, eram
combinados lá na casa da Gilcicléia (...); os áudios demonstram que foram vários documentos, não só
DUT (...); não só de DUT, mas também de procurações, reconhecimento de firma de certificados,
diversos documentos (...); Ana Maria Luna Claros, exceto ela, nenhum outro nós conseguimos
materializar, porque os encontros eram feitos pessoalmente (...)" - Gravação audiovisual de fl. 253
18
(Christian Carvalho Ribeiro).
A testemunha Tatiany Rosely Zemuner, funcionária do Cartório Gentil, por sua vez,
informou que conhece profissionalmente os acusados Alisson, Catiane e Gilcicléia. Quanto ao
falso reconhecimento de firma, esclareceu que restou "(...) constatado que foi alterado o cadastro
de uma pessoa para o reconhecimento de um DUT (...)". Confirmou que, com base no sistema,
quem realizou a alteração foi a acusada Gilcicléia. Asseverou ainda que essa acusada:
"(...) tinha um acesso a mais do que outras pessoas dentro do cartório. Cada um respondia por uma
senha. São três senhas de níveis. A Gilcicléia respondia pela senha de nível 1, que dava acesso a toda
a restrição do sistema, como: alteração de nome, qualquer acesso para poder alterar alguma coisa
dentro do sistema (...); Ela entrou no nome de uma pessoa que tem cadastro, alterou o nome da
pessoa, porque na etiqueta só sai o nome não sai a qualificação completa. Ela alterou o nome de uma
pessoa. Vamos supor tá lá o meu nome Tatiany Rosely Zemuner, ela apagou e colocou José Sebastião,
outro nome. [Promotora: - Qual o objetivo?] Pra reconhecimento de assinatura como verdadeiro no
DUT (...)" - Gravação audiovisual de fl. 253. (negritei).
No que diz respeito ao acusado Alisson, a testemunha Tatiany, embora não tenha certeza,
disse acreditar que ele teria a senha de nível 2. Com isso, ele só poderia reconhecer firma, jamais
alterar dados constantes no sistema. Já em relação a Catiane, disse Tatiany que a viu duas vezes
no Cartório. Por fim, declarou que a senha é personalíssima, de modo que, em tese, um
funcionário não poderia utilizar a senha de outro.
Também funcionário do 3º Cartório de Notas e Ofício de Registro Civil, desta Comarca,
Marcus Antônio de Azevedo Júnior, exercendo a função de técnico de informática, destacou que o
titular do Cartório, José Gentil, desconfiado das condutas dos acusados Alisson e Gilcicléia,
solicitou-lhe que apresentasse um levantamento das movimentações do sistema. Relatou, ainda,
que, através das imagens das câmeras de segurança, descobriu que a acusada Catiane foi
algumas vezes no Cartório, ocasião em que teve contato direto com a acusada Gilcicléia, para
'trocarem documentos'. No tocante às movimentações no sistema, disse que:
"(...) ela [Gilcicléia] fez vários procedimentos. Por exemplo, ela pegou um cartão no meu nome... aí
ela tirou do meu nome e colocou o nome do cliente que ela precisava fazer o reconhecimento é... fez
o reconhecimento no meu cartão, depois ela estornou o nome do cliente e colocou o meu cartão de
volta. [Promotora - isso no documento do DUT?] Exatamente. (...) - Gravação audiovisual de fl. 253".
Disse também que, em relação aos acusados Gilcicléia e Alisson, ambos
compartilhavam, entre si, a senha do outro, o que possibilitou, por exemplo, que, mesmo na
ausência daquela, o acusado Alisson continuasse a movimentar o sistema e prosseguisse com as
alterações (ou 'fraudes internas', nas precisas palavras dessa testemunha).
Interrogada judicialmente, a acusada Gilcicléia, conhecida como "GIL", afirmou conhecer
os corréus Alisson (disse que, dentre todos os acusados, era o mais próximo dela), Catiane e
Nelson. Confirmou que Catiane foi no Cartório Gentil algumas vezes (duas ou três) para autenticar
documentos. Em um desses momentos, esclareceu que teria sido feito, à época, uma proposta à
acusada Catiane, consistente nos seguintes termos: (a) caso esta (Catiane) tivesse alguém da
família precisando autenticar o documento, mas que, por qualquer razão, não pudesse
comparecer ao cartório, ela (Gilcicléia) poderia, mesmo em desacordo com as normas do
Cartório, reconhecer firma, (b) desde que auferisse alguma vantagem econômica (dinheiro) pelo
"serviço". Vantagem pecuniária esta que, por óbvio, seria recebida "por fora" (clandestinamente, já
que essa atividade é considerada ilícita). Entretanto, sustentou que tudo permaneceu no plano da
imaginação e que não chegaram a executar nenhum "serviço". Relatou, ainda, que a referida
proposta ocorreu após o seu afastamento do Cartório, mas, como o acusado Alisson ainda
trabalhava no setor de reconhecimento, sugeriu que ele poderia, a seu pedido, auxiliar nesses
19
falsos reconhecimentos de firma.
Na mesma linha, a acusada Catiane, em sua autodefesa, disse que tudo não passou de
mero comentário feito pela corré Gilcicléia, anunciando que se um dia ela precisasse, "GIL"
poderia, desde que os documentos fossem lícitos (verdadeiros), reconhecer firma de pessoas
próximas (parentes, amigos, etc.), sem qualquer comparecimento no Cartório Gentil. Por
contrariar as normas, Gilcicléia apenas exigiu, em contrapartida, vantagem econômica ("... ela
precisava ganhar algo por isso..."). Ainda, que trabalhou durante pouco tempo com a acusada
Gilcicléia no Cartório Gentil e que conhece o acusado Alisson. Destacou que Gilcicléia já teria lhe
revelado que Alisson também exercia, a pedido dela ("GIL"), a mesma atividade de reconhecer
ilicitamente firma em documentos públicos, assegurando, no entanto, que eles não chegaram a
executar qualquer serviço fraudulento.
Seguindo a mesma frágil versão, mas agora no que diz respeito ao diálogo de fl. 11, da
denúncia (em que a acusada Gilcicléia negocia diretamente como o corréu Nelson um falso
reconhecimento de firma constante num DUT), Gilcicléia aduz, em Juízo, que se trata da mesma
proposta feita à acusada Catiane, pois Nelson também era cliente do Cartório e que, do mesmo
modo que a proposta anterior, reforça que tudo permaneceu no plano da imaginação.
O acusado Nelson, a seu turno, ratificou as conversas interceptadas descritas na
denúncia. Sustentou que tem amizade com a acusada Gilcicléia (tanto que nem sequer pegava
senha para ser atendido no Cartório Gentil). Narrou, inclusive, que houve determinado episódio
em que procurou a acusada Gilcicléia para autenticar um contrato social, entretanto, essa
acusada não realizou o reconhecimento, pois, além de cumprir os termos descritos anteriormente,
(c) os titulares do contrato deveriam conhecer da autenticação, sinalizando de alguma forma que
estavam concordando com o reconhecimento. O exercício da profissão de motoboy, segundo
Nelson, proporcionava acesso a vários contatos que lhe procuravam para executar os falsos
reconhecimentos de firma. TODAVIA, como já foi dito, inexiste nos autos prova suficientemente
capaz de revelar que esse acusado tinha a vontade livre e consciente de integrar, promover,
constituir ou financiar a Organização Criminosa, e tampouco indícios de que ele conhecia o
"esquema fraudulento" realizado pelo corréus.
Não é preciso aprofundar no arcabouço probatório, para perceber que os 'serviços' foram,
de fato, executados. Há prova material robusta quanto aos falsos reconhecimentos de firma em
documentos de transferência de veículos automotores (DUT's) como, por exemplo, o falso
reconhecimento de firma de Ana Maria Molina Luna de Claros (falecida antes do reconhecimento),
objetivando a transferência de veículo automotor, que se encontrava registrado em nome dessa
finada.
As alegações da acusada Gilcicléia de que foi mais uma funcionária vítima da conduta
daqueles que apresentam documentos falsos no Cartório e que as alterações no sistema foram
realizadas por seus colegas de trabalho, sendo que ela apenas as salvava utilizando sua senha
(já que possuía senha de elevado nível), caem por terra quando confrontadas com a prova
cautelar (interceptações telefônicas) produzida.
As interceptações revelaram a relação de confiabilidade, parceria e cumplicidade que
havia entre os acusados Gilcicléia e Alisson (dentre outros). Além de trabalharem juntos, esses
denunciados eram vizinhos, o que facilitava a relação extramuros (fora do trabalho), de modo que
um frequentava a casa do outro. A par disso, o conjunto probatório converge no sentido de que a
denunciada Gilcicléia forneceu ao corréu Alisson, em certa ocasião, sua senha de acesso (nível 1)
ao sistema (v. Chamadas do Guardião de n°: 13484858.WAV, de 28/10/2015, às 11h12min;
13486022.WAV, de 28/10/2015, às 13h02min):
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______________________________________________________________________________
Noutro giro, a acusada Gilcicléia contava também com colaboração a imprescindível da
acusada Catiane, ex-funcionária do Cartório Gentil. Ao que tudo indica, essa acusada, juntamente
com o corréu Francisco, eram os maiores captadores de "clientes"/interessados no falso
reconhecimento de firma. Catiane, na verdade, era responsável por intermediar os "serviços"
falsos. Explico: ao lado do corréu Francisco, proprietário da empresa DESPACHANTE FAMA,
Catiane captava “clientes”/interessados pelo falso e, contando com a amizade construída entre ela
e a acusada Gilcicléia, executava o "serviço". Do mesmo modo, enquanto Gilcicléia providenciava
o reconhecimento de firma, Catiane também era encarregada de receber o pagamento distribuído,
posteriormente, entre os membros da organização. Por óbvio, a atividade desenvolvida pela
empresa de despachante possibilitava o acesso a vários "clientes" que necessitavam da
prestação desse "serviço específico". Em seu interrogatório, Catiane negou conhecer os corréus
Jennifer e Nelson.
Acerca do diálogo de fls. 05/06 da denúncia, a acusada Catiane relatou que:
"(...) O que eu fui lá na Gilcicléia algumas vezes, no Cartório na verdade. [Qual Cartório?] 3º Ofício. Eu
fui lá algumas vezes levar uns documentos para fazer a autentificação. Então, para não enfrentar a
fila, não pegar a senha, algumas vezes ela... me adiantava a vez. Entendeu?! E era o único serviço
que... eu fui fazer lá, porque eu não era funcionária né... de lugar nenhum (...)" - gravação audiovisual
de fl. 353.
Diferentemente da versão apresentada pelo acusado Francisco, Catiane confirmou que os
serviços de reconhecimento de firma também eram realizados pela empresa DESPACHANTE
FAMA (notadamente quando se tratava de falso reconhecimento de firma). Segundo essa
acusada, a secretária da empresa despachante pedia que ela fosse ao Cartório para autenticar
alguns documentos e, como utilizava gratuitamente as dependências do local para estudar (disse
que começou a frequentar o escritório do acusado Francisco quando iniciou os seus estudos e
que além da internet, também imprimia suas apostilas no escritório despachante), sentiu-se na
obrigação de auxiliar o seu afeto amoroso (afirmou, em juízo, que manteve relacionamento
21
amoroso com o corréu Francisco por aproximadamente quinze anos). Curiosamente, Francisco
informou que quem realizava as autenticações eram os próprios clientes e que a empresa de
despachante não se envolvia nessa atividade. Catiane destacou que foram duas ou três vezes
que levou documentos no Cartório Gentil para autentificação, sendo uma delas a pedido do
próprio proprietário de empresa, acusado Francisco.
No que tange à suposta proposta que teria recebido da acusada Gilcicléia, essa acusada
(Catiane) afirmou que:
"(...) Quando ela [Gilcicléia] me falou que ela poderia fazer é... eu pensei assim né se, aparecesse...
que ela [Gilcicléia] poderia fazer né... que ela iria cobrar mais... ela deu a ideia que eu poderia cobrar
mais, para ver se eu ganhava alguma coisa, porque eu estava desempregada (...)" - gravação
audiovisual de fl. 353.
Defendeu, do mesmo modo que os acusados Nelson e Gilcicléia, que as propostas foram
apenas ilações e que nada foi concretizado.
A bem da verdade, o grau de afinidade dessas acusadas (Catiane e Gilcicléia) era o mais
intenso (acentuado) dentro do grupo criminoso, razão pela qual não restam dúvidas de que ambas
gerenciavam toda atividade consistente tanto na captação de "clientes"/interessados no falso,
quanto no recebimento e distribuição/divisão do dinheiro ilícito, indicação, seleção e recrutamento
de executores da falsificação (havendo, inclusive, negativa de alguns funcionários em participar
do "esquema") e, por fim, a entrega dos documentos falsamente autenticados aos "beneficiados"
do falso. As Chamadas do Guardião de n°: 13523859.WAV, de 03/11/2015, às 18h04min; e
13526159.WAV, de 04/11/2015, às 10h24min, respectivamente apresentadas nos quadros abaixo,
retratam bem essa situação:
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Há outras conversas telefônicas de suma importância para compreender a atuação da
organização criminosa. À título de exemplo, registre-se aquelas interceptadas no dia 04 de
novembro de 2015 (Chamadas do Guardião n°: 13526565.WAV, de 04/11/2015, às 11h58min;
13526638.WAV, de 04/11/2015, às 12h08min; 13526645.WAV, de 04/11/2015, às 12h10min;
13527486.WAV, de 04/11/2015, às 14h49min; e 13527743.WAV, de 04/11/2015, às 15h40min).
Seguindo a ordem cronológica das ligações, constata-se que o acusado Francisco (também
conhecido como 'Chico Cowboy') integrava o grupo criminoso, ao passo que, enquanto
proprietário da empresa FAMA AUTO ESCOLA - DESPACHANTE, captava "clientes"/interessados
nos falsos reconhecimentos de firma, notadamente em documentos de transferência de veículos
automotores ('DUTs'), que eram executados pelos corréus Catiane (intermediadora com quem
mantinha, por aproximadamente quinze anos, relacionamento amoroso), Gilcicléia, Alisson e
Jennifer.
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Indubitavelmente, a acusada Gilcicléia conhecia o fato de Catiane trabalhar diretamente
com Francisco e que este era responsável por angariar "clientes"/interessados na falsificação de
firma em documentos públicos e/ou privados. Desse modo, Gilcicléia possuía duas importantes
fontes de captação de “clientes”/beneficiados, pois além dos acusados Catiane e Francisco, o
corréu Nelson (sendo que este, como base no conjunto probatório, em tese, desconhecia o
envolvimento dos demais acusados) também era encarregado de exercer tal mister.
Formalmente, como bem salientado pelo próprio acusado Francisco em seu interrogatório,
Catiane não trabalhava no escritório de despachante. Segundo os seus relatos, ela somente
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locomovia-se para a empresa para utilizar gratuitamente as dependências do local e a internet,
para fins acadêmicos (fato também sustentado por Catiane). ENTRETANTO, cabe registrar que
inexistem provas nos autos sustentando essa alegação; sequer foram apresentados comprovante
de matrícula ou folha de frequência no suposto "cursinho". Por outro lado, há fortes evidências
apontando o conluio entre os acusados Catiane e Francisco, para a realização dos crimes de
falso.
Chama-se atenção agora para outro caso que reforça a associação dos acusados (a
exceção de Nelson), informalmente organizada, para a obtenção de vantagem de natureza
econômica, mediante a prática de crimes contra a fé pública.
Pretendendo evitar fraudes, o Cartório Gentil, assim como outros nesta Capital, passou a
registrar, em livro próprio, os dados do comprador, do vendedor e do atendente, no caso de
reconhecimento de firma de “DUT”, dificultando sobremaneira o reconhecimento de assinaturas
de negociantes que não estivessem presentes no balcão do Cartório. Contudo, esse mecanismo
não foi capaz de inibir a atuação do grupo criminoso, conforme verifica-se a seguir (Chamadas do
Guardião de n°: 13527971.WAV, de 04/11/2015, às 16h30min; e 13527984.WAV, de 04/11/2015,
às 16h33min, respectivamente):
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Em caso específico, dada a dificuldade em retirar a folha do livro, o acusado Alisson pediu
para que Catiane tentasse clonar a folha sessenta e depois, disfarçadamente, ele a substituiria
pela original, já assinada pelas partes interessadas. Ato contínuo, Gilcicléia pensou em outro
plano, qual seja, imprimir a folha do livro no Cartório, depois entregar para Alisson que, por sua
vez, entregaria para Catiane, que seria responsável por colher as assinaturas dos envolvidos.
Constata-se, ainda, o fato de Catiane ter dito que o corréu Francisco seria capaz de falsificar
qualquer assinatura, demonstrando que todos atuavam conjuntamente para a prática delitiva (v.
Chamadas do Guardião de n° 13531323.WAV, de 05/11/2015, às 11h40min e 13531426.WAV, de
05/11/2015, às 11h56min). Não é de se duvidar, com isso, que as assinaturas que eram
reconhecidas nos Cartórios eram realizadas por Francisco. Veja-se também a Chamada do
Guardião n° 13531464.WAV, de 05/11/2015), às 12h01min:
28
No dia seguinte (06/11/2015), a acusada Catiane pede novamente para Gilcicléia
reconhecer outra firma de um Documento Único de Transferência (DUT) e que, desta vez, o
corréu Francisco iria pagar R$ 600,00 (seiscentos reais) pelo "serviço fraudulento". No mais, a
Gilcicléia declarou que Alisson teria certo contato no "outro Cartório". Com respaldo nas provas
carreadas aos autos, esse contato seria identificado, a posteriori, como sendo a acusada Jeniffer
(v. Chamada do Guardião n° 13535765.WAV, de 06/11/2015, às 11h53min). Veja-se:
29
Dias depois (24/11/2015) as conversas interceptadas revelaram que o grupo criminoso
continuava a atuar nesta Capital. E mais. Constatou-se certo avanço (valorização) econômico
dessa atividade ilícita, justificando, portanto, o interesse e a necessidade em expandir essas
atividades para outros cartórios e municípios, deste Estado, conforme as Chamadas do Guardião
de n°: 13630467.WAV, de 24/11/2015, às 20h10min; 13642879.WAV, de 27/11/2015, às 15h31min;
13657049.WAV, de 30/11/2015, às 19h50min:
30
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31
Em reforço argumentativo, apesar de sustentar que não conhecia o acusado Francisco
(vulgo Chico Cowboy), Gilcicléia declarou que sabia do envolvimento dele e da facilidade com que
esse "despachante" conseguia captar clientes, interessados no reconhecimento de firma de
documentos (v. Chamada do Guardião n° 13657063.WAV, de 30/11/2015, às 19h52min):
Trago à baila, também, conversas extraídas do aplicativo Whatsapp, envolvendo
negociações entre o acusado Francisco e o 'cliente' Francisco de Altamira/PA, ocasião em que o
despachante cobra o valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) para reconhecer firma do
proprietário do veículo (falecido) constante em Documento de Transferência de veículo automotor.
Veja-se:
"(...) As mensagens a seguir são entre o alvo FRANCISCO e um indivíduo usando o terminal telefônico
(93) 9137-1983, que se identifica também como FRANCISCO. Nos registros das mensagens seu
número consta como "FRANCISCO ALTAMIRA", onde este fala que um contato seu de nome PAULO
indicou FRANCISCO BARROS para fazer a transferência de um documento de veículo para o seu nome.
No entanto, FRANCISCO BARROS informa que o proprietário do documento já faleceu, porém ele
consegue resolver, e informa que irá verificar qual será o valor para reconhecer a assinatura do
proprietário do veículo, já falecido. Alguns dias depois, em 17/02/2016, FRANCISCO BARROS informa
que custará R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) para resolver a situação. No dia 22/02/2016,
FRANCISCO BARROS informa que mandou de volta os documentos de FRANCISCO ALTAMIRA (...)" - IPL
120-15 APENSO XI - N. GILCICLEIA (fls. 127/137) - mídia de fl. 39).
Em 07/12/2015, por volta das 16 horas, interceptou-se conversa promovida entre os
acusados Gilcicléia e Nelson (Chamada do Guaridão n° 13695671.WAV), sendo a primeira vez,
durante a investigação, que esse acusado trata diretamente com aquela. Durante a conversa,
Nelson indaga a possibilidade de o reconhecimento de firma de um DUT em que um 'beneficiados'
não possui cartão no Cartório. Nesse momento Gilcicléia revela que a "menina" trabalha no 4º
Ofício de Notas e Registro Civil:
32
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
NO ENTANTO, conforme já mencionado, as provas carreadas aos autos NÃO foram
capazes de demonstrar que o acusado Nelson conhecia o envolvimento dos corréus nas
falsificações dos reconhecimentos de firma ou que sabia, de qualquer forma, da existência de um
grupo estruturalmente organizado, para prática desses crimes.
Ademais, prevalecendo-se das relações construídas no exercício da antiga função, os
acusados Alisson e Gilcicléia também tentavam recrutar outros funcionários, lotados em
diferentes Cartório, para desenvolver a mesma atividade, qual seja, reconhecer firma de “DUTs”. A
exemplo disso, cito as Chamadas do Guaridão n° 13536091.WAV, de 06/11/2015, às 12h44min;
13657063.WAV, de 30/11/2015, às 19h52min; 13664609.WAV, de 02/12/2015, às 11h06min; e
33
13713439.WAV, de 10/12/2015, às 13h06min:
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
34
_____________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
Convém registrar que, dentre todas as falsificações, o reconhecimento de firma da senhora
Ana Maria Molina Luna de Claros (2º fato - denúncia) foi, sem dúvidas, o que mais causou
35
perturbação durante a investigação, dada a ousadia do grupo criminoso, posto que conseguiram,
em 10/12/2015, reconhecer a assinatura falsa desta senhora, falecida em 05/09/2014 (v. fl. 162 -
IPL 120-15 APENSO XI do arquivo digital de fl. 39). Partindo-se das interceptações telefônicas, os
investigadores descobriram a execução desse 'serviço' (v. Chamada do Guardião n°
13701775.WAV, de 08/12/2015, às 16h47min):
A prova cautelar, portanto, comprova o envolvimento da organização criminosa para a
realização desse falso reconhecimento de firma. No mais, esse caso específico demonstrou que a
ligação da denunciada Jennifer com a organização criminosa não ocorria somente através do
acusado Alisson, mas também através do corréu Francisco, notadamente diante da prova de que
esse despachante foi o responsável por efetuar a regularização da transferência do veículo para o
nome de Herlindo (fls. 85/86 e 144/145 - apenso XI).
À evidência, outros importantes diálogos realizados no dia 10 de dezembro 2015 que, em
suma, apenas confirmam a "associação" duradoura do grupo criminoso, consistente na
convergência de vontades dos acusados Gilcicléia, Alisson, Catiane, Francisco e Jennifer para a
prática dos crimes de falso reconhecimento de firma:
(1) Chamada do Guardião 13713318.WAV, de 10/12/2015, às 12h52min:
36
(2) Chamada do Guardião 13713439.WAV, de 10/12/2015, às 13h06min:
(3) Chamada do Guardião n° 13713938.WAV, de 10/12/2015, às 14h14min:
37
(4) Chamada do Guardião n° 13713977.WAV, de 10/12/2015, às 14h21min:
38
(5) Chamada do Guardião n° 13714086.WAV, de 10/12/2015, às 10/12/2015:
Segue do mesmo modo, durante o mês de Janeiro de 2016:
(1) Chamada do Guardião n° 13874417.WAV, de 06/01/2016, às 20h30min:
39
(2) Chamada do Guardião 13879533.WAV, de 08/01/2016, às 01h14min:
Por fim, no mês de março de 2016:
(1) Chamada do Guardião n° 14195806.WAV, de 09/03/2016, às 16h18min:
40
41
A propósito, nesse último diálogo (CG n° 14195806.WAV), sobreveio a informação de que
o acusado Francisco teria efetuado o pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais) a um funcionário do
DETRAN/RO, para que este subtraísse determinado processo administrativo do interior da
referida autarquia. Ao que tudo indica, Francisco objetivava se desfazer do “DUT” (que continha o
falso reconhecimento de firma), que instruía o referido processo (3º fato - denúncia). Segundo a
testemunha/Policial Civil Christian, esse documento (DUT) diz respeito ao falso reconhecimento
de firma de Ana Maria Molina Luna de Claros, falecida em 05/09/2014 (2º fato - denúncia).
Ainda não se sabe como esse acusado suspeitou das investigações (notadamente
relacionado à este documento em específico, dada a multiplicidade de falsos reconhecimentos de
firma engendrados pela organização criminosa), a ponto, inclusive, de retirar rapidamente o
processo administrativo do interior do DETRAN/RO, antes mesmo da Polícia tentar localizá-lo.
O acusado Francisco, por sua vez, afastou qualquer responsabilidade quanto ao extravio
do processo/documento do DETRAN/RO, pois, conforme seus relatos, nem sequer possuía
acesso às dependências da aludida Autarquia. Registre-se, por óbvio, que esse acusado, de fato,
não precisaria ter acesso às dependências do DETRAN/RO, bastando conhecer algum
funcionário de sua confiança e, depois, corrompê-lo, mediante pagamento (ou promessa de
pagamento), para realizar o referido ato ilícito. Assim como o fez.
Impõe-se acentuar, por fim, o envolvimento da antiga funcionária do 4º Ofício Tabelionato
de Notas e Ofício de Registro Civil desta Comarca, Jennifer Callaú Bramini (ora acusada). Em
Juízo, a Tabeliã Ivani Cardoso Cândido de Oliveira, ouvida na qualidade de informante, destacou
que, através de denúncia anônima, recebeu informações de que existiam registros de assinaturas
falsas no Cartório em que era titular. Após, sobreveio notícia de que a acusada Jennifer estaria
envolvida nessas 'fraudes internas'.
A Tabeliã percebeu, através do livro (físico) de anotações de controle diário de venda de
42
veículos (livro de registro semelhante àquele utilizado no Cartório Gentil), local onde encontravam-
se os dados provenientes da relação jurídica que se pretendia reconhecer (ex. nomes do
comprador e do vendedor, número do chassi do veículo, data da negociação e o nome da
atendente etc.), constatou que Jennifer figurou como atendente no momento de reconhecer a
assinatura falsa de um DUT (fato que, posteriormente, foi confirmado pela própria acusada).
Segundo essa testemunha, a irregularidade consistiu na retificação e atualização do cartão
de assinaturas no sistema e posterior reconhecimento de firma, procedimentos que foram
realizados pela acusada Jennifer. Acredita que não poderia ter havido fraude, pelo menos, não
intencionalmente. Destacou que Jennifer trabalhava no Cartório há mais de dois anos e nunca
cometeu alguma ilicitude. Supõe que ela pode ter sido enganada por alguém que tenha
apresentado documento falso (prática, conforme demonstrou em Juízo, corriqueira naquele
Cartório, considerando a quantidade de pessoas que apresentam documentos de identificação
falsos). Declarou, por fim, que Jennifer seguiu todos os ditames legais e regulamentares exigidos
pelo Cartório.
Em sua autodefesa, Jennifer afirmou que, apesar de não recordar especificadamente, a
suposta pessoa (que se fazia passar pela falecida Ana Maria Ana Maria Molina Luna de Claros)
apresentou documento de identificação, sendo prontamente verificado. Disse também, que
observou que a assinatura estava diferente, razão pela qual atualizou o cartão de assinaturas
(esclareceu que este procedimento de atualização é comum no Cartório, tendo em vista que, com
o passar do tempo, a pessoa tende a mudar a sua assinatura) e, depois, reconheceu firma no
documento.
Aparentemente, pelo depoimento da Tabeliã Irani, poder-se-ia concluir que essa acusada
não conhecia as práticas ilícitas que estavam ocorrendo naquele Cartório e tampouco a atuação
de uma organização criminosa constituída com a precípua finalidade em reconhecer
fraudulentamente firmas em documentos públicos e particulares. ENTRETANTO, ao cotejar as
provas produzidas, notadamente àquelas que confirmam as circunstanciais, confrontando-as com
a ESTÓRIA criada pela própria acusada, percebe-se que Jennifer era, de fato, a "menina" tanto
mencionada nas conversas interceptadas.
Isto porque, Jennifer é conhecida/colega/amiga do acusado Alisson, tanto nas redes
sociais (Facebook) quanto pessoalmente, já que ambos frequentaram a mesma escola de ensino
fundamental e médio (21 de Abril). A par disso, diferentemente do que fora sustentado por Jennifer
em juízo (disse que, desde a escola, não teve mais contato com o acusado Alisson, muito menos
quando este trabalhava no Cartório Gentil), eles mantinham contato telefônico, posto que "foram
encontrados 44 (quarenta e quatro) registros telefônicos entre os números (69) 9217-2145
(JENNIFER) e o número (69) 9380-1687 (ALISSON VIEIRA DA SILVA) (...)" - v. o Relatório n°
004/2016 (IPL 120-15 APENSO XI - N. GILCICLEIA, pág. 76/82 - mídia de fl. 39). Soma-se a isso
o fato de a acusada Gilcicléia ter declarado que somente o corréu Alisson possuía um contato no
outro Cartório (v. Chamada do Guardião n° 13535765, de 06/11/2015, às 11h53min).
De forma contraditória, a acusada Jennifer assegurou, num primeiro momento, que não
havia ligações entre ela e o acusado Alisson. Logo em seguida, afirmou que o corréu Alisson
conhecia o local onde ela trabalhava e que, em razão disso, teria ligado, somente uma vez, para
perguntar se o Cartório estava "cheio" e se ele poderia ir lá para "fazer um documento". Finalizou
dizendo que todas as ligações promovidas entre ela e o acusado Alisson foram para tratar tão
somente do caso do reconhecimento de firma do DUT.
Engraçado, porque o acusado Alisson, também interrogado judicialmente, declarou que
essas ligações (44 ligações), realizadas às vésperas da deflagração da investigação, não estavam
relacionadas ao Cartório. Tratavam-se, segundo ele, 'em conversas de amizade'. Além do mais,
lembrou que já compareceu no 4º Cartório, juntamente com a sua namorada, chamada Aline, para
reconhecer um contrato de locação. Como era de se esperar, o acusado Alisson refutou todas as
43
ORCRIM falsifica reconhecimentos em cartórios
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ORCRIM falsifica reconhecimentos em cartórios

  • 1. Poder Judiciário Estado de Rondônia 2ª Vara Criminal da Comarca de Porto Velho Autos : 0003877-52.2016.8.22.0501 Autor(s) : Ministério Público do Estado de Rondônia Denunciado(s) : Francisco Barros Neto e Outros Vistos etc. I – R E L A T Ó R I O O Ministério Público deste Estado, através de um de seus membros, denunciou Francisco Barros Neto, Gilcicléia Brito Façanha, Alisson Vieira da Silva, Catiane Abadias do Nascimento, Jennifer Callaú Bramini e Nelson Ney Campos Costa, todos qualificados nos autos em epígrafe, por infração aos artigos: (1) Todos: 2º, §4º, inciso II, da Lei nº 12.850/13 (1º fato); (2) Jennifer, Gilcicléia e Alisson (aditamento à denúncia): 317, §1°, do Código Penal (2º fato); (3) Catiane e Francisco: 333, parágrafo único, do Código Penal (2º fato); (4) Francisco: 333, parágrafo único, e 337, c/c o 61, inciso II, b, na forma do 69, todos do Código Penal (3º fato); (5) Jennifer e Gilcicléia: 300 (1ª parte), do Código Penal (2º, 4º e 5° fatos); e (6) Gilcicléia, Catiane, Francisco e Alisson (aditamento à denúncia): 300 (1ª parte), na forma do 29, ambos do Código Penal (2º fato). Consta na inicial que (v. fls. 2/22): “1º Fato: Organização criminosa (...) Durante as investigações levadas a efeito com relação à atividade da organização criminosa comandada pelo indivíduo AGNALDO FROTA DOS SANTOS, conhecido como "GRAXA" - Ação Penal 0009078-59.2015.8.22.0501 - chegou ao conhecimento da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas o registro de ocorrência nº 15E1023000035, da autoria de José Gentil da Silva - Tabelião do 3º Registro Civil - relatando a descoberta pelo Tabelionato Beletti, de Cacoal, de discrepância entre o selo de autenticação existente no recibo de um DUT e a numeração correspondente no sistema do Tribunal de Justiça, onde constava que tal selo era referente ao reconhecimento de firma em uma procuração. Apuração interna do Tabelião identificou a existência de esquema de fraude em reconhecimentos de firmas, notadamente envolvendo transferências de veículos. A partir daí, com a possibilidade dessa atividade criminosa estar relacionada às ações da quadrilha do GRAXA, a DRACO passou a apurar no bojo do mesmo inquérito a atuação do grupo que se passou a denominar "NÚCLEO GILCICLÉIA - CARTÓRIOS" (referência à agente com posição predominante na organização). Com as devidas autorizações judiciais, acompanhou-se a comunicação entre os alvos. Logo se descobriu que as fraudes eram trabalho de um organização criminosa capitaneada por GILCICLÉIA BRITO FAÇANHA/GIL e que esta célula não se comunicava direta e exclusivamente com a ORCRIM de GRAXA. Na verdade, formava um grupo independente, atuante em dois Cartórios de Registro Civil (3° e 4° Cartórios de Registro Civil e Tabelião de Notas em Porto Velho), agindo na falsificação de reconhecimentos de firma de diversos documentos em troca de vantagens indevidas. Outrossim, destacava-se a atuação da organização criminosa no auxílio de 1
  • 2. demandas captadas por despachantes locais, notadamente o denunciado FRANCISCO BARROS NETO, quando se faziam necessários reconhecimentos fraudulentos de firmas para conferir aparente legalidade a negociações escusas. Passa-se a pormenorizar as funções de cada membro da organização criminosa: 1) GILCICLÉIA BRITO FAÇANHA, vulgo "GIL": exercia posição destacada na organização criminosa, pois, ao que consta nos autos, até ser flagrada por ocasião da fraude descrita na ocorrência 15E1023000035, era a única funcionária do Cartório Gentil que realizava as falsificações de reconhecimento de firma. Na importante Ata de Reunião da Comissão Interna de Verificação, instalada no 3º Registro Civil e Tabelião de Notas neste Município, destacou-se a forma de operação da denunciada GIL: (texto - "omissis"). Com o seu afastamento da função de escrevente autorizada, GIL logo se revelou capaz de manter a atuação da organização criminosa, corrompendo outros funcionários de Cartórios para desempenhar as mesmas operações fraudulentas enquanto continuava sendo procurada por interessados nos serviços escusos de seus comparsas dentro dos Cartórios. Continuou, assim, mesmo afastada da função de escrevente, centralizando em sua pessoa os pedidos de falsificação de reconhecimento mediante manipulação do sistema informatizado do Cartório para geração de selos. Dessa maneira, GIL foi flagrada nas escutas telefônicas gerenciando a atuação de novos membros da ORCRIM recrutados, negociando a atuação perante emissários dos despachantes e inclusive ensinando outros membros do grupo a manipular os sistemas informáticos internos do Cartório para lograr emitir os selos correspondentes ao ato extrajudicial visado pelo demandante (quadro de degravação - "omissis"). Como já mencionado, a fraude foi descoberta em dois casos concretos (4º e 5º FATOS adiante), sendo que a apuração destas duas fraudes gerou certa movimentação entre os componentes da organização criminosa, a despeito de não desencorajar a continuidade das atividades criminosas: (quadro de degravação - "omissis"). Comprovando que GILCICLÉIA, mesmo afastada de suas funções, continuou centralizando as demandas do denunciado FRANCISCO levadas até ela por CATIANE: (quadro de degravação – "omissis"). 2) ALISSON VIEIRA DA SILVA: enquanto era funcionário do Cartório Gentil, exerceu as mesmas funções na organização criminosa que GILCICLÉIA, manipulando, em troca de vantagens indevidas, o sistema cartorário informatizado para gerar selos de reconhecimento de firma falsos e assim dar aparência de autenticidade em documentos apresentados por despachantes, notadamente o denunciado FRANCISCO e sua funcionária CATIANE: (quadro de degravação - "omissis"). Foi ALISSON quem recrutou para a organização criminosa a denunciada JENIFFER CALLAÚ BRAMINI, responsável pela fraude no reconhecimento do DUT da falecida ANA MARIA M. LUNA de CLAROS (2º FATO). Embora não tenha sido captada nenhuma conversa telefônica entre tais agentes, a própria JENIFFER confirmou que já fez um reconhecimento de firma em um DUT para ALISSON e as informações do celular apreendido de JENIFFER revelaram dezenas de ligações telefônicas entre eles. 3) JENIFFER CALLAÚ BRAMINI: como escrevente auxiliar do 4º Ofício de Notas e Registro Civil de Porto Velho esta denunciada passou a integrar a organização criminosa a convite de ALISSON. Conforme se verifica das interceptações telefônicas encartadas à investigação, foram constantes as referências nas conversas dos outros participantes da organização referentes a valores exigidos por JENIFFER para execução dos trabalhos criminosos. Em um desses trabalhos, utilizando meios fraudulentos, a denunciada JENIFFER procedeu ao reconhecimento da assinatura falsificada de ANA MARIA MOLINA LUNA DE CLAROS efetuada no DUT - Renavam nº 21256172855, em 10/12/2015. A fraude é verificável de plano diante da comprovação do óbito da titular do veículo em 05/09/2014 (fl. 162 - Apenso XI). Os comentários gravados em interceptação autorizada, comprovam o envolvimento da organização criminosa para produzir tal resultado. Demonstra-se, assim, que a ligação da denunciada JENIFFER com a organização criminosa ocorria por ALISSON, principalmente diante da prova de que o solicitante da operação fraudulenta na transferência veicular citada no parágrafo anterior foi HERLINDO ROGER CLAROS CLAROS, viúvo da ANA MARIA, e que o despachante responsável por efetuar a regularização da transferência do veículo para o nome de HERLINDO foi o denunciado FRANCISCO (fls. 85/86 e 144/145 - Apenso XI). Conversa gravada no dia 08/12/2015 entre CATIANE e GILCICLÉIA, fechou o círculo investigatório ao revelar a atuação da organização criminosa para reconhecimento de firma no Documento Único de Transferência em nome de ANA MARIA MOLINA LUNA DE CLAROS. Além disso, em conversa entre os denunciados NELSON e 2
  • 3. GILCICLÉIA, há nítida menção a trabalho a ser executado no 4º Ofício, onde a organização criminosa possuía como membro atuante a denunciada JENIFFER: (quadro de degravação – "omissis"). 4) CATIANE ABADIAS DO NASCIMENTO: auxiliar do denunciado FRANCISCO BARROS NETO para as práticas criminosas aqui referidas, levava as solicitações ilícitas do despachante aos funcionários dos Cartórios de Registro Civil. CATIANE negociava diretamente com GILCICLÉIA os valores a serem pagos para os membros responsáveis pelas falsificações de reconhecimento. Também acompanhava, instruía e apoiava as ações dos demais membros nas falsificações. As conversas captadas e documentos apreendidos (fls. 635) ressaltam que CATIANE repassava os pagamentos efetuados por FRANCISCO aos demais componentes da organização criminosa. Além das gravações já transcritas acima, são provas contundentes da atuação de CATIANE nas atividades da organização criminosa: (quadros de degravação – "omissis"). 5) FRANCISCO BARROS NETO, vulgo "CHIQUINHO COWBOY": na condição de proprietário da empresa FAMA AUTO ESCOLA - DESPACHANTE, o denunciado FRANCISCO tinha grande facilidade para captar clientes interessados em fraudar os reconhecimentos de firma e conferir aparente legitimidade a negócios ilícitos. Desta forma, conforme as diversas conversas interceptadas, repassava as missões para CATIANE, que por sua vez buscava GILCICLÉIA e seus parceiros junto aos Cartórios da cidade (quadro de degravação - "omissis"). Além disso, com o nítido propósito de tentar apagar o rastro deixado pela ação da organização criminosa na transferência do veículo Toyota Etios, placas OSL 1496, de ANA MARIA MOLINA L. DE CLAROS, o denunciado FRANCISCO, mediante seus contatos escusos no DETRAN/RO, subtraiu dos arquivos daquela autarquia o processo administrativo referente a tal operação (3° FATO). Com a apreensão do aparelho celular de FRANCISCO durante a "Operação Clone" revelou-se a audácia do denunciado FRANCISCO e de toda a organização criminosa, pois mesmo ciente da possibilidade de desdobramentos penais quanto à transferência ilegal do veículo Toyota Etios, placas OSL 1496, continuou operando criminosamente. Nesse sentido, extraiu-se tela de conversa pelo aplicativa Whatsapp, de 05/02/2016, onde o indigitado aceita agir para reconhecer a firma de uma pessoa já falecida pelo valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) - Relatório n. 05/2016 (fls. 127/137 - Apenso XI). 6) NELSON NEY CAMPOS COSTA: também captava clientes para a organização criminosa, repassando para a denunciada GILCICLÉIA as missões e os valores ilícitos pelos serviços. As conversas captadas entre os dois denunciados supracitados revelaram a proximidade da dupla e a audácia da organização criminosa ao continuar as atividades mesmo depois de descobertas as duas fraudes no Cartório Gentil e a fraude no 4º Ofício (2º, 4º e 5º FATOS): (quadros de degravação – "omissis"). 2º Fato: No dia 10 de dezembro de 2015, em horário não apurado, nas dependências do Cartório do 4º Ofício de Notas e Registro Civil de Porto Velho, sito a rua Dom Pedro II, 1039, Centro, desta cidade, a denunciada JENIFFER CALLAÚ BRAMINI reconheceu, como verdadeira, no exercício de função pública, firma falsificada em documento público, solicitando e recebendo vantagem pecuniária indevida para tal serviço criminoso efetivamente realizado. Restou apurado que a firma reconhecida falsamente por JENIFFER era da proprietária do veículo Toyota Etios, placas OSL-1496, Ana Maria Molina Luna de Claros, pessoa falecida em 05/09/2014 (fl. 162 - Apenso XI). O documento público onde lançada a assinatura falsa era o Documento Único de Transferência de Veículo - Renavam nº 21256172855 (fl. 542). Conforme a investigação, atuaram em concurso de agentes para a consecução do intento fraudulento os denunciados GILCICLÉIA, CATIANE e FRANCISCO. FRANCISCO foi contratado pelo viúvo de Ana Maria, HERLINDO ROGER CLAROS CLAROS, para providenciar a transferência do veículo em seu favor. Assim, o denunciado FRANCISCO, como de praxe (1° FATO), contratou as denunciadas CATIANE e GILCICLÉIA para realizar a autenticação de assinatura falsa perante um dos Cartórios da cidade, tudo mediante a promessa por parte de FRANCISCO e CATIANE de vantagem pecuniária indevida, e por parte de GILCICLÉIA e JENIFFER mediante solicitação de vantagem pecuniária indevida. Após a fraude no reconhecimento da assinatura de pessoa já falecida, a transferência do bem foi efetivada para HERLINDO ROGER. Conversas captadas mediante autorização judicial, entre as denunciadas CATIANE e GILCICLÉIA, demonstram a atuação dos quatro denunciados no sentido de realizar a fraude acima, mediante recebimento e pagamento de vantagens indevidas. 3º Fato: Em dia não apurado nos autos, mas certamente após o 2º FATO acima descrito, nas dependências do DETRAN/RO, nesta cidade e Comarca, o denunciado FRANCISCO BARROS NETO ofereceu vantagem 3
  • 4. indevida a funcionário público daquela autarquia, para determiná-lo a subtrair o processo administrativo de recadastramento do veículo Toyota Etios, placa OSL – 1496, dos arquivos do DETRAN/RO, a fim de evitar a responsabilização civil, administrativa e penal relativa ao 2º FATO descrito acima. Durante a apuração policial relativa à fraude perpetrada no Documento de Transferência do mencionado veículo, ciente que o falso reconhecimento de firma já havia sido descoberto, o denunciado FRANCISCO, lançando mão de seus contatos privilegiados junto ao DETRAN/RO, subtraiu dos arquivos daquela autarquia o processo administrativo referente à transferência veicular, onde constaria o documento público em que ilicitamente se reconheceu a firma de pessoa falecida. Restou comprovado, por meio da gravação de conversa entre as denunciadas GILCICLÉIA e CATIANE, que o acusado pagou R$ 1.000,00 (mil reais) terceira pessoa ainda não identificada, funcionária do DETRAN/RO, para subtrair da repartição competente os documentos públicos supracitados. Requisitado pela autoridade policial, o processo não foi encontrado no DETRAN/RO (fl. 144). 4º Fato: No dia 14 de setembro de 2015, período vespertino, nas dependências do 3º Ofício de Notas e Registros Civil de Porto Velho - Cartório Gentil -, nesta cidade e Comarca, a denunciada GILCICLÉIA reconheceu, como verdadeira, no exercício de função pública, firma falsificada em documento público. As investigações comprovaram que o documento público em que reconhecida falsamente a firma pela denunciada é o Certificado de Registro e Licenciamento do veículo Toyota Hillux CD, placas MZX 5098, mais especificamente o DUT - Documento Único de Transferência, no local da assinatura do proprietário Webert Weiller Keller. Conforme documentos constantes nos autos, GILCICLÉIA manipulou o sistema informatizado do mencionado Cartório para gerar o selo público de autenticação mesmo não havendo cartão de firma do suposto signatário. Para isso usou o cartão de assinaturas de Gilberto Gonçalves dos Santos, alterando os dados deste, imprimindo o selo de autenticação, e depois corrigindo os dados antes alterados. Apuração interna realizada pelo Cartório Gentil identificou o modo de atuação da denunciada (fls. 462/470). 5º Fato: No dia 20 de agosto de 2015, período matutino, nas dependências do 3º Ofício de Notas e Registro Civil de Porto Velho - Cartório Gentil -, nesta cidade e Comarca, a denunciada GILCICLÉIA reconheceu, como verdadeira, no exercício de função pública, firma falsificada em documento público. Apurou-se que o documento público em que reconhecida falsamente a firma pela denunciada é o Certificado de Registro e Licenciamento do veículo Honda Hornet CB 600, placa NDQ-2342, mais especificamente o DUT - Documento Único de Transferência, no local da assinatura do proprietário Algegson Campos Bezerra. Conforme documentos constantes nos autos, GILCICLÉIA manipulou o sistema informatizado do mencionado Cartório para gerar o selo público de autenticação mesmo não havendo cartão de firma do suposto signatário. Para isso usou o cartão de assinaturas de Raquel Carvalho Dartiballe Saraiva, alterando os dados deste, imprimindo o selo de autenticação, e depois corrigindo os dados antes alterados. Apuração interna realizada pelo Cartório Gentil identificou o modo de atuação da denunciada (fls. 462/470). (Grifos no original)." A denúncia, informada com o respectivo Inquérito Policial (nº 120/2015 - DERFRVA - DRACO – v. mídia de fl. 39), foi recebida no dia 08/04/2016 (v. fls. 80/81). Os acusados Francisco, Jennifer, Gilcicléia e Catiane foram pessoalmente citados (v. certidões de fls. 127 e 129). Alisson e Nelson, apesar de não terem sido encontrados para citação pessoal, constituíram defensores (v. fls. 89 e 185, respectivamente). Respostas às acusações constam às fls. 154/158 (Jennifer), 161/167 (Alisson), 170/181 (Francisco), 189/191 (Catiane), 192 (Gilcicléia) e 195/204 (Nelson). O processo foi saneado e deferida a produção da prova oral especificada pelas partes, designando-se audiência de instrução e julgamento (v. fl. 207). No curso da instrução criminal foram inquiridas 14 (catorze) testemunhas (v. mídias de fls. 253, 347 e 353) e interrogados os acusados (v. mídia de fl. 353). 4
  • 5. O Ministério Público aditou à denúncia (v. fls. 359/363), requerendo a condenação do acusado Alisson, nas penas dos artigos 317, §1°, e 300, com a norma de extensão do artigo 29, todos do Código Penal (2º fato), a par do crime de organização criminosa. Cumpriu-se o disposto no artigo 384, §2º, do Código de Processo Penal (v. fls. 364/373). O aditamento foi recebido (v. fl. 374). Reinterrogatório do acusado Alisson consta na mídia de fl. 384. As partes não requereram diligências. Em alegações finais o Ministério Público requereu a procedência parcial da denúncia (v. fls. 385/429), para condenar os acusados, exceto Nelson, em relação ao qual pediu a absolvição, por insuficiência de provas, pelos crimes abaixo relacionados, em concurso material: (1) Artigo 2°, §4º, inciso II, da Lei 12.850/13: Francisco, Gilcicléia, Alisson, Catiane e Jennifer (1° Fato); (2) Jennifer, Gilcicléia e Alisson (aditamento à denúncia): artigo 317, §1°, do Código Penal (2º fato); (3) Catiane e Francisco: artigo 333, parágrafo único, do Código Penal (2º fato); (4) Francisco: artigos 333, parágrafo único, e 305 (emendatio libelli), na forma do 69, todos do Código Penal (3º fato); (5) Jennifer e Gilcicléia: artigo 300 (1ª parte), do Código Penal (2º, 4º e 5° fatos); e (6) Gilcicléia, Catiane, Francisco e Alisson (aditamento à denúncia): artigo 300 (1ª parte), na forma do 29, ambos do Código Penal (2º fato). A Defesa, por sua vez, requereu para o(s) acusado(s): Jennifer: absolvição, nos termos do artigo 386, incisos V e VII, do Código de Processo Penal (inexistência ou insuficiência de provas para a condenação) - conforme memoriais de fls. 432/441; Nelson: absolvição, nos termos do artigo 386, incisos III (atipicidade) e V (inexistência de provas de ter concorrido para as infrações penais), do Código de Processo Penal - conforme memoriais de fls. 452/460; Alisson: absolvição, nos termos do artigo 386, incisos IV e VII, do Código de Processo Penal (estar provado que não concorreu para os crimes ou insuficiência de provas para a condenação) - memoriais de fls. 463/473; Francisco: a nulidade da prova, sustendo que a interceptação telefônica, base da denúncia, foi realizada sem autorização judicial e, no mérito, absolvição, nos termos do artigo 386, incisos IV, V e VII, do Código de Processo Penal - conforme memoriais de fls. 474/530; Gilcicléia: absolvição, nos termos do artigo 386, incisos IV e VII, do Código de Processo Penal (estar provado que não concorreu para os crimes ou insuficiência de provas para condenação) - memoriais de fls. 533/539; e Catiane: absolvição, nos termos do artigo 386, incisos IV, V e VII, do Código de Processo Penal - conforme memoriais de fls. 541/580; É o relatório. Decido. II – F U N D A M E N T A Ç Ã O II.1 - Questões deduzidas em preliminar II.1.1 - Inépcia da denúncia. Rejeição. 5
  • 6. Os Defensores dos acusados Alisson e Francisco requereram, em preliminar, inépcia da denúncia, argumentando com a 'generalidade dos fatos ali descritos'. Dito de outro modo, segundo os il. Defensores, a inicial acusatória não trata de forma precisa e pormenorizada as condutas desses acusados, sendo, portanto, incapaz de apontá-los como integrantes da organização criminosa apurada nos presentes autos. Não obstante já tenha sido objeto de análise e rejeição no despacho saneador (v. fl. 207), passo ao reexame dessa questão, evitando, com isso, futura alegação de deficiência na prestação jurisdicional. Senão vejamos: Aos acusados Alisson e Francisco foram imputadas, respectivamente, as seguintes condutas: "(...) enquanto era funcionário do Cartório Gentil, exerceu as mesmas funções na organização criminosa que GILCICLÉIA, manipulando, em troca de vantagens indevidas, o sistema cartorário informatizado para gerar selos de reconhecimento de firma falsos e assim dar aparência de autenticidade em documentos apresentados por despachantes, notadamente o denunciado FRANCISCO e sua funcionária CATIANE: (quadro de degravação - "omissis"). Foi ALISSON quem recrutou para a organização criminosa a denunciada JENIFFER CALLAÚ BRAMINI, responsável pela fraude no reconhecimento do DUT da falecida ANA MARIA M. LUNA de CLAROS (2º FATO). Embora não tenha sido captada nenhuma conversa telefônica entre tais agentes, a própria JENIFFER confirmou que já fez um reconhecimento de firma em um DUT para ALISSON e as informações do celular apreendido de JENIFFER revelaram dezenas de ligações telefônicas entre eles (...)" (grifos no original)" - Alisson Vieira da Silva. (grifos no original). "(...) na condição de proprietário da empresa FAMA AUTO ESCOLA - DESPACHANTE, o denunciado FRANCISCO tinha grande facilidade para captar clientes interessados em fraudar os reconhecimentos de firma e conferir aparente legitimidade a negócios ilícitos. Desta forma, conforme as diversas conversas interceptadas, repassava as missões para CATIANE que por sua vez buscava GILCICLÉIA e seus parceiros junto aos Cartórios da cidade (quadro de degravação - "omissis"). Além disso, com o nítido propósito de tentar apagar o rastro deixado pela ação da organização criminosa na transferência do veículo Toyota Etios, placas OSL 1496, de ANA MARIA MOLINA L. DE CLAROS, o denunciado FRANCISCO, mediante seus contatos escusos no DETRAN/RO, subtraiu dos arquivos daquela autarquia, o processo administrativo referente a tal operação (3° FATO). Com a apreensão do aparelho celular de FRANCISCO durante a "Operação Clone" revelou-se a audácia do denunciado FRANCISCO e de toda a organização criminosa, pois mesmo ciente da possibilidade de desdobramentos penais quanto à transferência ilegal do veículo Toyota Etios placas OSL 1496, continuou operando criminosamente. Nesse sentido, extraiu-se tela de conversa pelo aplicativa Whatsapp, de 05/02/2016, onde o indigitado aceita agir para reconhecer a firma de uma pessoa já falecida pelo valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) - Relatório nº 05/2016 (fls. 127/137 - Apenso XI)" (grifos no original) - Francisco Barros Neto. (grifos no original). Verifica-se que as condutas imputadas a esses acusados encontram-se delineadas na exordial acusatória, inocorrendo imputação genérica. A acusação recai sobre o fato de eles integrarem, pessoalmente, a organização criminosa. Isto porque, enquanto Alisson - em troca de vantagem econômica indevida -, manipulava (conduta comissiva o dolosa), em prol do grupo criminoso, o sistema informatizado do Cartório Gentil para gerar selos de reconhecimento de firma falsos (dentre outras condutas), Francisco tinha a missão de angariar, durante o desempenho de sua atividade comercial, "clientes"/interessados no falso, fomentando a atividade ilícita desenvolvida pela organização criminosa. Conforme se verá adiante, a conduta de integrar consiste em aceitar, ser membro de organização criminosa, permanecendo sempre à disposição para executar uma das diversas 6
  • 7. atividades existentes, recebendo, direta ou indiretamente, vantagem indevida para tanto, mesmo que não venha a praticar algum ato relativo aos crimes fins. Trata-se de crime de natureza formal. A propósito: "RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PEÇA EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ART. 41 DO CPP. CRIME DE AUTORIA COLETIVA. MITIGAÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DE DESCRIÇÃO MINUCIOSA DE CADA AÇÃO. POSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. (…) 4. In casu, a denúncia, ainda que de forma sucinta, imputou aos recorrentes as condutas consistentes em procurar profissionais para oferecer participação no esquema criminoso. Ou seja, é clara a imputação, que possibilita o exercício da ampla defesa. Nessa fase processual, a imputação descrita na denúncia é suficiente para deflagrar a ação penal e minúcias acerca das circunstâncias da prática delitiva e demonstração do elemento subjetivo do tipo poderão ser aferidas durante a instrução probatória, sob o crivo do contraditório. A denúncia ofertada pelo Parquet estadual permite o livre exercício do direito de ampla defesa e do contraditório, na medida em que descreve a conduta imputada aos recorrentes, demostrando indícios suficientes de autoria, prova da materialidade e efetuando uma descrição fática que possibilita a adequação típica, nos termos do que dispõe o art. 41 do CPP. 5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem mitigado a exigência de descrição minuciosa da ação de cada agente nos crimes de autoria coletiva, desde que a denúncia não seja demasiadamente genérica. Precedentes. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido" (STJ - RHC n° 62.255-SP. Ministro Relator Joel Ilan Paciornik. Quinta Turma. Julgado em: 22/11/2016). (Negritei). Não se deve perder de vista também o fato de a denúncia ter sido aditada posteriormente para acrescer, em desfavor do acusado Alisson, os crimes de corrupção passiva majorada (CP, art. 317, §1º) e falso reconhecimento de firma (CP, art. 300, primeira parte). Dessarte, é de se concluir que a denuncia não se encontra 'demasiadamente' genérica e, com isso, não se vislumbra prejuízo apto a suplantar o exercício do contraditório e da ampla defesa. A confirmação minuciosa do(s) fato(s) criminoso(s) só será possível no decorrer da instrução processual, notadamente após análise de todo arcabouço probatório. Pelo exposto, rejeito a preliminar em exame. II.1.2 - Interceptação telefônica. Irregularidades. Prova ilícita. Teoria dos frutos da árvore envenenada. Inocorrência. Alegação inoportuna. Ausência de boa-fé objetiva. Renúncia tácita. Nulidade de algibeira. Inadmissibilidade. Rejeição. A Defesa dos acusados Francisco e Catiane (embora Catiane não tenha se manifestado expressamente pela nulidade dessa prova cautelar e tampouco apontado irregularidades durante as investigações, limitando-se a descrever os requisitos legais para a realização da interceptação telefônica), em alegações finais, alegou que a interceptação telefônica - prova cautelar, cujo procedimento encontra-se previsto na Lei Federal n° 9.296/96 - foi ilícita (ou irregular), ante a ausência de fundamentação idônea, e, por consequência, todas as demais (provas) obtidas por derivação também o seriam (teoria dos frutos da árvore envenenada). O crime de organização criminosa, como sabemos, é de difícil constatação, pois seus integrantes agem na clandestinidade que, para sua permanência e assente desenvolvimento, torna-se nota característica de sua própria concretização. Nessa conjuntura, o sistema processual penal, guiado pelo princípio da verdade real (dentre outros), dispõe de mecanismos aptos a desvendar (revelar) os contornos do grupo criminoso, seus participantes, formas de atuação, etc. Dentre outros, destaca-se a interceptação telefônica. Destaco, nesse ponto, o seguinte trecho de voto da Ministra do E. Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia: 7
  • 8. "Não há nulidade na decisão que, embora sucinta, apresenta fundamentos essenciais para a decretação da quebra do sigilo telefônico, ressaltando, inclusive, que “o modus operandi dos envolvidos” “dificilmente” poderia “ser esclarecido por outros meios”. As informações prestadas pelo juízo local não se prestam para suprir a falta de fundamentação da decisão questionada, mas podem ser consideradas para esclarecimento de fundamentos nela já contidos" (STF. HC 94.028, rel. min. Cármen Lúcia, j. 22/4/2009, 1ª T, DJE de 29/5/2009). In casu, a decisão que incluiu a acusada Gilcicléia na ação cautelar de interceptação telefônica foi devidamente fundamentada, tendo em vista que, em se tratando de "clonagens" de veículos (envolvendo crimes de furto, roubo, adulteração de sinais identificadores de veículo automotor e receptação qualificada), haveria, a princípio, possibilidade de falsos reconhecimentos de firma nos documentos de transferência desses veículos (o que restou confirmado durante a tramitação da ação penal n° 0009078-59.2015.8.22.0501 - "Grupo do Graxa"). É manifesta, em tese, a correlação entre as práticas criminosas, estando, portanto, justificada a inclusão dessa acusada na cautelar de interceptação e, com o passar do tempo, dos corréus. Entretanto, a questão seguirá outro desfecho. Isto porque, desde o momento em que os Defensores se habilitaram nos autos, eles tiveram pleno acesso às provas produzidas, inclusive aos relatórios das interceptações telefônicas, podendo, assim, desde as respostas às acusações, sustentar eventual nulidade, o que não fizeram. Curiosamente, a irresignação sobreveio há aproximadamente 01 (um) ano depois nas alegações finais. Verifica-se, nesse caso, a ocorrência da chamada nulidade de algibeira que, conforme o E. Superior Tribunal de Justiça, ocorre quando a parte, estrategicamente, permanece silente no momento oportuno, deixando para suscitar a nulidade em ocasião posterior, manobra que já foi rechaçada pelo E. STJ, conforme a ementa transcrita a seguir: "AGRAVO REGIMENTAL. NULIDADE. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA.. INOVAÇÃO RECURSAL. PROCESSO UTILIZADO COMO DIFUSOR DE ESTRATÉGIAS. IMPOSSIBILIDADE DO MANEJO DA CHAMADA "NULIDADE DE ALGIBEIRA". AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO SEGURADO. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA.. CABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (...) 3. A jurisprudência do STJ, atenta à efetividade e à razoabilidade, tem repudiado o uso do processo como instrumento difusor de estratégias, vedando, assim, a utilização da chamada "nulidade de algibeira ou de bolso" (EDcl no REsp 1424304/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 26/08/2014). (…). STJ - AgRg na PET no AREsp 204145/SP. Ministro Relator Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Data de julgamento: 23/06/2015. A título de exemplo, cito também decisão recente (14/06/2016), proferida no Habeas Corpus n° 133.476/AM, de relatoria do Ministro Teori Zavascki. Nesse writ, a Defensoria Pública da União pleiteou a nulidade do julgamento de apelação criminal, tendo em vista a ausência de intimação pessoal da pauta da sessão de julgamento da apelação. Ao denegar a ordem, o ilustre Relator asseverou que: "(...) De fato, é de se exigir que a parte, caso se considere prejudicada em seu direito, manifeste sua irresignação na primeira oportunidade a falar nos autos. Postergar tal irresignação processual, mesmo estando compreendida dentre as matérias de ordem pública, implica verdadeira contradição ao próprio interesse da parte em exercer sua defesa de forma efetiva e em momento oportuno. Aparenta, inclusive, inovação de tese defensiva. No caso, não obstante tenha oposto embargos de 8
  • 9. declaração, a Defensoria Pública veiculou tal insurgência tardiamente, quando da interposição do Recurso Especial (...)" (negritei). Infelizmente, no sistema processual penal brasileiro, a Defesa, ao invés de colaborar para que seja proferida, em tempo razoável, uma decisão de mérito justa e efetiva, tenta se valer de manobras evasivas e procrastinatórias. A conduta do Defensor, por vezes, afasta-se dos deveres de boa-fé (objetiva), lealdade, informação e cooperação. Esses postulados (em especial, o da boa-fé objetiva) exigem das partes o dever de, por exemplo, suscitar, na primeira oportunidade em que lhes couber, ou, pelo menos, em prazo razoável, nulidades que entenderem pertinentes, sob pena de preclusão. Na verdade, a exigência também decorre diretamente da lei, conforme dispõe o artigo 396- A do Código de Processo Penal: "Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário" (incluído pela Lei n° 11.719/08). (destaquei). Entende-se, portanto, que a parte renunciou tacitamente ao seu direito de sustentar a duvidosa nulidade. Desta forma, afasta-se da boa-fé processual (e, porque não do devido processo legal) a conduta daquele que ocultar uma tese de nulidade para arguí-la posteriormente, objetivando possivelmente prejudicar à marcha processual, promovendo tumulo e, com isso, facilitando a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. Pelo que foi dito, rejeito também essa preliminar. II. 2 - Mérito Objetivando facilitar a compreensão, os fatos serão divididos entre crimes, organizado por natureza (v. Lei n° 12.850/13, artigo 2º, caput) e por extensão (v. CP, artigos 300, caput; 305, caput; 317, caput; e 333, caput). II.2.1 - 1º Fato - Crime organizado por natureza. Causa de aumento. Concurso de funcionário público. Prova suficiente, exceto em relação ao denunciado Nelson. II.2.1.1 - Questões propedêuticas Inovando no ordenamento jurídico pátrio, a Lei 12.850/13 alterou (revogando de maneira tácita e parcial) a conceituação de organização criminosa, até então prevista no artigo 2º, da Lei nº 12.694/2012, que agora passou a ser considerada como: "(...) a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional." - (Lei 12.850/13, artigo 1º, §1º). Diferentemente de qualquer outro dispositivo legal, a Lei nº 12.850/2013 estabeleceu um novo tipo penal incriminador para aquele que promove, constitui, financia ou integra, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, prevendo, inclusive, em seus parágrafos e incisos, causas de aumento e agravantes específicas. Veja-se: 9
  • 10. Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. §1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. §2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo. §3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução. §4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços): I - se há participação de criança ou adolescente; II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal; III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes; V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização. §5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual. § 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena. §7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão. Merece transcrição, nesse ponto, a lição de Renato Brasileiro de Lima: "(...) quando o conceito de organização criminosa foi introduzido no art. 2° da Lei n° 12.694/12, que versa sobre a formação do juízo colegiado para o julgamento de crimes por elas praticados, a formação de uma organização criminosa, por si só, não era crime, não era um tipo penal, já que sequer havia cominação de pena. À época, tratava-se apenas de uma forma de se praticar crimes, sujeitando o agente a certos gravames, tais como: 1) sujeição do preso provisório ou do condenado ao regime disciplinar diferenciado (LEP, art. 52, § 2°); 2) realização do interrogatório por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real (CPP, art. 185, § 2°, I); 3) impossibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena do §4° do art. 33 da Lei n° 11.343/06 ao tráfico de drogas; 4) aumento da pena do crime de lavagem de capitais de um a dois terços se o crime for cometido por intermédio de organização criminosa (Lei n° 9.613/98, art. 1°, § 4°, com redação dada pela Lei n° 12.683/12). Com a entrada em vigor da Lei n° 12.850/13, subsiste a possibilidade de aplicação de todos esses gravames. No entanto, a figura da organização criminosa deixa de ser considerada uma simples forma de se praticar crimes para se tornar um tipo penal incriminador autônomo - "Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa" (Lei n° 12.850/13, art. 2°) -, punido com pena de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. Em que pese a Lei n° 12.850/13 não ter fornecido o nomen iuris do crime, podemos denominá-lo de organização criminosa" - LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único - 4. ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2016. (Negritei). 10
  • 11. E continua: "(...) Logo, trata-se de norma penal em branco homogênea. Grosso modo, são 3 (três) os requisitos fixados pelo art. 1°, § 1°, da Lei n° 12.850/13, para o reconhecimento da organização criminosa: a) Associação de 4 (quatro) ou mais pessoas: esta associação de 4 (quatro) ou mais pessoas deve apresentar estabilidade ou permanência, características relevantes para sua configuração, que diferenciam esta figura delituosa do concurso eventual de agentes a que se refere o art. 29 do CP, dotado de natureza efêmera e passageira. Com efeito, apesar de não haver menção expressa no art. 2° da Lei n° 12.850/13, o ideal é concluir que a estabilidade e a permanência funcionam como elementares implícitas do crime de organização criminosa, porquanto não se pode admitir que uma simples coparticipação criminosa ou um eventual e efêmero acordo de vontades para a prática de determinado crime tenha o condão de tipificar tal delito. (...)"; b) Estrutura ordenada que se caracteriza pela divisão de tarefas, ainda que informalmente: geralmente, as organizações criminosas se caracterizam pela hierarquia estrutural, planejamento empresarial, uso de meios tecnológicos avançados, recrutamento de pessoas, divisão funcional das atividades, conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com agente do poder público, oferta de prestações sociais, divisão territorial das atividades ilícitas, alto poder de intimidação, alta capacitação para a prática de fraude, conexão local, regional, nacional ou internacional com outras organizações. Essa compartimentalização das atividades, expressada na elementar "divisão de tarefas", reforça o sentido de estruturação empresarial que norteia o crime organizado. A divisão direcionada de tarefas costuma ser estabelecida pela gerência segundo as especialidades de cada um dos integrantes do grupo, a exemplo do que ocorre com o roubo de veículos, em que um agente fica responsável pela subtração, e outros pelo "esquentamento" ou desmanche, falsificação de documentos e revenda; c) Finalidade de obtenção de vantagem de qualquer natureza mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou de caráter transnacional: para a caracterização de uma organização criminosa, a associação deve ter por objetivo a obtenção de qualquer vantagem, seja ela patrimonial ou não, mediante a prática de infrações penais com pena máxima superior a 4 (quatro) anos, ou que tenham caráter transnacional (...)" - LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único - 4. ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2016. (Negritei). Dentre os maiores avanços dessa inovação legislativa, destacam-se a adoção de técnicas especiais de investigação (meios extraordinários de obtenção de provas), a par das já existentes (meios ordinários de obtenção de provas) e, dentre aquelas, com maior preponderância neste caso, a ação controlada e a interceptação de comunicações telefônicas (Lei 12.850/13, artigos 3º, incisos III e V). A ação controlada (técnica especial de investigação) consiste em retardar a intervenção policial ou administrativa (após prévia comunicação ao juiz competente) relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações (Lei 12.850/13, artigo 8º caput). A interceptação de comunicações telefônicas, para fins de investigação criminal, prevista constitucionalmente (CF, artigo 5°, inciso XII) e regulamentada pela Lei n° 9.296/96, afigura-se como sendo a captação de comunicação telefônica alheia por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores. A adoção de meios extraordinários de provas representa um dos mais importantes instrumentos de combate ao crime organizado, posto que, não se espera que grupos criminosos constituam-se através de estatuto jurídico ou que promovam atividades em observância às exigências legais e sociais. 11
  • 12. Noutras palavras, esta espécie de delito (“organização criminosa”) costuma não deixar “rastros” (vestígios visíveis de sua existência), dificultando sobremaneira os trabalhos de investigação criminal e, por consequência lógica, garantindo a permanecia do próprio grupo criminoso. Sobre o assunto, observa Antônio Scarance Fernandes que: "(...) é essencial para a sobrevivência da organização criminosa que ela impeça a descoberta dos crimes que pratica e dos membros que a compõem, principalmente dos seus líderes. Por isso ela atua de modo a evitar o encontro de fontes de prova de seus crimes: faz com que desapareçam os instrumentos utilizados para cometê-los e com que prevaleça a lei do silêncio entre os seus componentes; intimida testemunhas; rastreia por meio de tecnologias avançadas os locais onde se reúne para evitar interceptações ambientais; usa telefones e celulares de modo a dificultar a interceptação, preferindo conversar por meio de dialetos ou línguas menos conhecidas. Por isso, os Estados viram-se na contingência de criar formas especiais de descobrir as fomes de provas, de conservá-las e de permitir produção diferenciada da prova para proteger vítimas, testemunhas e colaboradores" - O equilíbrio entre a eficiência e o garantismo e o crime organizado. In: TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; LANFREDI, Luís Geraldo Sant'Ana; SOUZA, Luciano Anderson de; SILVA, Luciano Nascimento (Coord.). Repressão penal e o crime organizado, os novos rumos da política criminal após o 11 de setembro. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 241. (apud, Renato Brasileiro de Lima, Legislação Criminal Especial Comentada, 2016, pág. 503). Nesse contexto, ante a insuficiência dos meios ordinários de coleta de provas, a Lei de Organização Criminosa (Lei n° 12.850/13) elencou (artigo 3º), conforme já dito, uma série de meios extraordinários, os quais, pela sua importância, estão transcritos a seguir: Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I - colaboração premiada; II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III - ação controlada; IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11; VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal. (…). Feitas essas considerações, passo a análise do painel probatório. II.2.1.2 - Questões fáticas Ultimada a instrução, verifica-se nos presentes autos a existência de uma organização criminosa, constituída pelo conjunto de esforços dos denunciados Francisco, Gilcicléia, Alisson, Catiane e Jennifer, envolvida numa série de crimes de falso reconhecimento de firma em documentos públicos. No que se refere ao acusado Nelson, apesar de estar comprovado que ele, juntamente com a corré Gilcicléia, promovia falsos reconhecimentos de firma (Nelson era responsável tanto por captar "clientes"/interessados no falso, quanto por intermediar a execução do crime de falso reconhecimento de firma), não há prova suficientemente capaz de evidenciar o seu envolvimento 12
  • 13. no grupo criminoso. O conjunto probatório não demonstra se Nelson conhecia a existência de, pelo menos, outros três falsários (e/ou intermediadores) e, com o seu comportamento (prévio ou concomitante à prática dos crimes), aceitou, ainda que implicitamente, ser membro da organização criminosa, orquestrada pelos corréus, pretendendo, assim como estes, indevida vantagem econômica. A prova cautelar (interceptação telefônica - principal elemento de prova juntado aos autos) revela atuação isolada e sem vinculação com os corréus (à exceção de Gilcicléia e, possivelmente, Jennifer). Pois bem. Durante as investigações das organizações criminosas principais (especializadas em furtos, roubos, adulteração de sinais identificadores e receptações qualificadas de veículos automotores), sobrevieram informações de que documentos de transferência de veículos automotores estavam sendo falsificados nos Cartórios desta Capital (3º e 4º, Tabelionato de Notas e Ofício de Registro Civil), havendo, possivelmente, relação com os grupos criminosos investigados. As falsificações consistiam em reconhecimentos fraudulentos de firmas (reconhecimento de firma é o ato jurídico no qual o cartório reconhece que a assinatura constante de um documento é de determinada pessoa) realizados em documentos de transferência de veículos automotores, assim como noutros (procurações, certidões, etc.). Sem relevante vinculação com as organizações criminosas dos já condenados Agnaldo (autos nº. 0009078-59.2015.8.22.0501) e Railesson/Marlon (autos nº. 0003895- 73.2016.8.22.0501), restou satisfatoriamente comprovada a associação, informalmente estruturada, dos acusados Francisco, Gilcicléia, Alisson, Catiane e Jennifer, para a prática de crimes contra a fé pública, pretendendo a obtenção de ilícitas vantagens econômicas [consistentes no pagamento de: R$ 400,00 (quatrocentos reais) a R$ 800,00 (oitocentos reais) - para cada Documento Único de Transferência (DUT); e R$ 50,00 (cinquenta reais) a R$ 200,00 (duzentos reais) - para os demais documentos (v. Chamadas do Guardião n° 13713439.WAV e 13750337.WAV)]. O pagamento era realizado, conforme bem destacado pela testemunha, Policial Civil Christian Carvalho Ribeiro, "(...) no ato, quando ia solicitar um 'serviço', você adiantava um sinal. Dava, sei lá, trezentos, quatrocentos, quinhentos reais, ai dependia do que estava negociando. Ela antecipava, como se fosse um sinal, após o documento é... já feito o reconhecimento de firma, pagava de forma integral. O restante (...)". Partindo-se da interceptação das conversas da acusada Gilcicléia, tornou-se possível concluir pela existência de grupo criminoso autônomo, composto, em primeiro lugar, por Gilcicléia, Alisson, Catiane e Francisco. Depois, verificou-se também o envolvimento da corré Jennifer. A dificuldade inicial em vincular Jennifer a "associação" encontrava-se apoiada na inexistência de prova direta (ex. alguém mencionando o seu nome durante as interceptações telefônicas). Os acusados, durante as conversações, apenas revelavam a participação de "uma menina", que trabalhava no 4º Ofício de Registro Civil e Notas, desta Comarca. Conforme será analisado infra, a prova circunstancial, promovida a partir da junção de todas as provas indiretas, revelou, com a certeza necessária, a integração de Jennifer na organização criminosa. Neste contexto, passa-se a análise dos fatos, utilizando-se, para tanto, de uma construção cronológica e, pouco a pouco, desencadeadora dos contornos do grupo criminoso, também conhecido como "Núcleo Gilcicléia - Cartórios". Num primeiro momento, com nível de acesso avançado (senha de nível 1), dada a função de escrevente auxiliar, que exercia no Cartório Gentil (3º Ofício de Registro Civil e Notas), a acusada Gilcicléia poderia reconhecer, através do sistema informatizado, a assinatura de qualquer pessoa (era irrelevante o fato de o "beneficiado do falso" possuir cartão de reconhecimento de firma no referido Cartório). Isto porque, caso inexistisse cartão de assinaturas, essa acusada 13
  • 14. poderia facilmente "atualizar" o sistema, inserindo o nome do seu "cliente" (beneficiário do falso) em outro cadastro (preexistente) e, em seguida, reconhecer firma em qualquer documento pertencente à ele ("cliente"). Como funcionava: alterava-se, diretamente no sistema, o cartão de assinaturas de outro indivíduo qualquer (valendo-se, para tanto, da senha de nível 1), registrava- se os dados da pessoa que constava no documento em que seria falsamente reconhecida a assinatura, após emitia-se o selo, afixando-se no documento, por vezes, público (ex. documentos de transferência de propriedade de veículo automotor - DUT's) e, finalmente, 'corrigia-se' o sistema, reinserindo-se o nome do titular legítimo daquele cartão de assinaturas. Desta forma, dificilmente poder-se-ia rastrear a falsificação do documento e constatar a fraude. Exemplificando: 1 - João da Silva (beneficiado do falso); e 2 - José Andrade (titular do cartão de assinaturas). Desse modo, a atividade mostrou-se altamente lucrativa. Num ambiente de intenso formalismo, característico dos cartórios brasileiros de um modo geral, cuja presunção de veracidade é pressuposto de existência dos seus próprios atos, encontrar alguém que seja capaz de reconhecer/autenticar assinaturas de quem quer que seja, rapidamente, tornou-se uma atividade economicamente promissora. As interceptações telefônicas, juridicamente válidas, promovidas durante quase cinco meses de investigação (28/10/2015 - 09/03/2016), foram cruciais para o deslinde dos fatos, em especial para individualizar a conduta de cada um dos integrantes/acusados e apontar as atividades espúrias desenvolvidas pelo grupo criminoso. Noutras palavras, graças a essa prova cautelar, a "associação" foi desmantelada e seus "sócios" estão sendo responsabilizados. O primeiro caso - inclusive ponto de partida para a inclusão, no dia 26/10/2015, da acusada Gilcicléia na ação cautelar de interceptação telefônica (conforme IPL 120-15 APENSO I, fls. 297/301, arquivo digital, de fl. 39) -, foi pessoalmente constatado pelo próprio titular do 3º Tabelionato de Notas e Ofício de Registro Civil, desta Capital, José Gentil da Silva. Pela importância, transcrevo trechos importantes do seu depoimento em juízo: "(...) Um pouco antes do mês de outubro do ano passado [2015]... estava em setembro. Alguém me 14 JOSÉ ANDRADE Titular JOÃO DA SILVA Beneficiado JOSÉ ANDRADE Titular Alterava-se, diretamente no sistema, o nome do titular do cartão de assinaturas, incluindo-se o nome do beneficiado do falso Após a alteração, emitia-se o selo de reconhecimento de firma em nome do beneficiado, afixando-se no documento que se pretendia falsificar E, finalmente, alterava-se novamente o sistema, reinserindo o nome do titular do cartão de assinaturas Ao verificar o sistema, apenas haveria o nome do titular do cartão de assinaturas, desaparecendo, por consequência, o nome do beneficiado do falso
  • 15. ligou lá... um dos funcionários me falou que o Cartório do senhor Beletti lá... estava reclamando de um selo que tinha sido aposto no DUT e que o selo não batia. Eles consultavam no Tribunal de Justiça e o selo referia-se a outro documento. Quando o meu funcionário é... me falou daquilo eu achei estranho, porque geralmente cada documento tem um selo específico que é remetido diariamente para o Tribunal de Justiça (...); o pessoal do Beletti que ligou e tem um despachante chamado Senhor Claudemir que está com esse documento. Aí eu procurei me informar com maior clareza e a pessoa que estava como reconhecida a firma naquele documento, naquele DUT, Senhor Webert, realmente não tinha nenhum cartão, não tinha nenhum livro de assinatura feito, enfim... era uma série de irregularidades naquela situação (...); mas quando eu verifiquei que o documento era um documento falso eu é... fui para Cacoal/RO (...); me dirigi diretamente para a Delegacia local. Expliquei a situação para um agente de polícia. De lá, eu liguei para o Senhor Claudemir (...); realmente ele trouxe para a gente lá. De posse do documento, vimos que era um documento com o reconhecimento de firma falso né e a funcionária... era a Gilcicléia (...); deu a entender que alguém tinha vindo em Porto Velho e, em conluio com a escrevente local, fez a falsificação aqui em Porto Velho e levaram o documento para Cacoal. Então, um documento falso, que foi o primeiro que nós arrecadamos e foi o que começou (...); São dois casos concretos, este de Cacoal e o de Guajará-Mirim (...); quando aconteceu o caso de Cacoal, eu chamei a funcionária Gilcicléia e falei: - Gilcicléia o que está acontecendo aqui? Toda essa sequência né. Você não assinou o livro de forma verdadeira. Não tem Cartão. Não tem histórico do documento. Ela me disse pessoalmente: - Senhor Gentil, isso ai não foi nada. Isso aí vai ter muito mais coisas, desse tipo aí (...); nós fomos desconfiando do fato e descobrimos uma outra situação. No caso de Guajará-Mirim (...); dois casos concretos, Doutor. Mas, o que acontece... em cartório. Estou com um caso agora de 2006. Uma falsificação feita em... os casos demoram pra chegar (...); [Juiz: - Nesses dois casos específicos, a falsificação consistiu no que?] No DUT, geralmente é no DUT (...)" - Gravação audiovisual de fl. 253. (negritei). Ao verificar a legitimidade da autenticação, a testemunha José Gentil constatou que o selo de autenticidade pertencia, na verdade, a uma procuração, mas se encontrava aposto em Documento Único de Transferência de Veículo Automotor (DUT). Indagada, ela esclareceu também como era realizado o falso reconhecimento de firma: "(...) O escrevente recebe um DUT assinado por qualquer pessoa (...); aí ele entra no sistema né (...); ele altera no sistema o nome da pessoa (...); porque somente uma pessoa com nível 1, poderia alterar... como era o caso da funcionária Gilcicléia; só ela poderia alterar o sistema. Porque o sistema... é o seguinte... têm traços ali que só eu que tenho um nível maior posso verificar se o escrevente está entrando no sistema e alterando dados (...); então, o escrevente quando ele faz a alteração, ele não sabe que eu depois posso entrar e ver que o escrevente alterou (...); ela [Gilcicléia] entra no sistema, pega uma ficha de qualquer pessoa, trás para o sistema né... apaga aquele nome no sistema informatizado e entra com outro nome. Então sei lá, João Augusto da Silva, vamos dizer que aí ela entra com Antônio Pereira da Silva. Ela faz a ficha né. Retira da ficha a etiqueta, põe no DUT né... e assina (...); ela volta para o sistema e tira aquele nome que ela falsificou. Então voltou o nome original. Então, é uma expertise muito grande e que só aqueles que estão muitos anos no cartório sabem fazer (...); o selo é verdadeiro. [Juiz: - então, significa que esse selo foi obtido clandestinamente?] Isso. É... clandestinamente. Que aí ela... insere outro nome, né verdade. E aquilo... se não houver ninguém que vai é... tipo consultar o selo no Tribunal de Justiça, aquele documento pode valer para sempre (...); o sistema é assim... o escrevente puxa o selo. Numera na etiqueta. Aí tira a etiqueta do computador e coloca no DUT e ele libera aquele selo. Ele libera pra outra pessoa poder usar (...); o réu Alisson é o seguinte. O que que aconteceu. Naquele sufoco que nós 'tava' com a Gil e tal, ele... quando a Gil saiu e, parece que numa oportunidade ele 'tava' se relacionando com ela. Nós ficamos de olho. A Polícia também e tal. Ele passou um envelope da cor marrom pra ela e tal (...); o Alisson trabalhava conosco lá (...); descobri que ele também estava participando dessas coisas (...)" - Gravação audiovisual de fl. 253. (Negritei). 15
  • 16. Os casos concretos narrados pela testemunha José Gentil são também objetos da denúncia (4º e 5º fatos). São, na verdade, dois documentos públicos ('DUTs'), em que as assinaturas das vítimas Webert Weiller Keller (Cacoal/RO) e Algegson Campos Bezerra (Guajará- Mirim/RO) foram falsamente reconhecidas. Em sede policial, o Tabelião José Gentil também esclareceu como ocorreram essas fraudes no sistema: "(...) em pesquisa no sistema foi detectado que GILCICLEIA: a) com sua senha pessoal e intransferível, no dia 14/09/2015, as 15h:27:01 alterou o número do cliente 171951 de GILBERTO GONÇALVES DOS SANTOS, alterando para WEBERT WEILLER KELLER; b) as 15:29:40 liberou o selo A3ACC28415-15D18, caindo no sistema novamente e, por fim as 15:31:58 retorna o nome do cliente para o GILBERTO, assim, o nome de WEBERT desaparece do sistema do cartório; Que, com relação aos fatos narrados na Ocorrência Policial 4481/2015-1ªDP/Guajará Mirim,esclarece que também foi utilizado o mesmo modos operacionais da escrevente GILCICLEIA BRITO FAÇANHA, a qual entrou no sistema do cartório alterando o nome do cliente existente para o nome de ALGEQSON CAMPOS BEZERRA, imprimindo a etiqueta de reconhecimento de assinatura, liberando o selo digital de segurança do cartório e após retornando ao nome original (...)" - Termo de Declaração - José Gentil da Silva - de fls. 454/457 (v. IPL 120-15. VOL. 2 - mídia de fl. 39). A título de complementação, merece transcrição o teor da Ata de Reunião da Comissão Interna de Verificação do 3º Registro Civil e Tabelionato de Notas desta Capital (v. IPL 120-15. VOL. 2 - fls. 462/469 - mídia de fl. 39): "(...) Em razão destas declarações e de suspeitas a respeito da conduta da escrevente Gilcicléia Brito Façanha foi feito uma pesquisa nos computadores. Desta forma, confirmamos que nos dois casos concretos houveram a prática de irregularidade praticadas pela escrevente GILCICLEIA BRITO FAÇANHA, tendo sido composta uma comissão de verificação que comigo Tabelião certifica a materialidade das irregularidades. Além dos dois fatos concretos, a comissão verificadora e o Tabelião certificam outra série de situações onde, a escrevente que era autorizada, faz a inserção de dados falsos, alterando e excluindo dados corretos do sistema e do banco de dados, com o fim de obter alguma vantagem. A prática em resumo era a seguinte: A escrevente era autorizada e dotada de senha com nível I, já que, era responsável pelo bom andamento do funcionamento do setor de reconhecimentos e autentificações. Com essas facilidades, de posse dos documentos, começava o segundo passo, a alteração do banco de dados. A conduta é entrar em um cadastro de um cliente (aleatório) que realmente existe e trocar o nome do cliente, por exemplo, JOÃO cliente do cartório, com ficha e dados corretos, apenas seu nome é alterado para JOSÉ, nesse mesmo ato imprime-se a etiqueta de reconhecimento de firma com o nome de JOSÉ, após torna-se a ficha novamente ao nome de JOÃO, desse modo só com uma investigação criteriosa no sistema de informática e que se pode verificar até onde a pessoa mal intencionada, praticou realmente os ilícitos. Claro, que ninguém no cartório iria desconfiar de alguém que é mãe de duas crianças (hoje grávida de uma terceira) e até então não tinha desvio de conduta pudesse invadir e hackear os computadores da serventia desse modo. Mal informada nesse ponto, a escrevente não sabia que são salvas em ocorrências todas as alterações feitas no cadastro, pois permitem que se saiba com certeza qual o funcionário que abriu o sistema e iniciou o processo, e quando ele fecha ou muda para outro usuário, fica registrado neste sistema, todas estas informações de uso interno do titular do cartório e da operadora Ansata, da cidade de Curitiba, gestora do sistema do cartório, sendo que os funcionários comuns do cartório não sabem, e nem tem acesso a este tipo de informação que é privilegio somente do titular do cartório administrador do sistema). Assim, quando o escrevente faz a primeira alteração e salva essa alteração fica gravado uma ocorrência, com a alteração do nome anterior, ou seja, aquele que estava no cartão. Então, como no exemplo acima, temos uma ocorrência onde menciona o que o nome JOSÉ foi alterado, e após, temos uma ocorrência que temos o nome JOÃO alterado. O reconhecimento foi feito com o nome de JOSÉ, mas fica como contabilizado na ficha do JOÃO (...)". (grifos no original). 16
  • 17. A numeração dos reconhecimentos de firmas é "(...) sequencial e fica numa fila no sistema para ser utilizada quando o escrevente libera a numeração, esta retorna para a fila, e será utilizada por outro escrevente, possivelmente em outra documentação, como foi neste caso, uma procuração (...)" (v. Termo de Declaração - José Gentil da Silva - IPL 120-15. VOL. 2 - fls. 450/453 - mídia de fl. 39). Assim que descobriu, a testemunha José Gentil afirmou que concedeu férias à acusada Gilcicléia (a demissão somente não sobreveio porque os policiais pediram para que José Gentil não interrompesse ou, de qualquer forma, atrapalhasse as investigações), afastando-a do Cartório (v. Boletim de Ocorrência n° 15E1023000035, de fls. 294/295 - IPL 120-15 APENSO I, do arquivo digital, de fl. 39). Urge ressaltar, contudo, que o afastamento não foi capaz de impedir a continuidade das práticas criminosas. Com efeito, em importante diálogo interceptado (Chamada do Guardião n° 13744229.WAV - 15/12/2015, às 10h15min), a própria Gilcicléia detalha como era realizado o falso reconhecimento (além de afirmar que: - "... eu e o ALISSON, a gente fazia os nossos rolo...): ______________________________________________________________________________ 17
  • 18. ______________________________________________________________________________ Esclarecedores também são os relatos da testemunha, Policial Civil Christian Carvalho Ribeiro, que acompanhou as investigações. Segundo ele: "(...) Esse grupo iniciou-se com o registro de ocorrência policial é.. em Guajará-Mirim. Não me recordo agora o nome da pessoa, acho que é Webert... alguma coisa assim. Ele registou uma ocorrência policial lá de que ele não teria assinado um DUT, de um documento. E esse documento teria alguém, eventualmente, teria falsificado a assinatura dele e teria sido reconhecido lá no Cartório Gentil. Partindo dessa ocorrência policial, nós iniciamos uma investigação, chegamos no nome da Gilcicléia (...); no curso da investigação a Gilcicléia, ela se mostrou a líder do grupo, juntamente com a Catiane e com o Alisson. A Gilcicléia era uma intermediária de falsificação de documentos. Reconhecimento de firma fraudulento. Produção de... enfim, umas dezenas de documentos é... assinados de forma fraudulenta, reconhecendo firma de forma fraudulenta. [Juiz: - Foram descobertos efetivamente quantos documentos falsificados?] O de Guajará-Mirim/RO. Tem uma da Ana Maria Luma Claros, que foi uma senhora médica falecida. Tem uma também... se eu não me engano, de Cacoal (...); e as outras que nós não conseguimos pegar né. Que a gente flagramos em atitude... três documentos. Isso. Os demais a gente... eu particularmente flagrei diversos encontros deles, inclusive recebendo dinheiro para executar os serviços. [Juiz: esses encontros foram aonde?] É... flagrei num posto de combustível da Jorge Teixeira com a Carlos Gomes. [Juiz: esses encontros foram com quem?] Da Catiane com o Alisson. Depois, foi a Catiane e a Gilcicléia. Eles fizeram a transação dentro do carro, mas eu consegui... está no meu relatório policial... eu flagrei o momento (...)" - Gravação audiovisual de fl. 253. (negritei). Nesse ponto, o acusado Alisson, ao ser interrogado em Juízo, revelou que: "(...) eu encontrei com ela num posto de gasolina?! Na verdade foi assim... A Gil pediu para mim pegar um documento, num envelope, que 'tava' com ela. Ela me passou e eu entreguei para a Gil... não demorou mais de cinco minutos. [Juiz: Quem te passou o envelope?] A Catiane (...); Ela [Catiane] me entregou o envelope e o dinheiro e eu entreguei para a Gil (...)". Note-se que somente três casos concretos de falsificação desses documentos (DUT's) foram desvendados, pois, como se trata de alterações internas, realizadas diretamente no sistema de forma provisória, torna-se difícil (senão impossível), descobrir todas as fraudes, notadamente quando os selos e dados são formalmente verdadeiros. Naturalmente, com o tempo, esses outros documentos com o reconhecimento de firma falso serão apresentados e, certamente, novas investigações serão levadas a cabo. A propósito: "(...) O único que nós íamos é... fazer exames periciais, foi o que... é o processo foi é... "extraviado" lá do DETRAN, que é o da Ana Maria Luna Claros. Os demais nós não conseguimos flagrar, porque eram encontros ali... os dois [Alisson e Gilcicléia] estavam dentro do Cartório ou, eventualmente, eram combinados lá na casa da Gilcicléia (...); os áudios demonstram que foram vários documentos, não só DUT (...); não só de DUT, mas também de procurações, reconhecimento de firma de certificados, diversos documentos (...); Ana Maria Luna Claros, exceto ela, nenhum outro nós conseguimos materializar, porque os encontros eram feitos pessoalmente (...)" - Gravação audiovisual de fl. 253 18
  • 19. (Christian Carvalho Ribeiro). A testemunha Tatiany Rosely Zemuner, funcionária do Cartório Gentil, por sua vez, informou que conhece profissionalmente os acusados Alisson, Catiane e Gilcicléia. Quanto ao falso reconhecimento de firma, esclareceu que restou "(...) constatado que foi alterado o cadastro de uma pessoa para o reconhecimento de um DUT (...)". Confirmou que, com base no sistema, quem realizou a alteração foi a acusada Gilcicléia. Asseverou ainda que essa acusada: "(...) tinha um acesso a mais do que outras pessoas dentro do cartório. Cada um respondia por uma senha. São três senhas de níveis. A Gilcicléia respondia pela senha de nível 1, que dava acesso a toda a restrição do sistema, como: alteração de nome, qualquer acesso para poder alterar alguma coisa dentro do sistema (...); Ela entrou no nome de uma pessoa que tem cadastro, alterou o nome da pessoa, porque na etiqueta só sai o nome não sai a qualificação completa. Ela alterou o nome de uma pessoa. Vamos supor tá lá o meu nome Tatiany Rosely Zemuner, ela apagou e colocou José Sebastião, outro nome. [Promotora: - Qual o objetivo?] Pra reconhecimento de assinatura como verdadeiro no DUT (...)" - Gravação audiovisual de fl. 253. (negritei). No que diz respeito ao acusado Alisson, a testemunha Tatiany, embora não tenha certeza, disse acreditar que ele teria a senha de nível 2. Com isso, ele só poderia reconhecer firma, jamais alterar dados constantes no sistema. Já em relação a Catiane, disse Tatiany que a viu duas vezes no Cartório. Por fim, declarou que a senha é personalíssima, de modo que, em tese, um funcionário não poderia utilizar a senha de outro. Também funcionário do 3º Cartório de Notas e Ofício de Registro Civil, desta Comarca, Marcus Antônio de Azevedo Júnior, exercendo a função de técnico de informática, destacou que o titular do Cartório, José Gentil, desconfiado das condutas dos acusados Alisson e Gilcicléia, solicitou-lhe que apresentasse um levantamento das movimentações do sistema. Relatou, ainda, que, através das imagens das câmeras de segurança, descobriu que a acusada Catiane foi algumas vezes no Cartório, ocasião em que teve contato direto com a acusada Gilcicléia, para 'trocarem documentos'. No tocante às movimentações no sistema, disse que: "(...) ela [Gilcicléia] fez vários procedimentos. Por exemplo, ela pegou um cartão no meu nome... aí ela tirou do meu nome e colocou o nome do cliente que ela precisava fazer o reconhecimento é... fez o reconhecimento no meu cartão, depois ela estornou o nome do cliente e colocou o meu cartão de volta. [Promotora - isso no documento do DUT?] Exatamente. (...) - Gravação audiovisual de fl. 253". Disse também que, em relação aos acusados Gilcicléia e Alisson, ambos compartilhavam, entre si, a senha do outro, o que possibilitou, por exemplo, que, mesmo na ausência daquela, o acusado Alisson continuasse a movimentar o sistema e prosseguisse com as alterações (ou 'fraudes internas', nas precisas palavras dessa testemunha). Interrogada judicialmente, a acusada Gilcicléia, conhecida como "GIL", afirmou conhecer os corréus Alisson (disse que, dentre todos os acusados, era o mais próximo dela), Catiane e Nelson. Confirmou que Catiane foi no Cartório Gentil algumas vezes (duas ou três) para autenticar documentos. Em um desses momentos, esclareceu que teria sido feito, à época, uma proposta à acusada Catiane, consistente nos seguintes termos: (a) caso esta (Catiane) tivesse alguém da família precisando autenticar o documento, mas que, por qualquer razão, não pudesse comparecer ao cartório, ela (Gilcicléia) poderia, mesmo em desacordo com as normas do Cartório, reconhecer firma, (b) desde que auferisse alguma vantagem econômica (dinheiro) pelo "serviço". Vantagem pecuniária esta que, por óbvio, seria recebida "por fora" (clandestinamente, já que essa atividade é considerada ilícita). Entretanto, sustentou que tudo permaneceu no plano da imaginação e que não chegaram a executar nenhum "serviço". Relatou, ainda, que a referida proposta ocorreu após o seu afastamento do Cartório, mas, como o acusado Alisson ainda trabalhava no setor de reconhecimento, sugeriu que ele poderia, a seu pedido, auxiliar nesses 19
  • 20. falsos reconhecimentos de firma. Na mesma linha, a acusada Catiane, em sua autodefesa, disse que tudo não passou de mero comentário feito pela corré Gilcicléia, anunciando que se um dia ela precisasse, "GIL" poderia, desde que os documentos fossem lícitos (verdadeiros), reconhecer firma de pessoas próximas (parentes, amigos, etc.), sem qualquer comparecimento no Cartório Gentil. Por contrariar as normas, Gilcicléia apenas exigiu, em contrapartida, vantagem econômica ("... ela precisava ganhar algo por isso..."). Ainda, que trabalhou durante pouco tempo com a acusada Gilcicléia no Cartório Gentil e que conhece o acusado Alisson. Destacou que Gilcicléia já teria lhe revelado que Alisson também exercia, a pedido dela ("GIL"), a mesma atividade de reconhecer ilicitamente firma em documentos públicos, assegurando, no entanto, que eles não chegaram a executar qualquer serviço fraudulento. Seguindo a mesma frágil versão, mas agora no que diz respeito ao diálogo de fl. 11, da denúncia (em que a acusada Gilcicléia negocia diretamente como o corréu Nelson um falso reconhecimento de firma constante num DUT), Gilcicléia aduz, em Juízo, que se trata da mesma proposta feita à acusada Catiane, pois Nelson também era cliente do Cartório e que, do mesmo modo que a proposta anterior, reforça que tudo permaneceu no plano da imaginação. O acusado Nelson, a seu turno, ratificou as conversas interceptadas descritas na denúncia. Sustentou que tem amizade com a acusada Gilcicléia (tanto que nem sequer pegava senha para ser atendido no Cartório Gentil). Narrou, inclusive, que houve determinado episódio em que procurou a acusada Gilcicléia para autenticar um contrato social, entretanto, essa acusada não realizou o reconhecimento, pois, além de cumprir os termos descritos anteriormente, (c) os titulares do contrato deveriam conhecer da autenticação, sinalizando de alguma forma que estavam concordando com o reconhecimento. O exercício da profissão de motoboy, segundo Nelson, proporcionava acesso a vários contatos que lhe procuravam para executar os falsos reconhecimentos de firma. TODAVIA, como já foi dito, inexiste nos autos prova suficientemente capaz de revelar que esse acusado tinha a vontade livre e consciente de integrar, promover, constituir ou financiar a Organização Criminosa, e tampouco indícios de que ele conhecia o "esquema fraudulento" realizado pelo corréus. Não é preciso aprofundar no arcabouço probatório, para perceber que os 'serviços' foram, de fato, executados. Há prova material robusta quanto aos falsos reconhecimentos de firma em documentos de transferência de veículos automotores (DUT's) como, por exemplo, o falso reconhecimento de firma de Ana Maria Molina Luna de Claros (falecida antes do reconhecimento), objetivando a transferência de veículo automotor, que se encontrava registrado em nome dessa finada. As alegações da acusada Gilcicléia de que foi mais uma funcionária vítima da conduta daqueles que apresentam documentos falsos no Cartório e que as alterações no sistema foram realizadas por seus colegas de trabalho, sendo que ela apenas as salvava utilizando sua senha (já que possuía senha de elevado nível), caem por terra quando confrontadas com a prova cautelar (interceptações telefônicas) produzida. As interceptações revelaram a relação de confiabilidade, parceria e cumplicidade que havia entre os acusados Gilcicléia e Alisson (dentre outros). Além de trabalharem juntos, esses denunciados eram vizinhos, o que facilitava a relação extramuros (fora do trabalho), de modo que um frequentava a casa do outro. A par disso, o conjunto probatório converge no sentido de que a denunciada Gilcicléia forneceu ao corréu Alisson, em certa ocasião, sua senha de acesso (nível 1) ao sistema (v. Chamadas do Guardião de n°: 13484858.WAV, de 28/10/2015, às 11h12min; 13486022.WAV, de 28/10/2015, às 13h02min): 20
  • 21. ______________________________________________________________________________ Noutro giro, a acusada Gilcicléia contava também com colaboração a imprescindível da acusada Catiane, ex-funcionária do Cartório Gentil. Ao que tudo indica, essa acusada, juntamente com o corréu Francisco, eram os maiores captadores de "clientes"/interessados no falso reconhecimento de firma. Catiane, na verdade, era responsável por intermediar os "serviços" falsos. Explico: ao lado do corréu Francisco, proprietário da empresa DESPACHANTE FAMA, Catiane captava “clientes”/interessados pelo falso e, contando com a amizade construída entre ela e a acusada Gilcicléia, executava o "serviço". Do mesmo modo, enquanto Gilcicléia providenciava o reconhecimento de firma, Catiane também era encarregada de receber o pagamento distribuído, posteriormente, entre os membros da organização. Por óbvio, a atividade desenvolvida pela empresa de despachante possibilitava o acesso a vários "clientes" que necessitavam da prestação desse "serviço específico". Em seu interrogatório, Catiane negou conhecer os corréus Jennifer e Nelson. Acerca do diálogo de fls. 05/06 da denúncia, a acusada Catiane relatou que: "(...) O que eu fui lá na Gilcicléia algumas vezes, no Cartório na verdade. [Qual Cartório?] 3º Ofício. Eu fui lá algumas vezes levar uns documentos para fazer a autentificação. Então, para não enfrentar a fila, não pegar a senha, algumas vezes ela... me adiantava a vez. Entendeu?! E era o único serviço que... eu fui fazer lá, porque eu não era funcionária né... de lugar nenhum (...)" - gravação audiovisual de fl. 353. Diferentemente da versão apresentada pelo acusado Francisco, Catiane confirmou que os serviços de reconhecimento de firma também eram realizados pela empresa DESPACHANTE FAMA (notadamente quando se tratava de falso reconhecimento de firma). Segundo essa acusada, a secretária da empresa despachante pedia que ela fosse ao Cartório para autenticar alguns documentos e, como utilizava gratuitamente as dependências do local para estudar (disse que começou a frequentar o escritório do acusado Francisco quando iniciou os seus estudos e que além da internet, também imprimia suas apostilas no escritório despachante), sentiu-se na obrigação de auxiliar o seu afeto amoroso (afirmou, em juízo, que manteve relacionamento 21
  • 22. amoroso com o corréu Francisco por aproximadamente quinze anos). Curiosamente, Francisco informou que quem realizava as autenticações eram os próprios clientes e que a empresa de despachante não se envolvia nessa atividade. Catiane destacou que foram duas ou três vezes que levou documentos no Cartório Gentil para autentificação, sendo uma delas a pedido do próprio proprietário de empresa, acusado Francisco. No que tange à suposta proposta que teria recebido da acusada Gilcicléia, essa acusada (Catiane) afirmou que: "(...) Quando ela [Gilcicléia] me falou que ela poderia fazer é... eu pensei assim né se, aparecesse... que ela [Gilcicléia] poderia fazer né... que ela iria cobrar mais... ela deu a ideia que eu poderia cobrar mais, para ver se eu ganhava alguma coisa, porque eu estava desempregada (...)" - gravação audiovisual de fl. 353. Defendeu, do mesmo modo que os acusados Nelson e Gilcicléia, que as propostas foram apenas ilações e que nada foi concretizado. A bem da verdade, o grau de afinidade dessas acusadas (Catiane e Gilcicléia) era o mais intenso (acentuado) dentro do grupo criminoso, razão pela qual não restam dúvidas de que ambas gerenciavam toda atividade consistente tanto na captação de "clientes"/interessados no falso, quanto no recebimento e distribuição/divisão do dinheiro ilícito, indicação, seleção e recrutamento de executores da falsificação (havendo, inclusive, negativa de alguns funcionários em participar do "esquema") e, por fim, a entrega dos documentos falsamente autenticados aos "beneficiados" do falso. As Chamadas do Guardião de n°: 13523859.WAV, de 03/11/2015, às 18h04min; e 13526159.WAV, de 04/11/2015, às 10h24min, respectivamente apresentadas nos quadros abaixo, retratam bem essa situação: ______________________________________________________________________________ 22
  • 23. Há outras conversas telefônicas de suma importância para compreender a atuação da organização criminosa. À título de exemplo, registre-se aquelas interceptadas no dia 04 de novembro de 2015 (Chamadas do Guardião n°: 13526565.WAV, de 04/11/2015, às 11h58min; 13526638.WAV, de 04/11/2015, às 12h08min; 13526645.WAV, de 04/11/2015, às 12h10min; 13527486.WAV, de 04/11/2015, às 14h49min; e 13527743.WAV, de 04/11/2015, às 15h40min). Seguindo a ordem cronológica das ligações, constata-se que o acusado Francisco (também conhecido como 'Chico Cowboy') integrava o grupo criminoso, ao passo que, enquanto proprietário da empresa FAMA AUTO ESCOLA - DESPACHANTE, captava "clientes"/interessados nos falsos reconhecimentos de firma, notadamente em documentos de transferência de veículos automotores ('DUTs'), que eram executados pelos corréus Catiane (intermediadora com quem mantinha, por aproximadamente quinze anos, relacionamento amoroso), Gilcicléia, Alisson e Jennifer. ______________________________________________________________________________ 23
  • 26. ______________________________________________________________________________ Indubitavelmente, a acusada Gilcicléia conhecia o fato de Catiane trabalhar diretamente com Francisco e que este era responsável por angariar "clientes"/interessados na falsificação de firma em documentos públicos e/ou privados. Desse modo, Gilcicléia possuía duas importantes fontes de captação de “clientes”/beneficiados, pois além dos acusados Catiane e Francisco, o corréu Nelson (sendo que este, como base no conjunto probatório, em tese, desconhecia o envolvimento dos demais acusados) também era encarregado de exercer tal mister. Formalmente, como bem salientado pelo próprio acusado Francisco em seu interrogatório, Catiane não trabalhava no escritório de despachante. Segundo os seus relatos, ela somente 26
  • 27. locomovia-se para a empresa para utilizar gratuitamente as dependências do local e a internet, para fins acadêmicos (fato também sustentado por Catiane). ENTRETANTO, cabe registrar que inexistem provas nos autos sustentando essa alegação; sequer foram apresentados comprovante de matrícula ou folha de frequência no suposto "cursinho". Por outro lado, há fortes evidências apontando o conluio entre os acusados Catiane e Francisco, para a realização dos crimes de falso. Chama-se atenção agora para outro caso que reforça a associação dos acusados (a exceção de Nelson), informalmente organizada, para a obtenção de vantagem de natureza econômica, mediante a prática de crimes contra a fé pública. Pretendendo evitar fraudes, o Cartório Gentil, assim como outros nesta Capital, passou a registrar, em livro próprio, os dados do comprador, do vendedor e do atendente, no caso de reconhecimento de firma de “DUT”, dificultando sobremaneira o reconhecimento de assinaturas de negociantes que não estivessem presentes no balcão do Cartório. Contudo, esse mecanismo não foi capaz de inibir a atuação do grupo criminoso, conforme verifica-se a seguir (Chamadas do Guardião de n°: 13527971.WAV, de 04/11/2015, às 16h30min; e 13527984.WAV, de 04/11/2015, às 16h33min, respectivamente): ______________________________________________________________________________ 27
  • 28. Em caso específico, dada a dificuldade em retirar a folha do livro, o acusado Alisson pediu para que Catiane tentasse clonar a folha sessenta e depois, disfarçadamente, ele a substituiria pela original, já assinada pelas partes interessadas. Ato contínuo, Gilcicléia pensou em outro plano, qual seja, imprimir a folha do livro no Cartório, depois entregar para Alisson que, por sua vez, entregaria para Catiane, que seria responsável por colher as assinaturas dos envolvidos. Constata-se, ainda, o fato de Catiane ter dito que o corréu Francisco seria capaz de falsificar qualquer assinatura, demonstrando que todos atuavam conjuntamente para a prática delitiva (v. Chamadas do Guardião de n° 13531323.WAV, de 05/11/2015, às 11h40min e 13531426.WAV, de 05/11/2015, às 11h56min). Não é de se duvidar, com isso, que as assinaturas que eram reconhecidas nos Cartórios eram realizadas por Francisco. Veja-se também a Chamada do Guardião n° 13531464.WAV, de 05/11/2015), às 12h01min: 28
  • 29. No dia seguinte (06/11/2015), a acusada Catiane pede novamente para Gilcicléia reconhecer outra firma de um Documento Único de Transferência (DUT) e que, desta vez, o corréu Francisco iria pagar R$ 600,00 (seiscentos reais) pelo "serviço fraudulento". No mais, a Gilcicléia declarou que Alisson teria certo contato no "outro Cartório". Com respaldo nas provas carreadas aos autos, esse contato seria identificado, a posteriori, como sendo a acusada Jeniffer (v. Chamada do Guardião n° 13535765.WAV, de 06/11/2015, às 11h53min). Veja-se: 29
  • 30. Dias depois (24/11/2015) as conversas interceptadas revelaram que o grupo criminoso continuava a atuar nesta Capital. E mais. Constatou-se certo avanço (valorização) econômico dessa atividade ilícita, justificando, portanto, o interesse e a necessidade em expandir essas atividades para outros cartórios e municípios, deste Estado, conforme as Chamadas do Guardião de n°: 13630467.WAV, de 24/11/2015, às 20h10min; 13642879.WAV, de 27/11/2015, às 15h31min; 13657049.WAV, de 30/11/2015, às 19h50min: 30
  • 32. Em reforço argumentativo, apesar de sustentar que não conhecia o acusado Francisco (vulgo Chico Cowboy), Gilcicléia declarou que sabia do envolvimento dele e da facilidade com que esse "despachante" conseguia captar clientes, interessados no reconhecimento de firma de documentos (v. Chamada do Guardião n° 13657063.WAV, de 30/11/2015, às 19h52min): Trago à baila, também, conversas extraídas do aplicativo Whatsapp, envolvendo negociações entre o acusado Francisco e o 'cliente' Francisco de Altamira/PA, ocasião em que o despachante cobra o valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) para reconhecer firma do proprietário do veículo (falecido) constante em Documento de Transferência de veículo automotor. Veja-se: "(...) As mensagens a seguir são entre o alvo FRANCISCO e um indivíduo usando o terminal telefônico (93) 9137-1983, que se identifica também como FRANCISCO. Nos registros das mensagens seu número consta como "FRANCISCO ALTAMIRA", onde este fala que um contato seu de nome PAULO indicou FRANCISCO BARROS para fazer a transferência de um documento de veículo para o seu nome. No entanto, FRANCISCO BARROS informa que o proprietário do documento já faleceu, porém ele consegue resolver, e informa que irá verificar qual será o valor para reconhecer a assinatura do proprietário do veículo, já falecido. Alguns dias depois, em 17/02/2016, FRANCISCO BARROS informa que custará R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) para resolver a situação. No dia 22/02/2016, FRANCISCO BARROS informa que mandou de volta os documentos de FRANCISCO ALTAMIRA (...)" - IPL 120-15 APENSO XI - N. GILCICLEIA (fls. 127/137) - mídia de fl. 39). Em 07/12/2015, por volta das 16 horas, interceptou-se conversa promovida entre os acusados Gilcicléia e Nelson (Chamada do Guaridão n° 13695671.WAV), sendo a primeira vez, durante a investigação, que esse acusado trata diretamente com aquela. Durante a conversa, Nelson indaga a possibilidade de o reconhecimento de firma de um DUT em que um 'beneficiados' não possui cartão no Cartório. Nesse momento Gilcicléia revela que a "menina" trabalha no 4º Ofício de Notas e Registro Civil: 32
  • 33. ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ NO ENTANTO, conforme já mencionado, as provas carreadas aos autos NÃO foram capazes de demonstrar que o acusado Nelson conhecia o envolvimento dos corréus nas falsificações dos reconhecimentos de firma ou que sabia, de qualquer forma, da existência de um grupo estruturalmente organizado, para prática desses crimes. Ademais, prevalecendo-se das relações construídas no exercício da antiga função, os acusados Alisson e Gilcicléia também tentavam recrutar outros funcionários, lotados em diferentes Cartório, para desenvolver a mesma atividade, qual seja, reconhecer firma de “DUTs”. A exemplo disso, cito as Chamadas do Guaridão n° 13536091.WAV, de 06/11/2015, às 12h44min; 13657063.WAV, de 30/11/2015, às 19h52min; 13664609.WAV, de 02/12/2015, às 11h06min; e 33
  • 34. 13713439.WAV, de 10/12/2015, às 13h06min: ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 34
  • 36. perturbação durante a investigação, dada a ousadia do grupo criminoso, posto que conseguiram, em 10/12/2015, reconhecer a assinatura falsa desta senhora, falecida em 05/09/2014 (v. fl. 162 - IPL 120-15 APENSO XI do arquivo digital de fl. 39). Partindo-se das interceptações telefônicas, os investigadores descobriram a execução desse 'serviço' (v. Chamada do Guardião n° 13701775.WAV, de 08/12/2015, às 16h47min): A prova cautelar, portanto, comprova o envolvimento da organização criminosa para a realização desse falso reconhecimento de firma. No mais, esse caso específico demonstrou que a ligação da denunciada Jennifer com a organização criminosa não ocorria somente através do acusado Alisson, mas também através do corréu Francisco, notadamente diante da prova de que esse despachante foi o responsável por efetuar a regularização da transferência do veículo para o nome de Herlindo (fls. 85/86 e 144/145 - apenso XI). À evidência, outros importantes diálogos realizados no dia 10 de dezembro 2015 que, em suma, apenas confirmam a "associação" duradoura do grupo criminoso, consistente na convergência de vontades dos acusados Gilcicléia, Alisson, Catiane, Francisco e Jennifer para a prática dos crimes de falso reconhecimento de firma: (1) Chamada do Guardião 13713318.WAV, de 10/12/2015, às 12h52min: 36
  • 37. (2) Chamada do Guardião 13713439.WAV, de 10/12/2015, às 13h06min: (3) Chamada do Guardião n° 13713938.WAV, de 10/12/2015, às 14h14min: 37
  • 38. (4) Chamada do Guardião n° 13713977.WAV, de 10/12/2015, às 14h21min: 38
  • 39. (5) Chamada do Guardião n° 13714086.WAV, de 10/12/2015, às 10/12/2015: Segue do mesmo modo, durante o mês de Janeiro de 2016: (1) Chamada do Guardião n° 13874417.WAV, de 06/01/2016, às 20h30min: 39
  • 40. (2) Chamada do Guardião 13879533.WAV, de 08/01/2016, às 01h14min: Por fim, no mês de março de 2016: (1) Chamada do Guardião n° 14195806.WAV, de 09/03/2016, às 16h18min: 40
  • 41. 41
  • 42. A propósito, nesse último diálogo (CG n° 14195806.WAV), sobreveio a informação de que o acusado Francisco teria efetuado o pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais) a um funcionário do DETRAN/RO, para que este subtraísse determinado processo administrativo do interior da referida autarquia. Ao que tudo indica, Francisco objetivava se desfazer do “DUT” (que continha o falso reconhecimento de firma), que instruía o referido processo (3º fato - denúncia). Segundo a testemunha/Policial Civil Christian, esse documento (DUT) diz respeito ao falso reconhecimento de firma de Ana Maria Molina Luna de Claros, falecida em 05/09/2014 (2º fato - denúncia). Ainda não se sabe como esse acusado suspeitou das investigações (notadamente relacionado à este documento em específico, dada a multiplicidade de falsos reconhecimentos de firma engendrados pela organização criminosa), a ponto, inclusive, de retirar rapidamente o processo administrativo do interior do DETRAN/RO, antes mesmo da Polícia tentar localizá-lo. O acusado Francisco, por sua vez, afastou qualquer responsabilidade quanto ao extravio do processo/documento do DETRAN/RO, pois, conforme seus relatos, nem sequer possuía acesso às dependências da aludida Autarquia. Registre-se, por óbvio, que esse acusado, de fato, não precisaria ter acesso às dependências do DETRAN/RO, bastando conhecer algum funcionário de sua confiança e, depois, corrompê-lo, mediante pagamento (ou promessa de pagamento), para realizar o referido ato ilícito. Assim como o fez. Impõe-se acentuar, por fim, o envolvimento da antiga funcionária do 4º Ofício Tabelionato de Notas e Ofício de Registro Civil desta Comarca, Jennifer Callaú Bramini (ora acusada). Em Juízo, a Tabeliã Ivani Cardoso Cândido de Oliveira, ouvida na qualidade de informante, destacou que, através de denúncia anônima, recebeu informações de que existiam registros de assinaturas falsas no Cartório em que era titular. Após, sobreveio notícia de que a acusada Jennifer estaria envolvida nessas 'fraudes internas'. A Tabeliã percebeu, através do livro (físico) de anotações de controle diário de venda de 42
  • 43. veículos (livro de registro semelhante àquele utilizado no Cartório Gentil), local onde encontravam- se os dados provenientes da relação jurídica que se pretendia reconhecer (ex. nomes do comprador e do vendedor, número do chassi do veículo, data da negociação e o nome da atendente etc.), constatou que Jennifer figurou como atendente no momento de reconhecer a assinatura falsa de um DUT (fato que, posteriormente, foi confirmado pela própria acusada). Segundo essa testemunha, a irregularidade consistiu na retificação e atualização do cartão de assinaturas no sistema e posterior reconhecimento de firma, procedimentos que foram realizados pela acusada Jennifer. Acredita que não poderia ter havido fraude, pelo menos, não intencionalmente. Destacou que Jennifer trabalhava no Cartório há mais de dois anos e nunca cometeu alguma ilicitude. Supõe que ela pode ter sido enganada por alguém que tenha apresentado documento falso (prática, conforme demonstrou em Juízo, corriqueira naquele Cartório, considerando a quantidade de pessoas que apresentam documentos de identificação falsos). Declarou, por fim, que Jennifer seguiu todos os ditames legais e regulamentares exigidos pelo Cartório. Em sua autodefesa, Jennifer afirmou que, apesar de não recordar especificadamente, a suposta pessoa (que se fazia passar pela falecida Ana Maria Ana Maria Molina Luna de Claros) apresentou documento de identificação, sendo prontamente verificado. Disse também, que observou que a assinatura estava diferente, razão pela qual atualizou o cartão de assinaturas (esclareceu que este procedimento de atualização é comum no Cartório, tendo em vista que, com o passar do tempo, a pessoa tende a mudar a sua assinatura) e, depois, reconheceu firma no documento. Aparentemente, pelo depoimento da Tabeliã Irani, poder-se-ia concluir que essa acusada não conhecia as práticas ilícitas que estavam ocorrendo naquele Cartório e tampouco a atuação de uma organização criminosa constituída com a precípua finalidade em reconhecer fraudulentamente firmas em documentos públicos e particulares. ENTRETANTO, ao cotejar as provas produzidas, notadamente àquelas que confirmam as circunstanciais, confrontando-as com a ESTÓRIA criada pela própria acusada, percebe-se que Jennifer era, de fato, a "menina" tanto mencionada nas conversas interceptadas. Isto porque, Jennifer é conhecida/colega/amiga do acusado Alisson, tanto nas redes sociais (Facebook) quanto pessoalmente, já que ambos frequentaram a mesma escola de ensino fundamental e médio (21 de Abril). A par disso, diferentemente do que fora sustentado por Jennifer em juízo (disse que, desde a escola, não teve mais contato com o acusado Alisson, muito menos quando este trabalhava no Cartório Gentil), eles mantinham contato telefônico, posto que "foram encontrados 44 (quarenta e quatro) registros telefônicos entre os números (69) 9217-2145 (JENNIFER) e o número (69) 9380-1687 (ALISSON VIEIRA DA SILVA) (...)" - v. o Relatório n° 004/2016 (IPL 120-15 APENSO XI - N. GILCICLEIA, pág. 76/82 - mídia de fl. 39). Soma-se a isso o fato de a acusada Gilcicléia ter declarado que somente o corréu Alisson possuía um contato no outro Cartório (v. Chamada do Guardião n° 13535765, de 06/11/2015, às 11h53min). De forma contraditória, a acusada Jennifer assegurou, num primeiro momento, que não havia ligações entre ela e o acusado Alisson. Logo em seguida, afirmou que o corréu Alisson conhecia o local onde ela trabalhava e que, em razão disso, teria ligado, somente uma vez, para perguntar se o Cartório estava "cheio" e se ele poderia ir lá para "fazer um documento". Finalizou dizendo que todas as ligações promovidas entre ela e o acusado Alisson foram para tratar tão somente do caso do reconhecimento de firma do DUT. Engraçado, porque o acusado Alisson, também interrogado judicialmente, declarou que essas ligações (44 ligações), realizadas às vésperas da deflagração da investigação, não estavam relacionadas ao Cartório. Tratavam-se, segundo ele, 'em conversas de amizade'. Além do mais, lembrou que já compareceu no 4º Cartório, juntamente com a sua namorada, chamada Aline, para reconhecer um contrato de locação. Como era de se esperar, o acusado Alisson refutou todas as 43