O documento discute os desafios da gestão de resíduos sólidos no Brasil, incluindo a falta de redução na geração de lixo e a necessidade de responsabilizar produtores. Ele destaca a importância de se seguir o exemplo de países desenvolvidos que responsabilizam produtores e geradores por soluções para melhor aproveitamento de materiais. Também aponta ambiguidades na legislação brasileira e a resistência de prefeituras, produtores e população a mudanças necessárias.
1. http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-lixo-seus-dramas-caminhos-possiveis,1057441,0.htm
O lixo, seus dramas, caminhos
possíveis
26 de julho de 2013 | 2h 11
WASHINGTON NOVAES *
Deveria ser de leitura obrigatória para administradores públicos e legisladores
em todos os níveis - começando por governo federal, Congresso, governos
estaduais, deputados, prefeitos, vereadores -, mas também para empresários e
consumidores, o texto Gestão de resíduos sólidos para uma sociedade mais
próspera, escrito pelo professor Ricardo Abramovay, do Departamento de
Economia, e das pesquisadoras Juliana S. Speranza e Cécile Petitgand, do
Núcleo de Economia Socioambiental, todos da Universidade de São Paulo
(USP). Dificilmente se encontrará texto mais abrangente sobre a questão dos
resíduos e as políticas adequadas que devem norteá-la, mais rico em
informações, capaz de levar a mudanças indispensáveis.
É um tema decisivo para o Brasil, que no ano passado produziu 63 milhões de
toneladas de resíduos domiciliares, mas não está reduzindo essa geração, nem
em termos absolutos nem por pessoa. Segundo o texto, 40% do lixo, pelo
menos, vai para lixões ou aterros "controlados". E muito pouco se tem
avançado. O problema não se restringe às áreas de saúde pública e de ocupação
de espaços urbanos. Por isso os avanços dependerão também de uma
"reformulação" até mesmo do setor privado e de seus "padrões de oferta de bens
e serviços" - o que já faz parte dos objetivos estratégicos dos países do Primeiro
Mundo, que responsabilizam os produtores de bens, o setor de embalagens e os
geradores de inovações tecnológicas por soluções que levem a melhor
aproveitamento de materiais (em computadores e celulares, por exemplo, ou na
área de produtos químicos, na qual já existem 248 mil produtos em circulação;
um aparelho de televisão pode ter até mais de 4 mil componentes).
Mas só 10% dos municípios brasileiros apresentaram - no prazo, que já esgotou,
estabelecido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) - seus planos de
gestão para a área, eles que devem ser os principais executores. Em geral,
enfrentam forte resistência dos produtores de bens, de políticos que a eles se
aliam (em troca de "financiamentos para campanhas") e da maioria da própria
população, que entende não ser sua a obrigação, porque já paga impostos em
que estariam embutidos serviços da área. E isso dificulta a legislação e a
aplicação do princípio poluidor/pagador, de onde deveriam vir os recursos. Na
2. Europa, nos EUA, no Japão essa responsabilização do produtor de bens e dos
geradores de resíduos tem sido a chave dos avanços.
O texto agora divulgado pelos professores da USP vê muitas ambiguidades no
conteúdo da PNRS, começando exatamente pela falta de definição clara das
responsabilidades e pelo financiamento e organização da logística reversa, que
levaria de volta aos produtores as embalagens dos bens consumidos. Também
deixa às prefeituras os custos de coleta e destinação do lixo - o que é muito
problemático, principalmente com a predominância de resíduos orgânicos. Só
há aterros adequados em 27% dos municípios. A criação de mais aterros e os
custos envolvidos incluem-se entre os obstáculos, até por causa da distância,
que encarece os custos de transporte do lixo coletado. E a necessidade de formar
consórcios entre as municipalidades implica muitas dificuldades políticas, em
especial com a resistência dos que temem perder poder ou deixar de influir nas
concessões.
Já fizemos alguns avanços importantes em alguns setores - com destaque para
pneus descartados, embalagens de agrotóxicos, recebimento obrigatório de
pilhas e baterias, óleos lubrificantes -, mas falta muito. Também há avanços na
recuperação de embalagens de alumínio (dado o alto custo da energia na
produção desse material), do papel e do plástico, do aço. Ainda faltam caminhos
para levar quem gera mais lixo a pagar mais.
Problemas não existem só aqui. Resíduos são uma questão difícil em todo o
mundo, já que é produzido 1,3 bilhão de toneladas anuais - a produção per
capita dobrou nas últimas décadas e chega a 1,2 quilo diário. E a previsão é de
que chegue a 2,2 bilhões de toneladas em 2020, embora a tonelagem incinerada
ou depositada em aterros na Europa, por exemplo, tenha caído, graças à
reciclagem, que passou de 23% para 35% na primeira década deste século. Na
Alemanha a produção de resíduos caiu 15% com a introdução de sistema
baseado no princípio poluidor/pagador: cada gerador de resíduos em
residências, por exemplo, tem de separá-los obrigatoriamente e paga uma taxa
proporcional ao volume do recipiente em que são coletados; o lixo orgânico é
recolhido pelo poder público e enviado para aterros ou usinas de incineração; o
"lixo seco" (embalagens, etc.) vai para outro recipiente e é recolhido em todo o
país por uma entidade mantida pelos produtores dos bens consumidos, que
pagam proporcionalmente ao volume, tiragem, etc. Os resultados foram
altamente positivos em tempo curto.
Mesmo com os avanços os países da OCDE, que têm população equivalente à da
África toda, produzem cem vezes mais lixo que esse continente, observa o
estudo. Ou 50% de todo o lixo do mundo. E ainda exportam uma parte de seus
resíduos - principalmente eletrônicos - para países africanos, numa espécie de
"colonialismo da imundície", como tem sido chamado em relatórios
internacionais já registrados neste espaço em artigos anteriores. Os EUA
também exportam 50% de seus resíduos eletrônicos.
Embora o estudo não seja pessimista, precisaremos de muito esforço para
chegar a transformações indispensáveis no poder público em todos os níveis,
ainda mais que a própria população também resiste a qualquer inovação que
dela exija contribuição financeira em impostos ou taxas. Da mesma forma, parte
3. do setor produtivo não quer incorporar custos, alegando que sofrerá perda de
rentabilidade (que só ocorreria se a regra não fosse geral). Mas não há
alternativas - a não ser a sujeira, a degradação de áreas urbanas, o desperdício.
* WASHINGTON, NOVAES É JORNALISTA. E-MAIL:
WLRNOVAES@UOL.COM.BR.