1. Querido amigo, Lula!
Me chamo Gisélia, tenho 43 anos, nasci em uma cidade no oeste
maranhense. Tenho a liberdade de chamar-lhe de amigo porque faz tempo que
ando com você (desde os meus 16 anos). Tive a oportunidade de lhe conhecer por
meio de Padres Redentoristas que levavam a Teologia da Libertação para certas
regiões do país, no início de 1990. Tive este prazer. Por incentivo desses padres,
migrei para Goiânia em 1994, junto com um grupo de meninas sonhadoras, em
busca de outras oportunidades que meu estado pouco dava. Viemos com nossos
ideais já sólidos.
Juntas, participamos de todas as suas campanhas, nos emocionamos com
suas vitórias, com seus discursos únicos, nos chateamos com algumas de suas
escolhas e, por um tempo, até nos afastamos de você. Depois fomos entendendo
que, para chegar aonde chegou, só é possível pela via dos arranjos, coisas
horrendas deste nosso sistema bruto, infelizmente.
Da minha parte, eu o perdoei, chorei com as suas perdas pessoais, como se
Marisa fosse também parte da minha família. Quando Dilma sofreu o Golpe, fiquei
de cama com a tamanha injustiça que lhe fizeram, sobretudo porque lembrava do
tal sistema. Mas também sabia que isto ocorreria, assim como tudo resultaria na
sua prisão. Nunca tive dúvida. E imagino que você também sabia de tudo isso, já
que sabe demais sobre política. Isso só nos ajuda a entender que NÃO SOMOS
PARTE DISSO, Lula. Eu, mesmo tendo hoje uma renda familiar que me encaixa
numa outra classe social, um princípio em tenho na minha vida: NÃO SOU PARTE
DE ELITE ALGUMA, JAMAIS VOU CONCORDAR COM O PENSAMENTO DELA. Aliás, a
nossa elite, ao mesmo tempo em que quer ser liberal, se apropria dos maiores
benefícios do Estado e, exatamente, por isso não quer dividir as benesses com os
desfavorecidos, por meio de políticas públicas. Mas enfim, você já está cansado de
saber disso também.
2. Não disse ainda que me formei na Universidade Federal de Goiás, em
Geografia, fiz mestrado, doutorado e, desde 2003, sou, orgulhosamente,
professora da Rede Federal, onde também leciono em um dos primeiros cursos
daquele programa criado na sua gestão, o PROEJA. Lá é um lugar onde me
retroalimento de ideais, onde vale a pena ser professor, onde você percebe que a
educação é mais transformadora que em qualquer lugar. Sempre que inicia o
semestre, converso com as pessoas sobre a vida delas e me deparo com o
tamanho da necessidade e da responsabilidade do Estado para com certas
pessoas. Para ilustrar isso, tomo a liberdade aqui de colocar o depoimento de uma
aluna, de uns 40 anos: “Você se lembra de mim, professora? Eu trabalho aqui há 11
anos. Eu limpo as salas quando vocês vão para casa descansar. Eu nunca imaginei
que um dia eu sentaria aqui” (emocionada).
Confesso-lhe, meu caro amigo, que a sua luta vale a pena para cada pessoa
que precisa do Estado nesse país a fora. Se os mais privilegiados tivessem a
sensibilidade para olhar o grau de desigualdade histórica que resultou nessa coisa
estranha chamada nação, entenderiam porque tantas pessoas estão chorando por
você hoje, compreenderiam que a tamanha comoção sobre a sua prisão não é
ALIENAÇÃO, como eles costumam julgar, e sim SENSO DE HUMANIDADE, que pode
ser aprendido na vida e jamais pelas novelas da Globo.
Força, meu querido, porque, enquanto você estiver aí, NÓS SEREMOS TODOS
LULA. E quando você sair, eu estarei lá para lhe receber.
[...]
De repente olha eu de novo
Perturbando a paz, exigindo troco
Vamos por aí eu e meu cachorro
Olha um verso, olha o outro
Olha o velho, olha o moço chegando
Que medo você tem de nós, olha aí [...]
Pesadelo (Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós)
Giselia Lima Carvalho
Goiânia, 08 de abril de 2018.