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Disciplina de Biomecânica dos Tecidos
                                                                Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica
                                                                                 4º Ano, 2º Semestre 2008/09




ANÁLISE DO COMPORTAMENTO BIOMECÂNICO DO FÉMUR COM
  BASE NO MODELO DE HUISKES PARA A ADAPTAÇÃO ÓSSEA
                                        João Jorge
                                            57269
                               e-mail: joaopfjorge@gmail.com

                                     Nuno Gonçalves
                                            57290
                                e-mail: skimjim@hotmail.com

                                      Paula Antunes
                                            64407
                               e-mail: paulasoant@hotmail.com

Palavras-chave: biomecânica, fémur, Gamma Nail, modelo de Huiskes, elementos finitos,
adaptação óssea.

Resumo. O presente trabalho centrou-se na aplicação de um modelo computacional ao
estudo do fenómeno de adaptação óssea. A análise centrou-se num modelo tridimensional da
região proximal do fémur, sujeita a dois casos de carregamento correspondentes ao acto de
andar e de subir escadas. A análise de tensões foi feita através de software comercial de
elementos finitos (Abaqus), e o fenómeno de adaptação óssea foi simulado com base no
modelo de Huiskes, implementado em Matlab. Foi utilizada uma lei de potências para
relacionar a densidade óssea aparente com o módulo de elasticidade em cada ponto. O
modelo 3D utilizado para o osso foi obtido a partir de um modelo fornecido pelo docente,
aqui adaptado para apresentar secções cortical e trabecular diferenciadas. Para além deste
caso de osso simples, considerou-se também a inserção de um implante semelhante ao
modelo real Gamma Nail, modelado de raíz. Foram simuladas algumas variantes do caso
original, em termos do material do implante (aço e material isoelástico), do diâmetro da
haste (13, 15 e 17mm), do tipo de ligação entre implante e osso (ligação completa e contacto
sem atrito), e das características de adaptação do osso (em termos dos parâmetros do modelo
de Huiskes). Obtiveram-se em geral resultados coerentes com o esperado e próximos dos
casos reais.




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J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes




1. INTRODUÇÃO
   O uso de próteses e implantes ortopédicos impõe alterações pronunciadas no estado das
tensões/deformações mecânicas do osso hospedeiro. Estas mudanças originam processos
adaptativos pelos quais o tecido ósseo reconstrói a sua microestrutura em torno do implante
metálico. A distribuição de densidades e as orientações trabeculares são adaptadas de acordo
com a intensidade e a direcção das forças externas, podendo resultar em perdas de massa
óssea capazes de comprometer o desempenho continuado do implante.
   Actualmente, modelos teóricos de adaptação óssea utilizados em conjunto com métodos
computacionais de análise estrutural permitem prever as alterações nas propriedades
mecânicas do osso em resposta às cargas aplicadas. Estas aproximações possuem um forte
potencial para revelar alterações na morfologia da estrutura trabecular em resposta a
diferentes regimes de carga e são, comummente, baseadas no método de elementos finitos que
consiste na divisão do modelo num conjunto de elementos finitamente pequenos – malha – e
cujas soluções aproximadas em termos de deslocamentos, distribuição de tensões, densidades
e outros, podem ser encontradas em qualquer local do modelo [1].
   Para o estudo da adaptação óssea de um fémur ao implante da figura 1 recorreu-se ao
software comercial de elementos finitos ABAQUS/CAE. O modelo implementado foi o
seguinte:




     Figura 1. Modelo a implementar – fémur com implante, com a base sujeita a encastramento e com duas
                                 cargas aplicadas na cabeça do mesmo.

   Ao longo do estudo simularam-se variações na interface osso-implante, no material do
implante e no tamanho do mesmo com o intuito de compreender a influência que cada um
desses aspectos tem na adaptação óssea.




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J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes




2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS
   O osso é uma estrutura encontrada em muitos animais vertebrados, formado por um tipo de
tecido conjuntivo – o tecido ósseo. Este é constituído por uma parte orgânica e uma parte
inorgânica e possui várias funções no organismo humano: proteger alguns órgãos internos,
suportar os músculos (sistema músculo-esquelético) e, em conjunto com estes e as
articulações, permitir o movimento, produzir sangue através da medula óssea (hematopoiese)
e reservar minerais (cálcio e fósforo).

2.1. Estrutura óssea
  Sendo o osso-alvo deste estudo o fémur, é necessário perceber a anatomia dos ossos longos
bem como as suas macro e microestruturas.

2.1.1. Microestrutura
   No tecido ósseo encontramos as células ósseas, na maioria estreladas, que podem ser de
três tipos: osteoblastos, osteócitos e osteoclastos. Entre elas não existem grandes diferenças
pois na realidade correspondem a mudanças da forma de uma mesma célula, em diferentes
estágios: osteoblastos – células jovens com intensa actividade metabólica e responsáveis pela
produção da parte orgânica da matriz. São cúbicas ou cilíndricas e são encontradas no
periósteo – membrana fibrosa que reveste a superfície externa do ossos - e no endósteo -
membrana de tecido conjuntivo que reveste a superfície interna do osso. Fazem a regeneração
óssea após fracturas; osteócitos – à medida que se dá a calcificação da matriz óssea (formação
óssea), os osteoblastos dispõem-se em lacunas chamadas osteoplastos, diminuem a sua
actividade metabólica e passam a ser osteócitos, células adultas que actuam na manutenção
dos componentes químicos da matriz. Nas regiões ocupadas pelas ramificações dos
osteoblastos formam-se os canais e canalículos, que permitem uma comunicação entre os
osteócitos e os vasos sanguíneos que os alimentam; osteoclastos – são células gigantes,
multinucleadas e responsáveis pela degradação do tecido ósseo em condições fisiológicas e
patológicas. Os osteoclastos fazem a reabsorção da matriz pois secretam ácidos, colagenase e
outras enzimas que atacam e libertam Ca2+. Originam-se dos monócitos.

2.1.2. Macroestrutura
   O tecido ósseo humano possui duas formas: osso cortical (compacto) – denso (máxima
densidade em torno de 1.8 g/cm3) e pouco poroso (entre 5 a 10%), constitui as placas externas
dos ossos. É composto por osteons, ou sistemas de Havers (diâmetro entre 150 e 300 μm,
comprimento enre 3 e 5 mm), que possuem uma forma cilíndrica composta por lâminas
concêntricas (3 a 7 μm) correspondentes a fibras de colagéneo enroladas e impregnadas com
hidroxiapatite. Estas estruturas encontram-se embebidas numa matriz de osso lamelar - lamela
intersticial - e possuem uma cavidade central chamada Canal de Havers com tipicamente 40 a
50 μm de diâmetro e alinhados com o eixo longitudinal do osso. Estes canais são
interconectados entre si através de canais transversais – canais de Volkmann; osso trabecular
(esponjoso) – possui uma estrutura esponjosa. A sua porosidade varia entre 75 e 95% e os
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J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes




espaços vazios (não mineralizados) são preenchidos com medula óssea vermelha, nervos,
vasos sanguíneos e vários tipos de células. Nas regiões próximas das áreas carregadas, os
suportes (trabéculas) do tecido trabecular apresentam orientação preferencial, seguindo os
suportes mais espessos as direcções do carregamento – esta característica torna o material
tipicamente anisotrópico. Os dois tipos de macroestruturas referidas são representados na
ilustração da figura 2.




                               Figura 2. Osso cortical e osso trabecular.

   A nível celular podem ser encontrados dois tipos de osso: osso imaturo (woven bone) e
osso lamelar (maduro): osso imaturo – é um tecido pobremente organizado que é depositado
muito rapidamente durante o crescimento do feto e na reparação de fracturas (4 μm/dia). As
fibrilhas de colagéneo que o formam (0,1 - 3 μm em diâmetro) são orientadas aleatoriamente;
osso lamelar – com o crescimento, o osso imaturo é transformado em osso lamelar. Este
consiste em lamelas organizadas de um modo mais preciso e é depositado a uma taxa de 1
μm/dia. As lamelas são anisotrópicas e o grau final de mineralização do osso lamelar é menor
que aquele do osso imaturo [2].

2.1.3. Anatomia dos ossos longos
   A disposição dos tecidos ósseos cortical e trabecular num osso longo é responsável pela
sua resistência. Os ossos longos contém locais de crescimento e remodelação e estruturas
associadas às articulações. Um osso longo é dividido em: diáfise – é a haste longa do osso,
constituída principalmente por tecido ósseo cortical, o que lhe proporciona uma considerável
resistência à compressão. Possui pouco tecido trabecular e uma cavidade medular com medula
óssea; epífise – as extremidades dilatadas dum osso longo. A epífise de um osso articula-o ou
une-o a um segundo osso, através duma articulação. Cada epífise é coberta por cartilagem e
consiste num fina camada de osso cortical que reveste uma grande quantidade de osso
trabecular. Aqui as trabéculas organizam-se de forma a permitir a maior distribuição de forças
possível; metáfise – parte dilatada da diáfise onde se faz a continuidade com a epífise. Este é
o local onde é depositado o osso quando este está em crescimento.



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2.2. Propriedades mecânicas do osso
   O comportamento material apresentado pelo tecido ósseo pode ser classificado como
viscoelástico, não linear, anisotrópico e altamente não homogéneo em termos de densidades,
resistência mecânica e rigidez [3]. Testes mecânicos padrão (tracção/compressão) e métodos
acústicos com amostras de osso cortical ou trabecular são capazes de estimar as propriedades
mecânicas destes tecidos, as quais dependem do arranjo microscópico dos constituintes
ósseos. Em estudos feitos por Bagge [4] foram obtidos alguns resultados a partir de ensaios
para o osso cortical. Entre os ensaios que assumiram simetria ortotrópica, os valores para o
módulo de elasticidade (em GPa) foram os da primeira linha da tabela 1.

                        Amostra                 1                       2          3
                        E (GPa)              12 − 20                11 − 13, 4   6 − 20
                  Cisalhamento (GPa)           4,53                    5,61       6,23
                        Poisson               0,376                   0,376      0,235
                   Tabela 1. Propriedades mecânicas do osso cortical obtido da literatura.

   Os valores da tensão de cisalhamento e do coeficiente de Poisson das duas linhas inferiores
da tabela 1 foram obtidos por Ashman et al [7].

2.3. Modelo de Huiskes
  Neste trabalho computacional, utilizou-se o modelo de Huiskes, proposto, em 1987, por
Huiskes e o seu grupo de trabalho [4]. Tal modelo evolutivo assume o osso como sendo um
material isotrópico e considera como estímulo a densidade de energia elástica U, dada por:
                                                     1
                                             ������ = 2 ������������������ ������������������                            (1)
em que σ é o tensor das tensões e ε o tensor das deformações. Este modelo contempla as
adaptações ósseas interna e externa, ainda que se tenha dado maior foco à adaptação interna.
   A lei que descreve a variação da adaptação da densidade óssea está graficamente
representada na figura 3, em que k representa o valor de energia interna de referência e s o
valor do patamar referente à gama de valores de energia elástica ao longo do qual o estímulo
provocado no osso é nulo.




                 Figura 3. Representação gráfica do modelo computacional implementado.

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J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes




  O módulo de Young varia com a densidade de acordo com a seguinte lei de potências:
                                              ������ = 3790������3                                        (2)
em que os valores da densidade pertencem ao intervalo 0.01,1.74 g/cm3 [3]. Esta densidade
corresponde à quantidade de volume do osso que é ocupada por material sólido e resulta da
fracção entre a massa de trabéculas dividida pelo vulme unitário total do osso.

2.4. Fracturas da extremidade proximal do fémur
   Este grupo de fracturas tem maior ocorrência em pacientes idosos, podendo trazer grandes
limitações à realização de actividades diárias, ou mesmo impossibilitar a marcha, estando
muitas vezes associadas a níveis consideráveis de morbilidade e mortalidade. Dividem-se
principalmente em fracturas do colo do fémur, fracturas trocantéricas, e subtrocantéricas. As
duas primeiras são ilustradas abaixo, na figura 4.




                 Figura 4. Fracturas do colo do fémur (à esquerda) e trocantéricas (à direita).

   A maioria das fracturas ocorre por queda e o tratamento destas é eminentemente cirúrgico.
O tipo de cirurgia depende do tipo da fractura e do grau de actividade do paciente. Para as
fracturas trocantéricas, em particular, pode ser realizada uma fixação com placa e parafusos
ou com uma haste intramedular e parafusos. É nesta última operação que é utilizado o
Trochanteric Gamma Nail., o modelo de implante estudado neste trabalho. Este encontra-se
representado na ilustração da figura 5. Neste estudo, o parafuso terminal não foi considerado.




                    Figura 5. Implante Gamma Nail, utilizado em fracturas trocantéricas.

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J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes




   Tal como já foi feito em outros estudos [6], a influência das propriedades do material
(módulo de elasticidade) do implante, do osso e das condições de contacto na zona de fractura
serão aqui analisadas.

3. MÉTODOS
   Este trabalho incluiu várias fases de desenvolvimento até à obtenção de resultados de
relevância em termos biomecânicos. O primeiro passo desenvolvido foi a modelação
geométrica das estruturas físicas necessárias para a análise – a porção superior do fémur e os
implantes de vários diâmetros, bem como a concatenação das duas estruturas em cada caso.
Em seguida, para cada situação, procedeu-se à modelação das suas características enquanto
problema estático de tensões – definição dos materiais, aplicação de cargas, definição do tipo
de interacção de contacto e construção da malha de elementos finitos. Numa fase preliminar,
realizou-se um estudo de convergência para determinar o tamanho óptimo a especificar como
tamanho preferencial dos elementos de malha. Após esta modelação inicial de cada situação,
estruturada sob a forma de ficheiro de input para o programa Abaqus, estes ficheiros foram
modificados directamente de forma a melhorar a simulação (distribuição da carga por grupos
de nós), e a tornar os ficheiros adequados para interagir com o programa de simulação da
adaptação óssea. A fase seguinte do trabalho consistiu precisamente na construção deste
programa de simulação computacional, em Matlab, com base na implementação do modelo
de Huiskes. Finalmente, procedeu-se à aplicação do programa a cada situação anteriormente
especificada – numa primeira análise considerou-se exclusivamente o caso sem implante, para
determinação dos valores mais adequados a impor aos parâmetros do modelo de Huiskes,
tendo estes valores sido transmitidos para os restantes casos. Segue-se uma descrição mais
detalhada do trabalho desenvolvido em cada uma das fases do projecto.

3.1. Modelação geométrica
   O modelo tridimensional aqui utilizado para o fémur foi obtido a partir de um conjunto de
modelos fornecidos pelo docente. Estes modelos foram criados em Solidworks a partir de uma
réplica polimérica de um fémur esquerdo humano. Importado o conjunto de peças para o
programa Abaqus CAE, efectuaram-se algumas manipulações e assemblagens de forma a
obter uma peça única correspondente à porção superior do fémur, explicitamente diferenciada
nas suas regiões cortical e trabecular (ambas sólidas). A região correspondente ao canal
medular foi deixada como espaço vazio. Esta aproximação é razoável dado que a influência
dos tecidos medulares, enquanto tecidos moles, é negligível neste tipo de problemas quando
comparada à das regiões cortical e trabecular. Além deste aspecto, o carácter não-linear típico
do comportamento biomecânico dos tecidos moles aumentaria consideravelmente a
complexidade do problema.
   Procedeu-se então ao desenvolvimento, também em Abaqus CAE, do implante a utilizar no
nosso trabalho. Teve-se como referência o “Gamma-nail” (figura 6), implante utilizado na
realidade e que muito se assemelha ao indicado no enunciado, se se desprezar o parafuso
inferior. Para criar a haste, começou-se por desenhar uma ligeira curva, recorrendo a splines,

                                               7
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de modo a que ao longo desta se pudesse efectuar um sweep, de secção circular de 15 mm de
diâmetro. A partir dos extremos do segmento resultante, efectuaram-se extrusões, com ou sem
ângulo, a fim de concluir o desenho desta peça. Quanto ao parafuso, foi criado por revolução,
tendo-se desenhado meia secção longitudinal, que foi depois rodada de 360º. Na secção
Assembly, após múltiplas rotações e translações, conseguiu-se posicionar, conforme
pretendido, o osso, a haste e o parafuso. O resultado obtido é apresentado na figura 6, à
esquerda.




      Figura 6. À esquerda: implante modelado em Abaqus CAE; à direita: conjunto de 3 implantes criados
                     (diâmetros de haste de 15, 13 e 17mm, da esquerda para a direita).

   Posto isto, efectuou-se o Merge da haste e do parafuso, obtendo-se uma nova peça, o
implante. Posteriormente, quer a haste, quer o parafuso, foram editados para que se pudesse
constituir novos implantes, um de menor diâmetro (13 mm no segmento originado por Sweep)
e outro de maior diâmetro (17 mm no mesmo segmento). No segundo, foi necessário reduzir o
ângulo da extrusão imediatamente superior ao segmento referido, para que não se ficasse com
uma porção superior de haste excessivamente grossa. Os três implantes assim modelados são
também apresentados na figura 6, à direita.

3.2. Especificação inicial do problema estático de tensão
   A definição das características de cada problema estático de tensão foi, numa fase
preliminar, desenvolvida em ambiente Abaqus CAE. Esta fase iniciou-se com a definição dos
vários materiais necessários: para os implantes, definiu-se um tipo de material para simular
aço, com um módulo de elasticidade de 210GPa, e outro para um material isoelástico com
17GPa. Foram definidos dois tipos de material ósseo correspondentes ao osso cortical e ao
osso trabecular, e estes definiram-se como dependentes de um campo escalar de
“temperaturas”, que posteriormente corresponderia, em termos físicos, ao campo de densidade
óssea aparente. A relação entre estas grandezas foi especificada com base na seguinte lei de
potências:


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                                          ������ = ������0 ������������                                    (1)
com ρ a corresponder à densidade aparente e E ao módulo de elasticidade. Utilizou-se aqui
um valor de 3790GPa para E0, e de 3 para p. Esta relação foi implementada recorrendo a uma
amostragem de 20 pontos equispaçados no intervalo de 0.01 a 1.74g/cm3, típico dos materiais
ósseos humanos. Deve referir-se que, na prática, os dois tipos de osso assim definidos seguem
rigorosamente a mesma dependência da densidade, pelo que a sua distinção a este nível é
meramente estética. A distinção propriamente dita foi feita posteriormente, ao nível da
distribuição de densidades. Definidos os materiais e respectivas secções, estas foram
atribuídas às estruturas adequadas. Em particular, foram atribuídas ao fémur duas secções,
uma correspondente à região cortical e outra à trabecular.
   Obtidos as várias secções, aplicaram-se as cargas correspondentes a Fa e Fh especificadas
no enunciado, para os dois casos de carregamento (que foram divididos em dois steps
sucessivos). Estas forças foram aplicadas pontualmente nos locais especificados no
enunciado, tendo-se aproveitado as linhas já existentes no modelo geométrico para criar os
pontos de aplicação. Aplicou-se também o encastramento na base inferior do fémur. Os vários
tipos de contacto foram modelados na secção Interaction, tendo-se sempre escolhido como
Master a estrutura correspondente ao implante (a mais rígida). No caso de ligação completa
definiu-se uma interacção do tipo tie, enquanto que no caso não fixo se utilizou uma
combinação de interacções – tie para a rosca do parafuso, e contacto sem fricção para as
restantes superfícies.
   Para a malha de elementos finitos, foi necessário optar por elementos tetraédricos devido
às grandes irregularidades presentes na geometria do problema. Foi especificado um tamanho
preferencial de 4mm de aresta para cada elemento, valor este resultante do estudo de
convergência efectuado.

3.3. Estudo de convergência
   Para o estudo de convergência, consideraram-se dois casos representativos das
características esperadas para os problemas a analisar: um caso sem implante, e outro com o
implante de 15mm. Considerou-se exclusivamente o primeiro caso de carregamento indicado
no enunciado. Foram testados vários comprimentos dos elementos de malha, entre os 18mm e
os 3mm. Foram obtidas as tensões de von mises para 5 pontos ilustrativos da estrutura, cuja
localização se ilustra na figura 7. Também nesta figura são apresentados os resultados obtidos
para este conjunto de pontos.




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                                                                                                                      Ponto 1
                                                                                                 40,00




                                                                      Von Mises /GPa
                                                                                                 30,00
                                                                                                 20,00
                                                                                                 10,00
                                                                                                       0,00
                                                                                                              0       50000      100000    150000
                                                                                                                       N.º de elementos



                                 Ponto 2                                                                               Ponto 3
                     40,00                                                                             20,00
   Von Mises/GPa




                                                                                       Von Mises/GPa
                     30,00                                                                             15,00
                     20,00                                                                             10,00
                     10,00                                                                               5,00
                      0,00                                                                               0,00
                             0   50000        100000    150000                                                    0    50000      100000   150000
                                   N.º de elementos                                                                     N.º de elementos



                                                                                                                      Ponto 5
                                  Ponto 4
                                                                                                       40,00
                     1,50
                                                                                       Von Mises/GPa




                                                                                                       30,00
     Von Mises/GPa




                     1,00
                                                                                                       20,00
                     0,50                                                                              10,00
                     0,00                                                                                0,00
                             0   50000       100000     150000                                                    0    50000      100000   150000

                                 N.º de elementos                                                                       N.º de elementos


    Figura 7. Estudo de convergência para o primeiro caso de carregamento, no fémur sem implante (a azul) e
  com implante (a vermelho); em cima, à esquerda: localização no fémur e numeração dos pontos utilizados.

   Pôde observar-se, de um modo geral, que as tensões tendem a estabilizar a partir de cerca
de 60000 elementos, o que corresponde a um tamanho preferencial de 4mm para os elementos
da malha. Apesar deste valor não garantir totalmente a convergência nos pontos mais
instáveis desta amostra, deverá assegurar uma boa relação de compromisso entre fidelidade e
eficiência da análise.


                                                                 10
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3.4. Alterações ao ficheiro de input
   As alterações feitas directamente no ficheiro de input de cada análise foram feitas com o
intuito de, por um lado, permitir uma interacção adequada entre a análise de tensões e a
simulação da adaptação óssea: os nós de cada secção do osso foram copiados para dois
ficheiros nos1.dat e nos2.dat, para a região cortical e trabecular, respectivamente (isto foi
necessário para que se pudessem diferenciar à partida as duas secções, tendo em conta que os
respectivos nós não são inteiramente criados por ordem); foi definido um conjunto de
elementos correspondente a todo o osso, com o qual se especificaram instruções de escrita das
tensões de Von Mises e da energia de deformação elástica, num ficheiro .fil; especificou-se
ainda a escrita do campo de temperaturas nodais (correspondentes às densidades aparentes)
para o ficheiro .odb; especificou-se ainda a localização dos dados sobre o campo de
temperaturas, a ser fornecido por um ficheiro dados.dat. Por outro lado, as condições do
problema foram melhoradas ao nível da aplicação de cargas: cada força, inicialmente aplicada
segundo um único nó, foi distribuída também pelos vizinhos imediatamente adjacentes (em
geral entre 6 e 7 nós). A distribuição foi feita de forma ponderada, de acordo com a partilha
de elementos suportada por cada nó – esta medida torna as condições de aplicação mais
correctas do ponto de vista da teoria de elementos finitos, ainda que neste caso concreto não
fosse determinante para o efeito desejado. Por outro lado, a redução destas zonas de
concentração de tensões foi bem conseguida.
   Este efeito é bastante vantajoso, porque permite melhorar a análise de elementos finitos,
por um lado, e conseguir uma melhor aproximação à realidade, por outro – as cargas aplicadas
no fémur provêm de ligamentos e do contacto entre cartilagens, pelo que estas cargas deverão
ser bem aproximadas por pequenas áreas, não-pontuais.

3.5. Simulação do processo de adaptação óssea
   A simulação do processo de adaptação óssea foi implementada, como já referido, num
pequeno conjunto de funções em Matlab. Em primeiro lugar, foi criada uma função simples,
criaE, para gerar automaticamente uma amostragem, tão fina quanto desejado, da relação
entre a densidade e o módulo de elasticidade, dada pela lei de potências. A escolha recaiu
num conjunto de 20 amostras entre 0.01 e 1.74g/cm3, como já referido. Em segundo lugar, foi
criada uma função criaN, que lê os ficheiros nos1.dat e nos2.dat para produzir dois vectores
com os índices dos nós da região cortical e trabecular. Neste processo, a função exclui os nós
da secção trabecular já contidos no grupo de nós do osso cortical, arbitrando assim que as
fronteiras se comportarão inicialmente como osso cortical.
   Posto isto, projectou-se uma função criaR, que produz o ficheiro de dados de densidades
nodais, dados.dat, a partir de um vector de índices de nós e de outro com os respectivos
valores de densidade. Esta função é utilizada ao longo de toda a simulação de adaptação
óssea, mas também no início da análise, dado que permite uma diferenciação inicial entre a
região de osso cortical e a de osso trabecular – sendo o vector de nós dado pela função
criaN. Esta função inclui a reordenação dos índices antes da sua escrita no ficheiro, para
facilitar passos subsequentes de extracção de informação. Utilizou-se também um utilitário de

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extracção dos valores das tensões e das energias de deformação nodal para ficheiros .dat, a
partir do ficheiro .fil de cada análise. Este utilitário, get_abq67_res, foi fornecido pelo
docente e aqui utilizado sem alterações.
   A simulação propriamente dita é conduzida pela função adaptacao. De um modo geral,
esta função solicita a análise de tensões (efectuada pelo software Abaqus), utiliza os
resultados para adaptar as densidades nodais, de acordo com o modelo de Huiskes, e repete
ciclicamente estes passos. O processo é feito da seguinte forma: a função começa por ler o
ficheiro dados.dat para obter o vector de densidades iniciais. Em seguida, é corrido um ciclo
principal, tantas vezes quanto o especificado pelo utilizador. Neste ciclo, é chamada a análise
de tensões através do comando abaqus job, e em seguida é executado o utilitário
get_abq67_res. Procede-se então à leitura do ficheiro de densidades de energia elástica,
sener.dat, para um vector coluna. Este vector é então submetido ao modelo de Huiskes, para
calcular a respectiva derivada da densidade, ������������ ������������, para cada nó. Esta grandeza é
discretizada de tal forma que se aplica a seguinte variação às densidades:
                                                            ������������
                                     ������������+1 = ������������ + ������∆������ ������������                             (1)
sendo BΔt o passo de “tempo” especificado pelo utilizador. Após este incremento, é aplicado
um “clipping” dos extremos de forma a limitar as densidades entre os 0.01 e os 1.74g/cm3,
por duas razões: em primeiro lugar, esta margem corresponde aos limites fisiológicos gerais
observados na literatura, e dita o intervalo de actuação dos mecanismos de adaptação óssea.
Em segundo lugar, a definição de limites para as densidades nodais é inevitável, dado que a
amostragem da lei de potências fornecida ao ficheiro .inp não pode ser ilimitada (fora dos
extremos a relação assume-se como constante, afastando-se do comportamento adequado).
   Obtidas as novas densidades nodais, a função escreve o novo ficheiro dados.dat, utilizando
a função criaR já descrita. A partir daqui, o ciclo da adaptação óssea propriamente dita está
concluído, seguindo-se alguns passos destinados apenas a fornecer ao utilizador aspectos
importantes sobre a evolução do processo. Estas indicações incluem a variação máxima
observada para a densidade (em valor absoluto) e o nó em que esta se verificou, o valor nodal
máximo e mínimo para as densidades obtidas, o número de nós em estado “estacionário”
nesta iteração (sem variação de densidade), e o tempo demorado pela iteração. O programa
comunica ainda o número da iteração actual e a fase do ciclo em que o simulador se encontra,
permitindo ao utilizador acompanhar melhor o progresso da simulação.

3.6. Testes e ajuste de parâmetros
   Dada a razoável quantidade de parâmetros de simulação ajustáveis pelo utilizador, em
particular no que diz respeito ao modelo de Huiskes, surgiu a necessidade de efectuar um
conjunto de testes preliminares a fim de avaliar o conjunto de parâmetros com a melhor
relação entre qualidade dos resultados e eficiência de cálculo. Refere-se, desde já, que as
densidades iniciais adoptadas para o osso foram decididas com base na diferenciação entre
osso cortical e trabecular – 1.6492 g/cm3 para o primeiro e 1.0968 g/cm3 para o segundo.
Estes valores foram obtidos com base na inversão da lei de potências, partindo de um módulo

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de Young de 17GPa (fornecido no enunciado) e de 5GPa [8], respectivamente.
    Avaliando o grau de convergência com base na variação máxima de densidade em cada
iteração, fizeram-se primeiramente alguns testes diversificados para decidir o melhor esquema
de iteração do modelo (largura do passo e número de iterações). Testaram-se esquemas
simples em que a largura do passo é mantida constante, bem como esquemas mais elaborados
em que esta é refinada em pequenos conjuntos de iterações, para se obter uma solução mais
próxima do pretendido. No geral, optou-se por um esquema de 30 iterações a um passo
constante de valor 5, esquema este que se revelou robusto para a maioria dos testes
efectuados, permitindo a convergência para variações de densidade bastante reduzidas. Fixou-
se este esquema como referência para todos os testes efectuados em seguida. Para a constante
k do modelo, foram realizados 4 testes (para valores de 0.0025, 0.0060, 0.0080 e 0.0125),
tendo-se optado por fixar o valor de 0.0080 para os testes seguintes. Para o parâmetro s, foram
testados 3 casos distintos (0, 10 e 30% do valor de k adoptado), tendo-se optado por fixar o
valor de 10%. Avaliou-se ainda a relevância da diferenciação inicial de densidades entre osso
cortical e trabecular, comparando-a com o caso indiferenciado (com uma densidade inicial
homogénea de 1.6492 g/cm3). A razão destas escolhas, bem como os resultados em que as
mesmas se basearam, são apresentados adiante. Refere-se ainda que estes testes (para k e s)
foram baseados no caso mais simples, ou seja, o fémur sem implante.
    Arbitrados os valores considerados mais adequados para os parâmetros da análise,
efectuou-se um vasto conjunto de testes a fim de estudar as várias questões de interesse no
problema: material do implante, dimensões, e tipo de contacto na sua interacção com o osso.

4. RESULTADOS
   Segue-se uma apresentação dos resultados obtidos para os vários casos estudados,
integrada com a sua análise e a discussão dos aspectos mais relevantes. Em primeiro lugar,
apresenta-se em maior pormenor, na figura 8, o resultado obtido para o caso de osso simples,
utilizando os parâmetros de referência acima descritos, em termos da distribuição de tensões
de Von Mises.




   Figura 8. Situação de fémur simples, utilizando os parâmetros tomados como referência: k = 0.008, s = 10%,
  esquema de 30 iterações a passo 5; à direita: caso de cargas aplicadas pontualmente, somente para efeitos de
                                        comparação. Tensões em MPa.

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   Como se pode observar na figura, as tensões na região proximal do fémur situam-se na
ordem das dezenas de MPa, atingindo as centenas apenas na região mais distal da diáfise
(próximo do encastramento). Estes valores encontram-se dentro do esperado para este tipo de
situação, apoiando a fidelidade do modelo construído. Evidencia-se ainda na figura a eficácia
das medidas implementadas para distribuir as cargas aplicadas: os locais de aplicação são
ainda identificáveis por observação directa, mas graças à utilização de vários nós adjacentes
para aplicação das forças evitou-se claramente a introdução de efeitos significativos de
concentração de tensões (ao contrário do exemplo ilustrado à direita, em que este problema
está bem evidente).
   Passando em seguida aos testes referentes aos parâmetros do modelo de Huiskes, e
começando pelo parâmetro k, seguem-se os resultados obtidos, em termos das densidades
aparentes, para os 4 valores já indicados (0.0025, 0.0060, 0.0080 e 0.0125, todos com
s=10%), apresentados pela mesma ordem na figura 9. Neste caso, e igualmente para os
seguintes, optou-se por analisar os resultados com base num corte central aproximadamente
paralelo ao plano coronal, que se observou ser um indicador rico da informação contida no
modelo 3D. Na figura é também apresentado um corte semelhante feito num fémur real, para
efeitos de comparação.




    Figura 9. Variação do parâmetro k no caso de fémur simples; da esquerda para a direita: k=0.0025, 0.0060,
        0.0080 e 0.0125; ao canto direito: corte semelhante num fémur humano. Densidades em g/cm3.

   Observa-se, de um modo geral, um conjunto de tendências comuns a todos estes casos: há
uma elevada acumulação de massa nas paredes da diáfise, na superfície superior da cabeça do
fémur (perto da região onde a carga é aplicada), e na transição desta para o grande trocanter.
Observa-se também a formação de uma “ponte” de elevada densidade que atravessa
diagonalmente a cabeça do fémur. Por outro lado, tem-se o efeito oposto na região trabecular,
em particular na transição para o canal medular, no córtex do grande trocanter e na região
cortical da cabeça do fémur, na zona mais proximal. Todas estas tendências são
compreensíveis do ponto de vista biomecânico e podem, de um modo geral, ser identificadas
com a estrutura do osso real também apresentado na figura. Isto constitui um aspecto
favorável para o modelo, já que sugere robustez em relação ao parâmetro k. Por outro lado,
um olhar mais crítico sobre os vários resultados aponta de imediato para diferenças claras e
importantes entre eles: à medida que k aumenta, o valor considerado “estável” para a energia
de deformação sentida por unidade de densidade aumenta da mesma forma, o que significa

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que as energias elevadas estimulam de forma menos acentuada a densificação óssea, e por
outro lado as energias mais baixas estimulam mais intensamente a resorpção óssea. Assim,
tem-se, como observado na figura, uma transição de um sistema de densidades mais elevadas
para um de densidades mais baixas. No caso dos extremos apresentados, este efeito mostra-se
bastante nefasto: no caso da esquerda, a região cortical permaneceu de tal forma densa que a
estrutura em “ponte” na cabeça do fémur não se chega a formar; no caso direita esta estrutura
existe, mas a região trabecular não apresenta quaisquer outros pormenores diferenciados (está
saturada na densidade mínima). Além disso, existem locais onde a região cortical está
totalmente ausente, o que não deverá em geral corresponder à realidade (compare-se, por
exemplo, o córtex na região mais proximal da cabeça do fémur com o caso real). Posto isto,
optou-se pelo caso intermédio de k=0.0080, que mostra uma estrutura relativamente bem
diferenciada, tanto nas regiões de altas como nas de baixas densidades, e bastante próxima do
caso real. Este deverá assim ser o valor de k mais adequado à geometria e às condições do
problema.
   Passando para o parâmetro s, este corresponde a metade da largura do intervalo de “não-
excitabilidade” do osso (centrado em k), e sabe-se que tende a aumentar com a idade dos
indivíduos – uma criança terá um patamar pequeno ou mesmo inexistente, enquanto um idoso
apresenta um patamar bastante mais demarcado. Neste trabalho, e ainda no caso mais simples,
sem implante, foram testados 3 valores distintos para s: 0, 10 e 30% de k. Os resultados
obtidos, em termos da distribuição de densidades obtida, são apresentados em seguida na
figura 10.




   Figura 10. Variação do parâmetro s no caso de fémur simples; da esquerda para a direita: s=0%, 10% e 30%;
                ao canto direito: corte semelhante num fémur humano. Densidades em g/cm 3.

   Observa-se, nos resultados obtidos, que a diminuição de s levou por sua vez a uma
diminuição mais acentuada das densidades trabeculares, observando-se uma diferenciação
mais pronunciada entre a região cortical e a trabecular. Não é possível afirmar que um dos
valores seja mais adequado do que os outros, dado que este aspecto depende efectivamente do
indivíduo que se pretende estudar, ao nível da idade, por exemplo. Além disso, para que esta
questão pudesse ser mais correctamente analisada, seriam necessários ajustes nas densidades
iniciais especificadas, bem como nos limites superior e inferior de variação da densidade – em

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geral, um osso mais idoso é inevitavelmente mais afectado por problemas de osteoporose e
afins do que um osso mais jovem. Posto isto, escolheu-se o valor intermédio de 10% os
restantes casos estudados.
   Ainda no caso simples, procedeu-se ainda à comparação entre os resultados obtidos para
um fémur à partida diferenciado (região cortical e trabecular) e um fémur indiferenciado. As
distribuições de densidades obtidas para cada caso podem comparar-se na figura 11.




    Figura 11. Comparação entre um fémur à partida diferenciado (à esquerda), totalmente indiferenciado (ao
                         centro) e um caso real (à direita). Densidades em g/cm3.

   Comparando as duas distribuições entre si e com o caso real, constata-se que ambas
apresentam algumas vantagens e desvantagens. Nas regiões corticais, o caso diferenciado
peca por excesso em certos locais (onde a densidade deveria ser menor, sugerindo a presença
de pouco osso cortical) enquanto o caso indiferenciado peca por defeito noutros. A região
cortical da zona mais proximal da cabeça do fémur é um exemplo claro deste problema: o
caso real apresenta uma fronteira estreita mas evidente de osso cortical, enquanto ambas as
aproximações falham em reproduzir essa característica, cada uma a seu modo. Por outro lado,
na região trabecular, o modelo indiferenciado apresenta resultados claramente mais díspares,
com uma geometria desadequada que sugere o prolongamento do canal medular até ao grande
trocanter. Assim, o modelo diferenciado revela-se de um modo geral superior, com os
parâmetros aqui utilizados (relembrando que todos os parâmetros anteriores foram decididos
com base neste modelo e não no indiferenciado, o que lhe poderá conferir alguma vantagem).
   Passando agora ao caso do fémur com implante, começou-se por estudar a influência dos
materiais utilizados no comportamento biomecânico e fisiológico do sistema. Na figura 12 são
apresentadas as densidades obtidas para o caso de um implante de aço (210GPa) e outro de
um material isoelástico (17GPa).




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    Figura 12. Comparação entre um fémur sem implante (à esquerda), um fémur com um implante de aço (ao
   centro) e um de um material isoelástico (à direita). Implante de 15mm de diâmetro. Densidades em g/cm3.

   Analisando as distribuições obtidas, observa-se, no geral, uma leve tendência para a
resorpção óssea nas regiões de osso mais próximas do implante, efeito este que é mais
evidente no caso do aço. Esta observação está de acordo com o esperado e traduz-se
naturalmente no típico fenómeno de stress shielding. Este fenómeno surge, em geral, quando
se aplicam cargas a um sistema composto por duas estruturas ligadas, de módulo de
elasticidade diferente: estando as estruturas ligadas, a deformação sofrida é igual em ambas, o
que significa que a mais resistente recebe necessariamente uma parcela proporcionalmente
maior da tensão aplicada. No caso particular da interacção entre osso e implante, o osso é em
geral a estrutura de menor módulo de elasticidade, pelo que recebe também uma menor
componente da tensão aplicada. Consequentemente, e de acordo com a Lei de Wolff, tenderá
a ocorrer resorpção de material ósseo, diminuindo-se a densidade nos pontos “escudados”
pelo implante. Logicamente, o fenómeno é tanto mais significativo quanto maior for a
diferença de módulos de elasticidade. É precisamente este o fenómeno que aqui se verifica: na
presença de implante, e quanto mais rígido o seu material, menor é a densidade observada em
determinadas regiões. No caso isoelástico, a diminuição de densidades existe mas é
praticamente desprezável (o que é razoável, dado que apresenta um módulo de Young
idêntico ao dado inicialmente para o osso). Para o aço, os efeitos são claramente mais
importantes – no caso cortical, a resorpção observa-se principalmente na transição entre a
diáfise e a região superior do fémur (mais “amarela”); no caso trabecular, há uma diminuição
generalizada no grande trocanter e também na região abaixo do implante. Note-se que os
efeitos de stress shielding não se verificam mais abaixo, na diáfise, devido à geometria de
inserção do implante – mais abaixo, este implante (diâmetro médio) apenas contacta com uma
pequena região da diáfise, pelo que nesta zona a carga já foi quase totalmente transmitida ao
osso. Um outro caso em que se prevê a influência do fenómeno de stress shielding é
precisamente o da variação do diâmetro da haste do implante. Apresentam-se em seguida, na
figura 13, os resultados obtidos para um implante de 13mm de diâmetro e um de 17mm,
ambos em aço.


                                                    17
J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes




   Figura 13. Resultados obtidos para um implante de 13mm (duas imagens da esquerda), e um de 17 mm (duas
                   imagens da direita). Ambos os implantes em aço. Densidades em g/cm3.

   Como seria de esperar, observa-se na figura uma diminuição de densidade em locais do
osso semelhantes aos do caso anterior, diminuição esta que é bastante mais significativa no
caso do implante de maior diâmetro. Para este implante, observa-se agora inclusivamente o
aparecimento de resorpção óssea ao longo de toda a parede interior da diáfise, que agora já se
encontra em contacto com o implante ao longo desta região. Conclui-se, assim, que o aumento
das dimensões da estrutura mais rígida é um factor análogo ao do aumento módulo de Young
do material, produzindo efeitos semelhantes. Conclui-se igualmente que ambos os aspectos
são de facto fundamentais no desenho de implantes ortopédicos, sugerindo que se deve
trabalhar no sentido de obter módulos de Young tão próximos do osso quanto possível, por
um lado, e definindo dimensões que permitam ao implante ocupar apenas o espaço
estritamente necessário dentro do osso – tudo isto numa relação de compromisso com outras
propriedades importantes, naturalmente (resistência à fadiga, osteointegração, etc.).
   Apresenta-se, finalmente, o último caso estudado neste trabalho, e que se centrou no estudo
de dois tipos de interacção de contacto entre o osso e o implante: o caso de ligação completa,
que corresponde ao utilizado nos casos anteriores, e um caso de contacto simples, sem ligação
e sem atrito (haste lisa), onde se impôs ligação apenas na rosca do parafuso, ou seja, na
extremidade do implante que se situa próximo da cabeça do fémur. Os resultados obtidos são
apresentados abaixo, na figura 14.




                                                  18
J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes




    Figura 14. Resultados obtidos para uma interacção e contacto de ligação completa (ao centro), e simples (à
                         direita). Ambos os implantes em aço; densidades em g/cm3.

    Como se pode observar, os resultados obtidos para o caso de contacto livre são bastante
irregulares e mostram que, apesar de existir resorpção óssea em alguns locais (região
trabecular abaixo da intersecção entre o parafuso e a haste, e na superfície interna da diáfise
em contacto com o implante), tem-se também a formação de duas regiões de grande dimensão
(grande trocanter e cabeça do fémur) em que a densidade saturou totalmente no valor máximo
permitido. Isto deve-se claramente a um problema de estabilidade do método, motivado pela
presença de concentrações de tensão elevada. Estas concentrações de tensão ocorrem
precisamente na região em que há ligação completa (rosca do parafuso, mesmo no centro da
cabeça do fémur), e nas regiões em que o contacto entre osso e implante foi forçado devido a
constrangimentos geométricos, produzindo-se localmente forças de reacção elevadas (este
será o caso observado no grande trocanter). É necessária uma interpretação cautelosa destes
resultados, dado que o facto de se terem densidades elevadas em torno do implante não
significa que este seja mais eficaz na prevenção da resorpção óssea. Pelo contrário, isto terá
sido originado por tensões locais demasiado elevadas, que na realidade levaríam
provavelmente a necrose celular (este é um aspecto não contemplado pelo método de Huiskes,
que assume que no limite máximo a densidade simplesmente deixa de aumentar). Conclui-se,
assim, que este tipo de situação é potencialmente indesejável para aplicação clínica, e que
seriam necessárias algumas adaptações ao modelo de Huiskes, específicas para este caso, de
forma a tirar conclusões melhor fundamentadas.

5. CONCLUSÕES
   Concluiu-se, com a realização deste trabalho, que o modelo de Huiskes para a adaptação
óssea é um elemento de análise poderoso e versátil, que permite retirar conclusões relevantes
e úteis em várias situações típicas da biomecânica dos tecidos ósseos. O estudo da interacção
com implantes ortopédicos mostrou-se na maioria dos casos fiel ao esperado, e a
implementação computacional do método é bastante directa. Como desvantagens, tem-se o

                                                     19
J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes




facto de ser difícil estimar, de forma sistemática, os parâmetros mais adequados para cada
situação particular, e o facto de ser um método pesado em termos de cálculo computacional.
   Em termos de desenvolvimentos futuros, seria interessante a aplicação de leis de potências
distintas para os dois tipos de osso (cortical e trabecular), prevendo em todo o caso a
possibilidade de “transição” entre ambas. Poderiam ser testados outros casos de carregamento,
e eventualmente situações de simulação de patologias (doenças articulares, por exemplo), em
que a evolução da adaptação óssea fosse de alguma forma influenciada por outros modelos.

REFERÊNCIAS
[1] Cowin, S. C., Bone Mechanics Handbook, 2ª edição, CRC Press, 2001.
[2] Currey, J. D., Bone structure and mechanics, 1ª edição, Princeton University Press, 2002.
[3] Carter, D. R. e Hayes, W. C., Shape optimization of a cementless hip stem for a minimum
    of interface stress and displacement, The compressive behavior of bone as a two-phase
    porous structure, W. C. 1977, Journal of Bone and Joint Surgery, Vol. 59, pp. 654-962.
[4] Bagge, M., Remodeling of bone structures, Technical University of Denmark. 1999. PhD
    Thesis.
[5] Huiskes, R., et al, Adaptative bone-remodeling theory applied to prosthetic-design
    analysis, 1987, Journal of Biomechanics, Vol. 20, pp. 1135-1150.
[6] Sitthiseripratip, K., et al, Finite element study of trochanteric gamma nail for
    trochanteric fracture, Março de 2002, Medical Engineering & Physics, Vol. 25, pp. 99-
    106.
[7] Ashman, R. B., Cowin, S. C., Van Buskirk, W. C., Rice, J. C., A continuous wave
    technique for the measurement of the elastic properties of cortical bone, J. Biomech., 17,
    349-361, 1984.
[8] Folgado, J.; Acetatos da disciplina de Biomecânica dos Tecidos , 2009.




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  • 1. Disciplina de Biomecânica dos Tecidos Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica 4º Ano, 2º Semestre 2008/09 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO BIOMECÂNICO DO FÉMUR COM BASE NO MODELO DE HUISKES PARA A ADAPTAÇÃO ÓSSEA João Jorge 57269 e-mail: joaopfjorge@gmail.com Nuno Gonçalves 57290 e-mail: skimjim@hotmail.com Paula Antunes 64407 e-mail: paulasoant@hotmail.com Palavras-chave: biomecânica, fémur, Gamma Nail, modelo de Huiskes, elementos finitos, adaptação óssea. Resumo. O presente trabalho centrou-se na aplicação de um modelo computacional ao estudo do fenómeno de adaptação óssea. A análise centrou-se num modelo tridimensional da região proximal do fémur, sujeita a dois casos de carregamento correspondentes ao acto de andar e de subir escadas. A análise de tensões foi feita através de software comercial de elementos finitos (Abaqus), e o fenómeno de adaptação óssea foi simulado com base no modelo de Huiskes, implementado em Matlab. Foi utilizada uma lei de potências para relacionar a densidade óssea aparente com o módulo de elasticidade em cada ponto. O modelo 3D utilizado para o osso foi obtido a partir de um modelo fornecido pelo docente, aqui adaptado para apresentar secções cortical e trabecular diferenciadas. Para além deste caso de osso simples, considerou-se também a inserção de um implante semelhante ao modelo real Gamma Nail, modelado de raíz. Foram simuladas algumas variantes do caso original, em termos do material do implante (aço e material isoelástico), do diâmetro da haste (13, 15 e 17mm), do tipo de ligação entre implante e osso (ligação completa e contacto sem atrito), e das características de adaptação do osso (em termos dos parâmetros do modelo de Huiskes). Obtiveram-se em geral resultados coerentes com o esperado e próximos dos casos reais. 1
  • 2. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes 1. INTRODUÇÃO O uso de próteses e implantes ortopédicos impõe alterações pronunciadas no estado das tensões/deformações mecânicas do osso hospedeiro. Estas mudanças originam processos adaptativos pelos quais o tecido ósseo reconstrói a sua microestrutura em torno do implante metálico. A distribuição de densidades e as orientações trabeculares são adaptadas de acordo com a intensidade e a direcção das forças externas, podendo resultar em perdas de massa óssea capazes de comprometer o desempenho continuado do implante. Actualmente, modelos teóricos de adaptação óssea utilizados em conjunto com métodos computacionais de análise estrutural permitem prever as alterações nas propriedades mecânicas do osso em resposta às cargas aplicadas. Estas aproximações possuem um forte potencial para revelar alterações na morfologia da estrutura trabecular em resposta a diferentes regimes de carga e são, comummente, baseadas no método de elementos finitos que consiste na divisão do modelo num conjunto de elementos finitamente pequenos – malha – e cujas soluções aproximadas em termos de deslocamentos, distribuição de tensões, densidades e outros, podem ser encontradas em qualquer local do modelo [1]. Para o estudo da adaptação óssea de um fémur ao implante da figura 1 recorreu-se ao software comercial de elementos finitos ABAQUS/CAE. O modelo implementado foi o seguinte: Figura 1. Modelo a implementar – fémur com implante, com a base sujeita a encastramento e com duas cargas aplicadas na cabeça do mesmo. Ao longo do estudo simularam-se variações na interface osso-implante, no material do implante e no tamanho do mesmo com o intuito de compreender a influência que cada um desses aspectos tem na adaptação óssea. 2
  • 3. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes 2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS O osso é uma estrutura encontrada em muitos animais vertebrados, formado por um tipo de tecido conjuntivo – o tecido ósseo. Este é constituído por uma parte orgânica e uma parte inorgânica e possui várias funções no organismo humano: proteger alguns órgãos internos, suportar os músculos (sistema músculo-esquelético) e, em conjunto com estes e as articulações, permitir o movimento, produzir sangue através da medula óssea (hematopoiese) e reservar minerais (cálcio e fósforo). 2.1. Estrutura óssea Sendo o osso-alvo deste estudo o fémur, é necessário perceber a anatomia dos ossos longos bem como as suas macro e microestruturas. 2.1.1. Microestrutura No tecido ósseo encontramos as células ósseas, na maioria estreladas, que podem ser de três tipos: osteoblastos, osteócitos e osteoclastos. Entre elas não existem grandes diferenças pois na realidade correspondem a mudanças da forma de uma mesma célula, em diferentes estágios: osteoblastos – células jovens com intensa actividade metabólica e responsáveis pela produção da parte orgânica da matriz. São cúbicas ou cilíndricas e são encontradas no periósteo – membrana fibrosa que reveste a superfície externa do ossos - e no endósteo - membrana de tecido conjuntivo que reveste a superfície interna do osso. Fazem a regeneração óssea após fracturas; osteócitos – à medida que se dá a calcificação da matriz óssea (formação óssea), os osteoblastos dispõem-se em lacunas chamadas osteoplastos, diminuem a sua actividade metabólica e passam a ser osteócitos, células adultas que actuam na manutenção dos componentes químicos da matriz. Nas regiões ocupadas pelas ramificações dos osteoblastos formam-se os canais e canalículos, que permitem uma comunicação entre os osteócitos e os vasos sanguíneos que os alimentam; osteoclastos – são células gigantes, multinucleadas e responsáveis pela degradação do tecido ósseo em condições fisiológicas e patológicas. Os osteoclastos fazem a reabsorção da matriz pois secretam ácidos, colagenase e outras enzimas que atacam e libertam Ca2+. Originam-se dos monócitos. 2.1.2. Macroestrutura O tecido ósseo humano possui duas formas: osso cortical (compacto) – denso (máxima densidade em torno de 1.8 g/cm3) e pouco poroso (entre 5 a 10%), constitui as placas externas dos ossos. É composto por osteons, ou sistemas de Havers (diâmetro entre 150 e 300 μm, comprimento enre 3 e 5 mm), que possuem uma forma cilíndrica composta por lâminas concêntricas (3 a 7 μm) correspondentes a fibras de colagéneo enroladas e impregnadas com hidroxiapatite. Estas estruturas encontram-se embebidas numa matriz de osso lamelar - lamela intersticial - e possuem uma cavidade central chamada Canal de Havers com tipicamente 40 a 50 μm de diâmetro e alinhados com o eixo longitudinal do osso. Estes canais são interconectados entre si através de canais transversais – canais de Volkmann; osso trabecular (esponjoso) – possui uma estrutura esponjosa. A sua porosidade varia entre 75 e 95% e os 3
  • 4. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes espaços vazios (não mineralizados) são preenchidos com medula óssea vermelha, nervos, vasos sanguíneos e vários tipos de células. Nas regiões próximas das áreas carregadas, os suportes (trabéculas) do tecido trabecular apresentam orientação preferencial, seguindo os suportes mais espessos as direcções do carregamento – esta característica torna o material tipicamente anisotrópico. Os dois tipos de macroestruturas referidas são representados na ilustração da figura 2. Figura 2. Osso cortical e osso trabecular. A nível celular podem ser encontrados dois tipos de osso: osso imaturo (woven bone) e osso lamelar (maduro): osso imaturo – é um tecido pobremente organizado que é depositado muito rapidamente durante o crescimento do feto e na reparação de fracturas (4 μm/dia). As fibrilhas de colagéneo que o formam (0,1 - 3 μm em diâmetro) são orientadas aleatoriamente; osso lamelar – com o crescimento, o osso imaturo é transformado em osso lamelar. Este consiste em lamelas organizadas de um modo mais preciso e é depositado a uma taxa de 1 μm/dia. As lamelas são anisotrópicas e o grau final de mineralização do osso lamelar é menor que aquele do osso imaturo [2]. 2.1.3. Anatomia dos ossos longos A disposição dos tecidos ósseos cortical e trabecular num osso longo é responsável pela sua resistência. Os ossos longos contém locais de crescimento e remodelação e estruturas associadas às articulações. Um osso longo é dividido em: diáfise – é a haste longa do osso, constituída principalmente por tecido ósseo cortical, o que lhe proporciona uma considerável resistência à compressão. Possui pouco tecido trabecular e uma cavidade medular com medula óssea; epífise – as extremidades dilatadas dum osso longo. A epífise de um osso articula-o ou une-o a um segundo osso, através duma articulação. Cada epífise é coberta por cartilagem e consiste num fina camada de osso cortical que reveste uma grande quantidade de osso trabecular. Aqui as trabéculas organizam-se de forma a permitir a maior distribuição de forças possível; metáfise – parte dilatada da diáfise onde se faz a continuidade com a epífise. Este é o local onde é depositado o osso quando este está em crescimento. 4
  • 5. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes 2.2. Propriedades mecânicas do osso O comportamento material apresentado pelo tecido ósseo pode ser classificado como viscoelástico, não linear, anisotrópico e altamente não homogéneo em termos de densidades, resistência mecânica e rigidez [3]. Testes mecânicos padrão (tracção/compressão) e métodos acústicos com amostras de osso cortical ou trabecular são capazes de estimar as propriedades mecânicas destes tecidos, as quais dependem do arranjo microscópico dos constituintes ósseos. Em estudos feitos por Bagge [4] foram obtidos alguns resultados a partir de ensaios para o osso cortical. Entre os ensaios que assumiram simetria ortotrópica, os valores para o módulo de elasticidade (em GPa) foram os da primeira linha da tabela 1. Amostra 1 2 3 E (GPa) 12 − 20 11 − 13, 4 6 − 20 Cisalhamento (GPa) 4,53 5,61 6,23 Poisson 0,376 0,376 0,235 Tabela 1. Propriedades mecânicas do osso cortical obtido da literatura. Os valores da tensão de cisalhamento e do coeficiente de Poisson das duas linhas inferiores da tabela 1 foram obtidos por Ashman et al [7]. 2.3. Modelo de Huiskes Neste trabalho computacional, utilizou-se o modelo de Huiskes, proposto, em 1987, por Huiskes e o seu grupo de trabalho [4]. Tal modelo evolutivo assume o osso como sendo um material isotrópico e considera como estímulo a densidade de energia elástica U, dada por: 1 ������ = 2 ������������������ ������������������ (1) em que σ é o tensor das tensões e ε o tensor das deformações. Este modelo contempla as adaptações ósseas interna e externa, ainda que se tenha dado maior foco à adaptação interna. A lei que descreve a variação da adaptação da densidade óssea está graficamente representada na figura 3, em que k representa o valor de energia interna de referência e s o valor do patamar referente à gama de valores de energia elástica ao longo do qual o estímulo provocado no osso é nulo. Figura 3. Representação gráfica do modelo computacional implementado. 5
  • 6. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes O módulo de Young varia com a densidade de acordo com a seguinte lei de potências: ������ = 3790������3 (2) em que os valores da densidade pertencem ao intervalo 0.01,1.74 g/cm3 [3]. Esta densidade corresponde à quantidade de volume do osso que é ocupada por material sólido e resulta da fracção entre a massa de trabéculas dividida pelo vulme unitário total do osso. 2.4. Fracturas da extremidade proximal do fémur Este grupo de fracturas tem maior ocorrência em pacientes idosos, podendo trazer grandes limitações à realização de actividades diárias, ou mesmo impossibilitar a marcha, estando muitas vezes associadas a níveis consideráveis de morbilidade e mortalidade. Dividem-se principalmente em fracturas do colo do fémur, fracturas trocantéricas, e subtrocantéricas. As duas primeiras são ilustradas abaixo, na figura 4. Figura 4. Fracturas do colo do fémur (à esquerda) e trocantéricas (à direita). A maioria das fracturas ocorre por queda e o tratamento destas é eminentemente cirúrgico. O tipo de cirurgia depende do tipo da fractura e do grau de actividade do paciente. Para as fracturas trocantéricas, em particular, pode ser realizada uma fixação com placa e parafusos ou com uma haste intramedular e parafusos. É nesta última operação que é utilizado o Trochanteric Gamma Nail., o modelo de implante estudado neste trabalho. Este encontra-se representado na ilustração da figura 5. Neste estudo, o parafuso terminal não foi considerado. Figura 5. Implante Gamma Nail, utilizado em fracturas trocantéricas. 6
  • 7. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes Tal como já foi feito em outros estudos [6], a influência das propriedades do material (módulo de elasticidade) do implante, do osso e das condições de contacto na zona de fractura serão aqui analisadas. 3. MÉTODOS Este trabalho incluiu várias fases de desenvolvimento até à obtenção de resultados de relevância em termos biomecânicos. O primeiro passo desenvolvido foi a modelação geométrica das estruturas físicas necessárias para a análise – a porção superior do fémur e os implantes de vários diâmetros, bem como a concatenação das duas estruturas em cada caso. Em seguida, para cada situação, procedeu-se à modelação das suas características enquanto problema estático de tensões – definição dos materiais, aplicação de cargas, definição do tipo de interacção de contacto e construção da malha de elementos finitos. Numa fase preliminar, realizou-se um estudo de convergência para determinar o tamanho óptimo a especificar como tamanho preferencial dos elementos de malha. Após esta modelação inicial de cada situação, estruturada sob a forma de ficheiro de input para o programa Abaqus, estes ficheiros foram modificados directamente de forma a melhorar a simulação (distribuição da carga por grupos de nós), e a tornar os ficheiros adequados para interagir com o programa de simulação da adaptação óssea. A fase seguinte do trabalho consistiu precisamente na construção deste programa de simulação computacional, em Matlab, com base na implementação do modelo de Huiskes. Finalmente, procedeu-se à aplicação do programa a cada situação anteriormente especificada – numa primeira análise considerou-se exclusivamente o caso sem implante, para determinação dos valores mais adequados a impor aos parâmetros do modelo de Huiskes, tendo estes valores sido transmitidos para os restantes casos. Segue-se uma descrição mais detalhada do trabalho desenvolvido em cada uma das fases do projecto. 3.1. Modelação geométrica O modelo tridimensional aqui utilizado para o fémur foi obtido a partir de um conjunto de modelos fornecidos pelo docente. Estes modelos foram criados em Solidworks a partir de uma réplica polimérica de um fémur esquerdo humano. Importado o conjunto de peças para o programa Abaqus CAE, efectuaram-se algumas manipulações e assemblagens de forma a obter uma peça única correspondente à porção superior do fémur, explicitamente diferenciada nas suas regiões cortical e trabecular (ambas sólidas). A região correspondente ao canal medular foi deixada como espaço vazio. Esta aproximação é razoável dado que a influência dos tecidos medulares, enquanto tecidos moles, é negligível neste tipo de problemas quando comparada à das regiões cortical e trabecular. Além deste aspecto, o carácter não-linear típico do comportamento biomecânico dos tecidos moles aumentaria consideravelmente a complexidade do problema. Procedeu-se então ao desenvolvimento, também em Abaqus CAE, do implante a utilizar no nosso trabalho. Teve-se como referência o “Gamma-nail” (figura 6), implante utilizado na realidade e que muito se assemelha ao indicado no enunciado, se se desprezar o parafuso inferior. Para criar a haste, começou-se por desenhar uma ligeira curva, recorrendo a splines, 7
  • 8. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes de modo a que ao longo desta se pudesse efectuar um sweep, de secção circular de 15 mm de diâmetro. A partir dos extremos do segmento resultante, efectuaram-se extrusões, com ou sem ângulo, a fim de concluir o desenho desta peça. Quanto ao parafuso, foi criado por revolução, tendo-se desenhado meia secção longitudinal, que foi depois rodada de 360º. Na secção Assembly, após múltiplas rotações e translações, conseguiu-se posicionar, conforme pretendido, o osso, a haste e o parafuso. O resultado obtido é apresentado na figura 6, à esquerda. Figura 6. À esquerda: implante modelado em Abaqus CAE; à direita: conjunto de 3 implantes criados (diâmetros de haste de 15, 13 e 17mm, da esquerda para a direita). Posto isto, efectuou-se o Merge da haste e do parafuso, obtendo-se uma nova peça, o implante. Posteriormente, quer a haste, quer o parafuso, foram editados para que se pudesse constituir novos implantes, um de menor diâmetro (13 mm no segmento originado por Sweep) e outro de maior diâmetro (17 mm no mesmo segmento). No segundo, foi necessário reduzir o ângulo da extrusão imediatamente superior ao segmento referido, para que não se ficasse com uma porção superior de haste excessivamente grossa. Os três implantes assim modelados são também apresentados na figura 6, à direita. 3.2. Especificação inicial do problema estático de tensão A definição das características de cada problema estático de tensão foi, numa fase preliminar, desenvolvida em ambiente Abaqus CAE. Esta fase iniciou-se com a definição dos vários materiais necessários: para os implantes, definiu-se um tipo de material para simular aço, com um módulo de elasticidade de 210GPa, e outro para um material isoelástico com 17GPa. Foram definidos dois tipos de material ósseo correspondentes ao osso cortical e ao osso trabecular, e estes definiram-se como dependentes de um campo escalar de “temperaturas”, que posteriormente corresponderia, em termos físicos, ao campo de densidade óssea aparente. A relação entre estas grandezas foi especificada com base na seguinte lei de potências: 8
  • 9. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes ������ = ������0 ������������ (1) com ρ a corresponder à densidade aparente e E ao módulo de elasticidade. Utilizou-se aqui um valor de 3790GPa para E0, e de 3 para p. Esta relação foi implementada recorrendo a uma amostragem de 20 pontos equispaçados no intervalo de 0.01 a 1.74g/cm3, típico dos materiais ósseos humanos. Deve referir-se que, na prática, os dois tipos de osso assim definidos seguem rigorosamente a mesma dependência da densidade, pelo que a sua distinção a este nível é meramente estética. A distinção propriamente dita foi feita posteriormente, ao nível da distribuição de densidades. Definidos os materiais e respectivas secções, estas foram atribuídas às estruturas adequadas. Em particular, foram atribuídas ao fémur duas secções, uma correspondente à região cortical e outra à trabecular. Obtidos as várias secções, aplicaram-se as cargas correspondentes a Fa e Fh especificadas no enunciado, para os dois casos de carregamento (que foram divididos em dois steps sucessivos). Estas forças foram aplicadas pontualmente nos locais especificados no enunciado, tendo-se aproveitado as linhas já existentes no modelo geométrico para criar os pontos de aplicação. Aplicou-se também o encastramento na base inferior do fémur. Os vários tipos de contacto foram modelados na secção Interaction, tendo-se sempre escolhido como Master a estrutura correspondente ao implante (a mais rígida). No caso de ligação completa definiu-se uma interacção do tipo tie, enquanto que no caso não fixo se utilizou uma combinação de interacções – tie para a rosca do parafuso, e contacto sem fricção para as restantes superfícies. Para a malha de elementos finitos, foi necessário optar por elementos tetraédricos devido às grandes irregularidades presentes na geometria do problema. Foi especificado um tamanho preferencial de 4mm de aresta para cada elemento, valor este resultante do estudo de convergência efectuado. 3.3. Estudo de convergência Para o estudo de convergência, consideraram-se dois casos representativos das características esperadas para os problemas a analisar: um caso sem implante, e outro com o implante de 15mm. Considerou-se exclusivamente o primeiro caso de carregamento indicado no enunciado. Foram testados vários comprimentos dos elementos de malha, entre os 18mm e os 3mm. Foram obtidas as tensões de von mises para 5 pontos ilustrativos da estrutura, cuja localização se ilustra na figura 7. Também nesta figura são apresentados os resultados obtidos para este conjunto de pontos. 9
  • 10. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes Ponto 1 40,00 Von Mises /GPa 30,00 20,00 10,00 0,00 0 50000 100000 150000 N.º de elementos Ponto 2 Ponto 3 40,00 20,00 Von Mises/GPa Von Mises/GPa 30,00 15,00 20,00 10,00 10,00 5,00 0,00 0,00 0 50000 100000 150000 0 50000 100000 150000 N.º de elementos N.º de elementos Ponto 5 Ponto 4 40,00 1,50 Von Mises/GPa 30,00 Von Mises/GPa 1,00 20,00 0,50 10,00 0,00 0,00 0 50000 100000 150000 0 50000 100000 150000 N.º de elementos N.º de elementos Figura 7. Estudo de convergência para o primeiro caso de carregamento, no fémur sem implante (a azul) e com implante (a vermelho); em cima, à esquerda: localização no fémur e numeração dos pontos utilizados. Pôde observar-se, de um modo geral, que as tensões tendem a estabilizar a partir de cerca de 60000 elementos, o que corresponde a um tamanho preferencial de 4mm para os elementos da malha. Apesar deste valor não garantir totalmente a convergência nos pontos mais instáveis desta amostra, deverá assegurar uma boa relação de compromisso entre fidelidade e eficiência da análise. 10
  • 11. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes 3.4. Alterações ao ficheiro de input As alterações feitas directamente no ficheiro de input de cada análise foram feitas com o intuito de, por um lado, permitir uma interacção adequada entre a análise de tensões e a simulação da adaptação óssea: os nós de cada secção do osso foram copiados para dois ficheiros nos1.dat e nos2.dat, para a região cortical e trabecular, respectivamente (isto foi necessário para que se pudessem diferenciar à partida as duas secções, tendo em conta que os respectivos nós não são inteiramente criados por ordem); foi definido um conjunto de elementos correspondente a todo o osso, com o qual se especificaram instruções de escrita das tensões de Von Mises e da energia de deformação elástica, num ficheiro .fil; especificou-se ainda a escrita do campo de temperaturas nodais (correspondentes às densidades aparentes) para o ficheiro .odb; especificou-se ainda a localização dos dados sobre o campo de temperaturas, a ser fornecido por um ficheiro dados.dat. Por outro lado, as condições do problema foram melhoradas ao nível da aplicação de cargas: cada força, inicialmente aplicada segundo um único nó, foi distribuída também pelos vizinhos imediatamente adjacentes (em geral entre 6 e 7 nós). A distribuição foi feita de forma ponderada, de acordo com a partilha de elementos suportada por cada nó – esta medida torna as condições de aplicação mais correctas do ponto de vista da teoria de elementos finitos, ainda que neste caso concreto não fosse determinante para o efeito desejado. Por outro lado, a redução destas zonas de concentração de tensões foi bem conseguida. Este efeito é bastante vantajoso, porque permite melhorar a análise de elementos finitos, por um lado, e conseguir uma melhor aproximação à realidade, por outro – as cargas aplicadas no fémur provêm de ligamentos e do contacto entre cartilagens, pelo que estas cargas deverão ser bem aproximadas por pequenas áreas, não-pontuais. 3.5. Simulação do processo de adaptação óssea A simulação do processo de adaptação óssea foi implementada, como já referido, num pequeno conjunto de funções em Matlab. Em primeiro lugar, foi criada uma função simples, criaE, para gerar automaticamente uma amostragem, tão fina quanto desejado, da relação entre a densidade e o módulo de elasticidade, dada pela lei de potências. A escolha recaiu num conjunto de 20 amostras entre 0.01 e 1.74g/cm3, como já referido. Em segundo lugar, foi criada uma função criaN, que lê os ficheiros nos1.dat e nos2.dat para produzir dois vectores com os índices dos nós da região cortical e trabecular. Neste processo, a função exclui os nós da secção trabecular já contidos no grupo de nós do osso cortical, arbitrando assim que as fronteiras se comportarão inicialmente como osso cortical. Posto isto, projectou-se uma função criaR, que produz o ficheiro de dados de densidades nodais, dados.dat, a partir de um vector de índices de nós e de outro com os respectivos valores de densidade. Esta função é utilizada ao longo de toda a simulação de adaptação óssea, mas também no início da análise, dado que permite uma diferenciação inicial entre a região de osso cortical e a de osso trabecular – sendo o vector de nós dado pela função criaN. Esta função inclui a reordenação dos índices antes da sua escrita no ficheiro, para facilitar passos subsequentes de extracção de informação. Utilizou-se também um utilitário de 11
  • 12. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes extracção dos valores das tensões e das energias de deformação nodal para ficheiros .dat, a partir do ficheiro .fil de cada análise. Este utilitário, get_abq67_res, foi fornecido pelo docente e aqui utilizado sem alterações. A simulação propriamente dita é conduzida pela função adaptacao. De um modo geral, esta função solicita a análise de tensões (efectuada pelo software Abaqus), utiliza os resultados para adaptar as densidades nodais, de acordo com o modelo de Huiskes, e repete ciclicamente estes passos. O processo é feito da seguinte forma: a função começa por ler o ficheiro dados.dat para obter o vector de densidades iniciais. Em seguida, é corrido um ciclo principal, tantas vezes quanto o especificado pelo utilizador. Neste ciclo, é chamada a análise de tensões através do comando abaqus job, e em seguida é executado o utilitário get_abq67_res. Procede-se então à leitura do ficheiro de densidades de energia elástica, sener.dat, para um vector coluna. Este vector é então submetido ao modelo de Huiskes, para calcular a respectiva derivada da densidade, ������������ ������������, para cada nó. Esta grandeza é discretizada de tal forma que se aplica a seguinte variação às densidades: ������������ ������������+1 = ������������ + ������∆������ ������������ (1) sendo BΔt o passo de “tempo” especificado pelo utilizador. Após este incremento, é aplicado um “clipping” dos extremos de forma a limitar as densidades entre os 0.01 e os 1.74g/cm3, por duas razões: em primeiro lugar, esta margem corresponde aos limites fisiológicos gerais observados na literatura, e dita o intervalo de actuação dos mecanismos de adaptação óssea. Em segundo lugar, a definição de limites para as densidades nodais é inevitável, dado que a amostragem da lei de potências fornecida ao ficheiro .inp não pode ser ilimitada (fora dos extremos a relação assume-se como constante, afastando-se do comportamento adequado). Obtidas as novas densidades nodais, a função escreve o novo ficheiro dados.dat, utilizando a função criaR já descrita. A partir daqui, o ciclo da adaptação óssea propriamente dita está concluído, seguindo-se alguns passos destinados apenas a fornecer ao utilizador aspectos importantes sobre a evolução do processo. Estas indicações incluem a variação máxima observada para a densidade (em valor absoluto) e o nó em que esta se verificou, o valor nodal máximo e mínimo para as densidades obtidas, o número de nós em estado “estacionário” nesta iteração (sem variação de densidade), e o tempo demorado pela iteração. O programa comunica ainda o número da iteração actual e a fase do ciclo em que o simulador se encontra, permitindo ao utilizador acompanhar melhor o progresso da simulação. 3.6. Testes e ajuste de parâmetros Dada a razoável quantidade de parâmetros de simulação ajustáveis pelo utilizador, em particular no que diz respeito ao modelo de Huiskes, surgiu a necessidade de efectuar um conjunto de testes preliminares a fim de avaliar o conjunto de parâmetros com a melhor relação entre qualidade dos resultados e eficiência de cálculo. Refere-se, desde já, que as densidades iniciais adoptadas para o osso foram decididas com base na diferenciação entre osso cortical e trabecular – 1.6492 g/cm3 para o primeiro e 1.0968 g/cm3 para o segundo. Estes valores foram obtidos com base na inversão da lei de potências, partindo de um módulo 12
  • 13. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes de Young de 17GPa (fornecido no enunciado) e de 5GPa [8], respectivamente. Avaliando o grau de convergência com base na variação máxima de densidade em cada iteração, fizeram-se primeiramente alguns testes diversificados para decidir o melhor esquema de iteração do modelo (largura do passo e número de iterações). Testaram-se esquemas simples em que a largura do passo é mantida constante, bem como esquemas mais elaborados em que esta é refinada em pequenos conjuntos de iterações, para se obter uma solução mais próxima do pretendido. No geral, optou-se por um esquema de 30 iterações a um passo constante de valor 5, esquema este que se revelou robusto para a maioria dos testes efectuados, permitindo a convergência para variações de densidade bastante reduzidas. Fixou- se este esquema como referência para todos os testes efectuados em seguida. Para a constante k do modelo, foram realizados 4 testes (para valores de 0.0025, 0.0060, 0.0080 e 0.0125), tendo-se optado por fixar o valor de 0.0080 para os testes seguintes. Para o parâmetro s, foram testados 3 casos distintos (0, 10 e 30% do valor de k adoptado), tendo-se optado por fixar o valor de 10%. Avaliou-se ainda a relevância da diferenciação inicial de densidades entre osso cortical e trabecular, comparando-a com o caso indiferenciado (com uma densidade inicial homogénea de 1.6492 g/cm3). A razão destas escolhas, bem como os resultados em que as mesmas se basearam, são apresentados adiante. Refere-se ainda que estes testes (para k e s) foram baseados no caso mais simples, ou seja, o fémur sem implante. Arbitrados os valores considerados mais adequados para os parâmetros da análise, efectuou-se um vasto conjunto de testes a fim de estudar as várias questões de interesse no problema: material do implante, dimensões, e tipo de contacto na sua interacção com o osso. 4. RESULTADOS Segue-se uma apresentação dos resultados obtidos para os vários casos estudados, integrada com a sua análise e a discussão dos aspectos mais relevantes. Em primeiro lugar, apresenta-se em maior pormenor, na figura 8, o resultado obtido para o caso de osso simples, utilizando os parâmetros de referência acima descritos, em termos da distribuição de tensões de Von Mises. Figura 8. Situação de fémur simples, utilizando os parâmetros tomados como referência: k = 0.008, s = 10%, esquema de 30 iterações a passo 5; à direita: caso de cargas aplicadas pontualmente, somente para efeitos de comparação. Tensões em MPa. 13
  • 14. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes Como se pode observar na figura, as tensões na região proximal do fémur situam-se na ordem das dezenas de MPa, atingindo as centenas apenas na região mais distal da diáfise (próximo do encastramento). Estes valores encontram-se dentro do esperado para este tipo de situação, apoiando a fidelidade do modelo construído. Evidencia-se ainda na figura a eficácia das medidas implementadas para distribuir as cargas aplicadas: os locais de aplicação são ainda identificáveis por observação directa, mas graças à utilização de vários nós adjacentes para aplicação das forças evitou-se claramente a introdução de efeitos significativos de concentração de tensões (ao contrário do exemplo ilustrado à direita, em que este problema está bem evidente). Passando em seguida aos testes referentes aos parâmetros do modelo de Huiskes, e começando pelo parâmetro k, seguem-se os resultados obtidos, em termos das densidades aparentes, para os 4 valores já indicados (0.0025, 0.0060, 0.0080 e 0.0125, todos com s=10%), apresentados pela mesma ordem na figura 9. Neste caso, e igualmente para os seguintes, optou-se por analisar os resultados com base num corte central aproximadamente paralelo ao plano coronal, que se observou ser um indicador rico da informação contida no modelo 3D. Na figura é também apresentado um corte semelhante feito num fémur real, para efeitos de comparação. Figura 9. Variação do parâmetro k no caso de fémur simples; da esquerda para a direita: k=0.0025, 0.0060, 0.0080 e 0.0125; ao canto direito: corte semelhante num fémur humano. Densidades em g/cm3. Observa-se, de um modo geral, um conjunto de tendências comuns a todos estes casos: há uma elevada acumulação de massa nas paredes da diáfise, na superfície superior da cabeça do fémur (perto da região onde a carga é aplicada), e na transição desta para o grande trocanter. Observa-se também a formação de uma “ponte” de elevada densidade que atravessa diagonalmente a cabeça do fémur. Por outro lado, tem-se o efeito oposto na região trabecular, em particular na transição para o canal medular, no córtex do grande trocanter e na região cortical da cabeça do fémur, na zona mais proximal. Todas estas tendências são compreensíveis do ponto de vista biomecânico e podem, de um modo geral, ser identificadas com a estrutura do osso real também apresentado na figura. Isto constitui um aspecto favorável para o modelo, já que sugere robustez em relação ao parâmetro k. Por outro lado, um olhar mais crítico sobre os vários resultados aponta de imediato para diferenças claras e importantes entre eles: à medida que k aumenta, o valor considerado “estável” para a energia de deformação sentida por unidade de densidade aumenta da mesma forma, o que significa 14
  • 15. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes que as energias elevadas estimulam de forma menos acentuada a densificação óssea, e por outro lado as energias mais baixas estimulam mais intensamente a resorpção óssea. Assim, tem-se, como observado na figura, uma transição de um sistema de densidades mais elevadas para um de densidades mais baixas. No caso dos extremos apresentados, este efeito mostra-se bastante nefasto: no caso da esquerda, a região cortical permaneceu de tal forma densa que a estrutura em “ponte” na cabeça do fémur não se chega a formar; no caso direita esta estrutura existe, mas a região trabecular não apresenta quaisquer outros pormenores diferenciados (está saturada na densidade mínima). Além disso, existem locais onde a região cortical está totalmente ausente, o que não deverá em geral corresponder à realidade (compare-se, por exemplo, o córtex na região mais proximal da cabeça do fémur com o caso real). Posto isto, optou-se pelo caso intermédio de k=0.0080, que mostra uma estrutura relativamente bem diferenciada, tanto nas regiões de altas como nas de baixas densidades, e bastante próxima do caso real. Este deverá assim ser o valor de k mais adequado à geometria e às condições do problema. Passando para o parâmetro s, este corresponde a metade da largura do intervalo de “não- excitabilidade” do osso (centrado em k), e sabe-se que tende a aumentar com a idade dos indivíduos – uma criança terá um patamar pequeno ou mesmo inexistente, enquanto um idoso apresenta um patamar bastante mais demarcado. Neste trabalho, e ainda no caso mais simples, sem implante, foram testados 3 valores distintos para s: 0, 10 e 30% de k. Os resultados obtidos, em termos da distribuição de densidades obtida, são apresentados em seguida na figura 10. Figura 10. Variação do parâmetro s no caso de fémur simples; da esquerda para a direita: s=0%, 10% e 30%; ao canto direito: corte semelhante num fémur humano. Densidades em g/cm 3. Observa-se, nos resultados obtidos, que a diminuição de s levou por sua vez a uma diminuição mais acentuada das densidades trabeculares, observando-se uma diferenciação mais pronunciada entre a região cortical e a trabecular. Não é possível afirmar que um dos valores seja mais adequado do que os outros, dado que este aspecto depende efectivamente do indivíduo que se pretende estudar, ao nível da idade, por exemplo. Além disso, para que esta questão pudesse ser mais correctamente analisada, seriam necessários ajustes nas densidades iniciais especificadas, bem como nos limites superior e inferior de variação da densidade – em 15
  • 16. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes geral, um osso mais idoso é inevitavelmente mais afectado por problemas de osteoporose e afins do que um osso mais jovem. Posto isto, escolheu-se o valor intermédio de 10% os restantes casos estudados. Ainda no caso simples, procedeu-se ainda à comparação entre os resultados obtidos para um fémur à partida diferenciado (região cortical e trabecular) e um fémur indiferenciado. As distribuições de densidades obtidas para cada caso podem comparar-se na figura 11. Figura 11. Comparação entre um fémur à partida diferenciado (à esquerda), totalmente indiferenciado (ao centro) e um caso real (à direita). Densidades em g/cm3. Comparando as duas distribuições entre si e com o caso real, constata-se que ambas apresentam algumas vantagens e desvantagens. Nas regiões corticais, o caso diferenciado peca por excesso em certos locais (onde a densidade deveria ser menor, sugerindo a presença de pouco osso cortical) enquanto o caso indiferenciado peca por defeito noutros. A região cortical da zona mais proximal da cabeça do fémur é um exemplo claro deste problema: o caso real apresenta uma fronteira estreita mas evidente de osso cortical, enquanto ambas as aproximações falham em reproduzir essa característica, cada uma a seu modo. Por outro lado, na região trabecular, o modelo indiferenciado apresenta resultados claramente mais díspares, com uma geometria desadequada que sugere o prolongamento do canal medular até ao grande trocanter. Assim, o modelo diferenciado revela-se de um modo geral superior, com os parâmetros aqui utilizados (relembrando que todos os parâmetros anteriores foram decididos com base neste modelo e não no indiferenciado, o que lhe poderá conferir alguma vantagem). Passando agora ao caso do fémur com implante, começou-se por estudar a influência dos materiais utilizados no comportamento biomecânico e fisiológico do sistema. Na figura 12 são apresentadas as densidades obtidas para o caso de um implante de aço (210GPa) e outro de um material isoelástico (17GPa). 16
  • 17. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes Figura 12. Comparação entre um fémur sem implante (à esquerda), um fémur com um implante de aço (ao centro) e um de um material isoelástico (à direita). Implante de 15mm de diâmetro. Densidades em g/cm3. Analisando as distribuições obtidas, observa-se, no geral, uma leve tendência para a resorpção óssea nas regiões de osso mais próximas do implante, efeito este que é mais evidente no caso do aço. Esta observação está de acordo com o esperado e traduz-se naturalmente no típico fenómeno de stress shielding. Este fenómeno surge, em geral, quando se aplicam cargas a um sistema composto por duas estruturas ligadas, de módulo de elasticidade diferente: estando as estruturas ligadas, a deformação sofrida é igual em ambas, o que significa que a mais resistente recebe necessariamente uma parcela proporcionalmente maior da tensão aplicada. No caso particular da interacção entre osso e implante, o osso é em geral a estrutura de menor módulo de elasticidade, pelo que recebe também uma menor componente da tensão aplicada. Consequentemente, e de acordo com a Lei de Wolff, tenderá a ocorrer resorpção de material ósseo, diminuindo-se a densidade nos pontos “escudados” pelo implante. Logicamente, o fenómeno é tanto mais significativo quanto maior for a diferença de módulos de elasticidade. É precisamente este o fenómeno que aqui se verifica: na presença de implante, e quanto mais rígido o seu material, menor é a densidade observada em determinadas regiões. No caso isoelástico, a diminuição de densidades existe mas é praticamente desprezável (o que é razoável, dado que apresenta um módulo de Young idêntico ao dado inicialmente para o osso). Para o aço, os efeitos são claramente mais importantes – no caso cortical, a resorpção observa-se principalmente na transição entre a diáfise e a região superior do fémur (mais “amarela”); no caso trabecular, há uma diminuição generalizada no grande trocanter e também na região abaixo do implante. Note-se que os efeitos de stress shielding não se verificam mais abaixo, na diáfise, devido à geometria de inserção do implante – mais abaixo, este implante (diâmetro médio) apenas contacta com uma pequena região da diáfise, pelo que nesta zona a carga já foi quase totalmente transmitida ao osso. Um outro caso em que se prevê a influência do fenómeno de stress shielding é precisamente o da variação do diâmetro da haste do implante. Apresentam-se em seguida, na figura 13, os resultados obtidos para um implante de 13mm de diâmetro e um de 17mm, ambos em aço. 17
  • 18. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes Figura 13. Resultados obtidos para um implante de 13mm (duas imagens da esquerda), e um de 17 mm (duas imagens da direita). Ambos os implantes em aço. Densidades em g/cm3. Como seria de esperar, observa-se na figura uma diminuição de densidade em locais do osso semelhantes aos do caso anterior, diminuição esta que é bastante mais significativa no caso do implante de maior diâmetro. Para este implante, observa-se agora inclusivamente o aparecimento de resorpção óssea ao longo de toda a parede interior da diáfise, que agora já se encontra em contacto com o implante ao longo desta região. Conclui-se, assim, que o aumento das dimensões da estrutura mais rígida é um factor análogo ao do aumento módulo de Young do material, produzindo efeitos semelhantes. Conclui-se igualmente que ambos os aspectos são de facto fundamentais no desenho de implantes ortopédicos, sugerindo que se deve trabalhar no sentido de obter módulos de Young tão próximos do osso quanto possível, por um lado, e definindo dimensões que permitam ao implante ocupar apenas o espaço estritamente necessário dentro do osso – tudo isto numa relação de compromisso com outras propriedades importantes, naturalmente (resistência à fadiga, osteointegração, etc.). Apresenta-se, finalmente, o último caso estudado neste trabalho, e que se centrou no estudo de dois tipos de interacção de contacto entre o osso e o implante: o caso de ligação completa, que corresponde ao utilizado nos casos anteriores, e um caso de contacto simples, sem ligação e sem atrito (haste lisa), onde se impôs ligação apenas na rosca do parafuso, ou seja, na extremidade do implante que se situa próximo da cabeça do fémur. Os resultados obtidos são apresentados abaixo, na figura 14. 18
  • 19. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes Figura 14. Resultados obtidos para uma interacção e contacto de ligação completa (ao centro), e simples (à direita). Ambos os implantes em aço; densidades em g/cm3. Como se pode observar, os resultados obtidos para o caso de contacto livre são bastante irregulares e mostram que, apesar de existir resorpção óssea em alguns locais (região trabecular abaixo da intersecção entre o parafuso e a haste, e na superfície interna da diáfise em contacto com o implante), tem-se também a formação de duas regiões de grande dimensão (grande trocanter e cabeça do fémur) em que a densidade saturou totalmente no valor máximo permitido. Isto deve-se claramente a um problema de estabilidade do método, motivado pela presença de concentrações de tensão elevada. Estas concentrações de tensão ocorrem precisamente na região em que há ligação completa (rosca do parafuso, mesmo no centro da cabeça do fémur), e nas regiões em que o contacto entre osso e implante foi forçado devido a constrangimentos geométricos, produzindo-se localmente forças de reacção elevadas (este será o caso observado no grande trocanter). É necessária uma interpretação cautelosa destes resultados, dado que o facto de se terem densidades elevadas em torno do implante não significa que este seja mais eficaz na prevenção da resorpção óssea. Pelo contrário, isto terá sido originado por tensões locais demasiado elevadas, que na realidade levaríam provavelmente a necrose celular (este é um aspecto não contemplado pelo método de Huiskes, que assume que no limite máximo a densidade simplesmente deixa de aumentar). Conclui-se, assim, que este tipo de situação é potencialmente indesejável para aplicação clínica, e que seriam necessárias algumas adaptações ao modelo de Huiskes, específicas para este caso, de forma a tirar conclusões melhor fundamentadas. 5. CONCLUSÕES Concluiu-se, com a realização deste trabalho, que o modelo de Huiskes para a adaptação óssea é um elemento de análise poderoso e versátil, que permite retirar conclusões relevantes e úteis em várias situações típicas da biomecânica dos tecidos ósseos. O estudo da interacção com implantes ortopédicos mostrou-se na maioria dos casos fiel ao esperado, e a implementação computacional do método é bastante directa. Como desvantagens, tem-se o 19
  • 20. J. Jorge, N. Gonçalves e P. Antunes facto de ser difícil estimar, de forma sistemática, os parâmetros mais adequados para cada situação particular, e o facto de ser um método pesado em termos de cálculo computacional. Em termos de desenvolvimentos futuros, seria interessante a aplicação de leis de potências distintas para os dois tipos de osso (cortical e trabecular), prevendo em todo o caso a possibilidade de “transição” entre ambas. Poderiam ser testados outros casos de carregamento, e eventualmente situações de simulação de patologias (doenças articulares, por exemplo), em que a evolução da adaptação óssea fosse de alguma forma influenciada por outros modelos. REFERÊNCIAS [1] Cowin, S. C., Bone Mechanics Handbook, 2ª edição, CRC Press, 2001. [2] Currey, J. D., Bone structure and mechanics, 1ª edição, Princeton University Press, 2002. [3] Carter, D. R. e Hayes, W. C., Shape optimization of a cementless hip stem for a minimum of interface stress and displacement, The compressive behavior of bone as a two-phase porous structure, W. C. 1977, Journal of Bone and Joint Surgery, Vol. 59, pp. 654-962. [4] Bagge, M., Remodeling of bone structures, Technical University of Denmark. 1999. PhD Thesis. [5] Huiskes, R., et al, Adaptative bone-remodeling theory applied to prosthetic-design analysis, 1987, Journal of Biomechanics, Vol. 20, pp. 1135-1150. [6] Sitthiseripratip, K., et al, Finite element study of trochanteric gamma nail for trochanteric fracture, Março de 2002, Medical Engineering & Physics, Vol. 25, pp. 99- 106. [7] Ashman, R. B., Cowin, S. C., Van Buskirk, W. C., Rice, J. C., A continuous wave technique for the measurement of the elastic properties of cortical bone, J. Biomech., 17, 349-361, 1984. [8] Folgado, J.; Acetatos da disciplina de Biomecânica dos Tecidos , 2009. 20