O voluntário do Movimento Nossa BH Guilherme Rolim, consultor ambiental, analisou o projeto de lei 998 e fez considerações que fortalecem o posicionamento do Nossa BH pela não-aprovação do projeto na Câmara de vereadores.
1. V00 - Belo Horizonte - 19/11/2010
Análise sobre o Projeto de Lei 998/2010 que dispõe sobre a criação
do Programa Municipal de Reciclagem Ambiental Participativa
(PMRAP).
Autoria: Vereador Luis Tibé – PT do B
Sugestão de Guilherme Rolim
Coordenador do Grupo de Trabalho de Sustentabilidade do
Movimento Nossa BH.
Introdução:
O Projeto de Lei (PL) 998/2010 proposto pelo vereador Luis Tibé, traz em seus conceitos e
objetivos, uma intenção bastante inovadora e atual ao levantar a questão da necessidade de reciclar os
resíduos gerados na cidade e propor um “Programa Municipal de Reciclagem Participativa”. Porém, vou
aqui analisar os conceitos práticos e técnicos da viabilidade de implantação de tal política no município, da
forma como foi proposto na PL.
De acordo com o Art. 3º do PL 998, inicialmente, as escolas Municipais de Belo Horizonte serviriam
como centros para recebimento, triagem e venda desse material. Nesta análise pondero “O Como” isso
poderia ser realizado e “Quais” as possíveis implicações. Vou aqui, separar a estrutura da coleta pós
consumo, em suas múltiplas partes, de acordo com a figura 1, para que seja mais bem entendido o
processo.
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PROGRAMA MUNICIPAL DE RECICLAGEM AMBIENTAL PARTICIPATIVA
COLETA E
CENTROS DE TRIAGEM VENDA DOS RESÍDUOS
TRANSPORTE DE
(ESCOLAS MUNICIPAIS) RECICLADOS
RESÍDUOS
PONTOS IMPORTANTES A PONTOS IMPORTANTES A SEREM OBSERVADOS PONTOS IMPORTANTES A SEREM
SEREM OBSERVADOS OBSERVADOS
* Qual o espaço físico necessário para receber o
* Onde e como os resíduos serão material? * Como será gerenciada a renda
entregues? Haverá pontos * As Escolas Municipais possuem estruturas proveniente da venda dos resíduos? A
específicos para a coleta? disponíveis e adequadas (coberturas, sistemas própria Escola seria a responsável pela
de contenção de líquidos, etc) para receber o gestão?
* Quem irá fazer a entrega dos material?
resíduos nos pontos * Haverá necessidade de prensas e esteiras para * Como será feito o controle pela
estabelecidos? A população, os triagem do material? Quem fornecerá esses Secretaria de Educação Municipal para o
alunos? equipamentos? direcionamento correto da renda
* Quem irá trabalhar com a triagem dos arrecadada com a venda dos resíduos?
* Haverá algum programa de resíduos? Será feito por funcionários da escola
educação ambiental na ou por outras pessoas como cooperativas de * A escola ficaria como responsável por
população para que esse tipo de catadores? contatar as empresas compradoras dos
comportamento se faça usual * Se a atividade de triagem for realizada por resíduos recicláveis? Novamente será
entre as pessoas? Quem irá pessoas de fora da escola, como fica a relação uma atividade a ser cumprida pela
desenvolver esse programa de entre estas pessoas e uma estrutura onde se Diretoria da escola?
educação ambiental? concentram crianças e adolescentes?
* Haverá treinamento adequado para as pessoas * Como os resíduos seriam transportados
* Qual será a estrutura a ser que lidarão com a triagem dos produtos? Quem dos centros de triagem até as empresas
montada para receber os seria responsável por esse treinamento? compradoras?
resíduos coletados? * Quem irá gerenciar o processo? Seria a
Diretoria da Escola? Nesse caso não estaria * Haveria espaço suficiente no centro de
* Como os resíduos serão acontecendo um desvio da função foco da reciclagem para armazenar os residuos
transportados dos pontos de Diretoria? até que tenha volume suficiente para que
coleta até os pontos de triagem? * Como fica a questão de saúde pública com um a empresa recicladora busque?
centro de reciclagem dentro de uma escola
pública?
* Os custos fixos e variáveis como água e
energia e pagamento de funcionários, ficarão a
cargo das escolas?
Figura 1 – Sequência da estrutura necessária para a realização da coleta pós consumo de materiais recicláveis.
1 – A coleta e transporte dos resíduos
• Um programa de coleta pós consumo, requer a definição do local onde as Coleta pos consumo é a coleta
pessoas depositarão os resíduos, que pode ser em áreas estabelecidas dos resíduos possíveis de serem
em estacionamentos de shoppings ou grandes redes de supermercados. reciclados, após sua utilização
Para esses casos, é necessário se pensar na estrutura necessária para pelo consumidor final.
receber o material, como por exemplos pontos de coletas específicos,
sendo necessário definir os custos para essa estrutura e de onde sairá o
dinheiro. Se a coleta for acontecer diretamente no ponto de triagem da escola, essa estrutura para
recebimento do material não será necessário.
• Se a estrutura dos pontos de coleta for localizada fora da estrutura da escola, como será feito o
recolhimento desse material e seu transporte até os centros de triagem? O serviço de limpeza
urbana (SLU) poderia ser estruturado para essa atividade, mas hoje no município de BH,
praticamente não temos a coleta seletiva implantada.
• Também é importante pensar na estrutura de coleta e transporte para os resíduos líquidos (óleos
comestíveis e gorduras hidrogenadas – conforme definição do art. 5° do PL 998/10), que é
completamente diferente da estrutura para resíduos sólidos.
• Para qualquer que seja a estrutura definida para a coleta dos resíduos sólidos, será necessário um
programa de educação ambiental para a comunidade, e nesse caso, quem arcaria com os custos
do programa, a Prefeitura Municipal?
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2 – Os Centros de Triagem – Escolas Municipais
• Quando se definem as Escolas Municipais como os principais centros de triagem dos resíduos,
vários são os aspectos que devemos levar em consideração. Inicialmente, podemos pensar na
estrutura necessária para receber os resíduos (tanto sólidos como líquidos), que precisam de um
local coberto, ventilado, com baias de separação para os diferentes tipos de resíduos e
maquinários como prensas e uma linha de triagem, onde estes possam ser separados e
classificados. É provável que uma ou outra escola, possa ter um local possível de ser adaptado
para tal função – e se tiver, estará deixando de utilizar para fins educacionais - porém creio ser
mais provável que as escolas não disponham de um espaço físico necessário para a montagem
dos centros de triagem.
• Em seguida é necessário se pensar na equipe que irá fazer o trabalho de triagem. Essa será
composta por pessoas da própria escola – e nesse caso há pessoal suficiente para isso? – ou
equipes “terceirizadas”, como cooperativas de catadores? Surge aí outra questão: As escolas
municipais concentram uma grande quantidade de jovens e crianças, e a interação entre esses
grupos sociais deve ser analisada com cuidado. Seja com equipe da própria escola ou com serviço
terceirizado, a questão de treinamentos específicos e utilização de EPIs (Equipamentos de
Proteção Individual) também é fundamental.
• A gestão dos centros de triagem envolve controle de processos produtivos, gestão de pessoas e
controle financeiro, podendo até ser considerado como um “negócio”. E esse negócio será
coordenado por qual equipe, pelos Diretores das escolas? Isso caracterizaria um desvio claro das
funções administrativas da Diretoria, cujo foco principal é cuidar da escola e do ensino dos alunos.
• Outra questão relevante, diz respeito à questão da saúde pública. Centros de triagem de resíduos,
geralmente são locais onde a limpeza e higiene são difíceis de serem mantidos, o que pode levar
ao aparecimento de grande quantidade de moscas, abelhas e roedores, além da disseminação do
mau cheiro pela comunidade vizinha.
• Os custos fixos e variáreis associados aos processos dos Centros de Reciclagem, como energia,
água, etc., também deverão ser considerados.
3 – A venda dos resíduos reciclados
• O processo da venda dos resíduos reciclados requer o contato com diversas empresas
compradoras, muitas vezes de outras cidades ou estados, o controle da quantidade vendida e a
gestão dos recursos financeiros obtidos.
• Deve-se pensar em como os resíduos já separados irão sair da escola. Em diversas situações, as
empresas que compram os recicláveis, somente buscam o material a partir de certa quantidade
estocada, que compense o deslocamento de um caminhão - No caso do vidro acontece dessa
maneira. Nestas situações, o espaço interno do Centro de Triagem deve ser estruturado para
armazenar os resíduos até que o volume seja suficiente para sua retirada pela empresa. Caso a
empresa compradora do resíduo não buscar na escola, como esse resíduo será retirado?
Novamente a Prefeitura irá se responsabilizar?
• A questão da gestão financeira é outro ponto importante. Como e por quem será gerenciado o
“lucro” da venda dos resíduos. Como o Caixa Escolar irá prestar constas desse valor extra no
orçamento da escola para a Secretaria de Educação? A Secretaria de Educação iria receber um
percentual de cada escola pela venda dos recicláveis?
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4 – Considerações finais
A coleta pós consumo de materiais recicláveis requer uma logística própria, além de estrutura
apropriada, pessoal treinado e programas de educação ambiental voltados para a comunidade. É
necessário o envolvimento de diversos e diferentes atores para que o sistema funcione, além de uma
programação de recursos financeiros, muitas vezes superiores aos orçamentos estipulados para as
escolas. A venda, o repasse e o controle do dinheiro arrecadado também são temas de grande relevância,
sem falar na questão da saúde pública nas escolas, que deve ser considerada e analisada de forma
prioritária.
De acordo com as ponderações levantadas, o Projeto de Lei 998/10 e o Programa Municipal de
Reciclagem Ambiental Participativa, na forma como foi estruturado, não é uma ação simples para ser
implementada.
Alternativas e soluções para a retirada de resíduos recicláveis do meio ambiente devem ser
buscadas e incentivadas, seja pelos nossos representantes, pelo governo ou pela própria sociedade.
Porém, devemos buscar com criatividade as soluções para os problemas, tomando o cuidado para que
essas soluções – que a princípio parecem boas – não estarem na verdade, causando outros e talvez mais
sérios problemas para a sociedade.
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5 – Anexo – Projeto de Lei 998/2010