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UNIVERSIDADE SALVADOR- UNIFACS
 DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS DA COMUNICAÇÃO

              PUBLICIDADE E PROPAGANDA




            MARYJANE ALELUIA OLIVEIRA



O INCONSCIENTE COLETIVO, SUAS IMAGENS E ARQUÉTIPOS:
   UMA ABORDAGEM PARA ENTENDER AS IMAGENS DE MARCA




                      Salvador
                       2007
MARYJANE ALELUIA OLIVEIRA




O INCONSCIENTE COLETIVO, SUAS IMAGENS E ARQUÉTIPOS:
   UMA ABORDAGEM PARA ENTENDER AS IMAGENS DE MARCA




                   Monografia apresentada ao curso de Comunicação
                   Social-Publicidade  e   Propaganda-Universidade
                   Salvador-Unifacs

                   Orientador (a) Profa. Dra. Vanessa Brasil Campos




                        Salvador
                         2007
A Vanessa, professora amiga e conselheira.
Professoras e terapeutas Sílzen e Margareth, pelas reflexões Jungianas.
Reserva-se o nome do sábio
        apenas àquele cuja consideração é
o fim do universo, fim esse que é também o
início do universo. Eis o princípio básico de
             toda mitologia: o início no fim.
                     São Tomás de Aquino
SUMÁRIO




1. INTRODUÇÃO........................................................................................ 1

2. OBJETIVOS............................................................................................ 5

3. JUSTIFICATIVA...................................................................................... 9

4. O MITO ................................................................................................. 10


         4.1 O conceito de Mito..................................................................... 12

         4.1.1 A experiência do ser com o saber mítico ................................ 12

         4.1.2 Religião e Rito ........................................................................ 13

         4.2 O mito e o símbolo .................................................................... 14

         4.3 O mito e o Inconsciente ............................................................. 16

         4.3.1 O Inconsciente coletivo e os Arquétipos ................................. 19


5. O ARQUÉTIPO ..................................................................................... 26

         5.1 O conceito de Arquétipo ............................................................ 26

         5.1.2 O arquétipo do Herói .............................................................. 27

         5.1.3 A Função do Arquétipo ........................................................... 28

         5.1.4 A jornada do Herói.................................................................. 29

         5.1.5 O Herói e o esporte ................................................................ 34

         5.1.6 O herói e o Futebol ................................................................. 36

         5.2 O Arquétipo da Criança ............................................................. 38

         5.2.1 A Função do Arquétipo ........................................................... 40

         5.2.3 A jornada da Criança .............................................................. 43
6. A IMAGEM ........................................................................................... 46

         6.1. Conceito de Imagem ................................................................ 46

         6.2 Função da imagem .................................................................... 47

         6.3 A imagem como recipiente ........................................................ 49

         6.4 Imagem e sedução .................................................................... 51



7. O DISCURSO PUBLICITÁRIO ............................................................ 54

         7.1 O comercial de TV ..................................................................... 54

         7.2 O comercial sedutor .................................................................. 55

         7.2.1 Metáfora delirante................................................................... 54

         7.2.2 O espaço ................................................................................ 57

         7.2.3 O traço psicótico ..................................................................... 58

         7.2.4 O disfarce do gozo ................................................................. 59

         7.2.5 O Fetiche ................................................................................ 60




8. AS MARCAS......................................................................................... 62

         8.1 A marca ..................................................................................... 62

         8.1.1 A imagem de marca ............................................................... 63

         8.1.2 As identidades ........................................................................ 65

         8.1.3 A experiência da marca .......................................................... 67

         8.2 Arquétipos e Marcas .................................................................. 68

         8.2.1 Nike, uma marca do Herói ...................................................... 71

         8.2.2 A Estética do Esporte ............................................................. 72

         8.3 As Marcas do Inocente .............................................................. 76
9. ESTUDO DE CASO Nike .................................................................... 81

   9.1Metodologia ...................................................................................... 81

   9.1.1 Hipóteses ...................................................................................... 82

   9.2 Comerciais ....................................................................................... 83

   9.2.1 Bem X Mal .................................................................................... 83

   9.2.2 A Missão ..................................................................................... 106

   9.2.3 A Jaula ........................................................................................ 137


10. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 153

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................... 158
1-INTRODUÇÃO

           As marcas fazem parte de nossa vida cotidiana tanto quanto o nosso local

de trabalho e o nosso bairro. Estão, na verdade, entre as mais vibrantes expressões

contemporâneas de desejos e motivações do ser humano, algumas até adotando

papéis duradouros e consistentes na vida de quem participam ativamente.

           Elas estão plenas de significados, fazendo parte de nossa cultura pós-

moderna, mas com muito ainda a ser descoberto e pesquisado.

           Por isso, dentre os papéis assumidos pelos profissionais de comunicação,

está o de buscar ferramentas de conhecimento que possam tocar a fundo, investigar

as   transformações   na   natureza    desses   conteúdos       tão   poderosos   e   as

conseqüências das suas utilizações, boas ou maléficas, para a garantia de

sociedades saudáveis, inteligentes e responsáveis.

           O tema pretende abordar o consumidor como indivíduo dentro do que o

motiva e o faz desejar uma idéia ou produto. Desejo, portanto que se relaciona à

esfera humana e que se difere das necessidades primordiais tais como comer,

acasalar, etc.

           Este trabalho poderá auxiliar os profissionais de comunicação em geral, a

fim de ser aproveitado como ferramenta de pesquisa e análise sobre relações de

consumo em nossa atualidade. Pretendemos traçar um esboço do que as marcas

representam em nossas vidas cotidianas, utilizando para isso os estudos sobre os

“Mitos”, os arquétipos e a natureza do inconsciente coletivo.

           A partir das análises sobre “Inconsciente Coletivo” e “Arquétipos”,

baseados nos estudos de Freud e Jung, é possível descobrir uma série de inter-

relações entre mais variadas formas da humanidade expressar sentimentos,
percepções, realidades. Eles verificaram que os símbolos utilizados sempre

revelavam pontos em comum, que podiam representar o psiquismo humano.

              Uma das hipóteses que norteia a abordagem do inconsciente coletivo e

seus conteúdos, os arquétipos, como forma de oferecer novas análises sobre as

imagens de marca pretende identificar a presença de arquétipos evocados na sua

forma de comunicação, através da propaganda.

             Os elementos comparativos que a pesquisa se destina a descobrir e

investigar também oferece aos profissionais da área a possibilidade de aumentar as

percepções sobre o que pode mover o consumidor em direção às imagens de marca

que os atraiam, a partir das descobertas e conhecimentos que a pesquisa traz sobre

arquétipos, inconsciente coletivo e os mitos.

             O método de investigação utilizado para realizar esta abordagem será a

pesquisa qualitativa. Através da modalidade Estudo de caso, serão utilizados como

materiais para análise os comerciais de TV da marca Nike.

             A partir das inter-relações entre os enredos míticos e os enredos

explorados pelos comerciais de TV da marca tornamos possível construir

associações com o arquétipo do Herói e as imagens que o comercial de TV pode

oferecer sobre ele seja através de seus recursos visuais e sonoros ou de contextuais

e cênicos.

             Sendo assim, a pesquisa explora e analisa os recursos do comercial de

TV e as imagens com as quais ele se comunica com seu espectador para evidenciar

a existência de elementos da narrativa mítica, oferecendo à pesquisa uma

abordagem onde a perspectiva do mito se coloca como ponto de partida para novas

compreensões.
Sejam em civilizações separadas por séculos, sejam em outras mais

próximas, os arquétipos do que se denomina “Inconsciente coletivo” sempre estão

presentes, embora sob diferentes formas.

           Neste inconsciente, o homem carrega dentro de si uma espécie de

memória da humanidade, forma de guardar, no inconsciente, experiências ancestrais

da espécie. São símbolos presentes nas diversas manifestações da mitologia, nos

rituais religiosos, na pintura, signos gráficos, representativos em qualquer civilização

e em qualquer tempo.

                      “Expressar-se por meios simbólicos é a forma de as mentes
                      individual e coletiva fazerem emergir ao consciente o que nelas jaz
                      ou lateja em profundidade, oclusão, alcance, memória ancestral ou
                      futura”.(Távola, Artur da 1985, pág 12).


           No entanto, nossa realidade contemporânea nos confronta com uma

visível perda simbólica, um terreno cada vez mais anulado em detrimento das

ideologias superficiais da nossa época.

           Isso fez com que se perdesse a ligação com os mitos, por exemplo. É

comum ver como as nossas realidades instáveis fazem com que as pessoas se

agarrem facilmente a idéias que ofereçam uma segurança e amenizem suas

ansiedades.

           Diante disso, é possível perceber a angústia existencial de uma

sociedade inteira, adeptas de ideologias tais como o hedonismo e o materialismo

desenfreado funcionando como amortecedores, mas que só refletem os prejuízos

que a falta simbólica acarreta.

           A perda ou negação simbólica de nossos tempos oferece terreno fértil ao

terreno imaginário. E às suas imagens. Por isso, o que vemos é uma vivência ao

nível da imagem e não do símbolo.
Passamos de uma imagem para outra, vivendo porções fragmentadas de

nossas vidas e realidades. Naturalmente, surgem numa velocidade cada vez maior,

novas afetações e modismos de pensamentos, novas imagens amenizando a

ansiedade de uma cultura inteira.

          As marcas, como expressões dos nossos cotidianos também se mostram

como cenários desta realidade, onde o que se vê é uma projeção de imagens

ocorrendo deliberadamente.

          Através da mensagem publicitária, ou comunicação em geral com seu

público, elas tentam nos atrair para as rédeas do consumismo sem limites,

utilizando-se das suas “imagens de marca” para fixar e vender mais do que

produtos, mas sim atitudes que motivem cada vez mais seus consumidores e onde o

imaginário é o terreno fértil para atrair cada vez mais os consumidores.

          Através das identidades que criam e veiculam, elas prometem

experiências cada vez mais íntimas e subjetivas, pois desejam incentivar e aliar

certos comportamentos ao consumo de seus produtos, uma vez que o receptor

destas mensagens, normalmente os consumidores em geral sofrem suas influências

e estão sujeitos a todo o momento à sua interação, por estarem em constante

contato com estas mensagens.

          Cada vez mais, a publicidade deixa de fornecer apenas informação sobre

os produtos da marca em detrimento das experiências e sensações que os

comerciais tentam despertar em nós. Na tentativa de criar identificação com seus

públicos, a comunicação das marcas e seus anúncios utilizam-se de discursos que

pretendem oferecer “significado” às nossas vidas, dando ao discurso publicitário a

possibilidade de assumir papéis na vida das pessoas, interferir e transformar as

relações interpessoais.
Sendo assim, o que se vê são cada vez mais consumidores projetando

seus desejos, absorvendo e aceitando cada vez mais a idéia de que elas podem

emprestar significado e preencher suas vidas, algo que se evidencia diante do

distanciamento simbólico dos dias atuais.

          Ao incentivar experiências que remontam a narrativas e histórias dos

grandes “heróis” mitológicos, por exemplo, a publicidade mostra ser um veículo, ou

produto de nossa cultura, ou seja, algo capaz de projetar e afetar quem recebe seus

conteúdos, os consumidores.
2.0 OBJETIVO

            A proposta norteadora deste trabalho é investigar as relações de

consumo das imagens das marcas a partir de conhecimentos sobre os arquétipos e

o inconsciente coletivo, permitindo assim conhecer o que move esse consumidor ao

deparar-se com uma imagem de marca que o atrai.

         Através da identificação dessas figuras e imagens dentro da relação

marcas e consumidores, será possível conhecer e explorar como a marca se

relaciona aos arquétipos.

         Serão escolhidos para a análise de caso os comerciais da marca Nike, e

durante a análise do material publicitário - os comerciais de TV, tornaremos

possível identificar a presença do arquétipo do Herói bem como os diversos

contextos míticos que o cercam.

         Pretendemos analisar essas imagens de marca a fim de suprir uma lacuna

dentro da área de conhecimento ao proporcionar um estudo descritivo e detalhado

sobre onde e como tornar possível um diálogo entre os dois conteúdos, arquétipos

e marcas, trazendo novas percepções como pesquisadores.
3.0 Justificativa

         Dentre as razões que justificam a realização da pesquisa está a

de abordar a ótica do consumidor e analisar as marcas e suas imagens não mais

somente sob a ótica do grupo, mas sim em sua profundidade, dentro do âmbito da

subjetividade.

         Acreditamos que é o momento de investigar o contexto do indivíduo, em

especial este novo consumidor, imerso no imediatismo das identidades e na

velocidade pela busca de informação.

         A abordagem trazida pelos arquétipos (formas preexistentes, coletivas,

mitológicas) e o Inconsciente coletivo, utilizada pela psicologia Jungiana para

compreender determinadas forças psíquicas geradas no inconsciente será utilizada

no trabalho. Certamente, o contato com a pesquisa de Jung e de outros estudiosos

de mitologia foi o que impulsionou a realização deste trabalho, tornando possíveis

reflexões sobre fenômenos da atualidade.

         A escolha pela abordagem Jungiana neste trabalho se dá a partir da

identificação da importância de resgatar os conhecimentos milenares das narrativas

míticas e toda a riqueza simbólica e ritual de seus elementos, uma vez que não

apenas Jung, mas outros pesquisadores e estudiosos que o antecederam também

reconhecem a importância do mito como referência para compreensão de diversos

fenômenos sociais, culturais e filosóficos em outras épocas.

         A análise desses contextos pode ajudar a ampliar e construir, sob a ótica

dos temas do inconsciente analisados e discutidos por Jung e Freud em seus

estudos, uma rede de associações entre elas e as identidades assumidas por

marcas na busca pelo significado, utilizando os mitos, suas narrativas e elementos

como cenários e referências de estudo.
O trabalho anseia trazer à luz conceitos sobre a natureza do inconsciente

e sua matriz psíquica assim como a formação das imagens simbólicas e dentro

desse contexto analisar como as imagens de marcas se colocam neste terreno.

        A marca Nike foi escolhida para a análise de caso por ser um grande

exemplo de consumo, especialmente da sua identidade. Ela tornou-se, ao longo dos

anos um ícone, um modelo de comportamento em seu discurso do ser saudável, do

heróico, que trava batalhas quase sempre vitoriosas na vida, no esporte, nos

caminhos da superação e das glórias.

         A sua imagem de marca através da comunicação com seus clientes é um

dos grandes sucessos de ideologias consumista e materialista em nossos dias. Sem

dúvida, há outros exemplos como Coca-cola Company, Hollywood, entre outras.

        A partir da discussão e das análises sobre os arquétipos, o inconsciente

coletivo e imagens é que será possível oferecer as interpretações sobre a sua

identidade e o que há por trás dela.

        No entanto, o que justifica a razão de ser desta pesquisa não é entender a

imagem de marca Nike. Ela apenas será abordada para exemplificar como os

conceitos teóricos atingem uma realidade.

        A nossa intenção é oferecer, como pesquisadores, um diálogo entre os

conceitos sobre os arquétipos (Psicologia profunda - Freud e Jung) refletidos em

nossa realidade, em especial a de consumo de marcas.

        Mais do que falar sobre as imagens de marca, o trabalho objetiva uma

reflexão sobre a perda ou desconexão com o terreno simbólico em detrimento das

ideologias e formas de vidas fragmentadas, hedonistas e imediatas. As ideologias do

consumo na qual estão imersas tais “imagens de marca” são apenas um aspecto

desta realidade.
4. O Mito

 4.1 . O conceito de Mito

          Mito (mýthos) quer dizer seqüência de palavras que têm um sentido,

propósito, discurso. No livro Odisséia, (Homero, 1985, pág 300) o mito aparece

associado a “épos” que designa palavra, forma. Ele nos dá ainda alguns

significados: conteúdo de palavras, aviso, intenção. “Mas vem, senhor, escuta a

minha palavra (épos), e meu dizer (mýthon), e vence a ira e o coração soberbo”

(Homero, 1985, pág 300).

           Kerényi (1993) apud Zilda Gorresio (2005), define o mito como fundante

da razão e do sentido da existência do homem. Não é ficção inventada para explicar

o mundo, é bem mais que isso: ele é uma realidade que organiza a existência

humana, eternizando o existir do homem.

          O conteúdo dos mitos é sempre referente às origens. É um traço básico

nas mitologias retomar às origens. É através das histórias que falam das origens, de

maneira simbólica, fala-se sobre o próprio ser, ou como diz a filosofia, sobre as

archaí (princípios), isto é, aquilo a partir do que as coisas são, vieram a ser. Um

mito, por exemplo, traz nele uma história que conta a partir de que poder todo o

cosmo e todo nosso ser organizou-se e veio a ser.

          Para Kerényi (1993) mitologia é uma arte com dados materiais

particulares. Existe para ele uma matéria especial que condiciona a arte da

mitologia: é a soma de elementos antigos, transmitidos pela tradição, tratando de

deuses e de seres divinos, de combates de heróis e de descidas aos infernos.

          A mitologia é um produto da função criativa e simbólica, própria da

constituição humana que apreende o ser e suscita os mitos, logo, é ela mesma que

deverá inspirar sua interpretação.
Ainda em Kerényi (1993), mito é arte e como arte é algo capaz de

exprimir-se por si mesmo. Tal com a arte, o mito fala sem a necessidade de ser

explicado, pois o sentido que ele expõe já está nele compreendido.

           O pensamento mítico-arcaico tem outra forma de organização, portanto

tem outra modalidade de coerência que não aquela que nomeamos racionalidade

argumentativa, mas que se acomoda em uma perspectiva de conhecimento, em

outra forma de obtenção de respostas.

           A mitologia, como se pode perceber não dá causas, razões explicativas,

e não argumenta. É uma linguagem peculiar sobre fundamento, ela é “arché” da

cultura.

                     “Para os filósofos da Grécia antiga, as ”archaí” podem ser água,
                     fogo, ou o apeíron, o “ilimitado”. Portanto, não são ”causas
                     primeiras”, mas antes matérias primeiras, circunstâncias ou
                     condições primeiras que sempre fazem tudo emanar delas. Assim
                     são os acontecimentos míticos. Eles formam a base do mundo, já
                     que tudo repousa sobre eles. São as “archaí” às quais se remetem
                     cada um deles por si, em particular, e de onde ele emana
                     imediatamente, numa antiga era, fora dos limites do tempo, um
                     tempo que por sua ressurreição e suas repetições, evidencia-se
                     imperecível”( Kerényi, 1993, pág 19 apud Zilda Gorresio, 2005, pág
                     56).


           Segundo Mircea Eliade (1994), o mito relata um acontecimento ocorrido

no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio.

                     “O mito narra como uma realidade passou a existir, seja uma
                     realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma
                     espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É
                     sempre, portanto a narrativa de uma “criação”, relatando de que
                     modo algo foi produzido e começou a ser. Os personagens dos mitos
                     são os Entes sobrenaturais. Eles são conhecidos, sobretudo pelo
                     que fizeram no tempo prestigioso dos “primórdios”. É em razão das
                     intervenções dos Entes sobrenaturais que o homem é o que é hoje,
                     um ser mortal, sexuado e cultural”.(Eliade, 1994, pág 11).
4.1.1 A experiência do ser com o saber mítico

             Para Mircea Eliade (1994), “viver” os mitos implica numa experiência

verdadeiramente religiosa, pois ela se distingue da experiência ordinária da vida

cotidiana.

                       “A “religiosidade”, dessa experiência deve-se ao fato de que, ao
                       reatualizar os eventos fabulosos, exaltantes, significativos, assiste-se
                       novamente às obras criadas pelos Seres Sobrenaturais; deixa-se de
                       existir no mundo de todos os dias e penetra-se num mundo
                       transfigurado, auroral, onde os eventos míticos são reintegrados.”
                       (Eliade, 1994, pág 20).


             Isso significa dizer que, ainda segundo Mircea Eliade (1994), o indivíduo

deixa de viver no tempo cronológico, passando a viver no tempo primordial, no

tempo em que o evento teve lugar pela primeira vez.

                       “Ao recitar os mitos, a pessoa reintegra-se ao tempo fabuloso, e
                       torna-se conseqüentemente contemporâneo, de certo modo, dos
                       Deuses ou dos Heróis. Por isso, podemos falar no tempo “prodigioso”
                       do mito, em que algo de novo, forte, significativo se manifestou
                       plenamente. ”(Eliade, 1994, pág 20).


             Reviver esse tempo e reintegrá-lo o mais freqüentemente possível,

reencontrar os entes sobrenaturais e reaprender a sua lição criadora é o desejo que

se pode ler em todas as reiterações rituais do mito.



             4.1.2 Religião e Rito

             Segundo Campos (1996), o conjunto de atitudes e atos pelos quais o

homem se liga ao divino, aos seres invisíveis e sobrenaturais chamamos de

Religião. A palavra, do latim religione possivelmente se prende ao verbo religare,

ação de ligar, ligação, nó. Compõe eventos rememorados e reatualizados dos mitos.
Ainda em Campos (1996), através do rito o homem se incorpora ao mito.

Rito, portanto é o mito em ação. O mito rememora, o rito comemora. É o aspecto

litúrgico do mito, transforma a palavra em verbo.

                     “O rito abole o tempo profano e recupera o tempo sagrado do mito.
                     Enquanto o tempo profano, cronológico, é linear e por isso
                     irreversível, o tempo mítico, ritualizado, é circular, voltando-se para si
                     mesmo.” (Campos, 1996, pág 8)

           Malinowski (1955) apud Mircea Eliade (1994), afirma que o mito não é

uma explicação destinada a satisfazer uma curiosidade científica, mas uma narrativa

que satisfaz a profundas necessidades religiosas, aspirações sociais, a pressões e a

imperativos de ordem social, e mesmo a exigências práticas.

                     “O tempo mítico é reversível e recuperável através dos atos rituais da
                     comunidade que são a própria revivência do mito como revelação
                     divina. O tempo mítico é também revelado no ato da aparição e da
                     revelação da existência. É o tempo da revelação do que existe, de
                     certo modo pode ser chamado do tempo da “Eternidade”, um tempo
                     perenemente presente”.(Gorresio, 2005, pág 60).

          Nas civilizações primitivas, o mito desempenha uma função indispensável:

ela exprime, enaltece e codifica a crença; salvaguarda e impõe os princípios morais;

garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas para a orientação do homem.

           Portanto, o mito é um ingrediente vital da civilização humana; longe de

ser uma fabulação vã, o mito é, ao contrário uma realidade viva, à qual se recorre

incessantemente; não é absolutamente uma teoria abstrata ou fantasia artística, mas

uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática.

                     “O conhecimento da realidade mítica revela ao homem o sentido dos
                     atos rituais e morais, indicando-lhe o modo como deve ser
                     executado” (Malinowski, 1955, pág 101, citado por Mircea Eliade,
                     1994, pág 30).
4.2 O mito e o símbolo

          [...] o mito é a abertura secreta através da qual as inexauríveis energias do cosmo
          penetram nas manifestações culturais humanas. As religiões, filosofias, artes, formas
          sociais do homem primitivo e histórico, descobertas fundamentais da ciência e da
          tecnologia e os próprios sonhos que nos povoam o sono surgem do círculo básico e
          mágico do mito.
                                                                            J. Campbell

          A etimologia de símbolo vem do grego sýmbolom, do verbo symbállein,

“lançar com”, arremessar, ao mesmo tempo, “com –jogar”.

          Segundo Junito de Souza Brandão (1991), símbolo era um sinal de

reconhecimento: um objeto dividido em duas partes, cujo confronto permitia aos

portadores de cada uma das partes se reconhecerem. O símbolo é, pois, a

expressão de um conceito de equivalência.

           Assim, para se atingir o mito, que se expressa através de símbolos, é

preciso fazer uma equivalência, uma “com-jugação”, uma “re-união”, porque, se o

signo é sempre menor que o conceito que representa, o símbolo representa sempre

mais do que seu significado evidente e imediato.

          Em Gorresio (2005), ao abordar a linguagem dos mitos como simbólica,

tomando a noção etimológica de sym + boulon, que quer dizer: jogados juntos

retoma a etimologia do símbolo para dizer que seu significado não se encontra num

signo verbal ou pictorial, mas é atestado pela “experiência de um sentimento” que

um signo ou saber evoca, sendo esse sentimento evocado o que torna possível a

compreensão do símbolo. Sem esse pressuposto, o símbolo é um signo morto.

                       “Símbolo é o que vem inopinadamente das profundezas secretas da
                      natureza, saltando aos olhos do homem como um presságio e
                      impondo-se como uma coisa extraordinária” (Gusdorf, 1993, pág 779
                      apud Zilda Gorresio, 2005, pág 51).


          Para Gusdorf (1993) Apud Zilda Gorresio (2005) a anterioridade do

símbolo, como linguagem do mito, funda-se sobre as profundezas secretas da
natureza. Como sugere a expressão “salta os olhos” como revelação para o homem

arcaico e apresenta-se como algo que sai da ordem do cotidiano, o extraordinário.

             Ainda sobre a perspectiva simbólica dos mitos, Gusdorf (1993) afirma que

esses conteúdos nos abrem para o conhecimento de nós mesmos, ao conferir

significado ao nosso existir, remetendo-nos ao mistério de nossa vida, pois no

mistério experimentamos o sagrado.


             Para o autor, (1993) o mito não é uma informação qualquer, mas “une co-

naissance”1, uma conjunção entre uma “e-vidência” de fora e uma “in-vidência” de

dentro. Esse encontro produz um efeito de redobro, ressonância em eco no espaço

de dentro. Daí, a impressão de des-velamento, abertura em abismo sobre as

profundezas do ser, constitutivo da revelação. Para ele, mito e símbolo são palavras

do Ser, chamados do absoluto no seio de um devir da realidade humana.

               Cassirer (1992) apud Zilda Gorresio (2005) pág 55, faz uma aproximação

entre as formas de expressão humana, a arte, ciência, linguagem, mito ao concebê-

las como formas diferentes da “apreensão do ser”, fazendo-nos reconhecer nestas

manifestações um modo e tendências originais de expressão, que é algo mais que a

mera estampa de algo dado em rígidas configurações do ser.

             Deste ponto de vista, o mito, a arte, a linguagem e a ciência aparecem

como símbolos: não no sentido que designam, indicam e explicam um real existente,

mas sim no sentido de que cada uma delas gera e parteja seu próprio mundo

significativo. Neste domínio, apresenta-se um autodesdobramento do espírito, em

virtude do qual só existe uma “realidade”, um ser organizado e definido.




1
 Colocamos em francês, pois se traduzíssemos para o português perderíamos o sentido que o autor quer dar ao
mito como co-nascimento, que a língua francesa permite. Gusdorf. Le Romantisme I e II. Payot & Rivages, Paris,
1993 Apud Zilda Gorresio, 2005, pág 51.
4.3 O mito e o Inconsciente

             “O sonho é o mito personalizado e o mito é o sonho despersonalizado; o mito e o sonho
             simbolizam, da mesma maneira geral, a dinâmica da psique”.

                                                                                       J. Campbell



             Freud apud Campbell (1995) faz um paralelo entre certos aspectos da

psicologia infantil e o mito de Édipo, cuja atuação “universalmente válida” – seria

explicada por pressupostos infantis muito semelhantes.

             A fatídica distribuição infantil de impulsos de morte ( thanatos: destrudo) e

amor ( Eros: libido) constitui o fundamento do complexo de Édipo, que Sigmund

Freud apontou como grande causa do fracasso do adulto no sentido de comportar-

se como ser racional.

                           “O rei Édipo, que assassinou o pai, Laio, e desposou a mãe, Jocasta,
                           nos mostra, tão somente, a realização dos nossos próprios desejos
                           infantis. Todavia, mais afortunados do que ele, fomos bem
                           sucedidos, na medida em que não nos tornamos psiconeuróticos, ao
                           desvincular nossos impulsos sexuais de nossas [respectivas] mães e
                           ao esquecer nosso ciúme em relação aos nossos [respectivos]
                           pais”.(Campbell, 1995, pág 50 citando Freud).

             Freud foi um dos primeiros a basear-se nos estudos sobre mitologia grega

para a criação da terminologia dos estados psíquicos, tendo como exemplo o

Complexo de Édipo2. Este complexo revela-se como um fenômeno central do

período sexual da primeira infância.

                           “Embora a maior parte dos seres humanos passe pelo complexo de
                           Édipo como uma experiência individual, ele constitui um fenômeno
                           que é determinado e estabelecido pela hereditariedade e que está
                           fadado a findar de acordo com as fases seguintes de
                           desenvolvimento”. (Freud, 2006, pág 49)

2
  O complexo de Édipo oferece à criança duas possibilidades de satisfação. Ela pode colocar-se no lugar de seu
pai, à maneira masculina, e ter relações com a mãe, como tinha o pai, caso em que cedo teria sentido o último
como um estorvo, ou poderia querer assumir o lugar da mãe e ser amada pelo pai, caso em que a mãe se tornaria
supérflua. Acriança pode ter tido apenas noções muito vagas quanto ao que se constitui uma relação erótica
satisfatória, mas certamente o pênis devia desempenhar uma parte nela, pois as sensações em seu próprio órgão
são prova disso. Se a satisfação do amor no campo do complexo de Édipo deve custar à criança o pênis, está
fadado a surgir um conflito entre seu interesse narcísico nessa parte do corpo e a libido por seus objetos
parentais. Neste conflito, triunfa normalmente a primeira destas forças: o ego da criança volta as costas ao
complexo de Édipo. (Freud, 2006, pág 197).
Em Freud apud Campbell (1995), o inconsciente é exclusivamente de

natureza pessoal, muito embora ele tenha sido precursor nas abordagens sobre

formas de pensamento arcaico - mitológico do inconsciente. Em seus estudos

posteriores, Freud modificou seu ponto de vista fundamental: a psique instintiva foi

designada como id e o superego3 correspondem ao consciente coletivo, em parte

consciente e em parte inconsciente (reprimido) pelo indivíduo.

              Segundo Freud (2006), a formação do ideal de ego é assumido e

experimentado pelo ego em relação a si próprio como indivíduo. Devido à maneira

pela qual o ideal de ego se forma, ele possui vínculos mais abundantes com a

herança arcaica de cada indivíduo.

                            “O que pertence à parte mais baixa da vida mental da vida mental de
                            cada um de nós é transformado, mediante a formação do ideal no
                            que é mais elevado na mente humana pela nossa escala de valores”.
                            (Freud, 2006, pág 49).


              Para Jung (2000), há um laço indissolúvel que une o homem de todos os

tempos ao homem da antiguidade, ou seja, o mito. O mito é compreendido por Jung

como fundamento da psique e, além disso, passa a ser um firme ponto fixo fora de

nossa cultura, a partir do qual é possível ganhar compreensão de seus

fundamentos.

              O paralelo entre o pensar mitológico da antiguidade e a configuração

onírica é facilmente evidenciável, quando comparamos os sonhos e os mitos. A

partir da comparação dos mitos, dos sonhos e delírios que Jung e Freud foram

levados a concluir que deveriam existir elementos constitutivos do psiquismo

inconsciente, isto é, elementos dos mitos.
3
  Enquanto que o ego é essencialmente representante do mundo externo, da realidade, o superego coloca-se, em
contraste com ele, como representante do mundo interno, do id. Os conflitos entre o ego e o ideal, em última
análise refletirão o contraste entre o que é real e o que é psíquico, entre o mundo externo e o mundo interno. O
ideal de ego, (superego), responde a tudo o que é esperado da mais alta natureza do homem. Como substituto de
um anseio pelo pai, ele contém o germe do qual todas as religiões evolveram. (Freud, 2006, pág 49).
No sonho, verificam-se inúmeras conexões que podem ser postas em

paralelo com associações de idéias mitológicas (ou muitas vezes eventualmente

com certas criações poéticas, muitas vezes caracterizadas por tomarem emprestado

seus motivos dos mitos, de modo nem sempre consciente).

             Segundo Hollis (1997), os sonhos são a rota íntima de saída da alma e

constituem o processo de ligação com os elementos mitológicos em cada pessoa. A

rica tessitura de detalhes, a “transgressão” da lei de tempo e espaço vigente na

vigília, o poder de síntese de novas combinações, as abundantes alusões a

experiências anteriores são aspectos conhecidos dos sonhos.

                           “Em nosso sono, assim como em nossos sonhos, passamos por todo
                           o pensamento da humanidade que veio antes de nós. Quero dizer,
                           da mesma forma como raciocina em seus sonhos, o homem
                           raciocinou, em estado desperto, há milhares de anos... O sonho nos
                           faz retroceder a estados anteriores da cultura humana e nos fornece
                           um meio de melhor compreendê-la” (Frederich Nietzsche, citado por
                           Jung apud Campbell, 1995, pág 51).


             Eles nos vinculam de modo irremediável com o movimento de conteúdos

enigmáticos, surpreendentes, num mundo de personagens e batalhas titânicas - ou

seja, o próprio conteúdo dos mitos.



             4.3.1 O Inconsciente coletivo e os Arquétipos

             Para Jung (2000), inconsciente é um campo transpessoal, misterioso e

ilimitado, dotado de autonomia e carregado de numinosidade4. Matriz do ego (centro

da consciência) e de todo conhecimento. O inconsciente é a esfera oculta e

transcendente do ser, o abismo do ser, e por isso, só podemos perceber

indiretamente seus efeitos e seus poderes.
4
 Numinoso é um termo que vem do latim, numem- o medo, o terror, impacto energético e oracular de
manifestação divina. Em latim, numem e deus são termos similares, mas numem sempre implica a manifestação
da divindade em sua forma mais poderosa e profundamente comovente. A partir disso, Jung cunhou como
substantivo, que chamou numinosidade, denotando atemorização, a característica que nos atinge e nos sacode até
o âmago, sem considerar se a compreendemos ou não. ( Whitmont, 1969, pág 276 ).
O inconsciente é autônomo, ou seja, não podemos controlá-lo, nem

resistir a ele. Quando o homem experimenta certos poderes dos quais não se pode

esquivar, nem tampouco modificar, dá a eles vários nomes, como deuses, Deus,

demônio, daimôn, e sente que está diante de uma predestinação.

                           “Deus e daimôn não são sinônimos de inconsciente, mas se
                           aproximam quanto ao caráter da “insondabilidade” da experiência
                           misteriosa e de perplexidade, e não quanto à reflexão do
                           experimentado”. (Jung, 2000, pág 100).

A psicologia emprega o termo inconsciente e admite que está diante da mesma

grandeza de um “deus” ou de um “daimôn”, dos quais nada podemos afirmar

diretamente.

                           “Inconsciente é o que não se conhece, impossível de ser totalmente
                           conhecido e esgotado pela consciência. É aquilo que, enquanto
                           ignoto, confunde, perturba, fascina, ameaça toda busca de certeza,
                           sendo hora salvífico, ora devastador”. (Zilda Gorresio, 2005, pág
                           131).

             Jung (2000) define, como uma camada mais ou menos superficial do

inconsciente como pessoal. Nós a denominamos de inconsciente pessoal. Este é um

inconsciente individual, que reage diferente e não é o mesmo do inconsciente

coletivo.

             Este inconsciente encerra todos aqueles conteúdos psíquicos esquecidos

no correr da vida, conserva traços desses conteúdos, mesmo depois que se perdeu

qualquer lembrança consciente dos mesmos. Contém, portanto, complexos5 que

pertencem ao indivíduo e formam parte essencial de sua vida.




5
  Os conteúdos do inconsciente pessoal são principalmente os complexos de tonalidade emocional, que
constituem a intimidade pessoal da vida anímica. Os complexos operam não apenas como conjuntos de
tendências e impulsos interiores, mas também como expectativas, esperanças e medos concernentes ao
comportamento externo das pessoas e dos objetos. A casca ou estrutura associativa com a qual o complexo nos
confronta consiste na soma total do condicionamento ocorrido durante a infância em relação ao padrão instintal
particular em questão, sempre apontando para experiências pessoais e é uma rede de associações
emocionalmente carregadas, constituídas a partir da história e do condicionamento pessoais, agrupadas em torno
de certas situações geradoras de afeto. Padrão autônomo de comportamento e emoção, constituinte do
inconsciente pessoal. (Whitmont, 1969, pág 60).
Este, porém, repousa sobre uma camada mais profunda, que já não tem

sua origem em experiências e aquisições pessoais, sendo inata. Esta camada mais

profunda é o que chamamos “inconsciente coletivo”.

          Coletivo porque esse inconsciente não é de natureza individual, mas

universal, pois se refere a modos de comportamento que são os mesmos em todos

os indivíduos. Em outros termos, ele é idêntico a si mesmo em todos os homens e

constitui assim um fundamento psíquico universal de natureza suprapessoal

presente em cada um.

          Desta forma, Jung introduz a noção do inconsciente coletivo como

fundamento psíquico universal de todo ser humano. Segundo o autor, o homem

possui muitas coisas que ele nunca adquiriu, mas herdou dos antepassados.

          Este homem traz consigo sistemas organizados e que estão prontos para

funcionar numa forma especificamente humana; e isto se deve a milhões de anos de

desenvolvimento humano.

          O autor faz uma ligação com as experiências narradas por alguns temas

míticos, citando, por exemplo, situações humanas que existiram desde os

primórdios: juventude e velhice, nascimento e morte, filhos e filhas, pais e mães,

acasalamento, etc. Apenas a consciência individual experimenta estas coisas pela

primeira vez, mas não o sistema inconsciente. Desta forma ele localiza o

inconsciente como um sistema onde está presente o mito.

                    “Da mesma forma como os instintos dos pássaros de migração e
                    construção do ninho nunca foram aprendidos ou adquiridos
                    individualmente, também o homem traz do berço o plano básico de
                    sua natureza, não apenas de sua natureza individual, mas de sua
                    natureza coletiva”. (Jung, 1992, citado por Zilda Gorresio, pág 130).


          Para o autor, o inconsciente coletivo pode ser compreendido como algo

pré-ordenado à consciência individual, como os limites ocultos do ser humano
apenas não revelados e que estão em aberto para virem a ser experimentados pela

consciência individual.

          Ele constitui-se como somatória da experiência da humanidade, e uma

existência virtual, vivente, atual, vibrante, plena de toda indeterminação, onde toda

determinação e contorno individual se dissolvem.

                     [...] O inconsciente coletivo é como um espaço sem limites, pleno de
                     uma indeterminação espantosa, que parece não ter nem interior nem
                     exterior, nem alto nem baixo, nem aqui nem lá, nem bem nem mal.
                     Lá, eu estou ligado ao mundo numa ligação tão mais imediata que eu
                     esqueço muito facilmente quem eu sou na realidade. É o mundo da
                     água onde paira, suspenso, tudo o que é vivente, onde o eu é
                     inseparável disso ou daquilo, onde sinto o outro em mim e o outro me
                     sente enquanto sendo eu. (Jung, 2000, pág 45).


          Ainda em Jung (2000), o inconsciente coletivo traz a idéia de que entre a

vida do grande todo e a vida humana existe uma relação de englobamento. Está

aqui, implicada a idéia de um todo orgânico, de um grande sistema em que cada ser

individual está mergulhado, é onde nos movemos, vivemos e temos nosso ser.

                     “Este inconsciente coletivo reúne, assim, o indivíduo e o mundo.
                     Mundo e indivíduo são partes de um só e mesmo Todo, isto é, todos
                     os seres e a vida humana fazem parte de uma grande tessitura toda
                     interligada. O inconsciente coletivo nos aparece como uma rede em
                     que todas as formas de vida estão inter-relacionadas e em que os
                     opostos se anulam.”( Jung, 2000, pág 47).

          Jung (2000) demonstra através das definições sobre o inconsciente

coletivo a repetição de figuras e temas míticos e religiosos presentes em sonhos e

delírios do homem moderno, em todas as culturas e épocas.

          Ele define ser este espaço, o inconsciente coletivo, onde se manifestam

os conteúdos e contextos mitológicos, daí a importância do mito em sua pesquisa

como uma referência para a descoberta destes fundamentos.
O autor nomeou de inconsciente coletivo o fundamento psíquico universal

de todo ser humano e à existência de disposições típicas do inconsciente, próprias

do ser humano, deu o nome de arquétipos.

           O inconsciente coletivo e seus conteúdos, os arquétipos, dão vida a uma

cadeia de conteúdos dotados de autonomia representativa. Suas expressões se

encontram nos mitos, nas concepções religiosas e em todo artefato da cultura.

          Do grego arkhétypos, etimologicamente significa modelo primitivo, idéias

inatas. A etimologia do termo deriva do grego, “arché” e “typos” que quer dizer

“impressão original”.

          Fazendo referência aos mitos, esses conteúdos remontam a uma

tradição, cuja idade é impossível determinar.         Eles pertencem a um mundo do

passado, primitivo, cujas exigências espirituais são semelhantes às que se

observam entre culturas primitivas.

          Os arquétipos são possibilidades herdadas, sendo assim, formas a priori

ou típicas de apreensão da realidade e de reação a ela, disposições inerentes à

estrutura da psique.

                        [...] “a maneira de como o homem retrata interiormente o mundo é,
                        apesar de todas as diferenças de detalhes, tão uniforme e regular
                        como seu comportamento instintivo. É precisamente a esse fator que
                        eu chamo de arquétipo, que poderia muito bem ser descrita como a
                        percepção do instinto de si mesmo ou como auto-retrato do instinto”
                        (Jung, 1995, pág 277).


          O caráter mitológico do arquétipo pode ser inferido a partir da observação

de temas míticos, quer nos sonhos, quer nos delírios do homem moderno, bem

como em diferentes culturas, nas mais variadas épocas. A linguagem dos

arquétipos, conteúdos do inconsciente coletivo, é mítico-arcaica.

          Para Junito de Souza Brandão (1991), os arquétipos são mais do que a

matriz que forma os símbolos para estruturar a consciência. Eles são também a
fonte que os alimenta. Por isso, os mitos, além de gerarem padrões de

comportamento para vivermos criativamente, permanecem na história como marcos

referenciais através dos quais a consciência pode voltar às raízes para se revigorar.

          Desta forma, o autor define o inconsciente coletivo como este ambiente

ou matriz onde os conteúdos míticos são manifestos com objetivos de recriar,

transformar e estruturar.

                     “O Inconsciente é como um vasto oceano, com o ego flutuando sobre
                     ele como um pequeno barco”. Então, quando vemos isto, surge a
                     questão se estamos contidos no oceano [...] os peixes são unidades
                     vivas no oceano; eles não são absolutamente como ele, mas estão
                     contido nele;seus corpos, suas funções, estão maravilhosamente
                     adaptados à natureza da água, a água e o peixe formam um “
                     continuum” vivente [...] quando aceitamos este ponto de vista temos
                     que supor que a vida é realmente um “ continuum vivente” e
                     destinado a ser como é, isto é, toda uma tessitura na qual as coisas
                     vivem “com” ou “por meio” da outra. Assim, as árvores não podem
                     existir sem animais, ou animais sem plantas, e talvez animais não
                     possam viver sem o homem, ou o homem sem animais e plantas e
                     assim por diante. E sendo a coisa inteira uma tessitura, não é de
                     admirar que todas as partes funcionem juntas, porque são parte de
                     um contínuo vivo” (Jung, 1995, pág 180)

          O inconsciente não é somente a origem da consciência, mas, também sua

fonte permanente de reabastecimento. A interação do consciente com o

inconsciente coletivo, através de símbolos, forma, então, um relacionamento

dinâmico, extraordinariamente criativo.


                     “A noite permite às plantas prepararem-se para cada novo dia e o
                     sono descansa e reabastece o corpo, assim também, o Inconsciente
                     renova a consciência. Das trevas fez-se luz, que através delas, se
                     mantém. De noite, por meio dos sonhos; de dia, através da fantasia,
                     os arquétipos produzem e revigoram os símbolos” (Brandão, 1991,
                     pág 10).
5 O Arquétipo

5.1 Conceito de Arquétipo

          “Do inconsciente emanam influências determinantes, às quais, independentemente da
          tradição, conferem semelhança a cada indivíduo singular e até identidade de
          experiências, bem como da forma de representá-las imaginativamente. Uma das provas
          principais disso é o paralelismo quase universal dos motivos mitológicos, que denominei
          de arquétipos, devido à sua natureza primordial”.
                                                                      Carl Gustav Jung

          A expressão “Arquétipo” já era existente na Antiguidade, sinônimo de

“idéia” no sentido platônico. A concepção de arquétipo é referente à idéia original de

Platão, segundo o qual a “idéia” é como supraordenada e preexiste a todos os

fenômenos.

          Em Platão (1990), apud Walter Boechat (1997) ao desenvolver seu

sistema filosófico coloca sua “teoria das idéias” como ponto central, pois são essas

idéias que representam o que há de eterno entre nós, e o mundo fenomenal nada

mais é do que um reflexo desses arquétipos perfeitos e eternos.

                      “No pensamento platônico, os deuses, ao invés de estarem
                      totalmente fora da psiquê (mente), passam a integrá-la. Cabe ao
                      homem ir em busca do centro divino, localizado no mais profundo de
                      si mesmo”.( Platão, 1990, apud Walter Boechat, pág 30)

          Em Joseph Campbell (1995), arquétipos são formas de natureza coletiva

que se manifestam praticamente em todo o mundo como constituintes dos mitos e,

ao mesmo tempo, como produtos autóctones e individuais de origem inconsciente.

          Segundo Adolf Bastian (1895) apud Joseph Campbell (1995), essas

idéias, “os arquétipos”, em seu caráter psíquico primordial, devem ser considerados

“as idéias germinais de caráter espiritual (ou psíquico), a partir das quais toda

estrutura social foi desenvolvida organicamente”.

          Em Franz Boas (1911) apud Joseph Campbell (1995), as características

mentais do homem são as mesmas em todo o mundo. Além disso, certos padrões

de idéias podem ser reconhecidos em qualquer lugar, em todos os tipos de cultura.
Em Freud (1953), apud Campbell (1995), tal simbolismo não é peculiar

aos sonhos, mas é característico da ideação inconsciente, notadamente entre o

povo, é encontrado no folclore, nos mitos e lendas populares, na sabedoria

proverbial, num grau mais completo do que nos sonhos.

          Segundo Emma Jung, (1996) resulta em que é, sobretudo um certo

número de figuras típicas que emergem com freqüência por toda parte, como por

exemplo, as figuras do herói, da grande mãe, do mago, do pai, do sábio, da criança

etc. Jung as define como primordiais ou arquétipos, pois elas se tornaram idéias

bem universais e atemporais.

           5.1.2 O arquétipo do Herói

           Segundo Artur da Távola (1985), o mito é uma forma de conservar e

significar um valor através de um símbolo ou de um metasímbolo, que expressa,

amplia, antecipa, fixa, esclarece, oculta ou exalta o valor. É uma forma comunicativa

e seu conteúdo é o que existe de mais verdadeiro na mente do homem. Por isso, o

mito é uma verdade (da mente) que aparece às vezes sob imagem de exaltação,

fabulação ou exagero.

                     “O inconsciente nos envia toda espécie de fantasias, seres
                     estranhos, terrores e imagens ilusórias à mente; o reino humano
                     abarca, por baixo do solo da pequena habitação, comparativamente
                     corriqueira, que denotamos consciência, insuspeitas cavernas de
                     Aladim” (Campbell, 1995, pág 19).


          O mito do herói, para Artur da Távola (1985), é sempre a expressão

externa desse valor porque simboliza o ser humano na aventura da vida. Ele é o

centro dos acontecimentos por simbolizar o ser humano em sua etapa evolutiva.

                     O herói significa o Homem diante de um mundo envolto pelo
                     “mistério fundamental da vida”; por luzes e sombras de sua mente,
                     forças e fraquezas de seus músculos.(Távola, 1985, pág 200).
Segundo palavras do autor, o ser humano é o herói, alguém que ficou

sozinho para enfrentar monstros e dragões, expressões simbólicas das ameaças

físicas ou psíquicas que envolvem os homens diante de impulsos contraditórios do

conhecimento; das paixões, sentimentos, virtudes, tentações, ascensões e quedas,

diante da vida e sua complexidade.

                     “O herói é um nome para designação de uma personificação de certa
                     “energia” (arquetípica) e intencionalidade que está dentro de nós,
                     embora possamos ter um acesso muito incerto a ela”. (Távola, 1985,
                     pág 203).

          O Herói é uma constante em todas as civilizações, tribos, sociedades ou

culturas. Dos grupos mais primitivos às complexas engrenagens da sociedade

industrial, a figura do herói sempre foi uma representação constante, um símbolo,

uma necessidade.

          5.1.3 A Função do Arquétipo

          As experiências com as narrativas heróicas nos ligam a experiências que

vieram antes de nós, de modo que sempre podemos aprender algo a respeito da

essência do significado do ser humano.

          Ainda em Artur da Távola (1985), este arquétipo constitui-se como

imemorial, uma vez que nos une a pessoas de todas as épocas e lugares, e tem a

função de nos impulsionar através dos limites do conhecido para enfrentar o

desconhecido. O herói é a representação exaltada do homem na “peripécia” da vida.

Esta exige esforços vultosos para ser enfrentada e vencida, daí surge o herói como

aspiração central de todas as culturas.

                     “O herói é a própria expressão da aventura da vida: emerge da
                     estrutura mais profunda do determinismo do desenvolvimento
                     individual inerente ao ato de crescer. Pertence à espécie, como
                     padrão básico representativo de etapa do crescimento”. (Távola,
                     1985, pág 355).
Artur da Távola (1985) afirma que figura do herói pode representar, de

maneira simbólica, as necessidades de afirmação do ego individual. No seu

processo de crescimento e desenvolvimento, cada pessoa precisa fortalecer o “eu”

consciente, o que em linguagem corrente se convencionou chamar de personalidade

e caráter.

                       “Até chegar à maturidade, a formação da “personalidade” é algo
                       repleto de inseguranças, defesas, incertezas, razão pela qual
                       precisamos de símbolos fortes, com os quais se identifique, para
                       compensar as sensações de desvalia e insegurança implicadas no
                       ato de crescer”. ( Távola, 1985, pág 330).

             O Herói é a representação simbólica da forma de crescer, evoluir,

enfrentar desafios, preparar-se para embates, dificuldades, trombadas, peripécias,

ameaças.

             5.1.4 A jornada do Herói

             Em Campbell (1995), o percurso padrão da aventura mitológica do herói é

similar à fórmula representada nos rituais de passagem: separação-iniciação-

retorno- que pode ser considerada a unidade nuclear do monomito·.

             A aventura do herói costuma seguir o padrão da unidade nuclear: um

afastamento do mundo, depois a penetração em alguma fonte de poder e um retorno

enriquece a vida.

             O chamado da aventura: O herói sofre ameaças de forças externas,

desconhecidas (uma sombra, um obstáculo).

                       “O emissário ou agente que anuncia a aventura costuma ser
                       sombrio, repugnante, aterrorizador, considerado maléfico pelo
                       mundo; o arauto pode ser um animal (comum nos contos de fada),
                       ou    figuras    misteriosas,    cobertas  por   um     véu-o
                       desconhecido”.(Campbell, 1995, pág 59).

             Há uma atmosfera de irresistível fascínio em torno da figura que aparece

subitamente como guia, marcando um novo período, um novo estágio da biografia.

O elemento que tem de ser encarado, e que de alguma forma, é profundamente
familiar ao inconsciente, apesar de desconhecido para a personalidade “consciente”

- se dá a conhecer.

                          “O chamado da aventura significa que o destino convocou o herói e
                          transferiu-lhe para o centro da gravidade do seio da sociedade para
                          uma região desconhecida. Ela pode aparecer de várias formas,
                          assim como os arautos. Uma terra distante, uma floresta, um reino
                          subterrâneo, uma ilha secreta. É sempre um lugar habitado por seres
                          estranhamente fluidos e polimorfos, façanhas sobre-humanas,
                          delícias impossíveis. Os exemplos podem vir multiplicados, vir de
                          todos os cantos do planeta”. (Campbell, 1995, pág 61).

             Na história do Rei Arthur6, enquanto se preparava com muitos cavaleiros

para a caça.


                          “Tão logo chegou à floresta, o rei viu um grande cervo. Caçarei este
                          cervo, disse o rei Artur, e ato contínuo, esporeou o cavalo com tal
                          fúria, e cavalgou com tal velocidade, que praticamente conseguiu,
                          pela força, alcançar o cervo. E o rei viu o cervo escondido e seu
                          cavalo, morto; E ali, sentado, o rei se pôs em profunda reflexão”.
                          ((Campbell, 1995, pág 62)

             Outro exemplo desta fase do percurso da jornada do herói pede ser

descrita em um sonho de um jovem que busca uma nova orientação do mundo7.


                          “Estou numa pradaria verdejante em que vários carneiros estão
                          pastando. É a terra dos carneiros. Na terra dos carneiros, uma
                          desconhecida, de pé, aponta o caminho”. (Campbell, 1995, pág 65).

             A recusa ou negação a este chamado não é uma constante, mas ela

existe e faz parte desta etapa. Porém, a recusa converte a aventura em sua

contraparte negativa.

             Aprisionado pelo tédio, pelo trabalho duro ou pela própria “cultura”, o

sujeito perde o poder da ação afirmativa dotada de significado e se transforma numa

vítima a ser salva. O indivíduo deixa de fazer parte, como unidade e divide-se entre




6
  A perseguição do cervo e a visão da “fera que late como cães de caça em perseguição” marca o início dos
mistérios associados à busca do Santo Graal. (Campbell, 1995, pág 62).
7
  C. G. JUNG, Psychology and Alchemy, Collected Works, vol 12, New York e Londres, 1953, parágrafos 71 e
73. Apud Campbell, 1995, pág 96.
si, dominado pelo medo, alerta contra tudo, refém de impulsos de aquisição do seu

íntimo.

             Em Joseph Campbell (1995), na história do Rei Minos8, que manteve

consigo o touro divino, não atendendo à vontade divina, ele, o rei, prefere aquilo que

considera a vantagem econômica se assemelha à recusa do chamado.

                           “Apesar de ter construído, com esforços titânicos um renomado
                           império, qualquer que seja a casa por ele construída será um
                           labirinto de paredes ciclópicas construído para esconder dele o
                           próprio Minotauro”. ( Campbell, 1995, pág 91)

             Assim, ele fracassou na assunção do papel que lhe cabia à vida.

Cometendo o sacrilégio de recusar o ritual, Minos representa um impulso do auto-

engrandecimento egocêntrico, aproxima-se então, de sua desintegração. Desta

forma, a própria divindade tornou-se o seu terror.



             A iniciação: Também conhecida como a etapa das “peripécias”. É a

provação, fase na qual enfrenta terríveis monstros, as injustiças, o terror.

                           “Ele, o herói, é atingido, combalido, ameaça morrer, tudo parece
                           perdido, há tentações, humilhações, tocaias. Nesta etapa, há a
                           penetração em um mundo de forças desconhecidas e este as
                           enfrenta. Ela, sem dúvida é o miolo de todas as narrativas. Nela, está
                           a ação, a emoção, o despertar dos sentimentos de justiça,
                           solidariedade, valor, remorso, grandeza, recuperação. É a luta por
                           amadurecer”.( Távola, 1985, pág 370).


             Nesta etapa, o herói é auxiliado, de forma encoberta, pelo conselho, por

amuletos e por agentes secretos do auxiliar sobrenatural. As mitologias mais

elevadas desenvolvem o papel na grande figura do guia, do mestre, barqueiro, do

condutor da jornada.

8
  Conta-se a história do Rei Minos, rei da ilha-império de Creta no período de sua supremacia comercial. Ele
contrata Dédalo, um celebrado artista para construir um labirinto. Antes de se tornar rei, pediu ao deus que
enviasse um touro do mar, como sinal. Em troca, oferecia o animal em sacrifício imediatamente, como oferenda
e símbolo de submissão. Quando se dá conta da majestade da besta que havia sido enviada, decidiu ficar com
ela, pensando que seria vantajoso possuí-la e o aprisiona em um impressionante labirinto. (Campbell, 1995, pág
90)
No mito de Psiquê e Eros, Apud Campbell (1995)9, temos um exemplo do

motivo “das tarefas difíceis”, empreendidas por ela na busca do amante perdido.

Neste caso, ao invés do amado conquistar a noiva, cabe a esta fazê-lo. Ao invés de

um pai cruel que subtrai a filha ao amante, há uma mãe ciumenta, Afrodite ou

(Vênus), que oculta o filho Eros ou (Cupido) da noiva.

             Segundo palavras de Campbell (1995), quando Psiquê apela a Vênus, a

deusa a toma violentamente pelos cabelos e atira-lhe a cabeça ao solo; em seguida,

misturou uma grande quantidade de trigo, cevada, painço, sementes de papoula,

ervilha, feijões, formando com eles uma pilha, e ordenou à moça que os separasse

antes de anoitecer.

                           “A moça foi auxiliada por um batalhão de formigas. A deusa, então
                           ordenou que colhesse o Velocino de Ouro de uma certa espécie de
                           carneiro selvagem, de chifres afiados e mordida venenosa, que
                           habitava um vale inacessível numa perigosa floresta”. Um junco
                           verde lhe ensina a colher os fios de lã que os carneiros deixavam à
                           sua passagem. Exigiu depois, um cântaro de água de uma fonte
                           enregalante, situada no topo de uma altíssima montanha guardada
                           por dragões que nunca dormiam. Uma águia se aproxima e ajuda
                           psique. Por fim, foi ordenado que trouxesse do abismo do mundo,
                           uma caixa de beleza sobrenatural. Mas uma alta torre lhe disse como
                           descer ao mundo inferior e a incentivou a seguir”. (Campbell, 1995,
                           pág 102)


             Regresso: É a etapa final. Provado e temperado na luta (isto é,

amadurecido, tratado, curado, vivido, menos onipotente, vencedor da batalha dura e

terrível da existência) o herói regressa, renasce, iluminado, senhor do tesouro da

vida.

             Para Campbell (1995), o círculo completo, a norma do monomito, requer

que o herói inicie o trabalho de trazer os símbolos da sabedoria, como o Velocino de

ouro ou a caixa de beleza sobrenatural de Psique e simboliza a volta da princesa

9
 Psiquê, palavra que em grego tanto significa “borboleta” como “alma”, é representação do espírito, dos valores
subjetivos, da harmonia. Psique era uma mortal deslumbrante. A tal ponto que Vênus (Afrodite para os gregos),
sente-se enciumada. Por raiva e inveja, pois todas as homenagens eram para Psique, Vênus quer destruir a amada
do filho. ( Campbell, 1995, pág 100).
adormecida ao reino humano, onde as bênçãos alcançadas irão servir de renovação

para a comunidade, ou nação.

          As aventuras do herói se passam fora da terra nossa conhecida, na

região das trevas; ali ele completa a jornada, ou apenas se perde para nós,

aprisionado ou em perigo, sendo assim o seu retorno é sempre como uma volta do

além. Tendo diante de nós uma compreensão sobre mitos e símbolos, sabemos que

esses reinos (lugares) são na realidade um único reino. Só que o reino dos deuses é

uma dimensão esquecida do mundo que conhecemos.

          O sentido de toda façanha do herói, segundo palavras de Campbell

(1995), resume-se à exploração dessa dimensão, seja ela voluntária ou relutante.

Sua alma avança com ousadia quando descobre as bruxas convertidas em deusas e

os dragões em guardiões dos deuses.

                    “Ela abriu os olhos, despertou e olhou com amizade. Juntos,
                    desceram as escadas, e o rei, a rainha e toda a corte acordaram e
                    todos se entreolharam, com estupefação. E os cavalos da corte
                    levantaram-se e sacudiam-se; os cães de caça saltaram e abanaram
                    a cauda; os pombos do teto retiraram as cabecinhas debaixo das
                    asas, olharam à sua volta e voaram pelo campo; o assado voltou a
                    dourar; o fogo se reavivou na cozinha, aumentou e fez o
                    jantar”.(Grimm, nº 50, Apud Campbell, 1995, pág 236).


          Segundo Campbell (1995), o ciclo que descreve a jornada do herói não

envolve um trabalho de obtenção, mas de re-obtenção, não de descoberta, mas de

redescoberta. Os poderes divinos procurados ou perigosamente obtidos sempre

estiveram presentes no coração do herói.

          A partir do ponto de vista do autor, o herói simboliza a imagem redentora

e criadora, que se encontra escondida dentro de todos nós e apenas espera ser

conhecida e transformada em vida.
5.1.5 O Herói e o esporte

           A luta constante está no cerne do esporte, daí a popularidade de sua

representação. A luta esportiva é sempre capaz de funcionar como um catalisador

de emoções coletivas.

                       “Sem força, agressividade, batalha, luta, coragem e sólidas relações
                      com a força do princípio masculino e a harmonia do princípio
                      feminino, equipe alguma vencerá”.( Távola, 1985, pág 271)

           Para Artur da Távola (1985), o mito incluso no esporte, responsável por

sua popularidade mundial, inclui a expressão, o suplício, mergulhado no qual o

homem vive: a luta permanente da força com a harmonia. A vida é luta e harmonia

em permanente interação, desequilíbrio, nova interação, novos equilíbrios.

                       “Na força está Eros, impulso básico e potente de amor (normalmente
                      atletas transmudam-se em símbolos eróticos). Nele, está a
                      disposição, a saúde, a energia da ação, sem as quais não se vive. A
                      força (erótica) é condição da existência, o princípio masculino”.
                      (Távola, 1985, pág 273)

           A harmonia é o princípio ordenador da força, o que lhe dá inteligência,

sensibilidade, intuição, profundidade. Sem harmonia, a força se perde em atividade

estéril. É o princípio feminino. (Psiquê na mitologia une-se a Eros).

           Precisa-se do elemento ordenador, capaz de modelar o conjunto e utilizar

a força de cada jogador de maneira integrada, inteligente, harmônica.



                      “O espetáculo esportivo representa uma liturgia na qual são sagrados
                      dois mistérios: força e harmonia, elementos voláteis e difíceis de se
                      integrarem, sem os quais a vida se torna impossível, desbaratamento
                      ou inútil. Rituais que celebram os mistérios da existência terrena (os
                      mitos)”.(Távola, 1985, pág 274).


           O esporte torna-se desta forma um acontecimento que reúne

componentes capazes de traduzir as peripécias heróicas, seja através da
combinação de aspectos individuais e coletivos, sempre equilibrando e conciliando

elementos de natureza mítica.

                      “No plano individual de cada jogador, a necessidade de exaltar
                     virtudes individuais (virtude vem de “virtus” que também quer dizer
                     força); coragem; denodo; harmonia; intuição; capacidade de
                     resistência coloca o desporto na universalidade dos problemas,
                     simbolizados e o aproxima de uma religião leiga, universal, empática
                     e simbólica”.( Távola, 1985, pág 270).


          5.1.6 O herói e o Futebol

          “O futebol é por excelência a representação de uma das fases do desenvolvimento do
          herói, a mais dura: a da peripécia, etapa na qual se lança à aventura e enfrenta
          denodados desafios. Como símbolo social, o futebol é uma representação do todo, do
          geral de uma nação”.
                                                                         Artur da Távola

          Poucos espetáculos são tão catalisadores de emoções intensas, trágicas,

dramáticas ou heróicas quanto o futebol. É não só uma representação da vida, mas

principalmente da vida em sua fase heróica: é jogado por homens jovens (como os

guerreiros) e depende de bravura, valor, coragem, inteligência, técnica, táticas.

                     “O futebol mitologiza a vida por representar a vida no trabalho, da
                     regra, da lei, do conhecimento, do melhor preparo. Está presente a
                     operosidade, a defesa do território (ou da propriedade), através da
                     ação conjunta da comunidade (o time). Esta “comunidade” tem os
                     líderes, guerreiros, sacerdotes, defensores, artistas, teóricos,
                     pensadores. É um país, um clã, um grupo, uma visão do mundo”.
                     (Távola, 1985, pág 268)


          Artur da Távola (1985) afirma que o conjunto de regras e representações

transforma o futebol na forma lúdica de se viver alguns mitos contemporâneos, isto

é, vivência inconsciente comum. Um dos seus mitos inclusos, o do herói, (o craque),

vem de tempos imemoriais.

                     “O herói é a representação exaltada do homem na peripécia da vida.
                     Esta exige esforços para ser enfrentada e vencida. O futebol é,
                     portanto, a sagração (dionisíaca) contemporânea dos mitos de
                     ascensão, através da busca de equilíbrio entre força e harmonia. O
                     homem vive ânsias de transcender suas eternas e trágicas
                     limitações. Subir, alçar-se ao espaço, elevar-se ao alto, cume e
                     indicam impulsos considerados nobres pelo homem. Os mitos de
                     ascensão, elevação indicam a associação profunda entre superação,
crescimento, progresso, sublimação e a idéia do alto”.(Távola, 1985,
                    pág 268).

          Ainda segundo o autor, o elemento harmonia, embutido no futebol e

determinante direto de êxito de cada equipe, entra como regulador.

                    “Força sem harmonia é destrutiva. Força com harmonia (no sentido
                    profundo e amplo) é construtivo. Harmonia sem força é apenas uma
                    simetria ou decoração superficial da vida. O futebol precisa fundir os
                    dois, tanto no desempenho individual como coletivo”.(Távola, 1985,
                    pág 266)
5.2 O Arquétipo da Criança

           “O motivo da criança representa o aspecto pré-consciente da infância da alma coletiva. O
           exercício religioso, isto é, a repetição das palavras e do ritual do acontecimento mítico
           tem por isso a finalidade de trazer a imagem da infância e tudo o que a ela está ligado
           diante dos olhos da consciência, com o objetivo de não romper a conexão com o estado
           originário”
                                                                                       C. Jung


           Segundo Jung (2000), o motivo da criança representa não só algo que

existiu no passado, não apenas um vestígio, mas sim um sistema que funciona para

compensar ou corrigir as uniteralidades ou extravagâncias da consciência.

           A natureza da consciência é a de concentrar-se em poucos e

determinados conteúdos. A consciência é seletiva e eleva-se ao máximo grau de

clareza a tudo que beneficia interesses, objetivos e vantagens.

           Para Jung (2000), a conseqüência disto é a exclusão de outros

conteúdos,     também      passíveis     de    serem     conscientizados       e   o    crescente

fortalecimento da uniteralidade, desviando das leis e raízes do ser, contra os

próprios instintos.

           Por um lado, isso representa a possibilidade da liberdade humana, mas,

por outro lado, é a fonte de infindáveis agressões aos instintos.

                       “O homem primitivo se caracteriza pelo fato de estar mais próximo do
                       instinto, como o animal. Este indivíduo pode ser atrasado, enquanto
                       nós exaltamos o progresso. Porém, a valorização do progresso
                       possibilita, por um lado, uma quantidade das mais agradáveis
                       realizações do desejo, no entanto, por outro, acumula uma culpa
                       igualmente gigantesca, que exige de tempos em tempos uma
                       expiação em forma de catástrofes”.(Jung, 2000, pág 78).

           A    consciência       diferenciada       é    continuamente         ameaçada         de

desenraizamento, razão pela qual necessita de uma compensação através do

estado infantil ainda presente.
Jung (2000) afirma que a criança nasce do útero do inconsciente, gerada

no fundamento da natureza humana, ou melhor, da própria natureza viva.

              Segundo o que afirma o autor, este arquétipo é uma personificação de

forças vitais, que vão além do alcance limitado da consciência, dos nossos caminhos

e possibilidades, desconhecidos pela consciência e sua uniteralidade. É uma

inteireza e totalidade que abrange as profundidades da natureza.

                            “A criança representa o mais forte e inelutável impulso do ser, isto é,
                            o impulso de realizar-se a si mesmo. É uma possibilidade de ser de
                            outra forma, equiparada com todas as forças instintivas naturais”.
                            (Jung, 2000, pág 171).


              A ocorrência do motivo da criança, segundo palavras de Jung (2000),

significa uma antecipação de desenvolvimentos futuros, mesmo que pareça tratar-se

à primeira vista de uma configuração retrospectiva.

                            “Não admira, portanto, o fato de tantas vezes os salvadores míticos
                            serem crianças divinas, ou seja, isto corresponde exatamente à
                            experiências as quais mostram que a “criança” prepara uma futura
                            transformação da personalidade”. (Jung, 2000, 87)

              No processo de individuação10, este arquétipo antecipa uma figura

proveniente da síntese dos elementos conscientes e inconscientes da personalidade

ou um portador da salvação, um propiciador de completude. Devido a este

significado, o motivo da criança também é capaz de inúmeras transformações.

              Ele pode ser expresso, por exemplo, pelo redondo, pelo círculo ou esfera,

formas que tendem à totalidade.

              Jung (2000) afirma ser a criança, portanto, não apenas um ser do

começo, mas também um ser do fim.



1010
    Processo de desenvolvimento psíquico que leva ao conhecimento consciente de totalidade. A meta do
processo de individuação é a síntese do si-mesmo. Jung, 2000, pág 165.
O Si-mesmo constitui-se no centro, fonte de todas as imagens arquetípicas e de todas as tendências psíquicas
inatas para aquisição de estrutura, ordem e integração. Totalidade significa o sentido emergente de complexidade
e integridade psíquica que se desenvolve no transcurso de uma vida inteira. Murray Stein, 1998, pág 206.
“O ser do começo existiu antes do homem, e o ser do fim, depois
                           dele. Então, esta afirmação significa que a “criança” simboliza a
                           essência humana pré-consciente e pós-consciente. O seu ser pré-
                           consciente é o estado inconsciente da primeiríssima infância; o pós-
                           consciente é uma antecipação, por analogia, da vida além da morte”.
                           (Jung, 2000, pág 170)


             A partir desta idéia, se exprime a natureza abrangente da totalidade

anímica11. Esta, que nunca está contida no âmbito da consciência, mas inclui a

extensão do inconsciente, do indefinível e indefinido. A totalidade é uma dimensão

incomensurável, mais velha e mais nova do que a consciência, envolvendo-a no

tempo e no espaço.

                           “O processo da consciência não só é constantemente acompanhado,
                           mas também freqüentemente conduzido promovido e interrompido
                           por processos inconscientes. A vida anímica estava na criança ainda
                           antes de ela ter consciência”.(Jung, 2000, pág 178).


             5.2.1 A Função do Arquétipo

             Segundo Hollis (2005), a metáfora da criança é um processo arquetípico,

formativo. Como forma original, ela é a origem, o conceito, o padrão e o agente

padronizador, tudo ao mesmo tempo.

             Quando se pensa na criança como futuridade, possibilidade e agente

gerador, está aí reconhecido o fundamento arquetípico de nosso ser. No fim de tudo,

estamos torcendo pela possibilidade, pela renovação, apesar de toda experiência

histórica dizer o contrário. Sendo a vida renovação em face da morte e de toda

história, cada criança começa a “jornada” mais uma vez. “A criança, cada criança é

uma renovação potencial da raça humana, para melhor ou para pior”. (Hollis, 2005,

pág 47).

                           “Como princípio da futuridade, a criança é, muitas vezes, o precursor
                           do novo, a compensação da uniteralidade do passado. Lembre-se de

11
  Anímica palavra que se refere a anima ou animus, ou seja, imagens arquetípicas que formam um elo entre a
consciência do ego e o inconsciente coletivo, e abrem potencialmente um caminho para o si-mesmo. (Murray
Stein, 1998, pág 205).
Moisés, exposto ao perigo entre os juncos, Jesus Cristo fugindo do
                              massacre dos inocentes, Guatama escapando das lisonjas do
                              palácio agradável de seus pais, e muitos outros, sugerindo que a
                              criança chega carregando a nova revelação, ao mesmo tempo em
                              que é ameaçada pela velha ordem”.(Jung, 2000, pág 183).


                Hollis (2005) afirma que embora a criança possa sofrer um martírio ou

exaltação, valores formativos emergentes infundirão da cultura como uma nova

visão e energia restauradora.

                              “Em muitos mitos e religiões, valores rejeitados pelo coletivo são
                              carregados por gnomos, anões e outras pequenas criaturas. A
                              princípio, eles quase não são vistos pelo ego coletivo, mas eles
                              provam, em tempo, ser os portadores de valores que são
                              fundamentais para a cura de uma tribo, por exemplo. Muito
                              pequenos, eles muitas vezes provam ser maiores do que se
                              pensava”.(Hollis, 2005, pág 45).


                Ainda em Hollis (2005), a criança-deus é o agente do alargamento por

meio de uma reorientação de valores. Psicodinamicamente, o nascimento de fato

aconteceu no inconsciente, simbolizado pela escuridão, pela caverna, pela

manjedoura. Sendo assim, o Todo tem como destino a morte, assim como o

desenvolvimento.

                Os humanos são, na abordagem de Hollis (2005), nada além de uma das

coisas passageiras, fato esse que o ego nega ainda que ironicamente a ubiqüidade

múltipla da negação seja uma evidência do caráter extramaterial da psique.

                Porém, a psique é eterna e o ego12 é preso ao tempo. Segundo palavras

do autor, como parte da consciência, o ego é subjugado pelos horários, pelos

números finitos e pelos dias cada vez menores. Mas, a psique, como órgão da alma

é portador de todos, de tudo e nada ao mesmo tempo, da origem, do fim do

propósito.




12
     O centro da consciência, o eu. Murray Stein, 1998, pág 205.
“A noção de importância do arquétipo da criança sugere que o germe
                          da totalidade já se encontra na psique e, assim como a criança literal
                          é guiada por um plano de desenvolvimento genético, também a
                          psique revela a pessoa total por meio dessas insinuações da
                          futuridade da criança”. (Hollis, 2005, pág 49).


             Hollis (2005) diz que a criança, em sua unidade e pluralidade é um

símbolo desse mistério. Como símbolo da pluralidade, é necessário lembrar que não

temos uma criança única dentro de nós, mas uma multidão, um jardim de infância

virtual de energias, agendas e valores divergentes.

                          “Dentro de cada um de nós está a criança que se tornaria o herói que
                          irá depor o demônio das sombras. Todos experimentam a criança
                          perdida, a criança abandonada, porém poucas vezes lembramos que
                          tal separação é um requisito básico para o crescimento, para a
                          individuação”. (Hollis, 2005, pág 46)


             5.2.3 A jornada da Criança

             A criança é tudo o que é abandonado, exposto e ao mesmo tempo o divinamente
             poderoso, o começo insignificante e incerto e o fim triunfante. A “eterna criança” no
             homem é uma experiência indescritível, uma incongruência, uma desvantagem e uma
             prerrogativa divina, um imponderável que constitui o valor ou desvalor último de uma
             personalidade.
                                                                                       C. Jung

             O mitologema13 da criança é uma espiral. A jornada deste arquétipo se

inicia com um abandono, ou situação de perigo, desproteção. Porém, é a própria

situação de risco que se constitui como essencial para encontrar o caminho do

crescimento, das descobertas e grandes revelações. Assim como na jornada

heróica, há uma situação de declínio, seguida de uma ascensão resignificadora,

amplificadora da consciência, vencendo a escuridão.




13
  Um mitologema é um elemento ou tema isolado em qualquer mito. Os temas de ascensão ou declínio são
mitologemas. A busca do herói, por exemplo, reúne dois mitologemas: o herói e a busca, cada um dos quais
possui uma linhagem e um significado separados, e ao mesmo tempo engrandecem um ao outro. (Hollis, 2005,
pág 10)
5.2.4 O Abandono

              Em Jung (2000), o motivo da insignificância, de estar exposto, do

abandono, do perigo a que está sujeito o motivo da criança configura o início

insignificante, mas, por um lado pode significar o nascimento misterioso por outro.

              A criança nasce, então, de uma situação de conflito doloroso,

aparentemente sem saída – para a consciência14·.

                            “Desta colisão de opostos, a psique cria uma terceira instância de
                            natureza irracional, inesperada e incompreensível para a
                            consciência. São conteúdos que se apresentam sob formas que não
                            correspondem ao sim, nem ao não, sendo, portanto, “rejeitados”
                            pelos dois lados. A consciência desconhece aquilo que une os seus
                            opostos, normalmente o que está além dela mesma. Porém, como a
                            solução do conflito pela união dos opostos é de vital importância e
                            também desejada pela consciência, o pressentimento de criação
                            significativa abre caminho”. (Jung, 2000, pág 168).

              Jung (2000), afirma que conflito não é superado pela consciência pelo

fato dela estar presa aos opostos, e por este motivo necessita de um símbolo que

lhe mostre a exigência do desligamento da origem.

                            “Na medida em que o símbolo da “criança” fascina e se apodera do
                            inconsciente, seu efeito redentor “passa” à consciência e realiza a
                            saída da situação de conflito, que ela não era capaz. O símbolo é a
                            antecipação de um estado nascente de consciência”. (Jung, 2000,
                            pág 170)


              Para Jung (2000), o abandono (na consciência) é, pois uma condição

necessária, não apenas um fenômeno secundário. Este é o momento em que a

criança necessita desligar-se, afastar-se da origem como símbolo que mostre a

exigência deste desligamento para a consciência.

                            “A criança, um conteúdo que exerce sempre um efeito fascinante e
                            secreto sobre a consciência. A nova configuração é o vir a ser de
                            uma totalidade, isto é, está a caminho da totalidade, pelo menos na
                            medida em que ela excede em “inteireza” a consciência dilacerada


14
  Aqui, compreende-se a consciência como um espaço onde só cabem o sim ou não. Ela nada sabe além dos
opostos e por isso não reconhece aquilo que os une. O inconsciente, portanto, é quem se encarrega, através de
seus conteúdos “numinosos” e unificadores tornar-se capaz da união dos conteúdos conscientes, trazendo a
solução para os conflitos, também desejada pela consciência. (Jung, 2000, pág 168).
pelos opostos, superando-a por isso em completude.” (Jung, 2000,
                     pág 169).


          5.2.5 A Invencibilidade

          Segundo Jung (2000), o conteúdo “criança” pode parecer insignificante,

por um lado, desconhecida, “apenas” uma criança, mas por outro lado, ser divina.

São iluminadoras, são figuras amplificadoras da consciência.

                     “Não é raro encontrar figuras de crianças que são identificadas com
                     fatores que promovem a cultura, tais como o fogo, o trigo, o metal, o
                     milho. Como portadores de luz, essas figuras vencem a escuridão,
                     elevando e trazendo um novo saber à consciência atual”.(Jung, 2000,
                     pág 171)

          O que está presente em todos os mitos da criança é sempre o fato de

estar constantemente ameaçada pelo perigo de ser extinta, ignorada, mas

possuindo forças que ultrapassam a medida humana.

          Para Jung (2000), do ponto de vista da consciência, ela parece tratar-se

de um conteúdo insignificante, sem nenhum caráter libertador ou salvador.

          Para o autor, a consciência fica aprisionada em sua situação de conflito e

os poderes que se digladiam parecem ser tão grandes que o conteúdo “criança”

emerge isolado, sem nenhuma relação com os fatos que ocorrem na consciência.

“Ela não é notada, ficando então, sozinha e perdida, pois é um saber que elevado,

ultrapassa as fronteiras da consciência atual”. (Jung, 2000, pág 170)

          No entanto, este mito enfatiza que a criança é dotada de um poder

superior e que se impõe inesperadamente, apesar de todos os perigos. A “criança”

nasce do útero inconsciente, gerada no fundamento da natureza humana, ou

melhor, da própria natureza viva.

                     “O impulso e a compulsão da auto-realização é uma lei da natureza
                     e, por isso, tem uma força invencível, mesmo que o seu efeito seja
                     no início insignificante e improvável”. (Jung, 2000, pág 171).
Segundo Jung (2000), o fenômeno do nascimento da “criança” sempre

remete de novo a um estado psicológico originário do não conhecer, da escuridão ou

crepúsculo, da indiferenciação entre sujeito e objeto, da identificação inconsciente

de homem e mundo. Deste estado de indiferenciação, afirma Jung (2000), surge o

ovo dourado, o qual é tanto homem e mundo; no entanto não é nenhum dos dois,

mas um terceiro, irracional.
6.0 A Imagem

             6.1. Conceito de Imagem

             “A imagem desempenha uma função mediadora, é uma ponte entre o si-mesmo e o
             mundo, o si-mesmo e o outro, e até mesmo entre eu e mim mesmo”.
                                                                        James Hollis

             A noção de imaginário nos remete à teoria lacaniana, primeiro à relação

do sujeito com suas identificações formadoras, e segundo à relação do sujeito com o

real, cuja característica é ser ilusória.

             Segundo Lacan (1973), apud Jacques Aumont (1995) a palavra

“imaginário” deve ser tomada como estritamente ligada à imagem: as formações

imaginárias do sujeito são imagens, não só no sentido de que são intermediárias,

substitutas, mas também no sentido de que representam eventualmente imagens

materiais.

                         “O sujeito é efeito do simbólico, concedido ele mesmo com uma
                        rede de significantes que só adquirem sentido em suas relações
                        mútuas; mas a relação do sujeito com o simbólico não pode ser
                        direta, já que o simbólico, ao se constituir, escapa totalmente ao
                        sujeito. É por intermédio de formações imaginárias que se efetua
                        esta relação”. (Jaques Lacan (1973), apud Jacques Aumont (1995),
                        pág 75).

             Nestas afirmações de Lacan fica mais fácil entender a relação que o

imaginário e as imagens possuem com o terreno do real, representativas de

realidades concretas, mas também intermediárias, possibilitando a relação com o

simbólico.

             6.2 Função da imagem

             Segundo Jacques Aumont, (1995), em todas as sociedades, a maioria

das imagens foi produzida para certos fins (de propaganda, de informação,

religiosos, ideológicos em geral). Para ele, uma das razões essenciais para a

produção de imagens provém da vinculação da imagem em geral com o domínio do
simbólico, o que faz com que ela esteja em situação de “mediação” entre o

espectador e a realidade.

                      “O valor simbólico de uma imagem é, mais do que qualquer outro,
                      definido pragmaticamente pela aceitabilidade social dos símbolos
                      representados”. (Aumont, 1995, pág 79)


           Segundo Jacques Aumont, (1995), inicialmente, as imagens serviam de

símbolos; exatamente símbolos religiosos, vistos como capazes de dar acesso à

esfera do sagrado pela manifestação mais ou menos direta da presença divina.

           As primeiras esculturas gregas arcaicas eram ”ídolos”, produzidas e

veneradas como manifestações sensíveis da divindade, mesmo sendo essa

manifestação parcial e incomensurável para a própria divindade.

           Para ele, o espectador supre o não representado, as lacunas da

representação. Essa completação se dá em todos os níveis, do mais elementar ao

mais complexo.

           Para Jung (1987), apud Zilda Gorresio (2005), os arquétipos são

predisposições inerentes à estrutura da psique, como formas a priori, que nos dispõe

a imaginar, sentir, perceber.

           Assim concebido ele é uma virtualidade que ao se atualizar toma a forma

de imagem.

                      “Temos, assim a “imagem arquetípica”, que não pode ser confundida
                      com o arquétipo em si. Não temos acesso a ele, assim como ao
                      símbolo, propriamente dito, apenas podemos inferi-lo, a partir da
                      experiência psíquica, portanto tudo é vivenciado de forma imagética”.
                      (Jung (1987), apud Zilda Gorresio (2005), pág 155).

           Não se pode confundir as representações arquetípicas que nos são

transmitidas pelo inconsciente com o arquétipo em si. Para Jung (2000), o arquétipo

é uma forma básica, caracterizada por elementos formais e determinados
significados fundamentais. Ele põe no centro da vida psíquica o encontro de

determinadas imagens que se atualizam historicamente.

                     “O arquétipo possui um dinamismo que se faz sentir na
                     numinosidade e no poder fascinante da imagem arquetípica. A
                     realização e assimilação do impulso instintivo nunca ocorrem através
                     da absorção da esfera instintual, mas apenas da integração da
                     imagem que significa, e ao mesmo tempo, evoca o instinto”. (Jung,
                     1995, pág 100).


          As imagens arquetípicas são intensas e de características sobre-

humanas, de valoração energética qualitativa, e de caráter transpessoal.

          Ainda em Jung (1987), apud Zilda Gorresio (2005), estas imagens são a

visibilidade imaginativa do próprio inconsciente, o movimento da própria alma

(inconsciente coletivo) que se dá em forma de imagem, de maneira totalmente

autônoma. “A imagem parece conter uma direção instintiva a um destino, como se

profética e prognóstica” (Hillman, 1995, Apud Zilda Gorresio, 2005, pág 160).

          Jung (2000), afirma que aquilo que nos é dado a conhecer só é possível

através de imagens: assim como um espaço intermediário entre instinto e espírito. A

imagem, esse “espaço intermediário”, é uma realidade, sem a qual não se tem

acesso ao mundo interno, a não ser por meio de imagens.

          A imagem arquetípica se caracteriza como “primordial” quando ela possui

caráter arcaico, quando representa uma concordância explícita com motivos

mitológicos.

                     “Tudo o que experimentamos, seja o mundo das imagens ”externas”,
                     seja o mundo das imagens “internas”, dá-se pela via da psique como
                     representação”( Jung ( 1987) Apud Zilda Gorresio (2005), pág 24).
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Arquétipos na marca Nike

  • 1. UNIVERSIDADE SALVADOR- UNIFACS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS DA COMUNICAÇÃO PUBLICIDADE E PROPAGANDA MARYJANE ALELUIA OLIVEIRA O INCONSCIENTE COLETIVO, SUAS IMAGENS E ARQUÉTIPOS: UMA ABORDAGEM PARA ENTENDER AS IMAGENS DE MARCA Salvador 2007
  • 2. MARYJANE ALELUIA OLIVEIRA O INCONSCIENTE COLETIVO, SUAS IMAGENS E ARQUÉTIPOS: UMA ABORDAGEM PARA ENTENDER AS IMAGENS DE MARCA Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social-Publicidade e Propaganda-Universidade Salvador-Unifacs Orientador (a) Profa. Dra. Vanessa Brasil Campos Salvador 2007
  • 3. A Vanessa, professora amiga e conselheira. Professoras e terapeutas Sílzen e Margareth, pelas reflexões Jungianas.
  • 4. Reserva-se o nome do sábio apenas àquele cuja consideração é o fim do universo, fim esse que é também o início do universo. Eis o princípio básico de toda mitologia: o início no fim. São Tomás de Aquino
  • 5. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO........................................................................................ 1 2. OBJETIVOS............................................................................................ 5 3. JUSTIFICATIVA...................................................................................... 9 4. O MITO ................................................................................................. 10 4.1 O conceito de Mito..................................................................... 12 4.1.1 A experiência do ser com o saber mítico ................................ 12 4.1.2 Religião e Rito ........................................................................ 13 4.2 O mito e o símbolo .................................................................... 14 4.3 O mito e o Inconsciente ............................................................. 16 4.3.1 O Inconsciente coletivo e os Arquétipos ................................. 19 5. O ARQUÉTIPO ..................................................................................... 26 5.1 O conceito de Arquétipo ............................................................ 26 5.1.2 O arquétipo do Herói .............................................................. 27 5.1.3 A Função do Arquétipo ........................................................... 28 5.1.4 A jornada do Herói.................................................................. 29 5.1.5 O Herói e o esporte ................................................................ 34 5.1.6 O herói e o Futebol ................................................................. 36 5.2 O Arquétipo da Criança ............................................................. 38 5.2.1 A Função do Arquétipo ........................................................... 40 5.2.3 A jornada da Criança .............................................................. 43
  • 6. 6. A IMAGEM ........................................................................................... 46 6.1. Conceito de Imagem ................................................................ 46 6.2 Função da imagem .................................................................... 47 6.3 A imagem como recipiente ........................................................ 49 6.4 Imagem e sedução .................................................................... 51 7. O DISCURSO PUBLICITÁRIO ............................................................ 54 7.1 O comercial de TV ..................................................................... 54 7.2 O comercial sedutor .................................................................. 55 7.2.1 Metáfora delirante................................................................... 54 7.2.2 O espaço ................................................................................ 57 7.2.3 O traço psicótico ..................................................................... 58 7.2.4 O disfarce do gozo ................................................................. 59 7.2.5 O Fetiche ................................................................................ 60 8. AS MARCAS......................................................................................... 62 8.1 A marca ..................................................................................... 62 8.1.1 A imagem de marca ............................................................... 63 8.1.2 As identidades ........................................................................ 65 8.1.3 A experiência da marca .......................................................... 67 8.2 Arquétipos e Marcas .................................................................. 68 8.2.1 Nike, uma marca do Herói ...................................................... 71 8.2.2 A Estética do Esporte ............................................................. 72 8.3 As Marcas do Inocente .............................................................. 76
  • 7. 9. ESTUDO DE CASO Nike .................................................................... 81 9.1Metodologia ...................................................................................... 81 9.1.1 Hipóteses ...................................................................................... 82 9.2 Comerciais ....................................................................................... 83 9.2.1 Bem X Mal .................................................................................... 83 9.2.2 A Missão ..................................................................................... 106 9.2.3 A Jaula ........................................................................................ 137 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 153 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................... 158
  • 8. 1-INTRODUÇÃO As marcas fazem parte de nossa vida cotidiana tanto quanto o nosso local de trabalho e o nosso bairro. Estão, na verdade, entre as mais vibrantes expressões contemporâneas de desejos e motivações do ser humano, algumas até adotando papéis duradouros e consistentes na vida de quem participam ativamente. Elas estão plenas de significados, fazendo parte de nossa cultura pós- moderna, mas com muito ainda a ser descoberto e pesquisado. Por isso, dentre os papéis assumidos pelos profissionais de comunicação, está o de buscar ferramentas de conhecimento que possam tocar a fundo, investigar as transformações na natureza desses conteúdos tão poderosos e as conseqüências das suas utilizações, boas ou maléficas, para a garantia de sociedades saudáveis, inteligentes e responsáveis. O tema pretende abordar o consumidor como indivíduo dentro do que o motiva e o faz desejar uma idéia ou produto. Desejo, portanto que se relaciona à esfera humana e que se difere das necessidades primordiais tais como comer, acasalar, etc. Este trabalho poderá auxiliar os profissionais de comunicação em geral, a fim de ser aproveitado como ferramenta de pesquisa e análise sobre relações de consumo em nossa atualidade. Pretendemos traçar um esboço do que as marcas representam em nossas vidas cotidianas, utilizando para isso os estudos sobre os “Mitos”, os arquétipos e a natureza do inconsciente coletivo. A partir das análises sobre “Inconsciente Coletivo” e “Arquétipos”, baseados nos estudos de Freud e Jung, é possível descobrir uma série de inter- relações entre mais variadas formas da humanidade expressar sentimentos,
  • 9. percepções, realidades. Eles verificaram que os símbolos utilizados sempre revelavam pontos em comum, que podiam representar o psiquismo humano. Uma das hipóteses que norteia a abordagem do inconsciente coletivo e seus conteúdos, os arquétipos, como forma de oferecer novas análises sobre as imagens de marca pretende identificar a presença de arquétipos evocados na sua forma de comunicação, através da propaganda. Os elementos comparativos que a pesquisa se destina a descobrir e investigar também oferece aos profissionais da área a possibilidade de aumentar as percepções sobre o que pode mover o consumidor em direção às imagens de marca que os atraiam, a partir das descobertas e conhecimentos que a pesquisa traz sobre arquétipos, inconsciente coletivo e os mitos. O método de investigação utilizado para realizar esta abordagem será a pesquisa qualitativa. Através da modalidade Estudo de caso, serão utilizados como materiais para análise os comerciais de TV da marca Nike. A partir das inter-relações entre os enredos míticos e os enredos explorados pelos comerciais de TV da marca tornamos possível construir associações com o arquétipo do Herói e as imagens que o comercial de TV pode oferecer sobre ele seja através de seus recursos visuais e sonoros ou de contextuais e cênicos. Sendo assim, a pesquisa explora e analisa os recursos do comercial de TV e as imagens com as quais ele se comunica com seu espectador para evidenciar a existência de elementos da narrativa mítica, oferecendo à pesquisa uma abordagem onde a perspectiva do mito se coloca como ponto de partida para novas compreensões.
  • 10. Sejam em civilizações separadas por séculos, sejam em outras mais próximas, os arquétipos do que se denomina “Inconsciente coletivo” sempre estão presentes, embora sob diferentes formas. Neste inconsciente, o homem carrega dentro de si uma espécie de memória da humanidade, forma de guardar, no inconsciente, experiências ancestrais da espécie. São símbolos presentes nas diversas manifestações da mitologia, nos rituais religiosos, na pintura, signos gráficos, representativos em qualquer civilização e em qualquer tempo. “Expressar-se por meios simbólicos é a forma de as mentes individual e coletiva fazerem emergir ao consciente o que nelas jaz ou lateja em profundidade, oclusão, alcance, memória ancestral ou futura”.(Távola, Artur da 1985, pág 12). No entanto, nossa realidade contemporânea nos confronta com uma visível perda simbólica, um terreno cada vez mais anulado em detrimento das ideologias superficiais da nossa época. Isso fez com que se perdesse a ligação com os mitos, por exemplo. É comum ver como as nossas realidades instáveis fazem com que as pessoas se agarrem facilmente a idéias que ofereçam uma segurança e amenizem suas ansiedades. Diante disso, é possível perceber a angústia existencial de uma sociedade inteira, adeptas de ideologias tais como o hedonismo e o materialismo desenfreado funcionando como amortecedores, mas que só refletem os prejuízos que a falta simbólica acarreta. A perda ou negação simbólica de nossos tempos oferece terreno fértil ao terreno imaginário. E às suas imagens. Por isso, o que vemos é uma vivência ao nível da imagem e não do símbolo.
  • 11. Passamos de uma imagem para outra, vivendo porções fragmentadas de nossas vidas e realidades. Naturalmente, surgem numa velocidade cada vez maior, novas afetações e modismos de pensamentos, novas imagens amenizando a ansiedade de uma cultura inteira. As marcas, como expressões dos nossos cotidianos também se mostram como cenários desta realidade, onde o que se vê é uma projeção de imagens ocorrendo deliberadamente. Através da mensagem publicitária, ou comunicação em geral com seu público, elas tentam nos atrair para as rédeas do consumismo sem limites, utilizando-se das suas “imagens de marca” para fixar e vender mais do que produtos, mas sim atitudes que motivem cada vez mais seus consumidores e onde o imaginário é o terreno fértil para atrair cada vez mais os consumidores. Através das identidades que criam e veiculam, elas prometem experiências cada vez mais íntimas e subjetivas, pois desejam incentivar e aliar certos comportamentos ao consumo de seus produtos, uma vez que o receptor destas mensagens, normalmente os consumidores em geral sofrem suas influências e estão sujeitos a todo o momento à sua interação, por estarem em constante contato com estas mensagens. Cada vez mais, a publicidade deixa de fornecer apenas informação sobre os produtos da marca em detrimento das experiências e sensações que os comerciais tentam despertar em nós. Na tentativa de criar identificação com seus públicos, a comunicação das marcas e seus anúncios utilizam-se de discursos que pretendem oferecer “significado” às nossas vidas, dando ao discurso publicitário a possibilidade de assumir papéis na vida das pessoas, interferir e transformar as relações interpessoais.
  • 12. Sendo assim, o que se vê são cada vez mais consumidores projetando seus desejos, absorvendo e aceitando cada vez mais a idéia de que elas podem emprestar significado e preencher suas vidas, algo que se evidencia diante do distanciamento simbólico dos dias atuais. Ao incentivar experiências que remontam a narrativas e histórias dos grandes “heróis” mitológicos, por exemplo, a publicidade mostra ser um veículo, ou produto de nossa cultura, ou seja, algo capaz de projetar e afetar quem recebe seus conteúdos, os consumidores.
  • 13. 2.0 OBJETIVO A proposta norteadora deste trabalho é investigar as relações de consumo das imagens das marcas a partir de conhecimentos sobre os arquétipos e o inconsciente coletivo, permitindo assim conhecer o que move esse consumidor ao deparar-se com uma imagem de marca que o atrai. Através da identificação dessas figuras e imagens dentro da relação marcas e consumidores, será possível conhecer e explorar como a marca se relaciona aos arquétipos. Serão escolhidos para a análise de caso os comerciais da marca Nike, e durante a análise do material publicitário - os comerciais de TV, tornaremos possível identificar a presença do arquétipo do Herói bem como os diversos contextos míticos que o cercam. Pretendemos analisar essas imagens de marca a fim de suprir uma lacuna dentro da área de conhecimento ao proporcionar um estudo descritivo e detalhado sobre onde e como tornar possível um diálogo entre os dois conteúdos, arquétipos e marcas, trazendo novas percepções como pesquisadores.
  • 14. 3.0 Justificativa Dentre as razões que justificam a realização da pesquisa está a de abordar a ótica do consumidor e analisar as marcas e suas imagens não mais somente sob a ótica do grupo, mas sim em sua profundidade, dentro do âmbito da subjetividade. Acreditamos que é o momento de investigar o contexto do indivíduo, em especial este novo consumidor, imerso no imediatismo das identidades e na velocidade pela busca de informação. A abordagem trazida pelos arquétipos (formas preexistentes, coletivas, mitológicas) e o Inconsciente coletivo, utilizada pela psicologia Jungiana para compreender determinadas forças psíquicas geradas no inconsciente será utilizada no trabalho. Certamente, o contato com a pesquisa de Jung e de outros estudiosos de mitologia foi o que impulsionou a realização deste trabalho, tornando possíveis reflexões sobre fenômenos da atualidade. A escolha pela abordagem Jungiana neste trabalho se dá a partir da identificação da importância de resgatar os conhecimentos milenares das narrativas míticas e toda a riqueza simbólica e ritual de seus elementos, uma vez que não apenas Jung, mas outros pesquisadores e estudiosos que o antecederam também reconhecem a importância do mito como referência para compreensão de diversos fenômenos sociais, culturais e filosóficos em outras épocas. A análise desses contextos pode ajudar a ampliar e construir, sob a ótica dos temas do inconsciente analisados e discutidos por Jung e Freud em seus estudos, uma rede de associações entre elas e as identidades assumidas por marcas na busca pelo significado, utilizando os mitos, suas narrativas e elementos como cenários e referências de estudo.
  • 15. O trabalho anseia trazer à luz conceitos sobre a natureza do inconsciente e sua matriz psíquica assim como a formação das imagens simbólicas e dentro desse contexto analisar como as imagens de marcas se colocam neste terreno. A marca Nike foi escolhida para a análise de caso por ser um grande exemplo de consumo, especialmente da sua identidade. Ela tornou-se, ao longo dos anos um ícone, um modelo de comportamento em seu discurso do ser saudável, do heróico, que trava batalhas quase sempre vitoriosas na vida, no esporte, nos caminhos da superação e das glórias. A sua imagem de marca através da comunicação com seus clientes é um dos grandes sucessos de ideologias consumista e materialista em nossos dias. Sem dúvida, há outros exemplos como Coca-cola Company, Hollywood, entre outras. A partir da discussão e das análises sobre os arquétipos, o inconsciente coletivo e imagens é que será possível oferecer as interpretações sobre a sua identidade e o que há por trás dela. No entanto, o que justifica a razão de ser desta pesquisa não é entender a imagem de marca Nike. Ela apenas será abordada para exemplificar como os conceitos teóricos atingem uma realidade. A nossa intenção é oferecer, como pesquisadores, um diálogo entre os conceitos sobre os arquétipos (Psicologia profunda - Freud e Jung) refletidos em nossa realidade, em especial a de consumo de marcas. Mais do que falar sobre as imagens de marca, o trabalho objetiva uma reflexão sobre a perda ou desconexão com o terreno simbólico em detrimento das ideologias e formas de vidas fragmentadas, hedonistas e imediatas. As ideologias do consumo na qual estão imersas tais “imagens de marca” são apenas um aspecto desta realidade.
  • 16. 4. O Mito 4.1 . O conceito de Mito Mito (mýthos) quer dizer seqüência de palavras que têm um sentido, propósito, discurso. No livro Odisséia, (Homero, 1985, pág 300) o mito aparece associado a “épos” que designa palavra, forma. Ele nos dá ainda alguns significados: conteúdo de palavras, aviso, intenção. “Mas vem, senhor, escuta a minha palavra (épos), e meu dizer (mýthon), e vence a ira e o coração soberbo” (Homero, 1985, pág 300). Kerényi (1993) apud Zilda Gorresio (2005), define o mito como fundante da razão e do sentido da existência do homem. Não é ficção inventada para explicar o mundo, é bem mais que isso: ele é uma realidade que organiza a existência humana, eternizando o existir do homem. O conteúdo dos mitos é sempre referente às origens. É um traço básico nas mitologias retomar às origens. É através das histórias que falam das origens, de maneira simbólica, fala-se sobre o próprio ser, ou como diz a filosofia, sobre as archaí (princípios), isto é, aquilo a partir do que as coisas são, vieram a ser. Um mito, por exemplo, traz nele uma história que conta a partir de que poder todo o cosmo e todo nosso ser organizou-se e veio a ser. Para Kerényi (1993) mitologia é uma arte com dados materiais particulares. Existe para ele uma matéria especial que condiciona a arte da mitologia: é a soma de elementos antigos, transmitidos pela tradição, tratando de deuses e de seres divinos, de combates de heróis e de descidas aos infernos. A mitologia é um produto da função criativa e simbólica, própria da constituição humana que apreende o ser e suscita os mitos, logo, é ela mesma que deverá inspirar sua interpretação.
  • 17. Ainda em Kerényi (1993), mito é arte e como arte é algo capaz de exprimir-se por si mesmo. Tal com a arte, o mito fala sem a necessidade de ser explicado, pois o sentido que ele expõe já está nele compreendido. O pensamento mítico-arcaico tem outra forma de organização, portanto tem outra modalidade de coerência que não aquela que nomeamos racionalidade argumentativa, mas que se acomoda em uma perspectiva de conhecimento, em outra forma de obtenção de respostas. A mitologia, como se pode perceber não dá causas, razões explicativas, e não argumenta. É uma linguagem peculiar sobre fundamento, ela é “arché” da cultura. “Para os filósofos da Grécia antiga, as ”archaí” podem ser água, fogo, ou o apeíron, o “ilimitado”. Portanto, não são ”causas primeiras”, mas antes matérias primeiras, circunstâncias ou condições primeiras que sempre fazem tudo emanar delas. Assim são os acontecimentos míticos. Eles formam a base do mundo, já que tudo repousa sobre eles. São as “archaí” às quais se remetem cada um deles por si, em particular, e de onde ele emana imediatamente, numa antiga era, fora dos limites do tempo, um tempo que por sua ressurreição e suas repetições, evidencia-se imperecível”( Kerényi, 1993, pág 19 apud Zilda Gorresio, 2005, pág 56). Segundo Mircea Eliade (1994), o mito relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio. “O mito narra como uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto a narrativa de uma “criação”, relatando de que modo algo foi produzido e começou a ser. Os personagens dos mitos são os Entes sobrenaturais. Eles são conhecidos, sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos “primórdios”. É em razão das intervenções dos Entes sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural”.(Eliade, 1994, pág 11).
  • 18. 4.1.1 A experiência do ser com o saber mítico Para Mircea Eliade (1994), “viver” os mitos implica numa experiência verdadeiramente religiosa, pois ela se distingue da experiência ordinária da vida cotidiana. “A “religiosidade”, dessa experiência deve-se ao fato de que, ao reatualizar os eventos fabulosos, exaltantes, significativos, assiste-se novamente às obras criadas pelos Seres Sobrenaturais; deixa-se de existir no mundo de todos os dias e penetra-se num mundo transfigurado, auroral, onde os eventos míticos são reintegrados.” (Eliade, 1994, pág 20). Isso significa dizer que, ainda segundo Mircea Eliade (1994), o indivíduo deixa de viver no tempo cronológico, passando a viver no tempo primordial, no tempo em que o evento teve lugar pela primeira vez. “Ao recitar os mitos, a pessoa reintegra-se ao tempo fabuloso, e torna-se conseqüentemente contemporâneo, de certo modo, dos Deuses ou dos Heróis. Por isso, podemos falar no tempo “prodigioso” do mito, em que algo de novo, forte, significativo se manifestou plenamente. ”(Eliade, 1994, pág 20). Reviver esse tempo e reintegrá-lo o mais freqüentemente possível, reencontrar os entes sobrenaturais e reaprender a sua lição criadora é o desejo que se pode ler em todas as reiterações rituais do mito. 4.1.2 Religião e Rito Segundo Campos (1996), o conjunto de atitudes e atos pelos quais o homem se liga ao divino, aos seres invisíveis e sobrenaturais chamamos de Religião. A palavra, do latim religione possivelmente se prende ao verbo religare, ação de ligar, ligação, nó. Compõe eventos rememorados e reatualizados dos mitos.
  • 19. Ainda em Campos (1996), através do rito o homem se incorpora ao mito. Rito, portanto é o mito em ação. O mito rememora, o rito comemora. É o aspecto litúrgico do mito, transforma a palavra em verbo. “O rito abole o tempo profano e recupera o tempo sagrado do mito. Enquanto o tempo profano, cronológico, é linear e por isso irreversível, o tempo mítico, ritualizado, é circular, voltando-se para si mesmo.” (Campos, 1996, pág 8) Malinowski (1955) apud Mircea Eliade (1994), afirma que o mito não é uma explicação destinada a satisfazer uma curiosidade científica, mas uma narrativa que satisfaz a profundas necessidades religiosas, aspirações sociais, a pressões e a imperativos de ordem social, e mesmo a exigências práticas. “O tempo mítico é reversível e recuperável através dos atos rituais da comunidade que são a própria revivência do mito como revelação divina. O tempo mítico é também revelado no ato da aparição e da revelação da existência. É o tempo da revelação do que existe, de certo modo pode ser chamado do tempo da “Eternidade”, um tempo perenemente presente”.(Gorresio, 2005, pág 60). Nas civilizações primitivas, o mito desempenha uma função indispensável: ela exprime, enaltece e codifica a crença; salvaguarda e impõe os princípios morais; garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas para a orientação do homem. Portanto, o mito é um ingrediente vital da civilização humana; longe de ser uma fabulação vã, o mito é, ao contrário uma realidade viva, à qual se recorre incessantemente; não é absolutamente uma teoria abstrata ou fantasia artística, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática. “O conhecimento da realidade mítica revela ao homem o sentido dos atos rituais e morais, indicando-lhe o modo como deve ser executado” (Malinowski, 1955, pág 101, citado por Mircea Eliade, 1994, pág 30).
  • 20. 4.2 O mito e o símbolo [...] o mito é a abertura secreta através da qual as inexauríveis energias do cosmo penetram nas manifestações culturais humanas. As religiões, filosofias, artes, formas sociais do homem primitivo e histórico, descobertas fundamentais da ciência e da tecnologia e os próprios sonhos que nos povoam o sono surgem do círculo básico e mágico do mito. J. Campbell A etimologia de símbolo vem do grego sýmbolom, do verbo symbállein, “lançar com”, arremessar, ao mesmo tempo, “com –jogar”. Segundo Junito de Souza Brandão (1991), símbolo era um sinal de reconhecimento: um objeto dividido em duas partes, cujo confronto permitia aos portadores de cada uma das partes se reconhecerem. O símbolo é, pois, a expressão de um conceito de equivalência. Assim, para se atingir o mito, que se expressa através de símbolos, é preciso fazer uma equivalência, uma “com-jugação”, uma “re-união”, porque, se o signo é sempre menor que o conceito que representa, o símbolo representa sempre mais do que seu significado evidente e imediato. Em Gorresio (2005), ao abordar a linguagem dos mitos como simbólica, tomando a noção etimológica de sym + boulon, que quer dizer: jogados juntos retoma a etimologia do símbolo para dizer que seu significado não se encontra num signo verbal ou pictorial, mas é atestado pela “experiência de um sentimento” que um signo ou saber evoca, sendo esse sentimento evocado o que torna possível a compreensão do símbolo. Sem esse pressuposto, o símbolo é um signo morto. “Símbolo é o que vem inopinadamente das profundezas secretas da natureza, saltando aos olhos do homem como um presságio e impondo-se como uma coisa extraordinária” (Gusdorf, 1993, pág 779 apud Zilda Gorresio, 2005, pág 51). Para Gusdorf (1993) Apud Zilda Gorresio (2005) a anterioridade do símbolo, como linguagem do mito, funda-se sobre as profundezas secretas da
  • 21. natureza. Como sugere a expressão “salta os olhos” como revelação para o homem arcaico e apresenta-se como algo que sai da ordem do cotidiano, o extraordinário. Ainda sobre a perspectiva simbólica dos mitos, Gusdorf (1993) afirma que esses conteúdos nos abrem para o conhecimento de nós mesmos, ao conferir significado ao nosso existir, remetendo-nos ao mistério de nossa vida, pois no mistério experimentamos o sagrado. Para o autor, (1993) o mito não é uma informação qualquer, mas “une co- naissance”1, uma conjunção entre uma “e-vidência” de fora e uma “in-vidência” de dentro. Esse encontro produz um efeito de redobro, ressonância em eco no espaço de dentro. Daí, a impressão de des-velamento, abertura em abismo sobre as profundezas do ser, constitutivo da revelação. Para ele, mito e símbolo são palavras do Ser, chamados do absoluto no seio de um devir da realidade humana. Cassirer (1992) apud Zilda Gorresio (2005) pág 55, faz uma aproximação entre as formas de expressão humana, a arte, ciência, linguagem, mito ao concebê- las como formas diferentes da “apreensão do ser”, fazendo-nos reconhecer nestas manifestações um modo e tendências originais de expressão, que é algo mais que a mera estampa de algo dado em rígidas configurações do ser. Deste ponto de vista, o mito, a arte, a linguagem e a ciência aparecem como símbolos: não no sentido que designam, indicam e explicam um real existente, mas sim no sentido de que cada uma delas gera e parteja seu próprio mundo significativo. Neste domínio, apresenta-se um autodesdobramento do espírito, em virtude do qual só existe uma “realidade”, um ser organizado e definido. 1 Colocamos em francês, pois se traduzíssemos para o português perderíamos o sentido que o autor quer dar ao mito como co-nascimento, que a língua francesa permite. Gusdorf. Le Romantisme I e II. Payot & Rivages, Paris, 1993 Apud Zilda Gorresio, 2005, pág 51.
  • 22. 4.3 O mito e o Inconsciente “O sonho é o mito personalizado e o mito é o sonho despersonalizado; o mito e o sonho simbolizam, da mesma maneira geral, a dinâmica da psique”. J. Campbell Freud apud Campbell (1995) faz um paralelo entre certos aspectos da psicologia infantil e o mito de Édipo, cuja atuação “universalmente válida” – seria explicada por pressupostos infantis muito semelhantes. A fatídica distribuição infantil de impulsos de morte ( thanatos: destrudo) e amor ( Eros: libido) constitui o fundamento do complexo de Édipo, que Sigmund Freud apontou como grande causa do fracasso do adulto no sentido de comportar- se como ser racional. “O rei Édipo, que assassinou o pai, Laio, e desposou a mãe, Jocasta, nos mostra, tão somente, a realização dos nossos próprios desejos infantis. Todavia, mais afortunados do que ele, fomos bem sucedidos, na medida em que não nos tornamos psiconeuróticos, ao desvincular nossos impulsos sexuais de nossas [respectivas] mães e ao esquecer nosso ciúme em relação aos nossos [respectivos] pais”.(Campbell, 1995, pág 50 citando Freud). Freud foi um dos primeiros a basear-se nos estudos sobre mitologia grega para a criação da terminologia dos estados psíquicos, tendo como exemplo o Complexo de Édipo2. Este complexo revela-se como um fenômeno central do período sexual da primeira infância. “Embora a maior parte dos seres humanos passe pelo complexo de Édipo como uma experiência individual, ele constitui um fenômeno que é determinado e estabelecido pela hereditariedade e que está fadado a findar de acordo com as fases seguintes de desenvolvimento”. (Freud, 2006, pág 49) 2 O complexo de Édipo oferece à criança duas possibilidades de satisfação. Ela pode colocar-se no lugar de seu pai, à maneira masculina, e ter relações com a mãe, como tinha o pai, caso em que cedo teria sentido o último como um estorvo, ou poderia querer assumir o lugar da mãe e ser amada pelo pai, caso em que a mãe se tornaria supérflua. Acriança pode ter tido apenas noções muito vagas quanto ao que se constitui uma relação erótica satisfatória, mas certamente o pênis devia desempenhar uma parte nela, pois as sensações em seu próprio órgão são prova disso. Se a satisfação do amor no campo do complexo de Édipo deve custar à criança o pênis, está fadado a surgir um conflito entre seu interesse narcísico nessa parte do corpo e a libido por seus objetos parentais. Neste conflito, triunfa normalmente a primeira destas forças: o ego da criança volta as costas ao complexo de Édipo. (Freud, 2006, pág 197).
  • 23. Em Freud apud Campbell (1995), o inconsciente é exclusivamente de natureza pessoal, muito embora ele tenha sido precursor nas abordagens sobre formas de pensamento arcaico - mitológico do inconsciente. Em seus estudos posteriores, Freud modificou seu ponto de vista fundamental: a psique instintiva foi designada como id e o superego3 correspondem ao consciente coletivo, em parte consciente e em parte inconsciente (reprimido) pelo indivíduo. Segundo Freud (2006), a formação do ideal de ego é assumido e experimentado pelo ego em relação a si próprio como indivíduo. Devido à maneira pela qual o ideal de ego se forma, ele possui vínculos mais abundantes com a herança arcaica de cada indivíduo. “O que pertence à parte mais baixa da vida mental da vida mental de cada um de nós é transformado, mediante a formação do ideal no que é mais elevado na mente humana pela nossa escala de valores”. (Freud, 2006, pág 49). Para Jung (2000), há um laço indissolúvel que une o homem de todos os tempos ao homem da antiguidade, ou seja, o mito. O mito é compreendido por Jung como fundamento da psique e, além disso, passa a ser um firme ponto fixo fora de nossa cultura, a partir do qual é possível ganhar compreensão de seus fundamentos. O paralelo entre o pensar mitológico da antiguidade e a configuração onírica é facilmente evidenciável, quando comparamos os sonhos e os mitos. A partir da comparação dos mitos, dos sonhos e delírios que Jung e Freud foram levados a concluir que deveriam existir elementos constitutivos do psiquismo inconsciente, isto é, elementos dos mitos. 3 Enquanto que o ego é essencialmente representante do mundo externo, da realidade, o superego coloca-se, em contraste com ele, como representante do mundo interno, do id. Os conflitos entre o ego e o ideal, em última análise refletirão o contraste entre o que é real e o que é psíquico, entre o mundo externo e o mundo interno. O ideal de ego, (superego), responde a tudo o que é esperado da mais alta natureza do homem. Como substituto de um anseio pelo pai, ele contém o germe do qual todas as religiões evolveram. (Freud, 2006, pág 49).
  • 24. No sonho, verificam-se inúmeras conexões que podem ser postas em paralelo com associações de idéias mitológicas (ou muitas vezes eventualmente com certas criações poéticas, muitas vezes caracterizadas por tomarem emprestado seus motivos dos mitos, de modo nem sempre consciente). Segundo Hollis (1997), os sonhos são a rota íntima de saída da alma e constituem o processo de ligação com os elementos mitológicos em cada pessoa. A rica tessitura de detalhes, a “transgressão” da lei de tempo e espaço vigente na vigília, o poder de síntese de novas combinações, as abundantes alusões a experiências anteriores são aspectos conhecidos dos sonhos. “Em nosso sono, assim como em nossos sonhos, passamos por todo o pensamento da humanidade que veio antes de nós. Quero dizer, da mesma forma como raciocina em seus sonhos, o homem raciocinou, em estado desperto, há milhares de anos... O sonho nos faz retroceder a estados anteriores da cultura humana e nos fornece um meio de melhor compreendê-la” (Frederich Nietzsche, citado por Jung apud Campbell, 1995, pág 51). Eles nos vinculam de modo irremediável com o movimento de conteúdos enigmáticos, surpreendentes, num mundo de personagens e batalhas titânicas - ou seja, o próprio conteúdo dos mitos. 4.3.1 O Inconsciente coletivo e os Arquétipos Para Jung (2000), inconsciente é um campo transpessoal, misterioso e ilimitado, dotado de autonomia e carregado de numinosidade4. Matriz do ego (centro da consciência) e de todo conhecimento. O inconsciente é a esfera oculta e transcendente do ser, o abismo do ser, e por isso, só podemos perceber indiretamente seus efeitos e seus poderes. 4 Numinoso é um termo que vem do latim, numem- o medo, o terror, impacto energético e oracular de manifestação divina. Em latim, numem e deus são termos similares, mas numem sempre implica a manifestação da divindade em sua forma mais poderosa e profundamente comovente. A partir disso, Jung cunhou como substantivo, que chamou numinosidade, denotando atemorização, a característica que nos atinge e nos sacode até o âmago, sem considerar se a compreendemos ou não. ( Whitmont, 1969, pág 276 ).
  • 25. O inconsciente é autônomo, ou seja, não podemos controlá-lo, nem resistir a ele. Quando o homem experimenta certos poderes dos quais não se pode esquivar, nem tampouco modificar, dá a eles vários nomes, como deuses, Deus, demônio, daimôn, e sente que está diante de uma predestinação. “Deus e daimôn não são sinônimos de inconsciente, mas se aproximam quanto ao caráter da “insondabilidade” da experiência misteriosa e de perplexidade, e não quanto à reflexão do experimentado”. (Jung, 2000, pág 100). A psicologia emprega o termo inconsciente e admite que está diante da mesma grandeza de um “deus” ou de um “daimôn”, dos quais nada podemos afirmar diretamente. “Inconsciente é o que não se conhece, impossível de ser totalmente conhecido e esgotado pela consciência. É aquilo que, enquanto ignoto, confunde, perturba, fascina, ameaça toda busca de certeza, sendo hora salvífico, ora devastador”. (Zilda Gorresio, 2005, pág 131). Jung (2000) define, como uma camada mais ou menos superficial do inconsciente como pessoal. Nós a denominamos de inconsciente pessoal. Este é um inconsciente individual, que reage diferente e não é o mesmo do inconsciente coletivo. Este inconsciente encerra todos aqueles conteúdos psíquicos esquecidos no correr da vida, conserva traços desses conteúdos, mesmo depois que se perdeu qualquer lembrança consciente dos mesmos. Contém, portanto, complexos5 que pertencem ao indivíduo e formam parte essencial de sua vida. 5 Os conteúdos do inconsciente pessoal são principalmente os complexos de tonalidade emocional, que constituem a intimidade pessoal da vida anímica. Os complexos operam não apenas como conjuntos de tendências e impulsos interiores, mas também como expectativas, esperanças e medos concernentes ao comportamento externo das pessoas e dos objetos. A casca ou estrutura associativa com a qual o complexo nos confronta consiste na soma total do condicionamento ocorrido durante a infância em relação ao padrão instintal particular em questão, sempre apontando para experiências pessoais e é uma rede de associações emocionalmente carregadas, constituídas a partir da história e do condicionamento pessoais, agrupadas em torno de certas situações geradoras de afeto. Padrão autônomo de comportamento e emoção, constituinte do inconsciente pessoal. (Whitmont, 1969, pág 60).
  • 26. Este, porém, repousa sobre uma camada mais profunda, que já não tem sua origem em experiências e aquisições pessoais, sendo inata. Esta camada mais profunda é o que chamamos “inconsciente coletivo”. Coletivo porque esse inconsciente não é de natureza individual, mas universal, pois se refere a modos de comportamento que são os mesmos em todos os indivíduos. Em outros termos, ele é idêntico a si mesmo em todos os homens e constitui assim um fundamento psíquico universal de natureza suprapessoal presente em cada um. Desta forma, Jung introduz a noção do inconsciente coletivo como fundamento psíquico universal de todo ser humano. Segundo o autor, o homem possui muitas coisas que ele nunca adquiriu, mas herdou dos antepassados. Este homem traz consigo sistemas organizados e que estão prontos para funcionar numa forma especificamente humana; e isto se deve a milhões de anos de desenvolvimento humano. O autor faz uma ligação com as experiências narradas por alguns temas míticos, citando, por exemplo, situações humanas que existiram desde os primórdios: juventude e velhice, nascimento e morte, filhos e filhas, pais e mães, acasalamento, etc. Apenas a consciência individual experimenta estas coisas pela primeira vez, mas não o sistema inconsciente. Desta forma ele localiza o inconsciente como um sistema onde está presente o mito. “Da mesma forma como os instintos dos pássaros de migração e construção do ninho nunca foram aprendidos ou adquiridos individualmente, também o homem traz do berço o plano básico de sua natureza, não apenas de sua natureza individual, mas de sua natureza coletiva”. (Jung, 1992, citado por Zilda Gorresio, pág 130). Para o autor, o inconsciente coletivo pode ser compreendido como algo pré-ordenado à consciência individual, como os limites ocultos do ser humano
  • 27. apenas não revelados e que estão em aberto para virem a ser experimentados pela consciência individual. Ele constitui-se como somatória da experiência da humanidade, e uma existência virtual, vivente, atual, vibrante, plena de toda indeterminação, onde toda determinação e contorno individual se dissolvem. [...] O inconsciente coletivo é como um espaço sem limites, pleno de uma indeterminação espantosa, que parece não ter nem interior nem exterior, nem alto nem baixo, nem aqui nem lá, nem bem nem mal. Lá, eu estou ligado ao mundo numa ligação tão mais imediata que eu esqueço muito facilmente quem eu sou na realidade. É o mundo da água onde paira, suspenso, tudo o que é vivente, onde o eu é inseparável disso ou daquilo, onde sinto o outro em mim e o outro me sente enquanto sendo eu. (Jung, 2000, pág 45). Ainda em Jung (2000), o inconsciente coletivo traz a idéia de que entre a vida do grande todo e a vida humana existe uma relação de englobamento. Está aqui, implicada a idéia de um todo orgânico, de um grande sistema em que cada ser individual está mergulhado, é onde nos movemos, vivemos e temos nosso ser. “Este inconsciente coletivo reúne, assim, o indivíduo e o mundo. Mundo e indivíduo são partes de um só e mesmo Todo, isto é, todos os seres e a vida humana fazem parte de uma grande tessitura toda interligada. O inconsciente coletivo nos aparece como uma rede em que todas as formas de vida estão inter-relacionadas e em que os opostos se anulam.”( Jung, 2000, pág 47). Jung (2000) demonstra através das definições sobre o inconsciente coletivo a repetição de figuras e temas míticos e religiosos presentes em sonhos e delírios do homem moderno, em todas as culturas e épocas. Ele define ser este espaço, o inconsciente coletivo, onde se manifestam os conteúdos e contextos mitológicos, daí a importância do mito em sua pesquisa como uma referência para a descoberta destes fundamentos.
  • 28. O autor nomeou de inconsciente coletivo o fundamento psíquico universal de todo ser humano e à existência de disposições típicas do inconsciente, próprias do ser humano, deu o nome de arquétipos. O inconsciente coletivo e seus conteúdos, os arquétipos, dão vida a uma cadeia de conteúdos dotados de autonomia representativa. Suas expressões se encontram nos mitos, nas concepções religiosas e em todo artefato da cultura. Do grego arkhétypos, etimologicamente significa modelo primitivo, idéias inatas. A etimologia do termo deriva do grego, “arché” e “typos” que quer dizer “impressão original”. Fazendo referência aos mitos, esses conteúdos remontam a uma tradição, cuja idade é impossível determinar. Eles pertencem a um mundo do passado, primitivo, cujas exigências espirituais são semelhantes às que se observam entre culturas primitivas. Os arquétipos são possibilidades herdadas, sendo assim, formas a priori ou típicas de apreensão da realidade e de reação a ela, disposições inerentes à estrutura da psique. [...] “a maneira de como o homem retrata interiormente o mundo é, apesar de todas as diferenças de detalhes, tão uniforme e regular como seu comportamento instintivo. É precisamente a esse fator que eu chamo de arquétipo, que poderia muito bem ser descrita como a percepção do instinto de si mesmo ou como auto-retrato do instinto” (Jung, 1995, pág 277). O caráter mitológico do arquétipo pode ser inferido a partir da observação de temas míticos, quer nos sonhos, quer nos delírios do homem moderno, bem como em diferentes culturas, nas mais variadas épocas. A linguagem dos arquétipos, conteúdos do inconsciente coletivo, é mítico-arcaica. Para Junito de Souza Brandão (1991), os arquétipos são mais do que a matriz que forma os símbolos para estruturar a consciência. Eles são também a
  • 29. fonte que os alimenta. Por isso, os mitos, além de gerarem padrões de comportamento para vivermos criativamente, permanecem na história como marcos referenciais através dos quais a consciência pode voltar às raízes para se revigorar. Desta forma, o autor define o inconsciente coletivo como este ambiente ou matriz onde os conteúdos míticos são manifestos com objetivos de recriar, transformar e estruturar. “O Inconsciente é como um vasto oceano, com o ego flutuando sobre ele como um pequeno barco”. Então, quando vemos isto, surge a questão se estamos contidos no oceano [...] os peixes são unidades vivas no oceano; eles não são absolutamente como ele, mas estão contido nele;seus corpos, suas funções, estão maravilhosamente adaptados à natureza da água, a água e o peixe formam um “ continuum” vivente [...] quando aceitamos este ponto de vista temos que supor que a vida é realmente um “ continuum vivente” e destinado a ser como é, isto é, toda uma tessitura na qual as coisas vivem “com” ou “por meio” da outra. Assim, as árvores não podem existir sem animais, ou animais sem plantas, e talvez animais não possam viver sem o homem, ou o homem sem animais e plantas e assim por diante. E sendo a coisa inteira uma tessitura, não é de admirar que todas as partes funcionem juntas, porque são parte de um contínuo vivo” (Jung, 1995, pág 180) O inconsciente não é somente a origem da consciência, mas, também sua fonte permanente de reabastecimento. A interação do consciente com o inconsciente coletivo, através de símbolos, forma, então, um relacionamento dinâmico, extraordinariamente criativo. “A noite permite às plantas prepararem-se para cada novo dia e o sono descansa e reabastece o corpo, assim também, o Inconsciente renova a consciência. Das trevas fez-se luz, que através delas, se mantém. De noite, por meio dos sonhos; de dia, através da fantasia, os arquétipos produzem e revigoram os símbolos” (Brandão, 1991, pág 10).
  • 30. 5 O Arquétipo 5.1 Conceito de Arquétipo “Do inconsciente emanam influências determinantes, às quais, independentemente da tradição, conferem semelhança a cada indivíduo singular e até identidade de experiências, bem como da forma de representá-las imaginativamente. Uma das provas principais disso é o paralelismo quase universal dos motivos mitológicos, que denominei de arquétipos, devido à sua natureza primordial”. Carl Gustav Jung A expressão “Arquétipo” já era existente na Antiguidade, sinônimo de “idéia” no sentido platônico. A concepção de arquétipo é referente à idéia original de Platão, segundo o qual a “idéia” é como supraordenada e preexiste a todos os fenômenos. Em Platão (1990), apud Walter Boechat (1997) ao desenvolver seu sistema filosófico coloca sua “teoria das idéias” como ponto central, pois são essas idéias que representam o que há de eterno entre nós, e o mundo fenomenal nada mais é do que um reflexo desses arquétipos perfeitos e eternos. “No pensamento platônico, os deuses, ao invés de estarem totalmente fora da psiquê (mente), passam a integrá-la. Cabe ao homem ir em busca do centro divino, localizado no mais profundo de si mesmo”.( Platão, 1990, apud Walter Boechat, pág 30) Em Joseph Campbell (1995), arquétipos são formas de natureza coletiva que se manifestam praticamente em todo o mundo como constituintes dos mitos e, ao mesmo tempo, como produtos autóctones e individuais de origem inconsciente. Segundo Adolf Bastian (1895) apud Joseph Campbell (1995), essas idéias, “os arquétipos”, em seu caráter psíquico primordial, devem ser considerados “as idéias germinais de caráter espiritual (ou psíquico), a partir das quais toda estrutura social foi desenvolvida organicamente”. Em Franz Boas (1911) apud Joseph Campbell (1995), as características mentais do homem são as mesmas em todo o mundo. Além disso, certos padrões de idéias podem ser reconhecidos em qualquer lugar, em todos os tipos de cultura.
  • 31. Em Freud (1953), apud Campbell (1995), tal simbolismo não é peculiar aos sonhos, mas é característico da ideação inconsciente, notadamente entre o povo, é encontrado no folclore, nos mitos e lendas populares, na sabedoria proverbial, num grau mais completo do que nos sonhos. Segundo Emma Jung, (1996) resulta em que é, sobretudo um certo número de figuras típicas que emergem com freqüência por toda parte, como por exemplo, as figuras do herói, da grande mãe, do mago, do pai, do sábio, da criança etc. Jung as define como primordiais ou arquétipos, pois elas se tornaram idéias bem universais e atemporais. 5.1.2 O arquétipo do Herói Segundo Artur da Távola (1985), o mito é uma forma de conservar e significar um valor através de um símbolo ou de um metasímbolo, que expressa, amplia, antecipa, fixa, esclarece, oculta ou exalta o valor. É uma forma comunicativa e seu conteúdo é o que existe de mais verdadeiro na mente do homem. Por isso, o mito é uma verdade (da mente) que aparece às vezes sob imagem de exaltação, fabulação ou exagero. “O inconsciente nos envia toda espécie de fantasias, seres estranhos, terrores e imagens ilusórias à mente; o reino humano abarca, por baixo do solo da pequena habitação, comparativamente corriqueira, que denotamos consciência, insuspeitas cavernas de Aladim” (Campbell, 1995, pág 19). O mito do herói, para Artur da Távola (1985), é sempre a expressão externa desse valor porque simboliza o ser humano na aventura da vida. Ele é o centro dos acontecimentos por simbolizar o ser humano em sua etapa evolutiva. O herói significa o Homem diante de um mundo envolto pelo “mistério fundamental da vida”; por luzes e sombras de sua mente, forças e fraquezas de seus músculos.(Távola, 1985, pág 200).
  • 32. Segundo palavras do autor, o ser humano é o herói, alguém que ficou sozinho para enfrentar monstros e dragões, expressões simbólicas das ameaças físicas ou psíquicas que envolvem os homens diante de impulsos contraditórios do conhecimento; das paixões, sentimentos, virtudes, tentações, ascensões e quedas, diante da vida e sua complexidade. “O herói é um nome para designação de uma personificação de certa “energia” (arquetípica) e intencionalidade que está dentro de nós, embora possamos ter um acesso muito incerto a ela”. (Távola, 1985, pág 203). O Herói é uma constante em todas as civilizações, tribos, sociedades ou culturas. Dos grupos mais primitivos às complexas engrenagens da sociedade industrial, a figura do herói sempre foi uma representação constante, um símbolo, uma necessidade. 5.1.3 A Função do Arquétipo As experiências com as narrativas heróicas nos ligam a experiências que vieram antes de nós, de modo que sempre podemos aprender algo a respeito da essência do significado do ser humano. Ainda em Artur da Távola (1985), este arquétipo constitui-se como imemorial, uma vez que nos une a pessoas de todas as épocas e lugares, e tem a função de nos impulsionar através dos limites do conhecido para enfrentar o desconhecido. O herói é a representação exaltada do homem na “peripécia” da vida. Esta exige esforços vultosos para ser enfrentada e vencida, daí surge o herói como aspiração central de todas as culturas. “O herói é a própria expressão da aventura da vida: emerge da estrutura mais profunda do determinismo do desenvolvimento individual inerente ao ato de crescer. Pertence à espécie, como padrão básico representativo de etapa do crescimento”. (Távola, 1985, pág 355).
  • 33. Artur da Távola (1985) afirma que figura do herói pode representar, de maneira simbólica, as necessidades de afirmação do ego individual. No seu processo de crescimento e desenvolvimento, cada pessoa precisa fortalecer o “eu” consciente, o que em linguagem corrente se convencionou chamar de personalidade e caráter. “Até chegar à maturidade, a formação da “personalidade” é algo repleto de inseguranças, defesas, incertezas, razão pela qual precisamos de símbolos fortes, com os quais se identifique, para compensar as sensações de desvalia e insegurança implicadas no ato de crescer”. ( Távola, 1985, pág 330). O Herói é a representação simbólica da forma de crescer, evoluir, enfrentar desafios, preparar-se para embates, dificuldades, trombadas, peripécias, ameaças. 5.1.4 A jornada do Herói Em Campbell (1995), o percurso padrão da aventura mitológica do herói é similar à fórmula representada nos rituais de passagem: separação-iniciação- retorno- que pode ser considerada a unidade nuclear do monomito·. A aventura do herói costuma seguir o padrão da unidade nuclear: um afastamento do mundo, depois a penetração em alguma fonte de poder e um retorno enriquece a vida. O chamado da aventura: O herói sofre ameaças de forças externas, desconhecidas (uma sombra, um obstáculo). “O emissário ou agente que anuncia a aventura costuma ser sombrio, repugnante, aterrorizador, considerado maléfico pelo mundo; o arauto pode ser um animal (comum nos contos de fada), ou figuras misteriosas, cobertas por um véu-o desconhecido”.(Campbell, 1995, pág 59). Há uma atmosfera de irresistível fascínio em torno da figura que aparece subitamente como guia, marcando um novo período, um novo estágio da biografia. O elemento que tem de ser encarado, e que de alguma forma, é profundamente
  • 34. familiar ao inconsciente, apesar de desconhecido para a personalidade “consciente” - se dá a conhecer. “O chamado da aventura significa que o destino convocou o herói e transferiu-lhe para o centro da gravidade do seio da sociedade para uma região desconhecida. Ela pode aparecer de várias formas, assim como os arautos. Uma terra distante, uma floresta, um reino subterrâneo, uma ilha secreta. É sempre um lugar habitado por seres estranhamente fluidos e polimorfos, façanhas sobre-humanas, delícias impossíveis. Os exemplos podem vir multiplicados, vir de todos os cantos do planeta”. (Campbell, 1995, pág 61). Na história do Rei Arthur6, enquanto se preparava com muitos cavaleiros para a caça. “Tão logo chegou à floresta, o rei viu um grande cervo. Caçarei este cervo, disse o rei Artur, e ato contínuo, esporeou o cavalo com tal fúria, e cavalgou com tal velocidade, que praticamente conseguiu, pela força, alcançar o cervo. E o rei viu o cervo escondido e seu cavalo, morto; E ali, sentado, o rei se pôs em profunda reflexão”. ((Campbell, 1995, pág 62) Outro exemplo desta fase do percurso da jornada do herói pede ser descrita em um sonho de um jovem que busca uma nova orientação do mundo7. “Estou numa pradaria verdejante em que vários carneiros estão pastando. É a terra dos carneiros. Na terra dos carneiros, uma desconhecida, de pé, aponta o caminho”. (Campbell, 1995, pág 65). A recusa ou negação a este chamado não é uma constante, mas ela existe e faz parte desta etapa. Porém, a recusa converte a aventura em sua contraparte negativa. Aprisionado pelo tédio, pelo trabalho duro ou pela própria “cultura”, o sujeito perde o poder da ação afirmativa dotada de significado e se transforma numa vítima a ser salva. O indivíduo deixa de fazer parte, como unidade e divide-se entre 6 A perseguição do cervo e a visão da “fera que late como cães de caça em perseguição” marca o início dos mistérios associados à busca do Santo Graal. (Campbell, 1995, pág 62). 7 C. G. JUNG, Psychology and Alchemy, Collected Works, vol 12, New York e Londres, 1953, parágrafos 71 e 73. Apud Campbell, 1995, pág 96.
  • 35. si, dominado pelo medo, alerta contra tudo, refém de impulsos de aquisição do seu íntimo. Em Joseph Campbell (1995), na história do Rei Minos8, que manteve consigo o touro divino, não atendendo à vontade divina, ele, o rei, prefere aquilo que considera a vantagem econômica se assemelha à recusa do chamado. “Apesar de ter construído, com esforços titânicos um renomado império, qualquer que seja a casa por ele construída será um labirinto de paredes ciclópicas construído para esconder dele o próprio Minotauro”. ( Campbell, 1995, pág 91) Assim, ele fracassou na assunção do papel que lhe cabia à vida. Cometendo o sacrilégio de recusar o ritual, Minos representa um impulso do auto- engrandecimento egocêntrico, aproxima-se então, de sua desintegração. Desta forma, a própria divindade tornou-se o seu terror. A iniciação: Também conhecida como a etapa das “peripécias”. É a provação, fase na qual enfrenta terríveis monstros, as injustiças, o terror. “Ele, o herói, é atingido, combalido, ameaça morrer, tudo parece perdido, há tentações, humilhações, tocaias. Nesta etapa, há a penetração em um mundo de forças desconhecidas e este as enfrenta. Ela, sem dúvida é o miolo de todas as narrativas. Nela, está a ação, a emoção, o despertar dos sentimentos de justiça, solidariedade, valor, remorso, grandeza, recuperação. É a luta por amadurecer”.( Távola, 1985, pág 370). Nesta etapa, o herói é auxiliado, de forma encoberta, pelo conselho, por amuletos e por agentes secretos do auxiliar sobrenatural. As mitologias mais elevadas desenvolvem o papel na grande figura do guia, do mestre, barqueiro, do condutor da jornada. 8 Conta-se a história do Rei Minos, rei da ilha-império de Creta no período de sua supremacia comercial. Ele contrata Dédalo, um celebrado artista para construir um labirinto. Antes de se tornar rei, pediu ao deus que enviasse um touro do mar, como sinal. Em troca, oferecia o animal em sacrifício imediatamente, como oferenda e símbolo de submissão. Quando se dá conta da majestade da besta que havia sido enviada, decidiu ficar com ela, pensando que seria vantajoso possuí-la e o aprisiona em um impressionante labirinto. (Campbell, 1995, pág 90)
  • 36. No mito de Psiquê e Eros, Apud Campbell (1995)9, temos um exemplo do motivo “das tarefas difíceis”, empreendidas por ela na busca do amante perdido. Neste caso, ao invés do amado conquistar a noiva, cabe a esta fazê-lo. Ao invés de um pai cruel que subtrai a filha ao amante, há uma mãe ciumenta, Afrodite ou (Vênus), que oculta o filho Eros ou (Cupido) da noiva. Segundo palavras de Campbell (1995), quando Psiquê apela a Vênus, a deusa a toma violentamente pelos cabelos e atira-lhe a cabeça ao solo; em seguida, misturou uma grande quantidade de trigo, cevada, painço, sementes de papoula, ervilha, feijões, formando com eles uma pilha, e ordenou à moça que os separasse antes de anoitecer. “A moça foi auxiliada por um batalhão de formigas. A deusa, então ordenou que colhesse o Velocino de Ouro de uma certa espécie de carneiro selvagem, de chifres afiados e mordida venenosa, que habitava um vale inacessível numa perigosa floresta”. Um junco verde lhe ensina a colher os fios de lã que os carneiros deixavam à sua passagem. Exigiu depois, um cântaro de água de uma fonte enregalante, situada no topo de uma altíssima montanha guardada por dragões que nunca dormiam. Uma águia se aproxima e ajuda psique. Por fim, foi ordenado que trouxesse do abismo do mundo, uma caixa de beleza sobrenatural. Mas uma alta torre lhe disse como descer ao mundo inferior e a incentivou a seguir”. (Campbell, 1995, pág 102) Regresso: É a etapa final. Provado e temperado na luta (isto é, amadurecido, tratado, curado, vivido, menos onipotente, vencedor da batalha dura e terrível da existência) o herói regressa, renasce, iluminado, senhor do tesouro da vida. Para Campbell (1995), o círculo completo, a norma do monomito, requer que o herói inicie o trabalho de trazer os símbolos da sabedoria, como o Velocino de ouro ou a caixa de beleza sobrenatural de Psique e simboliza a volta da princesa 9 Psiquê, palavra que em grego tanto significa “borboleta” como “alma”, é representação do espírito, dos valores subjetivos, da harmonia. Psique era uma mortal deslumbrante. A tal ponto que Vênus (Afrodite para os gregos), sente-se enciumada. Por raiva e inveja, pois todas as homenagens eram para Psique, Vênus quer destruir a amada do filho. ( Campbell, 1995, pág 100).
  • 37. adormecida ao reino humano, onde as bênçãos alcançadas irão servir de renovação para a comunidade, ou nação. As aventuras do herói se passam fora da terra nossa conhecida, na região das trevas; ali ele completa a jornada, ou apenas se perde para nós, aprisionado ou em perigo, sendo assim o seu retorno é sempre como uma volta do além. Tendo diante de nós uma compreensão sobre mitos e símbolos, sabemos que esses reinos (lugares) são na realidade um único reino. Só que o reino dos deuses é uma dimensão esquecida do mundo que conhecemos. O sentido de toda façanha do herói, segundo palavras de Campbell (1995), resume-se à exploração dessa dimensão, seja ela voluntária ou relutante. Sua alma avança com ousadia quando descobre as bruxas convertidas em deusas e os dragões em guardiões dos deuses. “Ela abriu os olhos, despertou e olhou com amizade. Juntos, desceram as escadas, e o rei, a rainha e toda a corte acordaram e todos se entreolharam, com estupefação. E os cavalos da corte levantaram-se e sacudiam-se; os cães de caça saltaram e abanaram a cauda; os pombos do teto retiraram as cabecinhas debaixo das asas, olharam à sua volta e voaram pelo campo; o assado voltou a dourar; o fogo se reavivou na cozinha, aumentou e fez o jantar”.(Grimm, nº 50, Apud Campbell, 1995, pág 236). Segundo Campbell (1995), o ciclo que descreve a jornada do herói não envolve um trabalho de obtenção, mas de re-obtenção, não de descoberta, mas de redescoberta. Os poderes divinos procurados ou perigosamente obtidos sempre estiveram presentes no coração do herói. A partir do ponto de vista do autor, o herói simboliza a imagem redentora e criadora, que se encontra escondida dentro de todos nós e apenas espera ser conhecida e transformada em vida.
  • 38. 5.1.5 O Herói e o esporte A luta constante está no cerne do esporte, daí a popularidade de sua representação. A luta esportiva é sempre capaz de funcionar como um catalisador de emoções coletivas. “Sem força, agressividade, batalha, luta, coragem e sólidas relações com a força do princípio masculino e a harmonia do princípio feminino, equipe alguma vencerá”.( Távola, 1985, pág 271) Para Artur da Távola (1985), o mito incluso no esporte, responsável por sua popularidade mundial, inclui a expressão, o suplício, mergulhado no qual o homem vive: a luta permanente da força com a harmonia. A vida é luta e harmonia em permanente interação, desequilíbrio, nova interação, novos equilíbrios. “Na força está Eros, impulso básico e potente de amor (normalmente atletas transmudam-se em símbolos eróticos). Nele, está a disposição, a saúde, a energia da ação, sem as quais não se vive. A força (erótica) é condição da existência, o princípio masculino”. (Távola, 1985, pág 273) A harmonia é o princípio ordenador da força, o que lhe dá inteligência, sensibilidade, intuição, profundidade. Sem harmonia, a força se perde em atividade estéril. É o princípio feminino. (Psiquê na mitologia une-se a Eros). Precisa-se do elemento ordenador, capaz de modelar o conjunto e utilizar a força de cada jogador de maneira integrada, inteligente, harmônica. “O espetáculo esportivo representa uma liturgia na qual são sagrados dois mistérios: força e harmonia, elementos voláteis e difíceis de se integrarem, sem os quais a vida se torna impossível, desbaratamento ou inútil. Rituais que celebram os mistérios da existência terrena (os mitos)”.(Távola, 1985, pág 274). O esporte torna-se desta forma um acontecimento que reúne componentes capazes de traduzir as peripécias heróicas, seja através da
  • 39. combinação de aspectos individuais e coletivos, sempre equilibrando e conciliando elementos de natureza mítica. “No plano individual de cada jogador, a necessidade de exaltar virtudes individuais (virtude vem de “virtus” que também quer dizer força); coragem; denodo; harmonia; intuição; capacidade de resistência coloca o desporto na universalidade dos problemas, simbolizados e o aproxima de uma religião leiga, universal, empática e simbólica”.( Távola, 1985, pág 270). 5.1.6 O herói e o Futebol “O futebol é por excelência a representação de uma das fases do desenvolvimento do herói, a mais dura: a da peripécia, etapa na qual se lança à aventura e enfrenta denodados desafios. Como símbolo social, o futebol é uma representação do todo, do geral de uma nação”. Artur da Távola Poucos espetáculos são tão catalisadores de emoções intensas, trágicas, dramáticas ou heróicas quanto o futebol. É não só uma representação da vida, mas principalmente da vida em sua fase heróica: é jogado por homens jovens (como os guerreiros) e depende de bravura, valor, coragem, inteligência, técnica, táticas. “O futebol mitologiza a vida por representar a vida no trabalho, da regra, da lei, do conhecimento, do melhor preparo. Está presente a operosidade, a defesa do território (ou da propriedade), através da ação conjunta da comunidade (o time). Esta “comunidade” tem os líderes, guerreiros, sacerdotes, defensores, artistas, teóricos, pensadores. É um país, um clã, um grupo, uma visão do mundo”. (Távola, 1985, pág 268) Artur da Távola (1985) afirma que o conjunto de regras e representações transforma o futebol na forma lúdica de se viver alguns mitos contemporâneos, isto é, vivência inconsciente comum. Um dos seus mitos inclusos, o do herói, (o craque), vem de tempos imemoriais. “O herói é a representação exaltada do homem na peripécia da vida. Esta exige esforços para ser enfrentada e vencida. O futebol é, portanto, a sagração (dionisíaca) contemporânea dos mitos de ascensão, através da busca de equilíbrio entre força e harmonia. O homem vive ânsias de transcender suas eternas e trágicas limitações. Subir, alçar-se ao espaço, elevar-se ao alto, cume e indicam impulsos considerados nobres pelo homem. Os mitos de ascensão, elevação indicam a associação profunda entre superação,
  • 40. crescimento, progresso, sublimação e a idéia do alto”.(Távola, 1985, pág 268). Ainda segundo o autor, o elemento harmonia, embutido no futebol e determinante direto de êxito de cada equipe, entra como regulador. “Força sem harmonia é destrutiva. Força com harmonia (no sentido profundo e amplo) é construtivo. Harmonia sem força é apenas uma simetria ou decoração superficial da vida. O futebol precisa fundir os dois, tanto no desempenho individual como coletivo”.(Távola, 1985, pág 266)
  • 41. 5.2 O Arquétipo da Criança “O motivo da criança representa o aspecto pré-consciente da infância da alma coletiva. O exercício religioso, isto é, a repetição das palavras e do ritual do acontecimento mítico tem por isso a finalidade de trazer a imagem da infância e tudo o que a ela está ligado diante dos olhos da consciência, com o objetivo de não romper a conexão com o estado originário” C. Jung Segundo Jung (2000), o motivo da criança representa não só algo que existiu no passado, não apenas um vestígio, mas sim um sistema que funciona para compensar ou corrigir as uniteralidades ou extravagâncias da consciência. A natureza da consciência é a de concentrar-se em poucos e determinados conteúdos. A consciência é seletiva e eleva-se ao máximo grau de clareza a tudo que beneficia interesses, objetivos e vantagens. Para Jung (2000), a conseqüência disto é a exclusão de outros conteúdos, também passíveis de serem conscientizados e o crescente fortalecimento da uniteralidade, desviando das leis e raízes do ser, contra os próprios instintos. Por um lado, isso representa a possibilidade da liberdade humana, mas, por outro lado, é a fonte de infindáveis agressões aos instintos. “O homem primitivo se caracteriza pelo fato de estar mais próximo do instinto, como o animal. Este indivíduo pode ser atrasado, enquanto nós exaltamos o progresso. Porém, a valorização do progresso possibilita, por um lado, uma quantidade das mais agradáveis realizações do desejo, no entanto, por outro, acumula uma culpa igualmente gigantesca, que exige de tempos em tempos uma expiação em forma de catástrofes”.(Jung, 2000, pág 78). A consciência diferenciada é continuamente ameaçada de desenraizamento, razão pela qual necessita de uma compensação através do estado infantil ainda presente.
  • 42. Jung (2000) afirma que a criança nasce do útero do inconsciente, gerada no fundamento da natureza humana, ou melhor, da própria natureza viva. Segundo o que afirma o autor, este arquétipo é uma personificação de forças vitais, que vão além do alcance limitado da consciência, dos nossos caminhos e possibilidades, desconhecidos pela consciência e sua uniteralidade. É uma inteireza e totalidade que abrange as profundidades da natureza. “A criança representa o mais forte e inelutável impulso do ser, isto é, o impulso de realizar-se a si mesmo. É uma possibilidade de ser de outra forma, equiparada com todas as forças instintivas naturais”. (Jung, 2000, pág 171). A ocorrência do motivo da criança, segundo palavras de Jung (2000), significa uma antecipação de desenvolvimentos futuros, mesmo que pareça tratar-se à primeira vista de uma configuração retrospectiva. “Não admira, portanto, o fato de tantas vezes os salvadores míticos serem crianças divinas, ou seja, isto corresponde exatamente à experiências as quais mostram que a “criança” prepara uma futura transformação da personalidade”. (Jung, 2000, 87) No processo de individuação10, este arquétipo antecipa uma figura proveniente da síntese dos elementos conscientes e inconscientes da personalidade ou um portador da salvação, um propiciador de completude. Devido a este significado, o motivo da criança também é capaz de inúmeras transformações. Ele pode ser expresso, por exemplo, pelo redondo, pelo círculo ou esfera, formas que tendem à totalidade. Jung (2000) afirma ser a criança, portanto, não apenas um ser do começo, mas também um ser do fim. 1010 Processo de desenvolvimento psíquico que leva ao conhecimento consciente de totalidade. A meta do processo de individuação é a síntese do si-mesmo. Jung, 2000, pág 165. O Si-mesmo constitui-se no centro, fonte de todas as imagens arquetípicas e de todas as tendências psíquicas inatas para aquisição de estrutura, ordem e integração. Totalidade significa o sentido emergente de complexidade e integridade psíquica que se desenvolve no transcurso de uma vida inteira. Murray Stein, 1998, pág 206.
  • 43. “O ser do começo existiu antes do homem, e o ser do fim, depois dele. Então, esta afirmação significa que a “criança” simboliza a essência humana pré-consciente e pós-consciente. O seu ser pré- consciente é o estado inconsciente da primeiríssima infância; o pós- consciente é uma antecipação, por analogia, da vida além da morte”. (Jung, 2000, pág 170) A partir desta idéia, se exprime a natureza abrangente da totalidade anímica11. Esta, que nunca está contida no âmbito da consciência, mas inclui a extensão do inconsciente, do indefinível e indefinido. A totalidade é uma dimensão incomensurável, mais velha e mais nova do que a consciência, envolvendo-a no tempo e no espaço. “O processo da consciência não só é constantemente acompanhado, mas também freqüentemente conduzido promovido e interrompido por processos inconscientes. A vida anímica estava na criança ainda antes de ela ter consciência”.(Jung, 2000, pág 178). 5.2.1 A Função do Arquétipo Segundo Hollis (2005), a metáfora da criança é um processo arquetípico, formativo. Como forma original, ela é a origem, o conceito, o padrão e o agente padronizador, tudo ao mesmo tempo. Quando se pensa na criança como futuridade, possibilidade e agente gerador, está aí reconhecido o fundamento arquetípico de nosso ser. No fim de tudo, estamos torcendo pela possibilidade, pela renovação, apesar de toda experiência histórica dizer o contrário. Sendo a vida renovação em face da morte e de toda história, cada criança começa a “jornada” mais uma vez. “A criança, cada criança é uma renovação potencial da raça humana, para melhor ou para pior”. (Hollis, 2005, pág 47). “Como princípio da futuridade, a criança é, muitas vezes, o precursor do novo, a compensação da uniteralidade do passado. Lembre-se de 11 Anímica palavra que se refere a anima ou animus, ou seja, imagens arquetípicas que formam um elo entre a consciência do ego e o inconsciente coletivo, e abrem potencialmente um caminho para o si-mesmo. (Murray Stein, 1998, pág 205).
  • 44. Moisés, exposto ao perigo entre os juncos, Jesus Cristo fugindo do massacre dos inocentes, Guatama escapando das lisonjas do palácio agradável de seus pais, e muitos outros, sugerindo que a criança chega carregando a nova revelação, ao mesmo tempo em que é ameaçada pela velha ordem”.(Jung, 2000, pág 183). Hollis (2005) afirma que embora a criança possa sofrer um martírio ou exaltação, valores formativos emergentes infundirão da cultura como uma nova visão e energia restauradora. “Em muitos mitos e religiões, valores rejeitados pelo coletivo são carregados por gnomos, anões e outras pequenas criaturas. A princípio, eles quase não são vistos pelo ego coletivo, mas eles provam, em tempo, ser os portadores de valores que são fundamentais para a cura de uma tribo, por exemplo. Muito pequenos, eles muitas vezes provam ser maiores do que se pensava”.(Hollis, 2005, pág 45). Ainda em Hollis (2005), a criança-deus é o agente do alargamento por meio de uma reorientação de valores. Psicodinamicamente, o nascimento de fato aconteceu no inconsciente, simbolizado pela escuridão, pela caverna, pela manjedoura. Sendo assim, o Todo tem como destino a morte, assim como o desenvolvimento. Os humanos são, na abordagem de Hollis (2005), nada além de uma das coisas passageiras, fato esse que o ego nega ainda que ironicamente a ubiqüidade múltipla da negação seja uma evidência do caráter extramaterial da psique. Porém, a psique é eterna e o ego12 é preso ao tempo. Segundo palavras do autor, como parte da consciência, o ego é subjugado pelos horários, pelos números finitos e pelos dias cada vez menores. Mas, a psique, como órgão da alma é portador de todos, de tudo e nada ao mesmo tempo, da origem, do fim do propósito. 12 O centro da consciência, o eu. Murray Stein, 1998, pág 205.
  • 45. “A noção de importância do arquétipo da criança sugere que o germe da totalidade já se encontra na psique e, assim como a criança literal é guiada por um plano de desenvolvimento genético, também a psique revela a pessoa total por meio dessas insinuações da futuridade da criança”. (Hollis, 2005, pág 49). Hollis (2005) diz que a criança, em sua unidade e pluralidade é um símbolo desse mistério. Como símbolo da pluralidade, é necessário lembrar que não temos uma criança única dentro de nós, mas uma multidão, um jardim de infância virtual de energias, agendas e valores divergentes. “Dentro de cada um de nós está a criança que se tornaria o herói que irá depor o demônio das sombras. Todos experimentam a criança perdida, a criança abandonada, porém poucas vezes lembramos que tal separação é um requisito básico para o crescimento, para a individuação”. (Hollis, 2005, pág 46) 5.2.3 A jornada da Criança A criança é tudo o que é abandonado, exposto e ao mesmo tempo o divinamente poderoso, o começo insignificante e incerto e o fim triunfante. A “eterna criança” no homem é uma experiência indescritível, uma incongruência, uma desvantagem e uma prerrogativa divina, um imponderável que constitui o valor ou desvalor último de uma personalidade. C. Jung O mitologema13 da criança é uma espiral. A jornada deste arquétipo se inicia com um abandono, ou situação de perigo, desproteção. Porém, é a própria situação de risco que se constitui como essencial para encontrar o caminho do crescimento, das descobertas e grandes revelações. Assim como na jornada heróica, há uma situação de declínio, seguida de uma ascensão resignificadora, amplificadora da consciência, vencendo a escuridão. 13 Um mitologema é um elemento ou tema isolado em qualquer mito. Os temas de ascensão ou declínio são mitologemas. A busca do herói, por exemplo, reúne dois mitologemas: o herói e a busca, cada um dos quais possui uma linhagem e um significado separados, e ao mesmo tempo engrandecem um ao outro. (Hollis, 2005, pág 10)
  • 46. 5.2.4 O Abandono Em Jung (2000), o motivo da insignificância, de estar exposto, do abandono, do perigo a que está sujeito o motivo da criança configura o início insignificante, mas, por um lado pode significar o nascimento misterioso por outro. A criança nasce, então, de uma situação de conflito doloroso, aparentemente sem saída – para a consciência14·. “Desta colisão de opostos, a psique cria uma terceira instância de natureza irracional, inesperada e incompreensível para a consciência. São conteúdos que se apresentam sob formas que não correspondem ao sim, nem ao não, sendo, portanto, “rejeitados” pelos dois lados. A consciência desconhece aquilo que une os seus opostos, normalmente o que está além dela mesma. Porém, como a solução do conflito pela união dos opostos é de vital importância e também desejada pela consciência, o pressentimento de criação significativa abre caminho”. (Jung, 2000, pág 168). Jung (2000), afirma que conflito não é superado pela consciência pelo fato dela estar presa aos opostos, e por este motivo necessita de um símbolo que lhe mostre a exigência do desligamento da origem. “Na medida em que o símbolo da “criança” fascina e se apodera do inconsciente, seu efeito redentor “passa” à consciência e realiza a saída da situação de conflito, que ela não era capaz. O símbolo é a antecipação de um estado nascente de consciência”. (Jung, 2000, pág 170) Para Jung (2000), o abandono (na consciência) é, pois uma condição necessária, não apenas um fenômeno secundário. Este é o momento em que a criança necessita desligar-se, afastar-se da origem como símbolo que mostre a exigência deste desligamento para a consciência. “A criança, um conteúdo que exerce sempre um efeito fascinante e secreto sobre a consciência. A nova configuração é o vir a ser de uma totalidade, isto é, está a caminho da totalidade, pelo menos na medida em que ela excede em “inteireza” a consciência dilacerada 14 Aqui, compreende-se a consciência como um espaço onde só cabem o sim ou não. Ela nada sabe além dos opostos e por isso não reconhece aquilo que os une. O inconsciente, portanto, é quem se encarrega, através de seus conteúdos “numinosos” e unificadores tornar-se capaz da união dos conteúdos conscientes, trazendo a solução para os conflitos, também desejada pela consciência. (Jung, 2000, pág 168).
  • 47. pelos opostos, superando-a por isso em completude.” (Jung, 2000, pág 169). 5.2.5 A Invencibilidade Segundo Jung (2000), o conteúdo “criança” pode parecer insignificante, por um lado, desconhecida, “apenas” uma criança, mas por outro lado, ser divina. São iluminadoras, são figuras amplificadoras da consciência. “Não é raro encontrar figuras de crianças que são identificadas com fatores que promovem a cultura, tais como o fogo, o trigo, o metal, o milho. Como portadores de luz, essas figuras vencem a escuridão, elevando e trazendo um novo saber à consciência atual”.(Jung, 2000, pág 171) O que está presente em todos os mitos da criança é sempre o fato de estar constantemente ameaçada pelo perigo de ser extinta, ignorada, mas possuindo forças que ultrapassam a medida humana. Para Jung (2000), do ponto de vista da consciência, ela parece tratar-se de um conteúdo insignificante, sem nenhum caráter libertador ou salvador. Para o autor, a consciência fica aprisionada em sua situação de conflito e os poderes que se digladiam parecem ser tão grandes que o conteúdo “criança” emerge isolado, sem nenhuma relação com os fatos que ocorrem na consciência. “Ela não é notada, ficando então, sozinha e perdida, pois é um saber que elevado, ultrapassa as fronteiras da consciência atual”. (Jung, 2000, pág 170) No entanto, este mito enfatiza que a criança é dotada de um poder superior e que se impõe inesperadamente, apesar de todos os perigos. A “criança” nasce do útero inconsciente, gerada no fundamento da natureza humana, ou melhor, da própria natureza viva. “O impulso e a compulsão da auto-realização é uma lei da natureza e, por isso, tem uma força invencível, mesmo que o seu efeito seja no início insignificante e improvável”. (Jung, 2000, pág 171).
  • 48. Segundo Jung (2000), o fenômeno do nascimento da “criança” sempre remete de novo a um estado psicológico originário do não conhecer, da escuridão ou crepúsculo, da indiferenciação entre sujeito e objeto, da identificação inconsciente de homem e mundo. Deste estado de indiferenciação, afirma Jung (2000), surge o ovo dourado, o qual é tanto homem e mundo; no entanto não é nenhum dos dois, mas um terceiro, irracional.
  • 49. 6.0 A Imagem 6.1. Conceito de Imagem “A imagem desempenha uma função mediadora, é uma ponte entre o si-mesmo e o mundo, o si-mesmo e o outro, e até mesmo entre eu e mim mesmo”. James Hollis A noção de imaginário nos remete à teoria lacaniana, primeiro à relação do sujeito com suas identificações formadoras, e segundo à relação do sujeito com o real, cuja característica é ser ilusória. Segundo Lacan (1973), apud Jacques Aumont (1995) a palavra “imaginário” deve ser tomada como estritamente ligada à imagem: as formações imaginárias do sujeito são imagens, não só no sentido de que são intermediárias, substitutas, mas também no sentido de que representam eventualmente imagens materiais. “O sujeito é efeito do simbólico, concedido ele mesmo com uma rede de significantes que só adquirem sentido em suas relações mútuas; mas a relação do sujeito com o simbólico não pode ser direta, já que o simbólico, ao se constituir, escapa totalmente ao sujeito. É por intermédio de formações imaginárias que se efetua esta relação”. (Jaques Lacan (1973), apud Jacques Aumont (1995), pág 75). Nestas afirmações de Lacan fica mais fácil entender a relação que o imaginário e as imagens possuem com o terreno do real, representativas de realidades concretas, mas também intermediárias, possibilitando a relação com o simbólico. 6.2 Função da imagem Segundo Jacques Aumont, (1995), em todas as sociedades, a maioria das imagens foi produzida para certos fins (de propaganda, de informação, religiosos, ideológicos em geral). Para ele, uma das razões essenciais para a produção de imagens provém da vinculação da imagem em geral com o domínio do
  • 50. simbólico, o que faz com que ela esteja em situação de “mediação” entre o espectador e a realidade. “O valor simbólico de uma imagem é, mais do que qualquer outro, definido pragmaticamente pela aceitabilidade social dos símbolos representados”. (Aumont, 1995, pág 79) Segundo Jacques Aumont, (1995), inicialmente, as imagens serviam de símbolos; exatamente símbolos religiosos, vistos como capazes de dar acesso à esfera do sagrado pela manifestação mais ou menos direta da presença divina. As primeiras esculturas gregas arcaicas eram ”ídolos”, produzidas e veneradas como manifestações sensíveis da divindade, mesmo sendo essa manifestação parcial e incomensurável para a própria divindade. Para ele, o espectador supre o não representado, as lacunas da representação. Essa completação se dá em todos os níveis, do mais elementar ao mais complexo. Para Jung (1987), apud Zilda Gorresio (2005), os arquétipos são predisposições inerentes à estrutura da psique, como formas a priori, que nos dispõe a imaginar, sentir, perceber. Assim concebido ele é uma virtualidade que ao se atualizar toma a forma de imagem. “Temos, assim a “imagem arquetípica”, que não pode ser confundida com o arquétipo em si. Não temos acesso a ele, assim como ao símbolo, propriamente dito, apenas podemos inferi-lo, a partir da experiência psíquica, portanto tudo é vivenciado de forma imagética”. (Jung (1987), apud Zilda Gorresio (2005), pág 155). Não se pode confundir as representações arquetípicas que nos são transmitidas pelo inconsciente com o arquétipo em si. Para Jung (2000), o arquétipo é uma forma básica, caracterizada por elementos formais e determinados
  • 51. significados fundamentais. Ele põe no centro da vida psíquica o encontro de determinadas imagens que se atualizam historicamente. “O arquétipo possui um dinamismo que se faz sentir na numinosidade e no poder fascinante da imagem arquetípica. A realização e assimilação do impulso instintivo nunca ocorrem através da absorção da esfera instintual, mas apenas da integração da imagem que significa, e ao mesmo tempo, evoca o instinto”. (Jung, 1995, pág 100). As imagens arquetípicas são intensas e de características sobre- humanas, de valoração energética qualitativa, e de caráter transpessoal. Ainda em Jung (1987), apud Zilda Gorresio (2005), estas imagens são a visibilidade imaginativa do próprio inconsciente, o movimento da própria alma (inconsciente coletivo) que se dá em forma de imagem, de maneira totalmente autônoma. “A imagem parece conter uma direção instintiva a um destino, como se profética e prognóstica” (Hillman, 1995, Apud Zilda Gorresio, 2005, pág 160). Jung (2000), afirma que aquilo que nos é dado a conhecer só é possível através de imagens: assim como um espaço intermediário entre instinto e espírito. A imagem, esse “espaço intermediário”, é uma realidade, sem a qual não se tem acesso ao mundo interno, a não ser por meio de imagens. A imagem arquetípica se caracteriza como “primordial” quando ela possui caráter arcaico, quando representa uma concordância explícita com motivos mitológicos. “Tudo o que experimentamos, seja o mundo das imagens ”externas”, seja o mundo das imagens “internas”, dá-se pela via da psique como representação”( Jung ( 1987) Apud Zilda Gorresio (2005), pág 24).