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Claro enigma – Carlos
Drummond
Professor Mauro Marcel – Cursinho Objetivo – EBE Guarulhos
Alguma Poesia (1930)
Brejo das Almas (1934)
Sentimento do Mundo (1940)
José (1942)
A Rosa do Povo (1945)
Novos Poemas (1948)
Claro Enigma (1951)
Fazendeiro do Ar (1954)
Viola de Bolso (1955)
A Vida Passada a Limpo (1959)
Lição de Coisas (1962)
Versiprosa (1967)
Boitempo (1968)
A Falta que Ama (1968)
Nudez (1968)
No Meio do Caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Poema de Sete Faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava
Lili,
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.
Sentimento do mundo
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do
microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.
Mãos Dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Claro enigma paradoxo
Minas Gerais paradoxo
Publicado em 1951, Claro Enigma nos mostra um
poeta mais amargo, voltado para questões mais
reflexivas sobre a condição humana. O Drummond
social que se destaca na segunda geração
modernista da década de 1930, engajado em
questões sociais em Sentimento do Mundo (1940),
dá a vez a um poeta mais introspectivo e filosófico
em 1951
1 – Entre Lobo e cão
Dissolução
Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.
E com ela aceito que brote
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.
Braços cruzados.
Vazio de quanto amávamos,
mais vasto é o céu. Povoações
surgem do vácuo.
Habito alguma?
E nem destaco minha pele
da confluente escuridão.
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando.
E aquele agressivo espírito
que o dia carreia consigo,
já não oprime. Assim a paz,
destroçada.
Vai durar mil anos, ou
extinguir-se na cor do galo?
Esta rosa é definitiva,
ainda que pobre.
Imaginação, falsa demente,
já te desprezo. E tu, palavra.
No mundo, perene trânsito,
calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.
Remissão
Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.
Mas, pesares de quê? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,
e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,
enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?
a ingaia ciência
A madureza, essa terrível prenda
que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estela,
a madureza vê, posto que a venda
interrompa a surpresa da janela,
o círculo vazio, onde se estenda,
e que o mundo converte numa cela.
A madureza sabe o preço exato
dos amores, dos ócios, dos quebrantos,
e nada pode contra sua ciência
e nem contra si mesma. O agudo olfato,
o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
se destroem no sonho da existência.
legado
Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.
confissão
Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde, ao voltar da festa.
Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.
Do que restou, como compor um homem
e tudo que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, murmúrios
de riso, entrega, amor e piedade?
Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro — vinha azul e doido —
que se esfacelou na asa do avião.
Oficina irritada
Um boi vê os homens
Tão delicados (mais que um arbusto) e correm e correm de um para o outro lado,
sempre esquecidos de alguma coisa. Certamente falta-lhes não sei que atributo
essencial, posto se apresentem nobres e graves, por vezes.
Ah, espantosamente graves, até sinistros.
Coitados, dir-se-ia que não escutam nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço.
E ficam tristes e no rasto da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos -
e perde-se a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pêlos, nos extremos de inconcebível fragilidade, e como neles há pouca
montanha, e que secura e que reentrâncias e que impossibilidade de se organizarem
em formas calmas, permanentes e necessárias.
Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido vazio interior que os torna tão pobres e
carecidos de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.
2 – Notícias amorosas
Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.
Campo de flores
Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.
Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.
Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.
Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.
3 – O menino e os homens
O chamado
Na rua escura o velho poeta
(lume de minha mocidade)
já não criava, simples criatura
exposta aos ventos da cidade.
Ao vê-lo curvo e desgarrado
na caótica noite urbana,
o que senti, não alegria,
era, talvez, carência humana.
E pergunto ao poeta, pergunto-lhe
(numa esperança que não digo)
para onde vai — a que angra
serena,
a que Pasárgada, a que abrigo?
A palavra oscila no espaço
um momento. Eis que, sibilino,
entre as aparências sem rumo,
responde o poeta: Ao meu
destino.
E foi-se para onde a intuição,
o amor, o risco desejado
o chamavam, sem que ninguém
pressentisse, em torno, o
Chamado.
4 – Selo de Minas
Evocação Mariana
A igreja era grande e pobre. Os altares, humildes.
Havia poucas flores. Eram flores de horta.
Sob a luz fraca, na sombra esculpida
(quais as imagens e quais os fiéis?)
ficávamos.
Do padre cansado o murmúrio de reza
subia às tábuas do forro,
batia no púlpito seco,
entranhava-se na onda, minúscula e forte, de incenso,
perdia-se.
Não, não se perdia...
Desatava-se do coro a música deliciosa
(que esperas ouvir à hora da morte, ou depois da morte, nas
campinas do ar)
e dessa música surgiam meninas – a alvura mesma –
cantando.
De seu peso terrestre a nave libertada,
como do tempo atroz imunes nossas almas,
flutuávamos
no canto matinal, sobre a treva do vale
5 – Os lábios cerrados
A Mesa
E não gostavas de festa...
Ó velho, que festa grande
Hoje te faria a gente.
E teus filhos que não bebem
E o que gosta de beber,
Em torno da mesa larga,
Largavam as tristes dietas,
Esqueciam seus fricotes,
E tudo era farra honesta
Acabando em confidencia.
“.......”
Ai, velho, ouviria coisas
De arrepiar teus noventa.
Pois sim. Teu olho cansado,
Mas afeito a ler no campo
Uma lonjura de léguas
Entrava-nos alma adentro
E com pesar nos fitava
E com ira amaldiçoava
E com doçura perdoava
(Perdoar é rito dos pais,
Quando não seja de amantes)
"......."
Mais adiante vês aquele
Que de ti herdou a dura
Vontade, o duro estoicismo.
Mas, não quis te repetir.
Achou não valer a pena
Reproduzir sobre a terra
O que a terra engolirá.
Amou. E ama. E amará.
Só não quer seu amor
seja uma prisão de dois,
Um contrato, entre bocejos
E quatro pés de chinelo.
..................
6 – Máquina do mundo
A Máquina do Mundo
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco o simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mão pensas.
1. ALBERT EINSTEIN 2017
Oficina Irritada
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
O texto acima é de Claro Enigma, obra de Carlos
Drummond de Andrade. De sua leitura se pode
depreender que
a) é um poema que segue rigorosamente os
procedimentos de construção do soneto clássico e
tradicional, particularmente quanto à disposição e ao
valor das rimas e ao uso da chave de ouro como fecho
conclusivo do texto.
b) é um metapoema e revela que o soneto que o autor
deseja fazer é o mesmo que o leitor está lendo, como a
evidenciar na prática a junção do querer e do fazer.
c) utiliza-se de expressões como “tiro no muro” e “cão
mijando no caos”, que, além de provocar mau gosto e
o estranhamento do leitor, rigorosamente, nada têm a
ver com a proposta de elaboração do poema.
d) faz da repetição anafórica e do paralelismo dos
versos, um recurso de composição do poema que o
torna enfadonho e antiestético e revela um poeta de
produção duvidosa e menor.
1. ALBERT EINSTEIN 2017
Oficina Irritada
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
O texto acima é de Claro Enigma, obra de Carlos
Drummond de Andrade. De sua leitura se pode
depreender que
a) é um poema que segue rigorosamente os
procedimentos de construção do soneto clássico e
tradicional, particularmente quanto à disposição e ao
valor das rimas e ao uso da chave de ouro como fecho
conclusivo do texto.
b) é um metapoema e revela que o soneto que o
autor deseja fazer é o mesmo que o leitor está lendo,
como a evidenciar na prática a junção do querer e do
fazer.
c) utiliza-se de expressões como “tiro no muro” e “cão
mijando no caos”, que, além de provocar mau gosto e
o estranhamento do leitor, rigorosamente, nada têm a
ver com a proposta de elaboração do poema.
d) faz da repetição anafórica e do paralelismo dos
versos, um recurso de composição do poema que o
torna enfadonho e antiestético e revela um poeta de
produção duvidosa e menor.
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
O poema “Amar” integra a segunda parte, “Notícias Amorosas”, do livro
Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade. Sobre esse poema,
assinale a alternativa correta.
a) As indagações repetitivas, nas duas primeiras estrofes, reiteram a
inviabilidade do amor diante de um mundo em que tudo é perecível.
b) O poeta estabelece uma intensidade da manifestação do amor com
relação ao belo diferente da intensidade do amor dispensado ao grotesco.
c) Para acentuar a condição inexorável de amar, o poema enumera coisas
que, por sua concretude e delicadeza naturais, justificam o amor que já
recebem.
d) O poema postula uma condição universal, na qual se fundem o sujeito, a
ação praticada e os objetos a que essa ação se dirige.
e) A última estrofe é a chave explicativa desse soneto e reitera a ineficácia
do amor diante de um mundo caótico e insensível.
O poema “Amar” integra a segunda parte, “Notícias Amorosas”, do livro
Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade. Sobre esse poema,
assinale a alternativa correta.
a) As indagações repetitivas, nas duas primeiras estrofes, reiteram a
inviabilidade do amor diante de um mundo em que tudo é perecível.
b) O poeta estabelece uma intensidade da manifestação do amor com
relação ao belo diferente da intensidade do amor dispensado ao grotesco.
c) Para acentuar a condição inexorável de amar, o poema enumera coisas
que, por sua concretude e delicadeza naturais, justificam o amor que já
recebem.
d) O poema postula uma condição universal, na qual se fundem o sujeito,
a ação praticada e os objetos a que essa ação se dirige.
e) A última estrofe é a chave explicativa desse soneto e reitera a ineficácia
do amor diante de um mundo caótico e insensível.
03. ITA 2005 O livro "Claro Enigma", uma das obras mais importantes de Carlos Drummond de Andrade, foi editado em
1951.
Desse livro consta o poema a seguir.
Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão. (ANDRADE, Carlos Drummond de. "Claro Enigma", Rio de Janeiro: Record, 1991.)
Sobre esse texto, é correto dizer que
a) a passagem do tempo acaba por apagar da memória praticamente todas as lembranças
humanas; quase nada permanece.
b) a memória de cada pessoa é marcada exclusivamente por aqueles fatos de grande impacto
emocional; tudo o mais se perde.
c) a passagem do tempo apaga muitas coisas, mas a memória afetiva registra as coisas que
emocionalmente têm importância; essas permanecem.
d) a passagem do tempo atinge as lembranças humanas da mesma forma que envelhece e destrói
o mundo material; nada permanece.
e) o homem não tem alternativa contra a passagem do tempo, pois o tempo apaga tudo; a
memória nada pode; tudo se perde.
Sobre esse texto, é correto dizer que
a) a passagem do tempo acaba por apagar da memória praticamente todas as lembranças
humanas; quase nada permanece.
b) a memória de cada pessoa é marcada exclusivamente por aqueles fatos de grande impacto
emocional; tudo o mais se perde.
c) a passagem do tempo apaga muitas coisas, mas a memória afetiva registra as coisas que
emocionalmente têm importância; essas permanecem.
d) a passagem do tempo atinge as lembranças humanas da mesma forma que envelhece e destrói
o mundo material; nada permanece.
e) o homem não tem alternativa contra a passagem do tempo, pois o tempo apaga tudo; a
memória nada pode; tudo se perde.
04. (UP) Considerando o poema “Memória” e o livro Claro enigma, assinale a
alternativa correta.
a) Ao contrário de grande parte dos poemas de Claro enigma, que exploram
as formas poéticas clássicas, “Memória” retoma a estética do primeiro
modernismo, tanto pelos versos livres como pelo humor.
b) Apesar de possibilitar uma leitura fluida e ritmada, “Memória” aborda a
temática da transitoriedade, opondo aquilo que é claro ao que é enigmático,
procedimento característico dessa fase da poesia de Drummond.
c) A confusão a que o poeta se refere relaciona-se à temática predominante
em Claro enigma, elemento responsável pela diferenciação entre essa obra e
as anteriormente publicadas por Drummond: a temática amorosa.
d) A oposição entre “coisas tangíveis” e “coisas findas” exemplifica o caráter
religioso presente na poesia de Drummond desde sua estreia, em 1930, até
os livros publicados postumamente.
e) Por se tratar de um soneto, a estrofe final resume a ideia central do
poema: aquilo que já acabou pode se tornar belo mesmo que escape à
memória, pois só a morte dá sentido à existência humana.
04. (UP) Considerando o poema “Memória” e o livro Claro enigma, assinale a
alternativa correta.
a) Ao contrário de grande parte dos poemas de Claro enigma, que exploram
as formas poéticas clássicas, “Memória” retoma a estética do primeiro
modernismo, tanto pelos versos livres como pelo humor.
b) Apesar de possibilitar uma leitura fluida e ritmada, “Memória” aborda a
temática da transitoriedade, opondo aquilo que é claro ao que é
enigmático, procedimento característico dessa fase da poesia de
Drummond.
c) A confusão a que o poeta se refere relaciona-se à temática predominante
em Claro enigma, elemento responsável pela diferenciação entre essa obra e
as anteriormente publicadas por Drummond: a temática amorosa.
d) A oposição entre “coisas tangíveis” e “coisas findas” exemplifica o caráter
religioso presente na poesia de Drummond desde sua estreia, em 1930, até
os livros publicados postumamente.
e) Por se tratar de um soneto, a estrofe final resume a ideia central do
poema: aquilo que já acabou pode se tornar belo mesmo que escape à
memória, pois só a morte dá sentido à existência humana.
05. UFPR 2014 O poema “Legado” integra a primeira parte do livro Claro enigma (1951),
a que o autor denominou “Entre lobo e cão”.
Legado
Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho. (ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro
enigma. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 19. )
Considerando o poema, sua relação com o livro, e a poética de Carlos Drummond de
Andrade, assinale a alternativa correta.
a) O livro Claro enigma é considerado pela crítica como um marco na redefinição da
poesia de Drummond por instaurar diálogo com as poéticas clássicas.
b) Se anos antes Drummond havia escrito “no meio do caminho tinha uma pedra”, no
verso final de “Legado” observa-se a opção por uma expressão mais coloquial.
c) O poema “Legado” tematiza a identidade nacional, vinculando-se aos modelos e
perspectivas próprios do movimento Antropofágico.
d) O poema “Legado” tematiza a inconstância do eu do poeta e das coisas do mundo
e inaugura a vertente autobiográfica da poesia de Drummond.
e) O último terceto trai a norma clássica de um soneto, pois apresenta a síntese do
poema, da biografia e da trajetória poética de Carlos Drummond de Andrade.
Considerando o poema, sua relação com o livro, e a poética de Carlos Drummond de
Andrade, assinale a alternativa correta.
a) O livro Claro enigma é considerado pela crítica como um marco na redefinição da
poesia de Drummond por instaurar diálogo com as poéticas clássicas.
b) Se anos antes Drummond havia escrito “no meio do caminho tinha uma pedra”, no
verso final de “Legado” observa-se a opção por uma expressão mais coloquial.
c) O poema “Legado” tematiza a identidade nacional, vinculando-se aos modelos e
perspectivas próprios do movimento Antropofágico.
d) O poema “Legado” tematiza a inconstância do eu do poeta e das coisas do mundo
e inaugura a vertente autobiográfica da poesia de Drummond.
e) O último terceto trai a norma clássica de um soneto, pois apresenta a síntese do
poema, da biografia e da trajetória poética de Carlos Drummond de Andrade.
06. PUCCAMP 2010 Valores renascentistas, como o do poder da
racionalidade, e os dramas da consciência moderna, a que não falta
o sentido de um impasse histórico, entram em conflito em "A
máquina do Mundo", de Carlos Drummond de Andrade, já que
nesse monumental poema de Claro enigma o autor
a) explora os limites do lirismo dramático de um Oswald de Andrade.
b) propõe-se a investigar os projetos nacionalistas de Mário de
Andrade.
c) despoja-se da consciência histórica para realçar as mais livres
fantasias.
d) ridiculariza seu destino de homem sentimental e deslocado no
mundo.
e) faz frente à razão absoluta com a convicção melancólica de um
indivíduo.
06. PUCCAMP 2010 Valores renascentistas, como o do poder da
racionalidade, e os dramas da consciência moderna, a que não falta
o sentido de um impasse histórico, entram em conflito em "A
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nesse monumental poema de Claro enigma o autor
a) explora os limites do lirismo dramático de um Oswald de Andrade.
b) propõe-se a investigar os projetos nacionalistas de Mário de
Andrade.
c) despoja-se da consciência histórica para realçar as mais livres
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Claro enigma

  • 1. Claro enigma – Carlos Drummond Professor Mauro Marcel – Cursinho Objetivo – EBE Guarulhos
  • 2. Alguma Poesia (1930) Brejo das Almas (1934) Sentimento do Mundo (1940) José (1942) A Rosa do Povo (1945) Novos Poemas (1948) Claro Enigma (1951) Fazendeiro do Ar (1954) Viola de Bolso (1955) A Vida Passada a Limpo (1959) Lição de Coisas (1962) Versiprosa (1967) Boitempo (1968) A Falta que Ama (1968) Nudez (1968)
  • 3. No Meio do Caminho No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.
  • 4. Poema de Sete Faces Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada. O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos o homem atrás dos óculos e do bigode. Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.
  • 5. Quadrilha João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili, que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.
  • 6. Sentimento do mundo Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo, mas estou cheio de escravos, minhas lembranças escorrem e o corpo transige na confluência do amor. Quando me levantar, o céu estará morto e saqueado, eu mesmo estarei morto, morto meu desejo, morto o pântano sem acordes. Os camaradas não disseram que havia uma guerra e era necessário trazer fogo e alimento. Sinto-me disperso, anterior a fronteiras, humildemente vos peço que me perdoeis. Quando os corpos passarem, eu ficarei sozinho desfiando a recordação do sineiro, da viúva e do microscopista que habitavam a barraca e não foram encontrados ao amanhecer esse amanhecer mais noite que a noite.
  • 7. Mãos Dadas Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
  • 10. Publicado em 1951, Claro Enigma nos mostra um poeta mais amargo, voltado para questões mais reflexivas sobre a condição humana. O Drummond social que se destaca na segunda geração modernista da década de 1930, engajado em questões sociais em Sentimento do Mundo (1940), dá a vez a um poeta mais introspectivo e filosófico em 1951
  • 11. 1 – Entre Lobo e cão
  • 12. Dissolução Escurece, e não me seduz tatear sequer uma lâmpada. Pois que aprouve ao dia findar, aceito a noite. E com ela aceito que brote uma ordem outra de seres e coisas não figuradas. Braços cruzados. Vazio de quanto amávamos, mais vasto é o céu. Povoações surgem do vácuo. Habito alguma? E nem destaco minha pele da confluente escuridão. Um fim unânime concentra-se e pousa no ar. Hesitando. E aquele agressivo espírito que o dia carreia consigo, já não oprime. Assim a paz, destroçada. Vai durar mil anos, ou extinguir-se na cor do galo? Esta rosa é definitiva, ainda que pobre. Imaginação, falsa demente, já te desprezo. E tu, palavra. No mundo, perene trânsito, calamo-nos. E sem alma, corpo, és suave.
  • 13. Remissão Tua memória, pasto de poesia, tua poesia, pasto dos vulgares, vão se engastando numa coisa fria a que tu chamas: vida, e seus pesares. Mas, pesares de quê? perguntaria, se esse travo de angústia nos cantares, se o que dorme na base da elegia vai correndo e secando pelos ares, e nada resta, mesmo, do que escreves e te forçou ao exílio das palavras, senão contentamento de escrever, enquanto o tempo, em suas formas breves ou longas, que sutil interpretavas, se evapora no fundo do teu ser?
  • 14. a ingaia ciência A madureza, essa terrível prenda que alguém nos dá, raptando-nos, com ela, todo sabor gratuito de oferenda sob a glacialidade de uma estela, a madureza vê, posto que a venda interrompa a surpresa da janela, o círculo vazio, onde se estenda, e que o mundo converte numa cela. A madureza sabe o preço exato dos amores, dos ócios, dos quebrantos, e nada pode contra sua ciência e nem contra si mesma. O agudo olfato, o agudo olhar, a mão, livre de encantos, se destroem no sonho da existência.
  • 15. legado Que lembrança darei ao país que me deu tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu minha incerta medalha, e a meu nome se ri. E mereço esperar mais do que os outros, eu? Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, a vagar, taciturno, entre o talvez e o se. Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz matinal palpitando na bruma e que arranque de alguém seu mais secreto espinho. De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em meio do caminho.
  • 16. confissão Não amei bastante meu semelhante, não catei o verme nem curei a sarna. Só proferi algumas palavras, melodiosas, tarde, ao voltar da festa. Dei sem dar e beijei sem beijo. (Cego é talvez quem esconde os olhos embaixo do catre.) E na meia-luz tesouros fanam-se, os mais excelentes. Do que restou, como compor um homem e tudo que ele implica de suave, de concordâncias vegetais, murmúrios de riso, entrega, amor e piedade? Não amei bastante sequer a mim mesmo, contudo próximo. Não amei ninguém. Salvo aquele pássaro — vinha azul e doido — que se esfacelou na asa do avião.
  • 18. Um boi vê os homens Tão delicados (mais que um arbusto) e correm e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos de alguma coisa. Certamente falta-lhes não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves, até sinistros. Coitados, dir-se-ia que não escutam nem o canto do ar nem os segredos do feno, como também parecem não enxergar o que é visível e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes e no rasto da tristeza chegam à crueldade. Toda a expressão deles mora nos olhos - e perde-se a um simples baixar de cílios, a uma sombra. Nada nos pêlos, nos extremos de inconcebível fragilidade, e como neles há pouca montanha, e que secura e que reentrâncias e que impossibilidade de se organizarem em formas calmas, permanentes e necessárias. Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem perdoar a agitação incômoda e o translúcido vazio interior que os torna tão pobres e carecidos de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme (que sabemos nós), sons que se despedaçam e tombam no campo como pedras aflitas e queimam a erva e a água, e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.
  • 19. 2 – Notícias amorosas
  • 20. Amar Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados, amar? Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar? amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? Amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante, e amar o inóspito, o cru, um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor. Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
  • 21. Campo de flores Deus me deu um amor no tempo de madureza, quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme. Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro, e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor. Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos e outros acrescento aos que amor já criou. Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou. Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia e cansado de mim julgava que era o mundo um vácuo atormentado, um sistema de erros. Amanhecem de novo as antigas manhãs que não vivi jamais, pois jamais me sorriram. Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra imensa e contraída como letra no muro e só hoje presente. Deus me deu um amor porque o mereci. De tantos que já tive ou tiveram em mim, o sumo se espremeu para fazer vinho ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.
  • 22. 3 – O menino e os homens
  • 23. O chamado Na rua escura o velho poeta (lume de minha mocidade) já não criava, simples criatura exposta aos ventos da cidade. Ao vê-lo curvo e desgarrado na caótica noite urbana, o que senti, não alegria, era, talvez, carência humana. E pergunto ao poeta, pergunto-lhe (numa esperança que não digo) para onde vai — a que angra serena, a que Pasárgada, a que abrigo? A palavra oscila no espaço um momento. Eis que, sibilino, entre as aparências sem rumo, responde o poeta: Ao meu destino. E foi-se para onde a intuição, o amor, o risco desejado o chamavam, sem que ninguém pressentisse, em torno, o Chamado.
  • 24. 4 – Selo de Minas
  • 25. Evocação Mariana A igreja era grande e pobre. Os altares, humildes. Havia poucas flores. Eram flores de horta. Sob a luz fraca, na sombra esculpida (quais as imagens e quais os fiéis?) ficávamos. Do padre cansado o murmúrio de reza subia às tábuas do forro, batia no púlpito seco, entranhava-se na onda, minúscula e forte, de incenso, perdia-se. Não, não se perdia... Desatava-se do coro a música deliciosa (que esperas ouvir à hora da morte, ou depois da morte, nas campinas do ar) e dessa música surgiam meninas – a alvura mesma – cantando. De seu peso terrestre a nave libertada, como do tempo atroz imunes nossas almas, flutuávamos no canto matinal, sobre a treva do vale
  • 26. 5 – Os lábios cerrados
  • 27. A Mesa E não gostavas de festa... Ó velho, que festa grande Hoje te faria a gente. E teus filhos que não bebem E o que gosta de beber, Em torno da mesa larga, Largavam as tristes dietas, Esqueciam seus fricotes, E tudo era farra honesta Acabando em confidencia. “.......” Ai, velho, ouviria coisas De arrepiar teus noventa. Pois sim. Teu olho cansado, Mas afeito a ler no campo Uma lonjura de léguas Entrava-nos alma adentro E com pesar nos fitava E com ira amaldiçoava E com doçura perdoava (Perdoar é rito dos pais, Quando não seja de amantes) "......." Mais adiante vês aquele Que de ti herdou a dura Vontade, o duro estoicismo. Mas, não quis te repetir. Achou não valer a pena Reproduzir sobre a terra O que a terra engolirá. Amou. E ama. E amará. Só não quer seu amor seja uma prisão de dois, Um contrato, entre bocejos E quatro pés de chinelo. ..................
  • 28. 6 – Máquina do mundo
  • 29. A Máquina do Mundo E como eu palmilhasse vagamente uma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado, a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia.
  • 30. Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos. Abriu-se em calma pura, e convidando quantos sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera
  • 31. e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos, convidando-os a todos, em coorte, a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas, assim me disse, embora voz alguma ou sopro ou eco o simples percussão atestasse que alguém, sobre a montanha, a outro alguém, noturno e miserável, em colóquio se estava dirigindo: “O que procuraste em ti ou fora de
  • 32. teu ser restrito e nunca se mostrou, mesmo afetando dar-se ou se rendendo, e a cada instante mais se retraindo, olha, repara, ausculta: essa riqueza sobrante a toda pérola, essa ciência sublime e formidável, mas hermética, essa total explicação da vida, esse nexo primeiro e singular, que nem concebes mais, pois tão esquivo se revelou ante a pesquisa ardente em que te consumiste… vê, contempla, abre teu peito para agasalhá-lo.”
  • 33. As mais soberbas pontes e edifícios, o que nas oficinas se elabora, o que pensado foi e logo atinge distância superior ao pensamento, os recursos da terra dominados, e as paixões e os impulsos e os tormentos e tudo que define o ser terrestre ou se prolonga até nos animais e chega às plantas para se embeber no sono rancoroso dos minérios, dá volta ao mundo e torna a se engolfar na estranha ordem geométrica de tudo,
  • 34. e o absurdo original e seus enigmas, suas verdades altas mais que tantos monumentos erguidos à verdade; e a memória dos deuses, e o solene sentimento de morte, que floresce no caule da existência mais gloriosa, tudo se apresentou nesse relance e me chamou para seu reino augusto, afinal submetido à vista humana. Mas, como eu relutasse em responder a tal apelo assim maravilhoso, pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
  • 35. a esperança mais mínima — esse anelo de ver desvanecida a treva espessa que entre os raios do sol inda se filtra; como defuntas crenças convocadas presto e fremente não se produzissem a de novo tingir a neutra face que vou pelos caminhos demonstrando, e como se outro ser, não mais aquele habitante de mim há tantos anos, passasse a comandar minha vontade que, já de si volúvel, se cerrava semelhante a essas flores reticentes
  • 36. em si mesmas abertas e fechadas; como se um dom tardio já não fora apetecível, antes despiciendo, baixei os olhos, incurioso, lasso, desdenhando colher a coisa oferta que se abria gratuita a meu engenho. A treva mais estrita já pousara sobre a estrada de Minas, pedregosa, e a máquina do mundo, repelida, se foi miudamente recompondo, enquanto eu, avaliando o que perdera, seguia vagaroso, de mão pensas.
  • 37.
  • 38. 1. ALBERT EINSTEIN 2017 Oficina Irritada Eu quero compor um soneto duro como poeta algum ousara escrever. Eu quero pintar um soneto escuro, seco, abafado, difícil de ler. Quero que meu soneto, no futuro, não desperte em ninguém nenhum prazer. E que, no seu maligno ar imaturo, ao mesmo tempo saiba ser, não ser. Esse meu verbo antipático e impuro há de pungir, há de fazer sofrer, tendão de Vênus sob o pedicuro. Ninguém o lembrará: tiro no muro, cão mijando no caos, enquanto Arcturo, claro enigma, se deixa surpreender. O texto acima é de Claro Enigma, obra de Carlos Drummond de Andrade. De sua leitura se pode depreender que a) é um poema que segue rigorosamente os procedimentos de construção do soneto clássico e tradicional, particularmente quanto à disposição e ao valor das rimas e ao uso da chave de ouro como fecho conclusivo do texto. b) é um metapoema e revela que o soneto que o autor deseja fazer é o mesmo que o leitor está lendo, como a evidenciar na prática a junção do querer e do fazer. c) utiliza-se de expressões como “tiro no muro” e “cão mijando no caos”, que, além de provocar mau gosto e o estranhamento do leitor, rigorosamente, nada têm a ver com a proposta de elaboração do poema. d) faz da repetição anafórica e do paralelismo dos versos, um recurso de composição do poema que o torna enfadonho e antiestético e revela um poeta de produção duvidosa e menor.
  • 39. 1. ALBERT EINSTEIN 2017 Oficina Irritada Eu quero compor um soneto duro como poeta algum ousara escrever. Eu quero pintar um soneto escuro, seco, abafado, difícil de ler. Quero que meu soneto, no futuro, não desperte em ninguém nenhum prazer. E que, no seu maligno ar imaturo, ao mesmo tempo saiba ser, não ser. Esse meu verbo antipático e impuro há de pungir, há de fazer sofrer, tendão de Vênus sob o pedicuro. Ninguém o lembrará: tiro no muro, cão mijando no caos, enquanto Arcturo, claro enigma, se deixa surpreender. O texto acima é de Claro Enigma, obra de Carlos Drummond de Andrade. De sua leitura se pode depreender que a) é um poema que segue rigorosamente os procedimentos de construção do soneto clássico e tradicional, particularmente quanto à disposição e ao valor das rimas e ao uso da chave de ouro como fecho conclusivo do texto. b) é um metapoema e revela que o soneto que o autor deseja fazer é o mesmo que o leitor está lendo, como a evidenciar na prática a junção do querer e do fazer. c) utiliza-se de expressões como “tiro no muro” e “cão mijando no caos”, que, além de provocar mau gosto e o estranhamento do leitor, rigorosamente, nada têm a ver com a proposta de elaboração do poema. d) faz da repetição anafórica e do paralelismo dos versos, um recurso de composição do poema que o torna enfadonho e antiestético e revela um poeta de produção duvidosa e menor.
  • 40. Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados, amar? Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar? amar o que o mar traz à praia, e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? Amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante, e amar o inóspito, o áspero, um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor. Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
  • 41. O poema “Amar” integra a segunda parte, “Notícias Amorosas”, do livro Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade. Sobre esse poema, assinale a alternativa correta. a) As indagações repetitivas, nas duas primeiras estrofes, reiteram a inviabilidade do amor diante de um mundo em que tudo é perecível. b) O poeta estabelece uma intensidade da manifestação do amor com relação ao belo diferente da intensidade do amor dispensado ao grotesco. c) Para acentuar a condição inexorável de amar, o poema enumera coisas que, por sua concretude e delicadeza naturais, justificam o amor que já recebem. d) O poema postula uma condição universal, na qual se fundem o sujeito, a ação praticada e os objetos a que essa ação se dirige. e) A última estrofe é a chave explicativa desse soneto e reitera a ineficácia do amor diante de um mundo caótico e insensível.
  • 42. O poema “Amar” integra a segunda parte, “Notícias Amorosas”, do livro Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade. Sobre esse poema, assinale a alternativa correta. a) As indagações repetitivas, nas duas primeiras estrofes, reiteram a inviabilidade do amor diante de um mundo em que tudo é perecível. b) O poeta estabelece uma intensidade da manifestação do amor com relação ao belo diferente da intensidade do amor dispensado ao grotesco. c) Para acentuar a condição inexorável de amar, o poema enumera coisas que, por sua concretude e delicadeza naturais, justificam o amor que já recebem. d) O poema postula uma condição universal, na qual se fundem o sujeito, a ação praticada e os objetos a que essa ação se dirige. e) A última estrofe é a chave explicativa desse soneto e reitera a ineficácia do amor diante de um mundo caótico e insensível.
  • 43. 03. ITA 2005 O livro "Claro Enigma", uma das obras mais importantes de Carlos Drummond de Andrade, foi editado em 1951. Desse livro consta o poema a seguir. Memória Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão. (ANDRADE, Carlos Drummond de. "Claro Enigma", Rio de Janeiro: Record, 1991.)
  • 44. Sobre esse texto, é correto dizer que a) a passagem do tempo acaba por apagar da memória praticamente todas as lembranças humanas; quase nada permanece. b) a memória de cada pessoa é marcada exclusivamente por aqueles fatos de grande impacto emocional; tudo o mais se perde. c) a passagem do tempo apaga muitas coisas, mas a memória afetiva registra as coisas que emocionalmente têm importância; essas permanecem. d) a passagem do tempo atinge as lembranças humanas da mesma forma que envelhece e destrói o mundo material; nada permanece. e) o homem não tem alternativa contra a passagem do tempo, pois o tempo apaga tudo; a memória nada pode; tudo se perde.
  • 45. Sobre esse texto, é correto dizer que a) a passagem do tempo acaba por apagar da memória praticamente todas as lembranças humanas; quase nada permanece. b) a memória de cada pessoa é marcada exclusivamente por aqueles fatos de grande impacto emocional; tudo o mais se perde. c) a passagem do tempo apaga muitas coisas, mas a memória afetiva registra as coisas que emocionalmente têm importância; essas permanecem. d) a passagem do tempo atinge as lembranças humanas da mesma forma que envelhece e destrói o mundo material; nada permanece. e) o homem não tem alternativa contra a passagem do tempo, pois o tempo apaga tudo; a memória nada pode; tudo se perde.
  • 46. 04. (UP) Considerando o poema “Memória” e o livro Claro enigma, assinale a alternativa correta. a) Ao contrário de grande parte dos poemas de Claro enigma, que exploram as formas poéticas clássicas, “Memória” retoma a estética do primeiro modernismo, tanto pelos versos livres como pelo humor. b) Apesar de possibilitar uma leitura fluida e ritmada, “Memória” aborda a temática da transitoriedade, opondo aquilo que é claro ao que é enigmático, procedimento característico dessa fase da poesia de Drummond. c) A confusão a que o poeta se refere relaciona-se à temática predominante em Claro enigma, elemento responsável pela diferenciação entre essa obra e as anteriormente publicadas por Drummond: a temática amorosa. d) A oposição entre “coisas tangíveis” e “coisas findas” exemplifica o caráter religioso presente na poesia de Drummond desde sua estreia, em 1930, até os livros publicados postumamente. e) Por se tratar de um soneto, a estrofe final resume a ideia central do poema: aquilo que já acabou pode se tornar belo mesmo que escape à memória, pois só a morte dá sentido à existência humana.
  • 47. 04. (UP) Considerando o poema “Memória” e o livro Claro enigma, assinale a alternativa correta. a) Ao contrário de grande parte dos poemas de Claro enigma, que exploram as formas poéticas clássicas, “Memória” retoma a estética do primeiro modernismo, tanto pelos versos livres como pelo humor. b) Apesar de possibilitar uma leitura fluida e ritmada, “Memória” aborda a temática da transitoriedade, opondo aquilo que é claro ao que é enigmático, procedimento característico dessa fase da poesia de Drummond. c) A confusão a que o poeta se refere relaciona-se à temática predominante em Claro enigma, elemento responsável pela diferenciação entre essa obra e as anteriormente publicadas por Drummond: a temática amorosa. d) A oposição entre “coisas tangíveis” e “coisas findas” exemplifica o caráter religioso presente na poesia de Drummond desde sua estreia, em 1930, até os livros publicados postumamente. e) Por se tratar de um soneto, a estrofe final resume a ideia central do poema: aquilo que já acabou pode se tornar belo mesmo que escape à memória, pois só a morte dá sentido à existência humana.
  • 48. 05. UFPR 2014 O poema “Legado” integra a primeira parte do livro Claro enigma (1951), a que o autor denominou “Entre lobo e cão”. Legado Que lembrança darei ao país que me deu tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu minha incerta medalha, e a meu nome se ri. E mereço esperar mais do que os outros, eu? Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, a vagar, taciturno, entre o talvez e o se. Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz matinal palpitando na bruma e que arranque de alguém seu mais secreto espinho. De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em meio do caminho. (ANDRADE, Carlos Drummond de, Claro enigma. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 19. )
  • 49. Considerando o poema, sua relação com o livro, e a poética de Carlos Drummond de Andrade, assinale a alternativa correta. a) O livro Claro enigma é considerado pela crítica como um marco na redefinição da poesia de Drummond por instaurar diálogo com as poéticas clássicas. b) Se anos antes Drummond havia escrito “no meio do caminho tinha uma pedra”, no verso final de “Legado” observa-se a opção por uma expressão mais coloquial. c) O poema “Legado” tematiza a identidade nacional, vinculando-se aos modelos e perspectivas próprios do movimento Antropofágico. d) O poema “Legado” tematiza a inconstância do eu do poeta e das coisas do mundo e inaugura a vertente autobiográfica da poesia de Drummond. e) O último terceto trai a norma clássica de um soneto, pois apresenta a síntese do poema, da biografia e da trajetória poética de Carlos Drummond de Andrade.
  • 50. Considerando o poema, sua relação com o livro, e a poética de Carlos Drummond de Andrade, assinale a alternativa correta. a) O livro Claro enigma é considerado pela crítica como um marco na redefinição da poesia de Drummond por instaurar diálogo com as poéticas clássicas. b) Se anos antes Drummond havia escrito “no meio do caminho tinha uma pedra”, no verso final de “Legado” observa-se a opção por uma expressão mais coloquial. c) O poema “Legado” tematiza a identidade nacional, vinculando-se aos modelos e perspectivas próprios do movimento Antropofágico. d) O poema “Legado” tematiza a inconstância do eu do poeta e das coisas do mundo e inaugura a vertente autobiográfica da poesia de Drummond. e) O último terceto trai a norma clássica de um soneto, pois apresenta a síntese do poema, da biografia e da trajetória poética de Carlos Drummond de Andrade.
  • 51. 06. PUCCAMP 2010 Valores renascentistas, como o do poder da racionalidade, e os dramas da consciência moderna, a que não falta o sentido de um impasse histórico, entram em conflito em "A máquina do Mundo", de Carlos Drummond de Andrade, já que nesse monumental poema de Claro enigma o autor a) explora os limites do lirismo dramático de um Oswald de Andrade. b) propõe-se a investigar os projetos nacionalistas de Mário de Andrade. c) despoja-se da consciência histórica para realçar as mais livres fantasias. d) ridiculariza seu destino de homem sentimental e deslocado no mundo. e) faz frente à razão absoluta com a convicção melancólica de um indivíduo.
  • 52. 06. PUCCAMP 2010 Valores renascentistas, como o do poder da racionalidade, e os dramas da consciência moderna, a que não falta o sentido de um impasse histórico, entram em conflito em "A máquina do Mundo", de Carlos Drummond de Andrade, já que nesse monumental poema de Claro enigma o autor a) explora os limites do lirismo dramático de um Oswald de Andrade. b) propõe-se a investigar os projetos nacionalistas de Mário de Andrade. c) despoja-se da consciência histórica para realçar as mais livres fantasias. d) ridiculariza seu destino de homem sentimental e deslocado no mundo. e) faz frente à razão absoluta com a convicção melancólica de um indivíduo.