1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais
Departamento de Ciências Sociais
Aula 03: O JUSNATURALISMO E SEU SIGNIFICADO HISTÓRICO
Prof. Leonardo Barbosa e Silva
Bibliografia:
BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. Brasília: UnB, 1998. p. 11-65.
BOBBIO, Norberto. BOVERO, Michelangelo. Sociedade e Estado na Filosofia Política Moderna.
São Paulo: brasiliense, 1987. p. 13-99.
Bobbio, Norberto et al. Dicionário de Política. Vol. 1. Brasília: UnB, 1991.
Objetivo da aula: perceber o espaço ocupado pelo jusnaturalismo no pensamento político,
sobretudo moderno, e sua participação na construção do liberalismo.
1. SOBRE O AUTOR: BOBBIO:
1.1. Interpretação através das dicotomias
2. JUSNATURALISMO VERSUS DIREITO POSITIVO
2.1. Jusnaturalismo: “é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecido um
‘direito natural’ (jus naturale), ou seja, um sistema de normas de conduta
intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado (direito
positivo). Este direito tem validade em si, é anterior e superior ao direito positivo e,
em caso de conflito, é ele que deve prevalecer”. (1991, p. 655-656).
2.2. Jusnaturalismo anterior ao indivíduo, à história e à sociedade;
3. IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DO JUSNATURALISMO:
3.1. Busca de uma explicação sobre a origem do Estado;
3.2. Elevação de alguns princípios morais à condição de fundamentais à humanidade
3.3. A expressão do conflito ideológico que marca a transição e consolidação do
capitalismo;
3.4. O embate no século XX com as doutrinas totalitárias (fascismo e nazismo);
3.4.1. Ódio
3.4.2. Violação dos direitos
3.4.3. Desastres
3.5. Constitui a base da Declaração do direito do homem;
3.6. Constitui a base do pensamento liberal;
4. OS TRÊS LIVROS A SEREM LIDOS REFLETEM TAIS IMPORTÂNCIAS;
4.1. Strauss:
4.1.1. Crítica ao historicismo como responsável pelo totalitarismo;
4.1.2. Defesa do indivíduo contra a ordem positiva
4.2. Piovanni
4.2.1. A ética moderna matou o jusnaturalismo, pois não se aceita mais um indivíduo
passivo diante de uma ordem cósmica preestabelecida;
4.2.2. D’Entrèves: o que vive e o que morreu na teoria jusnaturalista?
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5. O QUE É A NATUREZA?
5.1. Sentido atribuído pelos gregos: Aristóteles:
5.1.1. “No sentido primário e próprio, natureza é a substância dos seres que têm em si
mesmos, enquanto tais, o princípio do seu movimento” (Bobbio, 1998, p.27);
5.1.2. Distinção das ciências naturais (phisis) e humanas (póiein): daqui deduz-se que
o natural é o que não é humano, não determinado pelo homem, submisso a uma
lógica ou lei não formulada ou alterada pelo homem;
5.1.3. A natureza realiza-se numa lógica própria e externa (1998, p.28);
5.1.4. Daqui deriva-se um conjunto de contrastes: natureza e convenção; natureza e
sociedade; natureza e cultura; natureza e espírito;
5.1.5. Decorre então a pergunta central: o direito é natureza ou arte?
5.1.6. As regras que derivam da natureza estão no direito natural; aquelas que
derivam da convenção e da arte compõem o direito positivo;
5.1.7. Para entender concepção grega: o natural representa o conjunto de valores que
se eternizaram pela tradição e que faziam parte de um direito consuetudinário;
como foi passado de geração a geração, criou-se a impressão da sua eternidade
ou naturalidade; O costume pode se confundir com a natureza (Pascal) (1998,
p.31);
5.2. Sentido atribuído na Idade Média:
5.2.1. Natureza é o produto da inteligência e da potência criadora de Deus;
5.2.2. Novamente, independente e exterior em relação ao homem;
5.3. Sentido atribuído na Idade Moderna:
5.3.1. Natureza é a ordem racional do universo;
5.3.2. Seria o direito natural encontrado ou descoberto pelo homem, mas não
formulado por ele;
6. TRÊS VISÕES SOBRE O DIREITO NATURAL:
6.1. Aristóteles:
6.1.1. Diferenciação do direito natural do direito legal (1998, p.33):
6.1.1.1. O direito natural é universal;
6.1.1.2. O direito natural estabelece o que é justo ou injusto em si,
independentemente do que pensamos sobre ele;
6.1.1.3. O direito positivo é particular e histórico;
6.1.1.4. O direito positivo obriga aquilo que ao direito natural é indiferente; é um
direito que completa o natural;
6.1.2. Superioridade do direito natural: “se a lei escrita é contrária à nossa, torna-se
necessário utilizar a lei comum e a equidade, que é mais justa (...). Com efeito, a
equidade sempre dura, e não está destinada a mudar: e até mesmo a lei comum
(pelo fato de ser natural) não muda, enquanto as leis escritas mudam com
freqüência”. (1998, p.35);
6.1.3. Tipologia das leis aristotélicas:
6.1.3.1. lei comum (ou natural);
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6.1.3.2. Lei própria (humana): escrita ou não escrita;
6.2. São Tomás de Aquino:
6.2.1. Leis naturais são as leis de Deus:
6.2.1.1. São descobertas pela revelação divina ou pela razão humana;
6.2.1.2. Estão contidas na lei do evangelho;
6.2.1.3. O homem é livre para viola-las, mas elas não perdem a validade por isso;
6.2.1.4. Leis divinas são superiores aos costumes e às leis humanas;
6.2.2. Tipologia das leis:
6.2.2.1. aeterna: razão divina que governa o mundo;
6.2.2.2. naturalis: a forma como a lei eterna manifesta-se na criatura; trata-se de
um preceito único (ex. fazer o bem e evitar o mal);
6.2.2.3. Humana: abrange todos os preceitos particulares que a razão consegue
inferir em diversas circunstâncias, derivada da lei natural.
6.2.3. Diferença entre Aristóteles e São Tomás de Aquino:
6.2.3.1. Aristóteles: direito natural e humano são complementares;
6.2.3.2. São Tomás de Aquino: direito positivo é uma derivação do direito
natural;
6.2.4. Duas formas de passagem da lei natural à positiva:
6.2.4.1. Derivação por conclusão ou dedução: de não fazer o mal (natural),
deduz-se não matar (positivo);
6.2.4.2. Derivação por determinação: a lei natural determina, mas o legislador é
que decide a pena;
6.2.5. Princípio fundamental da superioridade do direito natural sobre o positivo: A lei
só é válida se for justa;
6.3. Thomas Hobbes:
6.3.1. Hobbes é ou não um jusnaturalista?
6.3.1.1. Utiliza-se do direito natural para reforçar o poder do Estado / poder civil;
6.3.2. Tipologia das leis:
6.3.2.1. Leis divinas: naturais (manifestada por Deus pela sua palavra) e positiva
(revelada por Deus aos profetas; “as leis naturais são aquelas que, no estado
de natureza, ainda não tem vigência e, no estado civil, deixaram de viger; no
estado de natureza a insegurança desobriga o indivíduo a cumprir as leis
naturais; já no estado civil, as leis civis regem a vida social; a única lei
natural que sobrevive no estado civil é aquela que liga o súdito ao soberano
através da obediência
6.3.2.2. leis humanas ou civis: impostas pelo soberano, portanto, positivas; é a
lei civil que determina o que é crime; o que é justo ou injusto é determinado
pelo governante; aos súditos as leis civis são naturais;
6.3.3. Inversão do jusnaturalismo: A lei natural se resolve na obediência às leis civis;
resultado, Hobbes promove uma inversão do jusnaturalismo, pois lá o natural é
superior ao civil, aqui se processa o contrário;
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7. Um ou vários jusnaturalismos?
7.1. Tendência de diferenciação entre o modelo medieval e o modelo clássico:
7.1.1. Jusnaturalismo medieval permite a adequação dos princípios gerais às condições
particulares e locais. De seu modo, o moderno atribui valor absoluto àquilo que
tem meramente valor histórico (1998, p.46);
7.1.2. O jusnaturalismo medieval possui uma visão social do homem (politikon zoon),
enquanto o moderno visualiza o homem pela perspectiva egoísta e atomista:
prova disso seria a hiper-valorização do universo privado e a concepção negativa
do Estado (1998, p.46-47);
7.1.3. O jusnaturalismo moderno usa um conceito de razão mais flexível e adaptado à
nova concepção do lugar ocupado pelo homem no Cosmos. Com efeito, o direito
natural se transforma numa técnica racional da coexistência, deslocando-nos para
uma abordagem empírica e fazendo da razão um instrumento da solução de
problemas e não caminho para a nossa adequação à ordem universal. Em síntese,
para o jusnaturalismo medieval o direito natural é um conjunto de normas éticas,
e para o moderno um conjunto de normas técnicas (1998, p.47-48).
7.1.4. O direito medieval se constrói pela perspectiva da obrigação e dos deveres,
enquanto o moderno pela perspectiva da limitação da ação do Estado, portanto
dos direitos (pó. 48-49);
7.2. Bobbio desconfia da distância entre os jusnaturalismos (medieval e moderno)
apresentada:
7.2.1. Acredita que o jusnaturalismo medieval não seria tão genérico, acusando as
inclinações naturais apontadas por Aquino (à vida, à família e à convivência
social);
7.2.2. Acredita que o jusnaturalismo moderno, não obstante sua predominante face
individualista, foi igualmente concebido como a ética do homem em sociedade
(1998, p.53);
7.2.3. Não obstante aceite a tese de que o jusnaturalismo moderno está preso a uma
racionalidade técnica e empírica, acredita que há vínculo com uma visão de
dependência em relação a uma ordem universal (a natureza);
7.2.4. Questiona a seqüência dos direitos sociais (medieval) e individuais (moderno),
afinal a história apresenta a ordem invertida da emergência dos mesmos direitos;
7.3. Se visto como moral, concluiríamos por diversos jusnaturalismos:
7.3.1. Bobbio entende por moral “um conjunto genérico de prescrições da conduta
humana, ordenadas sistemática e hierarquicamente em torno de certas máximas
fundamentais, inspiradas, normalmente, na aceitação de um valor preeminente”
(1998, p.57);
7.3.2. O jusnaturalismo não tem uma moral comum;
7.4. Se vistas como teorias da moral, concluiríamos por um jusnaturalismo:
7.4.1. Bobbio entende por teoria da moral ”um conjunto de argumentos elaborados
sistematicamente com o objetivo de dar a uma moral, qualquer que seja, uma
justificação racional que deve convencer os outros a aceitá-la” (1998, p.58).
7.4.2. Das teorias da moral deriva, exclusivamente, a máxima: deve-se agir de acordo
com a natureza”.
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7.4.3. O direito natural pode indicar:
7.4.3.1. a fonte do direito ou da lei: direito natural, direito consuetudinário ou
legislativo;
7.4.3.2. O fundamento do direito: natural, divino ou humano;
7.4.4. As doutrinas jusnaturalistas têm em comum “uma concepção objetivista da
ética, isto é, uma característica que não tem mais a ver com o conteúdo das
máximas, e sim com a modalidade da sua fundamentação” (1998, p.61).
7.4.5. Como teoria da moral, afirma que a lei tem sua origem na própria natureza
humana e a resgatá-la do silencia da história; fundamenta-a objetivamente,
atribui-a um valor universal e recomenda que seja obedecida;
8. O (S) ERRO (S) DO JUSNATURALISMO:
8.1. O erro consiste em derivar um juízo de valor de um juízo de fato;
8.1.1. Juízo de valor se resolve no enunciado: é bom que...
8.1.2. Juízo de fato se resolve no enunciado: é verdade que...
8.1.3. Os juízos de valor não podem ser justificados, senão por outro juízo de valor;
8.1.4. Todas as concepções jusnaturalistas “pretendem difundir uma norma da
constatação de que a natureza humana é feita deste ou daquele modo, de que o
homem tem naturalmente pela sua natureza esta ou aquela inclinação, o que
implica sempre um juízo de valor. [Ou seja], constatar que as coisas se
desenrolam de determinada maneira não é o mesmo que apreciá-las como um
bem ou um mal” (1998, p.63);
8.1.5. o erro foi desenvolvido de duas formas:
8.1.5.1. Introduzindo valores não declarados (defesa do contrato em virtude da
guerra de todos contra todos – Hobbes);
8.1.5.2. Atribuindo à natureza um valor positivo;
8.2. Existe natureza humana?
8.3. Os direitos não estão condicionados por situações históricas?
9. O CARÁTER DO JUSNATURALISMO
9.1. Referencial histórico: séculos XVII e XVIII
9.2. Eventos que assinalaram seu fim:
9.2.1. Códigos napoleônicos;
9.2.2. Emergência da ciência jurídica;
9.2.3. Historicismo
9.3. Seu foco: direito público – determinar o fundamento e a natureza do Estado
9.4. Seu método racional: redução do direito e da moral (e da política) a uma ciência
demonstrativa;
9.4.1. ruptura com Aristóteles, segundo o qual nos estudos das coisas morais só se
pode alcançar um conhecimento provável.
9.4.2. o jusnaturalista não é um intérprete, mas um descobridor (1987, p. 23)
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9.5. Historicamente foi uma resposta ao relativismo ético, às conseqüências corrosivas
que os libertinos tinham retirado da crise do universalismo religioso (1998, p.17)
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