Pierre Bourdieu analisa o campo científico como um espaço social no qual pesquisadores disputam capital simbólico e autoridade através de publicações e descobertas. O capital político e o prestígio acadêmico conferem poder sobre os pares e influenciam as escolhas científicas de forma a aumentar o reconhecimento do pesquisador. A ciência é marcada por lutas de interesses em busca de monopólios no campo do conhecimento.
Bourdieu sobre o campo científico e a luta pela autoridade
1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE UNIDADES DE
INFORMAÇÃO - PPGinfo
Disciplina: Metodologia da Pesquisa Profª: Lani Lucas
Aluna: Juliana Aparecida Gulka Data: 11/08/2014
RESENHA
BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato (Org.). A sociologia de
Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho D’Água, 2003. Cap. 4.
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do
campo científico. São Paulo: Unesp, c2003. p. 17-48.
Pierre Félix Bourdieu nasceu em uma região rural da França, tendo uma
origem humilde. Tornou-se um conhecido sociólogo, embora seja filósofo por
formação. Publicou mais de 300 obras entre artigos e livros, o que o tornou
reconhecido inclusive internacionalmente.
Esta resenha discorre sobre dois textos: “Os usos sociais das ciências: por
uma sociologia clínica do campo científico”, que se trata se um discurso proferido ao
INRA (Institut National de la Recherche Agronomique) e “O campo científico”. Em
ambos Bourdieu discursa sobre a lógica do mundo científico, tratando sobre a noção
de campo, de autoridade e a luta que ocorre em função do jogo de força na ciência.
O autor apresenta a noção de campo como um mundo social, que possui
agentes e instituições que produzem e reproduzem a ciência (ou a arte, literatura,
etc.). Alguns interpretam esse campo apenas a partir de textos, enquanto outros o
entendem por meio da relação dos textos com a realidade, relacionando-os em um
viés social ou econômico. Com a ciência e o campo científico também existem
imposições e solicitações, e assim, todo campo possui a força e a luta que vai
conservá-lo ou transforma-lo.
A partir disso, um campo pode se tornar autônomo, e quanto mais autonomia
mais dominação pode exercer sobre os demais. Para tanto, o autor também reflete
2. sobre a economia e a política que acabam por influenciar quem vai ter mais ou
menos autonomia, mais condições de poder e monopólio sobre os demais.
Há ainda a questão da autoridade, na qual o capital científico confere ao
pesquisador o reconhecimento necessário para “ditar as regras do jogo”. Isso
evidencia que os campos são locais simbólicos nos quais tendências são lançadas e
refutadas, em um jogo de forças. A autoridade está também ligada à discussão das
carreiras dentro do campo científico, no qual existe uma corrida em busca de
melhores temas e publicações. O campo científico é objeto de luta, no qual os
pesquisadores sempre querem chegar primeiro, e, portanto, se destacar. Assim, um
pesquisador está sempre contaminado pelo seu próprio percurso, a sua própria
carreira, de modo que as suas práticas são sempre voltadas para a aquisição de
autoridade e prestígio.
A autoridade garante tanto a capacidade técnica como científica e social para
legitimar o campo e fazer com que aqueles que o seguem ajam dentro dos
conformes, obtendo reconhecimento, em detrimento daqueles que não o seguem e,
portanto, não tem condições nem autoridade para dar crédito sobre algo. A
dominação parte de quem é autoridade no campo, que consegue fazer a descoberta
científica primeiro, e perante os demais ser reconhecido como aquele que definiu o
campo científico, estabelecendo a “forma de fazer” correta. Assim, tem-se também a
concentração de pesquisadores em temas considerados importantes, pois estes
quando estudados e provedores de contribuições, tem maiores chances de trazer
um lucro simbólico.
Bourdieu afirma que não há escolha científica que não seja pautada em uma
estratégia de investimento político a fim de resultar em lucros simbólicos e a
obtenção de autoridade e reconhecimento. Logo, a atividade científica não está
implicada puramente na concorrência de bons argumentos, da força da razão, nela
também influencia o poder.
Para Bourdieu existem duas formas de poder que são respectivamente dois
tipos de capital científico. Um é o político, ligado, sobretudo a cargos e posições
importantes dentro de instituições, como por exemplo, laboratórios, comitês e
departamentos. O outro considera o prestígio que vai além do vinculo
institucionalizado, é o reconhecimento perante a academia, sendo o capital científico
puro. O autor afirma que o acumulo dos dois tipos de capital é extremamente difícil,
3. mas que a transformação do capital político para o poder científico é mais fácil e
rápida, principalmente para quem já detém de algum prestígio e poder.
O capital pode ser acumulado, reconvertido e transmitido. O maior capital
científico estará relacionado tanto ao prestígio quanto o caminho percorrido na
ciência, mediante inclusive a legitimação da produção por seus pares. Retoma-se
aqui não apenas a corrida por quem publica primeiro o resultado de uma pesquisa, o
que teoricamente baixaria o valor de pesquisas e resultados semelhantes publicados
posteriormente pelos pares, mas também a divulgação de dados e resultados
parciais que garantem o futuro da produção naquele campo científico, e, portanto, o
capital científico. O capital político, por sua vez, propicia que o pesquisador angarie
fundos para pesquisas e tenha acesso a bolsas, convites e prêmios.
Há dessa forma uma concorrência pela autoridade científica, mas que de
acordo com o autor, pode levar ao fato dos concorrentes serem os próprios clientes
dessa produção, pois somente eles detêm conhecimento suficiente para consumi-
las. Os campos científicos são locais que implicam em tendências, não se
orientando ao acaso, mas sim onde são travadas as lutas simbólicas em função do
capital.
A ciência é um jogo de busca por monopólios e autoridade, que trava sempre
uma luta de interesses e força. Essa luta impossibilita a ciência de ser propriamente
pura, pois há sempre uma dupla face, um interesse por trás de tudo.