O documento descreve as três estrelas Michelin do Porto: Pedro Lemos, Ricardo Costa e Vítor Matos. Resume as mudanças que cada um fez em seus restaurantes após receberem a estrela e destaca seus menus e enfoque na cozinha portuguesa e produtos locais.
1. 34 JANEIRO
ALTA COZINHA NORTE
Fevereiro, mês ainda de inverno, bom para passar muito tempo
à mesa. Oportunidade para experimentar as três estrelas Michelin
do firmamento do Porto. O que já era bom ficou ainda melhor.
TEXTO DE JOÃO MIGUEL SIMÕES
ESTRELAS
DO NORTE
Chef
VÍTOR
MATOS
Chef
RICARDO
COSTA
Chef
PEDRO
LEMOS
À B O L E I A D O G U I A M I C H E L I N
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2. JANEIRO 35
Q
uando reabrir as portas, em
fevereiro,depoisdeummêsde
recesso,PedroLemospoderá
não ter descansado o devido,
mas, em compensação, o seu
restaurante, na Foz Velha, vai
estar renovado. Era uma mudança, depois
da melhoria da cozinha, que se impunha e
que o anúncio da primeira estrela Michelin,
em novembro de 2014, veio reforçar. O que
se altera, para já, é a disposição: o piso tér-
reo passa a bar, com vinhos a copo e peque-
nas porções, atendendo quem espera mas
também quem quer ficar apenas por ali; no
piso superior, a sala com serviço mais ágil e
a insistência na fórmula de menus de degus-
tação de três, cinco e sete pratos.
Não há à la carte. «As pessoas têm reagi-
do bem. No início houve alguma resistência,
mas até pensei que poderia ser pior», admite
o chef, que assume «uma oferta em função
da qualidade» e não da quantidade, e não se
assusta com a ideia de quem possa achar a
escolha reduzida – «Temos opções de aves,
mariscos, peixe de anzol, boa carne de Trás-
-os-Montes, porco preto...», justifica. Afinal,
«ograndedesafioéprovocarocliente»,avisa.
A estrela, há muito aguardada, não sur-
preendeu Lemos, mas nesta fase apanhou-o
desprevenido. Literalmente. Tanto que no dia
seguinte à cerimónia estava a inaugurar uma
nova casa de sanduíches, a Stash, na Baixa
portuense, e ficou sem mãos a medir. «Foi
bom, ao fim de cinco anos, começarmos a
ter gente local que por conta da estrela re-
solveu vir pela primeira vez, bem como um
acréscimodeestrangeiros–oquenosobriga
a uma maior gestão das reservas –, mas não
esqueço os clientes de sempre; todos vieram
dar os parabéns.»
Lemos, em tempos idos um discípulo
de Aimé Barroyer, assume que os próximos
tempos vão ser de alguma reflexão, embora
commenostempodoquegostariaparaviajar,
mas está firme no rumo traçado. «Faço uma
cozinha de mercado e trabalho apenas com
PRODUTO, TÉCNICA
muita pesquisa e
experimentação. Eis
a «receita» da cozinha
que Ricardo Costa
pratica no The Yeatman.
fev.
12 evasões
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3. 36 JANEIRO
12 EVASÕES FEVEREIRO
produtos frescos. Por isso mesmo conheço
todos os meus fornecedores, com quem faço
questãodeconviveredecriarumaamizade.»
Apequenahortaorgânicanoterraçodeve
crescerem2015,sendoseudesejointroduzir
embreveumpratocemporcentovegetariano
sócombasenoquevierdali.Estasuapreocu-
pação reflete-se nosmenus (mesmo os mais
longos),quesesaboreiamsemasensaçãode
enfartamento,jáqueochefeasuaequipatêm
trabalhadonosentidodeeliminaraomáximo
as gorduras, os açúcares e os hidratos – es-
tesúltimossãosubstituídosporleguminosas.
Tudoemnomedeumamaturidadequeseim-
põe. No trabalho e na vida.
Ricardo Costa, chef executivo do Yeatman
desde a primeira a hora, já teve mais do que
tempo para se habituar à estrela Michelin,
mas não a dá de barato. «Abrimos há quatro
anos com uma ideia e agora estamos mais
próximos da perfeição. E se antes a palavra
para definir a nossa cozinha era consistên-
cia, agora é maturidade», começa por dizer.
Todos saem a ganhar, na sua opinião, «se
no Porto houver mais estrelas». A maturi-
dade invocada por Costa passa por manter
AATRIBUIÇÃO
da estrela apanhou
Pedro Lemos desprevenido.
«Foi bom, ao fim de cinco
anos, começarmos
a ter gente local.»
o restaurante aberto dez meses por ano (de
março a dezembro), com almoços e janta-
res, sete dias por semana. Raramente fala
na primeira pessoa e é o primeiro a referir a
soma das partes para justificar o sucesso do
Yeatman: «As pessoas vêm pela experiência
e essa experiência é o hotel, o restaurante,
o vinho e a vista.»
A vista, como não. Não há ninguém que
entre no Yeatman e não fique esmagado com
o panorama soberbo, de Gaia para o Porto,
com o Douro pelo meio. Natural de Aveiro,
Costa apostou numa cozinha regional, as-
senteemprodutosfrescos,mascontemporâ-
nea. O propósito mantém-se, mas o conceito
mudou – ou melhor, tem vindo a ser afinado.
Na nova carta, estreada em dezembro, está
clara a intenção de enveredar por uma fór-
mula mais portuguesa, tanto que retiraram
praticamente tudo o que não remetesse para
uma ideia de portugalidade. «Queremos con-
tar uma história. É uma viagem de norte a
sul», acrescenta, ciente de que 50 por cento
da sua clientela é estrangeira.
O menu muda a cada dois meses e Cos-
ta criou uma rede sólida de fornecedores
nacionais, noventa por cento do que é usa-
do no restaurante é produzido em Portugal:
legumes de Amarante, ervas aromáticas de
Vila Real, peixe da nossa costa e carne de-
vidamente descansada, que o chef prefere
à «moda» da maturação. O resto é técnica,
muita pesquisa e experimentação – detalhe
tãomaisimportantenumagastronomiacomo
a nossa, que precisa ser ainda trabalhada
para ganhar outra leveza e maior contem-
poraneidade: «Desmontamos um prato em
função de uma ideia», explica.
Trocado por miúdos, é à mesa que se faz
luz. No novo menu de degustação, depois dos
amuse-bouche e das entradas para comer
com as mãos (e pinças e pauzinhos), onde
pontuam macarons de enguia, bombons de
chocolate branco e foie gras, gaspacho para
beber de palhinha ou ostras – mas também
excelentes caldos de carne e cogumelos –,
os pratos apelam à memória palativa. Mas
a forma e a preparação são outros – como
na caldeirada ou no bacalhau com broa (na
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4. ROTEIRO ?????
JANEIRO 37
Ricardo Costa
RETIROU DA EMENTA
PRATICAMENTE
TODOS OS SABORES
QUE NÃO FOSSEM
PRODUZIDOS
EM PORTUGAL.
É UM REGRESSO
ÀS ORIGENS.
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5. 12 EVASÕES FEVEREIRO
38 JANEIRO
verdade um crumble de broa, puré de grão e
azeitona esferificada). Já na versão 2014 do
cozido à portuguesa, um best-seller, houve o
cuidado de eliminar o excesso de gordura e
em dar a cada ingrediente um tempo de co-
zedura diferente.
O mesmo cuidado nota-se nos pratos ha-
bitualmente associados a festividades, como
a barriga de leitão ou a chanfana, cozidos
lentamente em forno a lenha, «uma técnica
que nem todos dominam, por isso demorou
até conseguirmos o ponto desejado», adianta
o chef, sem se esquecer de enaltecer igual-
mente a alheira de caça, produzida na casa,
acompanhada por um ovo trufado em colher.
A experiência, porque é disso que se tra-
ta, como bem frisou Costa, não fica comple-
ta sem os vinhos. Para mais sendo este um
hotel de temática vínica pertencente à famí-
lia Yeatman, ainda hoje detentora de marcas
importantes no vinho do porto como a Taylor
ou a Croft, e que conta com uma excelen-
te adega (são 1200 referências, com 26 mil
garrafas e mais de 80 por cento de rótulos
nacionais). Nos jantares vínicos, que decor-
rem todas as quintas-feiras, dedicados a um
parceiro vínico, os pratos são idealizados em
Vítor Matos
É JÁ UMA
INCONTORNÁVEL
ESTRELA MICHELIN
A NORTE.
A ESTABILIDADE
TEM RECOMPENSADO
A SUA BUSCA
PELA TRADIÇÃO.
funçãodosvinhosescolhidos;norestaurante,
é a diretora de vinhos, Beatriz Machado, que
organiza a harmonização depois de provar os
pratos. E funciona.
E do Porto rumamos a Amarante, o tercei-
ro vértice desta constelação a norte. Com
uma estrela Michelin desde 2005, o Largo
do Paço, instalado no hotel Casa da Calça-
da, antiga morada dos condes de Redondo,
chegou à maioridade com o chefVítorMatos.
É uma parceria com anos que parece estar
ainda para durar – o que diz muito das con-
dições e da estabilidade garantidas por este
estabelecimento integrado na rede Relais &
Châteaux (um requisito que sempre merece
uma atenção especial por parte dos inspeto-
res do guia vermelho).
Matosnasceufora,masassume-secomo
transmontano. Justiça lhe seja feita: bem an-
tes de ser quase ponto assente que o futuro
e a crescente credibilidade da alta gastro-
nomia em Portugal terá de passar pela re-
valorização do que é nosso (do receituário
aos produtos e produtores), já ele não abria
mão de praticar uma cozinha de raiz medi-
terrânica e base tradicional, mas executada
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6. ROTEIRO ALTA COZINHA A NORTE
CONTACTOS
PEDROLEMOS
RUA PADRE LUÍS
CABRAL, 974, PORTO
TEL.:220115986
PEDROLEMOS.NET
De terça a domingo,
das 12h30 às 15h00
e das 19h30 às 22h30
Preço médio:
35 EUROS
THEYEATMAN
RUA CHOUPELO
VILA NOVA DE GAIA
TEL.:220133100
THEYEATMAN.COM
De segunda a sábado,
das 12h30 às 15h00
com boa técnica e um toque de modernida-
de. Esta tem sido, aliás, juntamente com um
serviço esmerado de sala e uma decoração
campestre chic, a imagem de marca da ins-
tituição amarantina – premiada, entretanto,
com dois sóis no Guia Repsol 2014, entre ou-
tras apreciações.
A formação na Suíça e a passagem por
cozinhasdehotéisnopaísderam-lhetraquejo
esegurança.E,atéver,umacerteza:dispensa
a confusão de grandes cidades, onde não fica
mais do que o estritamente necessário para
dar a conhecer o seu trabalho ou representar
o Largo do Paço. Esse excesso de discrição
(timidez?) poderá fazer dele um chef menos
«mediático»; mas não o impede de ver longe.
A prova disso, outra, é o relativo pioneirismo
em não mudar a ementa todas as estações,
preferindo antes, como vai sendo prática co-
mum noutros restaurantes do mesmo nível,
fazer alterações de fundo aproximadamente
de seis em seis meses – o que implica a in-
trodução de uma média de 35 novos pratos,
fora, claro, os que se tornaram clássicos da
casa e por isso não arredam pé do cardápio
(como o lavagante azul da costa). Nada mau
para um restaurante de interior.
SOPADEPEIXE
aromatizada com
açafrão, legumes
salteados e camarão,
com a assinatura
de Vítor Matos.
e das 19h30 às 23h00;
domingo, das 13h00
às 15h30 e das 19h30
às 23h00
Menu de almoço
a partir de
45 EUROS
LARGODOPAÇO
CASADACALÇADA
LARGO DO PAÇO, 6
AMARANTE
TEL.:255410830
CASADACALCADA.COM
Todos os dias,
das 12h30 às 15h00
e das 19h30 às 22h30
Preço médio:
70 EUROS
JANEIRO 39
FERNANDOMARQUES
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