O documento discute a retórica e poética no século XIX, especificamente a classificação das artes literárias na época e a ausência do termo "literatura". Também aborda a utilização de compêndios de retórica e poética como guias para a produção e consumo de obras literárias no período.
1. Retórica e Poética no Século XIX
“Em vez de aplicar uma grade metodológica forçada, porque
inadequada (...), deixo muito simplesmente falar os textos da
época, ou seja, presto toda a atenção à classificação das artes
literárias, à teoria da linguagem literária, à própria ausência
do termo literatura, ou então à extraordinária amplidão do
seu significado, aos valores literários reconhecidos, e foi a
partir daquilo que os textos disseram que em seguida tentei
estabelecer relações de vária ordem entre a sociedade carioca,
no início do século XIX, e as obras literárias por ela
produzidas e consumidas.” (Maria Beatriz N. da silva)
2.
3. Questões Introdutórias
“A Retórica Antiga”. (R. Barthes. In: A Aventura
Semiológica, 1985)
Retórica: “ a antiga prática da linguagem literária.”
A arte retórica pode ser imaginada como “uma
máquina subtilmente ordenada, uma árvore de
operações, um „programa‟ destinado a produzir um
discurso”.
Todos os elementos didáticos que alimentam os
manuais clássicos originam-se em Aristotéles
(techenè rhetorikè: uma arte de comunicação
cotidiana; do discurso em público e techenè
poiétikè: arte da evocação imaginária)
4. Questões Introdutórias
O vocabulário da Idade Média proporciona a fusão
da Retórica e da Poética – “(...) as artes poéticas
são artes retóricas, onde os grandes retóricos são
poetas”.
Essa fusão é capital por estar na própria origem da
ideia de Literatura – a Retórica passa a se ocupar
não com “a prova”, mas com a composição e o
estilo: seria o “escrever bem”.
A Retórica aliada à Poética não só se constituí um
objeto de ensino como se torna uma arte – “teoria
da escrita e tesouro das formas literárias”.
5. Questões Introdutórias
NEO-RETÓRICA – a estética literária que reinou
no mundo greco-romano (Século II a IV d.C);
A Retórica se torna ecuménica; a Retórica engloba
tudo, já não se opõe a qualquer noção similar,
absorve toda a PALAVRA; já não é uma technè,
mas uma cultura geral, uma educação nacional.
Escrito: passa a ser dissociado da noção
de“originalidade”, como hoje. A “criação” era
desacralizada na I.M. (auctor, commentador,
transmissor, combinador)
Nas alegorias de então, à Retórica era sempre
atribuída o sentido do “ornatus”, do “belo”.
6. Questões Introdutórias
A partir do Século XVII, a Poética de Aristóteles retorna
com a teoria do “verossímil”;
A Retórica, por sua vez, vai se encontrar: I) Triunfante –
“escrever bem”, “estilo”, triunfa no ensino. II) Moribunda
– cai gradativamente em descrédito intelectual, sendo
apenas “um ornamento”, “um instrumento” e não lógica.
Nos finais da I.M. , apesar de ter seu ensino sacrificado
a Retórica subsistia em alguns colégios, especialmente
em Inglaterra e Alemanha.
No Séc. XVI essa herança é organizada pelos jesuítas,
que dominam o ensino retórico, consagrando o modelo
latino que invade toda a Europa (Ratio Studiorum).
8. Os Compêndios Retóricos
Os códigos de Retórica são inumeráveis, pelo
menos até o final do Século XVIII. Muitos deles
foram escritos por padres jesuítas em Latim.
As retóricas em língua vernacular multiplicam-se.
Em finais do Séc. XV, as retóricas são POÉTICAS
(a arte de fazer versos);
No Séc. XVIII até 1830, dominam os tratados de
Retórica que apresentam em geral: 1) Retórica
paradigmática (as figuras); 2) Retórica
sintagmática (construção oratória).
9. Os Compêndios Retóricos
Para Teófilo Braga (1843-1924), autor de “História da
Universidade de Coimbra”, acoplada a “industrialização
da tipografia”, as obras conhecidas como “compêndios”
podem ser consideradas uma inovação no Século
XVIII porque:
“ (...) possuíam uma redação categórica e lacônica,
suprimindo a atividade intelectual dos mestres por uma
autoridade vinculada à disciplina e à memória, em
detrimento do “engenho”. Dispensava-se ali a erudição
dos mestres e a invenção dos discípulos, uma vez que
tudo que o mestre precisava ensinar estava contido no
compêndio e tudo o que o discípulo precisava fazer era
ali prescrito não havendo espaço para a
engenhosidade.”
10. Os Compêndios Retóricos
Os autores de Compêndios tinham um perfil
específico, cf. expõe Antônio R. Leite, em
Compêndio intitulado “Teoria do Discurso” (1819):
“Que quer dizer um compêndio, ou livro elementar?
Quer dizer um livro, que contém os princípios
fundamentais de qualquer arte, ou ciência,
expostos de uma maneira simples sem afetação;
clara sem difusão; e breve sem obscuridade. Mas
quem poderá lisonjear-se de saber reunir estas
qualidades num grau conveniente à sólida
instrução da Mocidade ignorante?”
11. Os Compêndios Retóricos
Variedades de informação e multiplicidade de
estilo: duas características desse tipo de obra.
“Copiar” – atributo de fidelidade necessário e
honesto: acessibilidade aos leitores, que não
veriam o original do autores do tema tratado.
Copiar e reunir os textos dos mais importantes
autores de Retórica e Eloquência era comum na
época, assim como era comum que cada professor
escolhesse ou escrevesse seu próprio compêndio.
12. Os Compêndios Retóricos
Os serviços de docência desdobrados no trabalho
literário de compor um compêndio, constituíam um
serviço dedicado à Pátria.
Nesse sentido, o mestre régio de Retórica em
Pernambuco (1817 – 1844), Pe. Miguel do Sacramento
Lopes, escreve carta pedindo o aval do monarca para a
publicação das suas “Lições de eloquência Nacional”
(publicada em 1846):
“O suplicante, Imperial e senhor, cônscio da utilidade de seus
talentos, não ousa arrogar-se a presunção de originalidade: ele
não fez mais, do que colher de muitos autores com algum
trabalho os materiais, ajuntá-los e coordená-los. Pouco se ocupou
da Invenção e da Disposição, por serem comuns a todas as
Nações.” (LOPES, 1844, p. 2)
13.
14. A utilização dos Compêndios de
Retórica e Poética no Séc. XIX
Neste período, a Retórica sobrevive apenas
artificialmente, sob proteção dos regulamentos
oficiais.
Até o próprio títulos dos tratados se altera de
modo siginificativo: “Retórica e Gêneros Literários”
(F. de Caussade, 1881); “Elementos de Retórica e
de Literatura” (Prat, 1889) – a Literatura ainda
desculpa a Retórica até abafá-la por completo.
Curso Elementar de Literatura Nacional do Cônego
Fernandes Pinheiro) era utilizado nas aulas de
Retórica no Colégio Imperial Pedro II.
15. A utilização dos Compêndios de
Retórica e Poética no Séc. XIX
Tomando por base o Colégio Pedro II, em meados
do Séc. XIX a Retórica era ensinada no sexto ano
e a Poética no sétimo;
Os "pontos" de retórica e de poética eram
baseados nos gêneros definidos por Aristóteles (e
depois sistematizados por Quintiliano),
ressaltando, de um lado, o estudo dos tropos e
figuras retóricas, e de outro, a epopéia, onde foram
introduzidos novos elos à tradição greco-romana,
exemplificando a épica européia e já incluindo a
épica brasileira. (cf. p. 281-83)
16. A utilização dos Compêndios de
Retórica e Poética no Séc. XIX
“Nova Retórica”, J. Viet Leclerc, (1854);
“Lições Elementares de Poética Nacional”,
Francisco Freire de Carvalho (1857);
“Nova retórica Brasileira” de Antonio Marciano
da Silva Pontes (1860);
“Curso Elementar de Literatura Nacional” do
Cônego Fernandes Pinheiro (1862);
“Ornamentos da memória” do Pe. José I.
Roquette (1870)
“Compêndio de Retórica e Poética” Cônego
Manoel da Costa (1879)
17. OBJETIVO DOS
COMPÊNDIOS: IMITAR O BELO
O currículo de retórica do sexto ano dava uma visão
geral da literatura, oferecendo "exemplos dos principais
escritores, oradores e poetas, antigos e modernos, e
mais especialmente dos gregos, latinos e portugueses",
enquanto que o professor de retórica, no sétimo ano,
deveria oferecer "a seus discípulos os quadros de
literatura nacional, fazendo-lhes sentir as belezas dos
autores clássicos, tanto poetas, como prosadores".
Além da "literatura nacional", estavam previstos
exercícios de composição, no currículo do sétimo ano,
a fim de treinar os alunos a "escrever elegantemente e
procurando imitar os modelos indicados pelo
professor".(In: Um passeio pela cidade do Rio de
Janeiro; J. Manuel de Macedo citado por RAZZINI, p.
55, 2000)
18. Referências
BARTHES, Roland. A Retórica Antiga. In: A aventura
Semiológica. Lisboa: Edições 70, 1985.
CURTIUS, Ernest R. Literatura Européia e Idade Média
Latina. São Paulo: Edusp, 1996.
DURAN, Maria Renata da C. Retórica e eloquência no
Rio de Janeiro (1759 – 1854). 2009. Tese (doutorado)
Universidade Estadual Paulista. Franca, 2009.
LOPES, Miguel do S. Lições de Eloquência Nacional.
1844.
RAZZINI, Maria de Paula G. O espelho da nação: a
Antologia Nacional e o ensino de Português e Literatura
(1838-1917). Tese (doutorado). UNICAMP. Campinas,
2000.