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EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA 
 
 
Representantes: 
 
1) INSTITUTO MIGUEL ARRAES – IMA​, associação de direito               
privado sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob o nº.                   
09.302.972/0001­44, com sede na cidade do Recife, Estado de                 
Pernambuco, neste ato representado pelo seu presidente e               
advogado; 
 
2) ANTÔNIO RICARDO ACCIOLY CAMPOS​, brasileiro, divorciado,           
advogado, presidente do Instituto Miguel Arraes – IMA, inscrito                 
na OAB/PE sob o nº. 12.310, portador do título eleitoral nº.                     
0034.3241.0868, com endereço profissional à Rua do Chacon, nº.                 
335, Casa Forte, Recife, Pernambuco, CEP: 52061­400. 
 
 
Objeto: 
 
Abertura de inquéritos e/ou ajuizamento de medidas judiciais em                 
desfavor dos sobreviventes participantes da Operação Condor no Brasil,                 
responsáveis por vitimar diversas lideranças políticas. 
 
Feito: 
 
REPRESENTAÇÃO PARA ABERTURA DE INQUÉRITO OU 
INVESTIGAÇÃO.  
1 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
1. A Comissão da Verdade: Lei 12.528/11...................................​07 
 
2. Objetivos da representação e os contornos da Operação Condor ​10 
 
2.1. Objetivos da representação ....................................... ​10 
 
2.2. Os contornos da Operação Condor ..............................​ 10 
 
2.2.1. Operação Condor: Necessidade de Investigação ­             
Ditaduras Entrelaçadas ............................................​11 
   
2.2.2. Depoimento do Governador Miguel Arraes .... ....​13 
 
3. As Misteriosas Mortes de Jango, JK e Lacerda ..........................​25 
 
3.1. A morte de Jango ..................................................... ​25 
 
3.2. A morte de JK .......................................................... ​27 
 
3.3. A morte de Lacerda .................................................. ​33 
 
3.4. A morte de Emmanuel Bezerra dos Santos ................... ​39 
   
3.5. A morte de David Capristano ....... .............................. ​42 
 
3.6. A morte de Joaquim Pires Cerveira .............................. ​45 
 
3.7 Caso Edmur Péricles Camargo ......................................​51 
 
 
5. O Sequestro dos Uruguaios: Comprovação da real existência da                   
Operação Condor no Brasil..........................................................​53 
 
6. A Matriz Verde­Amarela da Operação Condor ...........................​54 
 
7. Justiça Espanhola .................................................................​63 
 
8. Justiça Italiana .....................................................................​67 
 
9. Decisões Judiciais das Justiças da Argentina e do Chile...............​69 
 
9.1. Argentina ................................................................ ​69 
 
9.2. Chile ....................................................................... ​70 
2 
 
 
 
10 . O Direito Internacional de Direitos Humanos..........................​72 
 
 
11. A Impunidade Fere a Democracia ..........................................​77 
 
12. Intolerância à Tortura – Pedagogia ....................................... ​81 
 
13. Dos Pedidos........................................................................​87 
 
14. Requerimentos de Provas .....................................................​88 
 
15. Referências ........................................................................​91 
 
16. Anexos ............................................................................. ​94 
 
15.1. Lei 12.528/11 ......................................................... ​94 
 
15.2. Lei 12.527/11 ........................................................ .​99 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
 
 
 
 
 
 
“A natureza, como a história, 
segrega memória e vida 
e cedo ou tarde desova 
a verdade sobre a aurora. 
Não há cova funda 
 que sepulte 
 – a rasa covardia.  
Não há túmulo que oculte 
 os frutos da rebeldia. 
 Cai um dia em desgraça a mais torpe ditadura 
quando os vivos saem à praça 
 e os mortos da sepultura”. 
 
Affonso Romano de Sant’Anna, fragmentos de Os               
Desaparecidos.  
 
 
“É uma organização delitiva.” 
 
Baltasar Garzón, juiz espanhol, Audiência Nacional de             
Madri.  
  
 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
   
“Em 1976, alguns órgãos, contrários à abertura 
promovida pelo Presidente Geisel, buscavam 
soluções extralegais”. 
 
Armando Falcão, ministro da Justiça do governo             
Ernesto Geisel (1973­1979), em entrevista a O Globo. 
 
 
“A verdade cura. Às vezes ela arde, mas cura”. 
 
Desmond Tutu, Bispo sul­africano, Prêmio Nobel da Paz. 
  
 
“Só há uma causa maior: a verdade!” 
 
Moacir Danilo Rodrigues (1942­1998), juiz, Brasil. 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
 
 
 
 
 
1. A COMISSÃO DA VERDADE: 
LEI 12.528/11 
 
   
Após décadas de protestos e intensos colóquios acerca das malsinações                   
ocorridas no ainda recente período ditatorial brasileiro, foi instituída a                   
Lei 12.528, em 18 de novembro de 2011. A referida lei deu existência a                           
Comissão da Verdade, cuja maior finalidade é, nos termos da própria                     
legislação em comento,  
 
Art. 1º. .[...] ​examinar e esclarecer as graves               
violações de direitos humanos ​praticadas no           
período fixado no ​art. 8​o
do Ato das Disposições                 
Constitucionais Transitórias (​de 1946 até a data de               
promulgação da atual Constituição​), ​a fim de             
efetivar o direito à memória e à verdade               
histórica e promover a reconciliação         
nacional​. (Adaptado) (Grifos nossos) 
   
Portanto, no espaço de tempo acima delimitado (de 1946 até a data de                         
promulgação da atual Constituição), está incluído o regime de ditadura                   
militar brasileiro (1964­1985), cujas práticas de violações de direitos                 
humanos hão de ser apuradas. 
 
Consistem em ​objetivos da Comissão Nacional da Verdade​, dentre                 
outros, definidos no art. 3º da lei 12.528/11 , determinar os órgãos e                       1
1
 Art. 3​o​
. São objetivos da Comissão Nacional da Verdade:  
I ­ esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de                           
direitos humanos mencionados no​ ​caput do art. 1​o​
;  
6 
 
 
entidades responsáveis pelas práticas de violação de direitos humanos                 
e elucidar as mortes e desaparecimentos àquela época, ​mesmo que                   
realizados fora do âmbito nacional (a título de exemplo, no caso do                       
ex­presidente Jango, cuja morte ocorreu no exterior, quando de seu                   
exílio na Argentina). 
  
Como é sabido, a Comissão em pauta gozou de prazo de 2 (dois) anos                           
para tecer um relatório minucioso acerca das investigações e                 
conclusões realizadas. Outrossim, também deveria realizar           
recomendações acerca de políticas públicas destinadas a evitar a                 
violação de direitos humanos, prevenindo tais práticas ao máximo. 
Cumpre ressaltar, ainda, que as atividades da Comissão Nacional da                   
Verdade tiveram o caráter público e qualquer cidadão que desejou                   
esclarecer alguma circunstância, teve oportunidade de fazê­lo,             
solicitando informações à Comissão em pauta.  
 
Findo o período estipulado (2 anos), a Comissão foi extinta em caráter                       
definitivo , bem como os cargos decorrentes de sua existência, através                   2
da exoneração dos participantes. 
II ­ promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes,                     
desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que                   
ocorridos no exterior;  
III ­ identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as                           
circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos mencionadas                   
no caput do art. 1​o
e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na                             
sociedade;  
IV ­ encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação                     
obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de                           
desaparecidos políticos, nos termos do ​art. 1o da Lei no 9.140, de 4 de dezembro de                               
1995;​  
V ­ colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de                         
violação de direitos humanos;  
VI ­ recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação                         
de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação                       
nacional; e  
VII ­ promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos                         
casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja                         
prestada assistência às vítimas de tais violações.​  
2
​Art. 11.  ​A Comissão Nacional da Verdade terá prazo de 2 (dois) anos​, contado da                               
data de sua instalação, ​para a conclusão dos trabalhos, devendo apresentar​, ao final,                         
relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as                   
conclusões e recomendações. (Grifos nossos)   
7 
 
 
 
Nos dizeres do atual Ministro da Defesa, Celso Amorim, em entrevista                     
publicada na Revista Istoé de abril/2012: 
 
A Comissão da Verdade é o último capítulo da                 
transição democrática​, um epílogo. Há muito tempo             
estão sendo escritas outras coisas novas da fase               
democrática, mas ficou essa questão. É uma             
necessidade da sociedade em conciliar­se consigo           
própria conhecendo a verdade . 3
 
O referido Ministro destacou ainda que a lei 12.528/11 recebeu a                     
anuência de grande parte do Congresso Nacional, gerando               
incredulidade entre aqueles que não acreditavam na possibilidade de                 
sua aprovação: 
 
Sei que o (deputado) Jair Bolsonaro não votou, mas                 
os demais deputados aprovaram a comissão. Aliás,             
foi uma das poucas leis aprovadas pelo Congresso               
com tanto consenso​. Não vejo nenhuma razão para               
temer uma judicialização. A própria lei que             
estabelece a Comissão reitera a Lei da Anistia.  
 
Em suma, essa Comissão foi a grande oportunidade de colocar em                     
pratos limpos acontecimentos ainda ocultos que em muito               
envergonham a memória do País, mas cujo esclarecimento é de                   
extrema relevância, inclusive a fim de evitar reincidências futuras e                   
efetivar a reconciliação nacional, assim como em respeito à memória                   
das vítimas e de seus respectivos familiares.  
 
3
AMORIM, Celso. ​"A Comissão da Verdade é o epílogo da transição                       
democrática”​. Entrevista publicada na Revista Istoé nº. 2212, Edição de 04 de abril                         
de 2012. 
8 
 
 
 
 
 
 
9 
 
 
2. OBJETIVOS DA REPRESENTAÇÃO 
E OS CONTORNOS DA OPERAÇÃO CONDOR­ UM ROTEIRO DE 
TRABALHO INVESTIGATIVO 
 
2.1. Objetivos da representação 
 
O presente instrumento de representação se destina a incitar este                     
órgão a propor medida judicial em desfavor dos sobreviventes                 
precursores e participantes da Operação Condor no Brasil, responsáveis                 
por vitimar os líderes opositores, de esquerda, para que se faça justiça                       
àqueles que porventura suportaram os amargos efeitos dela               
decorrentes. Tal operação já teve sua existência neste país comprovada                   
por ocasião dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade – CNV,                     
conforme trabalho em anexo. 
 
2.2. Os contornos da Operação Condor 
 
No livro ​As Garras do Condor, ​Nilson Mariano assim define tal                     
operação: 
 
“As ditaduras militares que subjugaram o Cone Sul, nas                 
décadas de 1970 e 1980, planejaram uma organização               
terrorista, secreta e multinacional para caçar adversários             
políticos. Era a Operação Condor, a aliança que interligou os                   
aparatos repressivos da Argentina, do Chile, do Uruguai, do                 
Paraguai, da Bolívia e do Brasil. Agindo além das fronteiras,                   
os sócios, do condor tinham permissão para prender,               
torturar, matar e ocultar cadáveres. Promoveram uma             
guerra de extermínio, sob patrocínio dos Estados.” 
 
“Com a Operação Condor as ditaduras derrubaram as               
fronteiras geográficas e políticas, aboliram tratados de             
10 
 
 
proteção a refugiados e desrespeitaram regras de direito               
internacional. O horror passou a circular sem passaporte.               
Nas incursões além­fronteiras, não foram apanhados           
somente guerrilheiros e militantes marxistas – os alvos               
imediatos­, mas também ex­presidentes, ministros,         
parlamentares, generais legalistas, sindicalistas,       
estudantes, intelectuais. Enfim, todos que ousassem           
discordar.” 
 
Segundo o Secretário de Direitos Humanos da Argentina, Eduardo                 
Duhalde, indagado acerca da expectativa sobre os segredos que a                   
Comissão Nacional da Verdade, cuja lei foi sancionada em novembro de                     
2011, traria à tona, ​“mais do que manter sua caixa­preta fechada,                     
o Brasil foi o fiador da Condor, porque a Operação não poderia                       
ter existido sem a vontade política do País hegemônico da                   
região” . 4
 
 ​2.2.1. ​A Operação Condor: 
Necessidade de investigação – ditaduras entrelaçadas 
 
No livro ​O Beijo da Morte, ​de Carlos Heitor Cony e Anna Lee há a                             
seguinte cronologia de fatos: 
 
” 28 de setembro de 1975 
Ofício confidencial do general Manuel Contreras, chefe do DINA (serviço                   
secreto do governo chileno) ao general João Baptista Figueiredo, então                   
chefe do SNI (serviço secreto do governo brasileiro), dando conta da                     
mudança da política norte­americana em relação às ditaduras militares                 
do Brasil, Chile, Argentina e Uruguai. Com a chegada de Jimmy Carter                       
4
AQUINO, WILSON. In: ​Ditaduras Entrelaçadas​: documentos comprovam que a                   
participação de autoridades brasileiras na Operação Condor foi fundamental para a                     
aliança dos governos totalitários da América Latina. Revista Istoé, Edição de 30 de                         
novembro de 2011. 
11 
 
 
à Casa Branca, seria retirado o apoio de Washington aos regimes                     
totalitários do Cone Sul. O general Contreras cita nominalmente                 
Orlando Letelier, ex­ministro de Salvador Allende, e Juscelino               
Kubistchek, ex­presidente do Brasil, como lideranças que poderiam ser                 
reabilitadas e criar problemas às ditaduras da região.  
 
7 de agosto de 1976 
Por volta das 18 horas deste sábado, core a notícias de que Juscelino                         
Kubitschek teria morrido num acidente de carro na estrada que liga                     
Luziânia a Brasília. JK iria fazer realmente este deslocamento, mas à                     
última hora, preferiu ficar em sua fazendinha, em Luzitânia. À noite,                     
recebe jornalistas e equipes de TV que procuram confirmar a notícia. 
 
22 de agosto de 1976 
Às 18h15, morre Juscelino Kubitschek num acidente de carro no km                     
143 da Rio–São Paulo. Nos dias anteriores, JK escondera de seus                     
parentes e amigos mais próximos esta viagem ao Rio, quando                   
almoçaria, no dia seguinte, com o advogado e ex­ministro português                   
Adriano Moreira, que cuidava de um processo movido pelo governo                   
oriundo da Revolução dos Cravos, em Portugal, no qual estavam                   
citados a empresária portuguesa Fernanda Pires de Melo, o                 
ex­embaixador Hugo Gouthier e o próprio JK. Chegando ao Rio no final                       
da tarde daquele domingo, ele dormiria com Lúcia Pedroso no                   
apartamento dela, em Ipanema, sendo absurdo o insinuado encontro                 
de alguns minutos dos dois num hotel da Rio­São Paulo.  
 
21 de setembro de 1976 
Morre, em Washignton, Orlando Letelier, quando uma bomba explodiu                 
em seu carro. O atentado foi investigado pela polícia norte­americana,                   
que culpou agentes do DINA e, em especial, o general Contreras, que                       
atualmente cumpre pena de prisão perpétua no Chile. 
 
12 
 
 
6 de dezembro de 1976 
Depois de receber numerosos avisos para que não dormisse duas                   
noites no mesmo lugar, o ex­presidente João Goulart morre na                   
Argentina, na cidade de Mercedes, próxima à fronteira com o Rio                     
Grande do Sul. Ele continuava exilado pelo regime militar brasileiro,                   
mas disposto a retornar brevemente a São Borja, sua cidade natal. 
 
21 de maio de 1977 
Após internar­se na Clínica São Vicente, sem diagnóstico preciso, mas                   
com suspeita de septicemia, morre Carlos Lacerda, ex­governador da                 
Guanabara, que juntamente com Kubitschek e Jango havia criado a                   
Frente Ampla, que seria a alternativa civil para o retorno do Brasil à                         
democracia. Uma enfermeira portuguesa, que trabalhara para a Pide                 
(polícia salazarista), comenta que já vira casos assim, de morte                   
precipitada por medicamentos no soro hospitalar. 
 
21 de agosto de 1982 
O juiz Juan Espinoza, do tribunal argentino de Curuzu Cuatiá, pede a                       
exumação do corpo de João Goulart, devido a suspeitas de que ele teria                         
sido assassinado ao tomar remédios que foram trocados por pessoas                   
próximas a ele. Mais tarde, outro pedido de exumação também não foi                       
atendido.​“ 
 
2.2.2. Depoimento do Governador Miguel Arraes 
 
Transcrevemos a seguir trecho do relatório final contendo o depoimento                   
do Governador Miguel Arraes na Comissão sobre a morte de Jango no                       5
Congresso Nacional Brasileiro, juntando também o áudio com o                 
depoimento:  
 
5
​Relatório final (Série Ação Parlamentar; n. 243)​. Brasília: Câmara dos                     
Deputados, Coordenação de Publicações, 2004, p. 53­59.  
13 
 
 
“Além de informações concretas sobre a forma como obteve                 
conhecimento antecipado a respeito do processo de eliminação de                 
lideranças políticas em curso na América do Sul, o Governador Miguel                     
Arraes trouxe a esta Comissão a perspectiva de um agente político                     
relevante, que acompanhava os acontecimentos de uma posição muito                 
distinta da maioria de nossos entrevistados, exilado que estava na                   
Argélia. Mais uma razão para reproduzirmos na íntegra seu                 
depoimento, de maneira a registrar oficialmente sua visão dos                 
acontecimentos. 
 
As considerações iniciais do ilustre depoente ilustram amplamente a                 
realidade política do mundo na época em que faleceu o ex­Presidente,                     
João Goulart. 
 
Devo dizer que eu estava distante, na Argélia, e que                   
certos fatos específicos me escapam, porque eu não tive                 
contato, como o Neiva, Brizola e outros, com as pessoas que                     
assistiram diretamente ao caso. Entretanto, vou citar alguns               
fatos que chegaram ao meu conhecimento naquele período. 
Eu estava exilado na Argélia. O asilo político me foi                   
concedido pelo Governador argelino. Nós éramos alguns             
poucos que tínhamos esse asilo. Havia muitos refugiados:               
cerca de oito mil refugiados políticos em Argel, de todos os                     
países, da Europa até a Indonésia. Havia gente de todo o                     
lado. E os argelinos tinham especial cuidado com toda essa                   
gente que estava lá refugiada, longe de seus países e,                   
particularmente, com aqueles a quem tinham dado asilo               
político, porque se consideravam responsáveis por essas             
pessoas que o Governo tinha levado oficialmente para lá. 
E alguns fatos também faziam com que eles exercessem                 
vigilância ou acompanhassem, não para saber da nossa vida,                 
mas para dar a segurança que fosse possível às pessoas que                     
14 
 
 
estavam sob a responsabilidade do Governo argelino. E eles                 
tinham tido casos concretos de assassinatos políticos, como o                 
do General Humberto Delgado, assassinado na fronteira de               
Portugal com a Espanha, que estava lá na Argélia, saiu de lá                       
contra a opinião deles, aliás. 
Há um assassinato de Ber Baka, líder marroquino muito                 
conhecido, que também tinha a proteção da Argélia, que foi                   
seqüestrado e assassinado em Paris. E assim outros casos                 
desse tipo que faziam com que eles tivessem esse cuidado, o                     
cuidado não só na Argélia, porque não tinha perigo por lá.                     
Basta dizer que fiquei na Argélia por 14 anos. Nunca ninguém                     
me pediu um documento na rua ou em canto nenhum. Só nos                       
hotéis e no aeroporto, porque é obrigado. Nunca ninguém me                   
pediu documento. Nós tínhamos toda liberdade lá. 
Então, eles nos davam certas indicações para as viagens                 
que fazíamos, porque haviam acontecido esses casos e eles                 
nos preveniam que nós não deveríamos sair para outros                 
lugares sem ter contato com a Embaixada, sem contato com                   
alguém de confiança. E eles indicavam, quando era o caso, as                     
pessoas de confiança a quem podíamos recorrer nesses               
países.  
Então, nós também tínhamos dificuldades. Era preciso             
às vezes recorrer à Embaixada. Por exemplo, eu estive                 
proibido de entrar na França durante muitos anos. Era                 
proibido oficialmente entrar na França por decreto do Ministro                 
do Interior francês. Tenho esse documento comigo. Não podia                 
entrar, não obstante eu tinha que entrar, porque eu tinha                   
família lá. Eu tinha que entrar. Então, eu sabia como entrar                     
na França, mas, uma vez lá, era preciso ter condições de                     
apelar para alguém se houvesse qualquer coisa. 
Na Itália, não havia problema, mas havia setores na                 
polícia italiana – que haviam sido contactados pelo Comissário                 
15 
 
 
Fleury – que abordavam os brasileiros e tomavam­lhe os                 
passaportes. Eu mesmo presenciei casos como o do Carlos                 
Sá. Carlos Sá foi membro do Tribunal do Trabalho de São                     
Paulo, era exilado. Ele estava lá; quando ia sair do hotel o                       
abordou, tomou o passaporte e deu 48 horas para deixar o                     
país. Como ele poderia deixar o país em 48 horas sem                     
documento, sem coisa nenhuma? 
Nós falamos com um senador italiano, e o senador falou                   
com o primeiro­ministro, e o primeiro­ministro mandou uma               
pessoa resolver o caso. Mas havia todos os complicadores que                   
exigiam essas informações etc. 
E nós, portanto, tínhamos pessoas na Argélia a quem                 
podíamos recorrer para nos informar ou elas próprias nos                 
chamavam para dar as informações que consideravam             
necessárias para a nossa vida no exterior. 
A principal pessoa encarregada em buscar essas             
informações, porque existiam outras, o chefe desses serviços,               
era o Coronel Sulleiman Hoffmann. Era assessor para               
assuntos internacionais do Presidente Boumedienne. De vez             
em quando, eu o via, falava com ele, dava­me muito com ele.                       
Certo dia ele me telefona e diz que quer falar comigo. Eu fui                         
lá. Ele me disse: “Arraes, amanhã e depois de amanhã, se                     
amanhã não chegarem as pessoas, você espera até depois de                   
amanhã. Você não sai de casa, espera em casa. Três pessoas                     
vão lhe procurar”. Eu disse: “Pois não, está certo. Fico em                     
casa”. 
E fiquei efetivamente em casa, e apareceram as               
três pessoas. As três pessoas exigiram muito cuidado               
na conversa, isto é, eles não queriam em casa ninguém                   
que não fosse da família, não queriam testemunhas.               
Iam falar comigo. E me disseram o seguinte: “Nós                 
estamos vindo do Cone Sul da América Latina”. Não                 
16 
 
 
disseram de onde. “Houve uma reunião da extrema               
direita para apreciar a questão de uma possível               
abertura”. Já se começava a falar, porque isso está                 
ligado aqueles àqueles anos da Guerra do Vietnã. 
A Guerra do Vietnã estava sendo perdida. E todas                 
as análises indicavam que, na medida em que a guerra                   
fosse perdida, os Estados Unidos não poderiam ficar               
com o mundo militarizado debaixo das botas de               
soldado. Teria de ser dada uma solução intermediária               
qualquer, fosse de transição ou de qualquer outro tipo.                 
Então, já se debatia essa questão, e os militares sabiam                   
disso. Eles viram que essa era uma tendência que não                   
mais seria revertida, porque, como falei, era impossível               
este mundo todo ficar com os militares mandando               
eternamente. Teria de haver um paradeiro para isso. Já                 
era negativo esse fato na opinião pública internacional. 
Naquela fase, algumas figuras da Europa haviam             
se manifestado contra a Guerra da Vietnã, e havia                 
protestos cada vez maiores, inclusive nos Estados             
Unidos. Uma das pessoas que em primeiro lugar               
realizou um ato que teve uma grande repercussão foi                 
Olof Palme, primeiro­ministro sueco, do Partido           
Socialista da Suécia, que reuniu 10 mil pessoas na                 
praça pública para se opor à Guerra do Vietnã. 
Portanto, essa opinião que se formava fazia com               
que a direita receasse uma mudança, uma             
transformação. Essa reunião examinava isso e estudava             
providências e precauções a serem tomadas para evitar               
que pessoas importantes que estavam presas e             
exiladas, em diferentes países, pudessem chegar e             
empalmar a opinião pública no caso de uma eleição, de                   
uma mudança brusca da situação política. Nessa             
17 
 
 
reunião, eles já haviam condenado à morte as pessoas                 
que estivessem nessa situação e que atendessem a               
esse critério. 
Assim, eles me pediram que transmitisse essa             
informação a pessoas de outros países, pessoas que               
estivesses mais ou menos nessa situação. Enfim, que               
transmitisse a informação a alguém de confiança para               
que cada um fizesse o trabalho dentro das suas áreas                   
de exilado. 
Eu perguntei por que elas, essas pessoas, pediam               
isso logo para mim. Eles me disseram: “Primeiro, por                 
causa da referência que nos foi dada pelo Coronel                 
Hoffmann; segundo, porque analisando os nomes,           
verificamos que o senhor é quem está em melhores                 
condições de realizar este trabalho, pela sua condição               
de exilado aqui na Argélia. O senhor pode se deslocar                   
para alguns lugares, porque nós não podemos contactar               
todo mundo. Não podemos contactar, porque nós não               
podemos aparecer em canto algum. Nós estamos aqui               
falando com o senhor excepcionalmente, porque é uma               
questão decisiva e importante. Assim, o senhor vai ter                 
esta missão”. 
Dessa forma, eu procurei realizar a missão. Fui à                 
Europa, procurei alguns exilados chilenos e pessoas de               
outros países para comunicar essa notícia que me               
tinham dado. Não se passou um mês desse               
acontecimento, foram assassinados Gutiérrez e         
Michelino, dois uruguaios, e uma sucessão de             
assassinatos se seguiu nos diferentes países da             
América Latina. Todos sabem, e aqui a Comissão pode                 
até listar, que foi a partir dessa oportunidade que                 
18 
 
 
mataram o General Prats, mataram o Letelier, mataram               
não sei quem... Tudo isso no espaço de algum tempo. 
Então, vejam, qualquer pessoa sabe que as três               
pessoas mais importantes no caso da abertura no Brasil                 
era Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos             
Lacerda. Eram essas pessoas que podiam aparecer             
como condutores de uma frente nacional para refazer o                 
País. Portanto, se os senhores pegam essas três               
pessoas e juntam com o critério que me foi comunicado                   
naquela oportunidade, só podemos dizer que eles             
tinham sido condenados à morte. Como é que eles                 
morreram? É outro fato. Mas que a condenação havia,                 
havia. 
Um outro fato é uma conversa que tive com o                   
Carlos Castello Branco. Ele passou pela Europa depois               
da morte de Juscelino Kubitschek. Eu estive com ele em                   
Paris por apenas um dia. Ele me procurou e estivemos                   
juntos por um dia. Contei a ele essa história, e ele me                       
disse que tinha procurado indagar as circunstâncias da               
morte de Juscelino. Circunstâncias que ninguém até             
hoje explicou, ninguém sabe delas efetivamente.           
Sabe­se que ele morreu em um desastre na via Dutra. 
Juscelino, que foi o homem que mais voou neste                 
País, morre em um desastre de automóvel, em uma                 
viagem que ele jamais faria de carro – de São Paulo                     
para o Rio de Janeiro. Por que Juscelino saiu de carro?                     
Ele mandou buscar o seu motorista – são detalhes que                   
me informaram – no Rio de Janeiro, sendo que ele                   
estava em São Paulo. O Sr. Adolfo Bloch deixava um                   
carro á disposição de Juscelino, e ele tinha um                 
motorista de confiança. Então, Juscelino manda buscar             
o seu motorista, que também morreu no acidente, para                 
19 
 
 
fazer essa viagem. E o motorista foi do Rio para São                     
Paulo para fazer a viagem do ex­presidente. 
Pois bem. O Castello dizia que o inquérito tinha                 
procurado lançar a culpa para o ônibus, mas que as                   
perícias que fizeram – depois ninguém fez mais perícia,                 
nem quis saber de nada, nem aprofundaram as               
investigações – tinham descartado o ônibus. Não podia               
ser o ônibus. A tinta que estava no carro de Juscelino                     
era preta. O carro que bateu e desequilibrou o carro de                     
Juscelino teria sido um carro de cor preta, pois a tinta                     
estava lá. Mas que esse tal carro preto tinha sido visto                     
por testemunhas. Então, o Castello Branco lançava             
muitas questões em cima da morte de Juscelino               
Kubitschek.  
Vejam, no meu caso, o que eu posso dizer, diante                   
dessas informações e sobretudo da comunicação que             
me foi feita, nas circunstâncias em que recebi tais                 
informações, é que havia essa condenação e que               
morreram sucessivamente no Brasil Juscelino, Jango e             
Lacerda, os homens que haviam sido indicados na               
condenação prévia nessa reunião no Cone Sul. Então,               
na minha cabeça. Eu não diria que nenhum deles                 
morreu de morte natural. A suspeita e a dúvida existem                   
evidentemente. Se esta Comissão puder aprofundar           
com fatos e testemunhas, penso que será da maior                 
importância a apuração de tal procedimento. 
Era o que eu podia dizer, Sr. Presidente. 
 
Os debates que se seguiram à exposição inicial permitiram ao expositor                     
precisar alguns fatos e tecer novas considerações. 
 
20 
 
 
Registre­se, em primeiro lugar, que o depoente evitou falar de lista de                       
pessoas a serem assassinadas. Deixou claro que seus informantes não                   
falaram em lista. Eles estabeleceram o critério que havia sido adotado                     
na reunião. O critério era esse, ou seja, quem tivesse certas condições                       
ou ameaçasse levantar o País, levantar a população em uma posição                     
oposta à deles tinha de morrer antes. Ora, nesse processo militar, era                       
esse um dos objetivos: liquidar não só as grandes lideranças, mas                     
liquidar as lideranças do País, seja pela prisão, pelo decurso do tempo,                       
por tudo. Esse era um procedimento traçado por eles.  
 
Em segundo lugar, o depoente pôde precisar a data em que se reuniu                         
com seus informantes: quinze, vinte dias antes do dia em que foram                       
assassinados os Srs. Michelini e Gutiérrez. 
 
Em terceiro lugar, o depoente detalhou melhor a situação das pessoas                     
que lhe transmitiram as informações sobre articulações da extrema                 
direita para eliminar líderes populares na América do Sul. 
 
... essas pessoas que me procuraram não deram o                 
nome. Elas estavam credenciadas, quer dizer, eu sabia que                 
eram pessoas que eu devia escutar, mas eram agentes.                 
Ninguém pode saber quem são essas pessoas que se                 
infiltraram para saber dessa reunião do Cone Sul, e                 
evidentemente eu não tinha nem condições de perguntar. Se                 
perguntasse, elas podiam até me dar um nome falso, porque                   
não podiam aparecer. Essas pessoas me procuraram e               
explicaram – não sei se fui claro – que me escolhiam, porque                       
não podiam procurar muita gente e aparecer para exilado                 
chileno, para exilado daqui... 
Eles não podiam, pela função que exerciam, a função                 
deles era ter a cara escondida, isso é uma coisa lógica. Daí o                         
fato de terem conseguido essa informação de uma reunião                 
21 
 
 
ultrafechada. O coronel, que por sinal faleceu, é o homem do                     
Governo argelino que disse que essas pessoas iam me                 
procurar, e efetivamente me procuraram para dizer isso. Era                 
o Coronel Sulleiman Hoffmann. Esse coronel já é falecido. Era                   
assessor do Presidente Boumedienne. 
 
Em quarto lugar, o depoente manifestou desconhecimento a respeito                 
das pessoas que lidavam com o Presidente João Goulart no Uruguai,                     
com exceção parcial de Cláudio Braga. 
 
  Infelizmente, não posso dizer nada a esse respeito.               
Conheço o Cláudio Braga, porque ele foi presidente de                 
sindicatos em Pernambuco. Não tinha muita ligação ou               
aproximação com ele, embora me dê com ele. Ele conhecia o                     
Presidente João Goulart. Eu sei que ele conhecia já de antes,                     
mas esse relacionamento mais próximo foi coisa do exílio.                 
Não era um relacionamento que existia antes. Essa é uma                   
coisa que só o pessoal que morava no Uruguai pode saber. 
 
Em quinto lugar, o depoente voltou a emitir dúvidas sobre a morte de                         
Juscelino Kubitschek. 
 
A perícia em relação a Juscelino conclui ter sido um                   
acidente. Acidente foi; porém, foi provocado? A             
desestabilização de um carro é uma coisa que, para                 
pessoas que sabem fazer, não é problema nenhum. É a                   
coisa mais simples do mundo. Essa dúvida fica. Eu, pelo                   
menos, duvido disso. 
Não estou pondo em dúvida as pessoas que fizeram                 
os laudos, mas o testemunho que Carlos Castello Branco                 
me deu foi esse: que testemunhas não foram ouvidas,                 
gente que não quis depor; há toda essa história. Em meio a                       
22 
 
 
uma ditadura, quem iria depor e dizer que ele foi                   
assassinado? Não é fácil. O que me ficou foi isso. Como                     
salientou o deputado Miro, sou uma das pessoas, talvez,                 
que soube antes dos fatos que isso iria acontecer. Ouvi a                     
sentença que havia sido pronunciada nessa reunião do Cone                 
Sul e que essa sentença começou a ser executada. 
Veja, deputado, não acredito que Deus tivesse sido               
escolhido para ser carrasco dos três brasileiros que               
morreram em sequência. Se foi de morte natural e se foi                     
obra de Deus, foi Deus quem executou essa sentença. É                   
muito estranha a seqüência dessas mortes, quando se liga                 
a esse fato que relatei.   
 
Em sexto lugar, o depoente distinguiu a repressão no Brasil pela                     
precisão com que buscou seus alvos. 
 
O que podemos apreciar é o seguinte. As diferenças                 
de método de um lugar para o outro, a sofisticação da                     
repressão, a seletividade em cada um dos países. Aqui, no                   
Brasil, a seletividade foi das mais importantes que já vi.                   
Aqui existiram os excessos, a tortura, a morte das pessoas,                   
mas observo que, no geral, aqui as coisas sempre foram                   
medidas e contadas, tanto quanto podia ser. A estrutura                 
brasileira não era no estilo Pinochet, que mandava matar no                   
meio da rua, matava quem era preciso matar. Se formos                   
estudar isso, será um trabalho muito complicado. 
 
Cabe destacar, ainda, a importante análise política que o depoente                   
realizou em relação à possível neutralização da investigação pela                 
impossibilidade de comprovar o assassinato. 
 
23 
 
 
Na posição que estamos, se negaram a autópsia, não                 
podemos concluir que alguém matou, que foi assim ou                 
assado. Mas retirar dúvidas... Só quem quer retirar dúvidas                 
é a extrema direita. Para nós, ela fica. Ela fica porque nem                       
prova uma coisa nem outra. Ela fica e tem de ser mantida. 
Politicamente é fundamental que seja mantida,           
porque as mortes havidas aqui e em outros países mostram                   
que essa sentença foi efetivamente pronunciada. A morte               
de todos esses líderes em outros países é a prova de que a                         
sentença efetivamente existia.”  
 
O próprio Arraes não revelou, naquela ocasião, ante o seu                   
temperamento discreto e recatado, que quase foi vítima da Operação                   
Condor e dos agentes de Fleury, por mais de uma vez, na França,                         
inclusive iria ao encontro de Ben Barka, quando minutos antes foi                     
avisado do perigo pelo Serviço Secreto Argelino. 
 
 
24 
 
 
3. AS MISTERIOSAS MORTES DE JANGO, JK E LACERDA 
 
3.1. A MORTE DE JANGO 
 
Inconformada com a ausência de esclarecimentos, ao menos,               
razoáveis, acerca da morte de João Goulart, a família do ex­presidente                     
ingressou com uma ação perante a Procuradoria Geral da República,                   
solicitando a investigação dos responsáveis pelo seu suposto               
assassinato por envenenamento. Jango morreu em 1976, na Argentina,                 
quando se encontrava exilado; cerca de uma década antes, havia sido                     
deposto do comando da nação brasileira por intermédio do golpe                   
ditatorial de 1964. 
 
O pedido da família de Jango chegou ao órgão de controle interno                       
seguido da gravação de uma entrevista com Mario Neira Barreiro                   
(ex­participante do serviço de inteligência uruguaio que atualmente se                 
encontra isolado em uma penitenciária brasileira), tendo sido esta                 
realizada pelo filho de Jango, João Vicente Goulart. Na entrevista em                     
lume, Barreiro narra minuciosamente a chamada Operação Escorpião               
(que, por sua vez, estaria subordinada à Condor), possivelmente                 
responsável pelo assassinato de Jango por envenenamento. Os               
medicamentos habituais do ex­presidente, cardiopata, teriam sido             
adulterados. Eis o relato de Mario Neira Barreiro a respeito: 
 
“Não me lembro se colocamos no Isordil, no Adelpan ou no                     
Nifodin. Conseguimos colocar um comprimido nos remédios             
importados da França. Ele não poderia ser examinado por 48                   
horas, aquela substância poderia ser detectada ”.  6
 
Segundo informações oficiais, a morte de Jango se deu em razão de um                         
ataque cardíaco, em sua Fazenda localizada na Argentina (cidade de                   
6
​Família denuncia assassinato de João Goulart por envenenamento. ​Disponível em:                     
<​http://www.apn.org.br/apn/content/view/66/44/​>. Acesso em: 06 de dezembro de             
2011. 
25 
 
 
Mercedes), na madrugada do dia 6 de dezembro de 1976. À época, o                         
ex­presidente possuía apenas 57 anos. Seu corpo foi sepultado sem                   
sequer ter sido submetido a uma autópsia (pasmem!). Impende                 
destacar que, há não muito tempo, uma comissão externa da Câmara                     
dos Deputados passou cerca de 6 anos averiguando a morte de Jango. 
 
João Vicente Goulart, filho de Jango, atestou, remetendo à entrevista                   
com Barreiro, que:  
 
“[...] surgiram depois informações sobre o serviço secreto do                 
Itamaraty e a colaboração entre esse serviço e os de outros                     
países, que dão veracidade ao que ele disse. Essa colaboração                   
já existia antes da Operação Condor .” 7
 
Ao realizar essa declaração, o filho de Goulart aludiu à publicação de                       
documentos relativos ao CIEX – Centro de Informações do Exterior.                   
Este último foi um serviço secreto do Itamaraty incumbido de vigiar os                       
exilados brasileiros desde os anos 60.  
 
O centro de informações em questão foi divulgado no Correio                   
Braziliense através de reportagens do jornalista Claudio Dantas               
Sequeira datadas de julho de 2007. O supracitado jornalista, a                   
propósito, ganhou diversos prêmios em decorrência das mesmas.  
 
Toda a documentação utilizada por Sequeira para compor a reportagem                   
atualmente se encontra guardada no Arquivo Nacional. Não obstante                 
diversos pesquisadores tenham tentado acessar tais materiais, são               
impedidos de fazê­lo quanto a documentos concernentes a vítimas do                   
regime militar, já que os mesmos têm acesso restrito apenas aos                     
respectivos familiares.   
 
 
7
 ​Idem, ibidem​. 
26 
 
 
 
 
3.2. A MORTE DE JK 
 
Até os dias atuais, subsiste uma série de dúvidas quanto à morte                       
do ex­presidente Juscelino Kubitschek. Suspeita­se que a mesma               
esteja atrelada à Operação Condor.  
 
O consultor Legislativo Lúcio Reiner, participante de uma               
Comissão externa da Câmara dos Deputados destinada a esclarecer as                   
Circunstâncias políticas quando da morte do ex­presidente Juscelino               
Kubitschek​, chegou às seguintes conclusões a respeito, em meados de                   
Abril/2001:  
 
A investigação das condições em que se deu a morte do                     
ex­presidente Juscelino Kubitschek não se esgota com a perícia do                   
acidente automobilístico em que o estadista faleceu, nem foi essa a                     
intenção desta Comissão Externa. [...] ​O principal mérito desta                 
Comissão é ter desvendado a verdade: a “Operação Condor”                 
existiu, o Brasil desempenhou parte ativa e o papel do país foi                       
de importância fulcral​. A participação do Brasil nessa onda de                   
repressão deve ser ressaltada para que as futuras gerações não                   
desconheçam os perigos que rondam qualquer ruptura de padrões                 
democráticos na resolução de conflitos políticos. [...] 
   
  A morte de Juscelino Kubitschek, em agosto de 1976, quando, o                     
que pode surpreender, justamente começava vislumbrar­se a distensão               
do regime ditatorial, constitui excelente oportunidade para a análise do                   
padrão que seguiram as ditaduras sul­americanas na década de 70.  
 
Juscelino Kubitschek não era um perigoso extremista nem sequer                 
participara do governo deposto em 1964. Governador de Minas Gerais                   
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e presidente da República, sob a legenda do PSD, partido ligado a                       
interesses de grandes proprietários rurais e da indústria, seu perfil                   
sempre foi o de agente político democrata e conciliador. No exercício da                       
presidência, não apenas conseguiu apoios em todos os partidos                 
políticos relevantes como anistiou aqueles que tentaram, por meios                 
ilícitos, apeá­lo do cargo, como os golpistas da pantomima de                   
Aragarças. 
   
Quando sobreveio o golpe de Estado que derrubou o governo                   
João Goulart, Juscelino Kubitschek era senador pelo estado de Goiás.                   
Foi um dos políticos que tentaram acreditar no caráter transitório do                     
golpe militar, apresentando­se como fortíssimo candidato a retornar à                 
presidência da República nas eleições previstas para 1965, após o que                     
seria brevíssima intervenção “saneadora” para purgar os elementos               
esquerdistas. No entanto, em 3 de junho de 1964, seus direitos                     
políticos foram cassados pelo primeiro ato institucional do governo de                   
exceção. Embora determinado a permanecer no Brasil, o que acabou                   
por conseguir, teve que sair do país mais de uma vez, sob ameaças de                           
morte, na década de 60.  
 
  No ano de 1966, quando se encontrava no exterior, participou                   
das negociações para a formação da chamada Frente Ampla,                 
movimento que congregava políticos das mais variadas tendências ­                 
adversários até então irreconciliáveis ­ com o intuito de fazer o país                       
retornar ao caminho da democracia representativa. ​Os três nomes                 
mais importantes da Frente eram justamente os líderes mais                 
destacados dos três maiores partidos políticos extintos pelo               
golpe de 64. Eram eles, respectivamente, além de Juscelino,                 
pelo PSD, João Goulart pelo PTB e Carlos Lacerda pela UDN​. 
  Entre os fatos mais notáveis da história recente do Brasil                   
está a morte desses três líderes, em curto lapso de tempo,                     
quando começava a delinear­se a abertura política do regime.                 
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Desapareceram, muito convenientemente para o regime de             
arbítrio, as três maiores alternativas de poder, posto que, em                   
caso de eleições diretas, com certeza um dos três teria sido                     
eleito presidente da república​. 
   
  Em meados da década de 70, a ditadura estava firmemente                   
implantada no Brasil e se espalhava por todo o sul do continente                       
americano. Em 1973 houve o golpe no Chile, em 1976 na Argentina, e                         
no mesmo período o Uruguai, o Equador e o Peru também estavam sob                         
a férula de regimes militares. [...] 
 
  No Brasil, no entanto, começava a ficar claro que o regime não                       
conseguira conquistar apoio suficiente para uma permanência mais               
longa no poder. Apesar das restrições a uma oposição política mais                     
atuante e de alguns anos de crescimento econômico acelerado, as                   
urnas mostraram, em 1974, claro repúdio da população ao governo. Só                     
restavam duas alternativas ao regime: ou o recrudescimento da                 
repressão, ou a abertura controlada de cima. 
 
  Ao mesmo tempo, a coordenação entre órgãos de repressão do                   
continente, que já existia e se mostrara claramente no golpe de 64,                       
começa a ganhar alguma formalização, no que veio a ser chamado de                       
Operação Condor. Esta Comissão Externa conseguiu realizar extensa               
pesquisa sobre essa coordenação repressiva, inclusive com visitas ao                 
Paraguai, ao Chile e aos Estados Unidos, obtendo farta documentação                   
oficial que não deixa dúvidas sobre a existência e a dimensão da                       
operação. [...] 
   
É curioso constatar que, no caso do Brasil, por exemplo, o maior                       
desafio às forças armadas não se originou nas organizações de                   
esquerda, mas no próprio ministério do exército, culminando com a                   
crise institucional que provocou a demissão do general Frota. Esse novo                     
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contexto tornou ainda mais clara uma das principais preocupações das                   
ditaduras sul­americanas: fechar o caminho de retorno de antigos                 
líderes políticos a postos de destaque após eventual afastamento da                   
ditadura. Para tanto, não foi descartado o recurso à eliminação física                     
dos adversários, inclusive de adversários exilados em outros países. Os                   
casos são numerosíssimos e de conhecimento público, como os do                   
general Torres, presidente deposto da Bolívia, cujo carro explodiu em                   
Buenos Aires. 
   
Um dos documentos mais importantes desse período mostra               
com toda nitidez a posição do ex­presidente Juscelino               
Kubitschek nesse processo. Praticamente não pairam dúvidas             
sobre a autenticidade da carta, de 28 de agosto de 1975,                     
enviada pelo então coronel Manuel Contreras Sepúlveda, diretor               
da DINA — Directoría de Inteligencia Nacional, serviço secreto                 
chileno, ao general João Figueiredo, então chefe do SNI —                   
Serviço Nacional de Informações​, em que o militar chileno                 
responde a carta do colega brasileiro, de 21 de agosto do mesmo ano. 
  Essa correspondência traz indicações importantíssimas. Primeiro,           
o autor agradece informações recebidas, o que mostra que a                   
articulação entre os serviços de repressão dos dois países já existia.                     
Segundo, demonstra receptividade ao plano de coordenação de               
esforços, presumivelmente maior que o já existente, para atuar contra                   
autoridades eclesiásticas e políticas da América Latina e da Europa.                   
Terceiro, e mais importante para esta pesquisa, afirma compartilhar de                   
preocupação do general João Figueiredo quanto a possível vitória do                   
candidato Jimmy Carter nas eleições presidenciais dos Estados Unidos.                 
A carta cita expressamente dois políticos que seriam beneficiados por                   
suas boas relações como Partido Democrata estadunidense; o chileno                 
Orlando Letelier e o brasileiro Juscelino Kubitschek.[...] 
  
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Os trabalhos desenvolvidos pela Comissão Nacional da Verdade ­ CNV,                   
portanto, não se fundaram em qualquer morbidez, qualquer intenção                 
de sustentar suspeitas pouco verossímeis, mas em fatos políticos                 
comprovados em fontes oficiais só agora liberadas no Chile, Paraguai e                     
EUA e em depoimentos relevantes. Ademais, como já foi referido,                   
ainda que se aceite a hipótese de morte por acidente, não se                       
pode deixar de trazer a público a situação a que estava                     
submetida uma figura pública como Juscelino Kubitschek​ [...]  
 
Destarte, em função da documentação obtida e dos depoimentos                 
colhidos, fica patente a existência de uma conspiração, organizada                 
pelos órgãos repressivos dos regimes militares da época, para eliminar                   
fisicamente todo opositor potencial. Máxime aqueles com             
possibilidades, mesmo que longínquas de retornar ao poder. Mais                 
ainda, ​pode­se até afirmar que todo político com simpatia                 
popular era visto como uma ameaça e, portanto, passível de ser                     
eliminado, pouco importando sua posição no espectro político​.   
 
Ou seja, pode­se concluir que, do ponto de vista político, estava em                       
andamento uma verdadeira guerra suja contra a democracia. Em                 
resumo em todo o Sul do continente, existiu uma operação que incluía                       
entre seus alvos a eliminação física de líderes políticos eminentes no                     
período anterior à implantação generalizada de ditaduras militares em                 
nossos países.  
 
O ex­presidente Kubitschek, além de ser, sem sombra de                 
dúvidas, uma das pessoas mais preparadas para conquistar               
forte apoio popular quando da retomada de eleições diretas                 
para a presidência da República (situação que já se vislumbrava no                     
horizonte político brasileiro), ​fora explicitamente citado em             
correspondência entre os chefes dos serviços de inteligência do                 
Chile e do Brasil como alvo de preocupação, sendo que o outro                       
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político citado, o exchanceler chileno Orlando Letelier, foi               
executado mediante explosão de seu carro em Washington.               
Junte­se a isso a circulação, nos meios jornalísticos de Brasília,                   
de boatos sobre sua possível morte em acidente automobilístico                 
forjado, dias antes de que o fato viesse realmente a ocorrer,                     
para que se possa sustentar, com firmeza, que o ex­presidente                   
Juscelino Kubitschek era uma das vítimas potenciais da               
Operação Condor​. [...]  
 
O jornalista recifense Urariano Mota, por sua vez, resume os fatos que                       
nos possibilitariam concluir pelo assassinato do ex­presidente Juscelino               
Kubitschek em um artigo intitulado “​JK: Acidente ou atentado?”​: 
1. Em 1975, o jornalista Jack Anderson revelou que o general                     
chileno Manuel Contreras qualificou Kubitschek como uma ameaça, em                 
uma carta enviada ao ditador João Figueiredo. Bueno. Contreras era                   
chefe do Serviço de Inteligência do regime do Augusto Pinochet,                   
responsável pela morte do ex­chanceler chileno socialista Orlando               
Letelier, ocorrida em 1976 em Washington, e atribuída à Operação                   
Condor.  
   
2. Segundo o cientista político Luiz Roberto da Costa Jr, em                     
artigo no Observatório da Imprensa, ao mencionar as circunstâncias da                   
morte de JK: “Não houve choque com o ônibus da Cometa, pois este                         
estava atrás da Caravan verde. Testemunhas do ônibus que afirmam                   
ter visto o clarão (‘sol’, como quer a versão oficial) e ouvido a explosão                           
(‘batida’, como quer a versão oficial) não depuseram. O Opala periciado                     
em 1996 não corresponde ao Opala do acidente em 1976, o chassi é                         
diferente”.  
 
3. Na revista Época de 29.3.1999, sob o título de Um tiro na                         
história: “Depois de 35 anos trabalhando como perito criminal na                   
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Polícia Civil de Minas Gerais, o historiador Alberto Carlos Minas está se                       
aposentando e decidiu fazer uma revelação: ‘Eu vi um buraco de bala                       
no crânio do motorista Geraldo Ribeiro’. Era Geraldo Ribeiro quem                   
dirigia o Opala do ex­presidente Juscelino Kubitschek no dia 22 de                     
agosto de 1976, quando bateu num ônibus na Via Dutra e ambos                       
morreram... Segundo Minas, quando o corpo de Geraldo Ribeiro foi                   
exumado, há pouco menos de três anos, o crânio estava inteiro e tinha                         
um buraco. ‘De bala’, garante. ‘Depois que vi isso não me deixaram                       
entrar na sala novamente’”.  
 
4. E mais, do mesmo Carlos Alberto, em uma rápida entrevista:                     
“As fotos das vítimas sumiram. Em 1996 o processo foi reaberto, mas                       
jamais poderia ter prescrito. A família do motorista nunca viu o corpo                       
dele. Eu era o perito do caso e não pude acompanhar de perto a                           
exumação dos corpos. Quando levantaram a ossada do Geraldo Ribeiro,                   
vi um buraco de bala no crânio dele... Do tamanho da tampa de uma                           
caneta, de cerca de 7 milímetros. O crânio estava íntegro e intacto. Eu                         
o vi inteiro na minha frente, ele não estava esfacelado como depois                       
apareceu. Podem dizer que eu estava enganado quanto ao buraco,                   
mas, se eu estiver errado, como eles explicam um objeto metálico                     
dentro do crânio do Geraldo? Por que o crânio estava fragmentado                     
depois dos exames?”.  
 
5. ​Em livro que me foi enviado por Maria de Lourdes Ribeiro, filha                         
do motorista e amigo de JK, há o laudo número 12.31/96, do IML de                           
Minas Gerais. Nele se escreve: “... fragmento metálico de forma                   
cilindro­cônica, medindo sete milímetros de comprimento e diâmetro               
médio de dois milímetros, revelando­se como fragmento de prego                 
enferrujado e corroído, recolhido do interior do crânio...”.  
 
6. Note­se a passagem especiosa e esperta de bala para prego. E                       
mais: uma coisa é um prego dentro de um crânio, ali depositado “em                         
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período posterior à destruição das partes moles, provavelmente através                 
de forames da base craniana”, nos termos e imaginação do laudo exato                       
do IML Outra coisa é um buraco no crânio, criado pelo acaso desse                         
prego de Deus. 
[...] 
 
3.3. A MORTE DE LACERDA 
 
  Em entrevista publicada na revista Istoé de 04 de junho de 2000,                       
a amante e a filha de Carlos Lacerda asseguram que o ex­jornalista foi                         
assassinado: 
 
AMANTE AFIRMA QUE EX­GOVERNADOR FOI ASSASSINADO E             
FILHA REFORÇA SUSPEITA DE ATENTADO POLÍTICO 
 
O depoimento da jornalista Maria Cecília de Azevedo Sodré, 46 anos,                     
tem tudo para provocar um furacão nas investigações sobre o                   
envolvimento das Forças Armadas nas mortes dos três maiores líderes                   
políticos do País num intervalo de dez meses: os ex­presidentes                   
Juscelino Kubitschek e João Goulart e o ex­governador Carlos Lacerda.                   
“Mataram Lacerda”, afirma ela. Vinte e três anos após a morte, Maria                       
Cecília falou pela primeira vez sobre o tórrido romance que manteve                     
com o líder da extinta UDN nos dois últimos anos de vida do                         
ex­governador.  
 
  Numa entrevista exclusiva a ISTOÉ, a amante de Lacerda                 
contesta as versões até agora conhecidas, de que ele andava doente e                       
abatido. Para ela, nada indicava que o líder udenista pudesse morrer a                       
qualquer momento. “Ele vivia o auge de sua glória, como homem,                     
pensador e amante.” Oficialmente, Lacerda morreu em 1977, aos 63                   
anos, de infecção no coração (endocardite bacteriana) um dia depois de                     
se internar na Clínica São Vicente, no Rio, com desidratação causada                     
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por uma gripe. Os indícios de que uma cooperação entre militares da                       
Argentina, Chile, Paraguai e Brasil – a Operação Condor – foi montada                       
em 1975 para combater opositores já levaram a Câmara dos                   
Deputados a abrir investigações sobre as mortes de Jango e JK, ambas                       
em 1976. A suspeita de assassinato de Lacerda ainda não é                     
investigada. 
 
  A amante não é a única a discordar da maioria da família                       
Lacerda, conformada com a versão oficial. A também jornalista Cristina                   
Lacerda, 48 anos, filha do ex­governador, desconfia que ele tenha sido                     
vítima da mesma operação que teria eliminado JK e João Goulart. Os                       
três lideravam os maiores partidos extintos pelo golpe de 64 e                     
morreram quando ainda articulavam o retorno às eleições diretas, após                   
a frustrada tentativa de montagem da Frente Ampla, de oposição ao                     
regime militar. Jango seria o candidato do PTB, JK concorreria pelo PSD                       
e Lacerda pela UDN. “Imagino que tenham localizado o hospital e se                       
organizado para se infiltrar lá e matar meu pai. Assim como há                       
suspeitas de que trocaram o remédio de Jango, há a hipótese de que                         
tivessem acompanhado meu pai durante a doença. Ele era um homem                     
saudável”, recorda Cristina. 
 
  A amante de Lacerda reforça. “Não existia nada que pudesse                   
fazê­lo entrar no hospital e sair morto. O País inteiro sabia que Carlos                         
continuava atento”, diz Maria Cecília, endossando a tese de                 
assassinato. Quando morreu, Lacerda mantinha o casamento de 40                 
anos com Letícia, mãe de Cristina, Sebastião e Sérgio. “Minha única                     
intenção é esclarecer os fatos. Meu pai se sacrificou muito pelo Brasil”,                       
desabafa Cristina, que descarta, no entanto, apoiar uma possível                 
exumação do corpo do pai, classificando­a como violência. 
 
Investigação – Um dos aspectos relevantes da fase final da carreira                     
de Lacerda, segundo Cristina, foi a relação afetuosa com seus                   
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arquiinimigos Jango e JK, aos quais procurou para costurar a Frente                     
Ampla. Lacerda foi cassado em dezembro de 1968 e esperava                   
recuperar seus direitos políticos em 1978. Os documentos colecionados                 
por Cristina evidenciam que Lacerda se reaproximava da esquerda.                 
Golpista radical em 64, ele fora simpatizante do PCB até os 25 anos.                         
Pouco antes de morrer, segundo Cristina, seu pai passava por uma                     
crise existencial, com altos e baixos, e tomava remédio para                   
emagrecer. Os problemas de saúde de Lacerda levam seu filho mais                     
velho, Sebastião, a acreditar na morte por infecção no coração.                   
Segundo ele, não há indícios que possam confirmar a hipótese de                     
atentado. “Meu pai estava com a saúde debilitada”, diz ele. 
Ao contrário da morte de Lacerda, que nunca foi objeto de                     
investigação, o acidente que matou JK foi alvo de dois inquéritos                     
policiais. Na tarde de 22 de agosto de 1976, um domingo, o                       
ex­presidente deixou São Paulo e pegou a via Dutra em direção ao Rio                         
no Opala dirigido por seu motorista particular Geraldo Ribeiro. Por volta                     
de 18h, na altura do antigo quilômetro 165, em Resende (RJ), o carro                         
se desgovernou, cruzou a pista e bateu de frente com uma carreta, que                         
vinha em sentido contrário. Desde então, começaram as controvérsias.                 
JK teria sido vítima de um atentado ou foi apenas um acidente comum,                         
como concluiu a polícia em 1976 e 20 anos depois, quando foi reaberto                         
o inquérito? 
 
Boato – A família nunca acreditou na versão oficial, de que o carro de                           
JK teria sido abalroado por um ônibus da Viação Cometa, e, por isso,                         
teria se desgovernado. Das três mortes, a de JK é a mais misteriosa.                         
Duas semanas antes do acidente, jornais, rádios e tevês haviam                   
recebido a notícia de que o ex­presidente havia morrido,                 
coincidentemente num desastre de carro.” O boato foi na verdade um                     
balão de ensaio lançado pelos militares linha dura que queriam testar a                       
reação do País à morte de JK”, afirmou Serafim Jardim, amigo do                       
ex­presidente e autor do livro Juscelino Kubitschek.: onde está a                   
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verdade? Ao saber dos boatos, JK comentou com Serafim: “Estão                   
querendo me  
matar, mas ainda não conseguiram.” 
 
  São inúmeras as falhas da investigação. Um dos fatos mais                   
intrigantes é o de que os peritos não incluíram nos dois laudos feitos                         
sobre o acidente as fotos dos corpos de JK e do motorista “por                         
recomendação de ordem superior”. “Até hoje essas fotos não                 
apareceram”, acrescentou Serafim. O amigo do ex­presidente ressalta               
ainda que apenas 9 dos 33 passageiros do ônibus foram ouvidos pela                       
polícia e nenhum disse que o motorista Josias Nunes de Oliveira teria                       
batido no carro de JK. O juiz Gilson Vitorino, de Resende, também o                         
inocentou em sentença que consta do processo. 
 
  O segundo laudo do acidente foi assinado pelo perito Sérgio de                     
Souza Leite, que em 1995 foi demitido do Ins­ tituto de Criminalística                       
Carlos Éboli, do Rio de Janeiro, após ter sido alvo de denúncias contra                         
seus laudos no Ministério Público. O perito aposentado Alberto Carlos                   
Minas, que foi contratado pelos responsáveis pela reabertura do                 
inquérito, em 1996, rechaçou as perícias feitas na época da morte do                       
ex­presidente. “O ônibus não tocou no carro de JK. Se tivesse batido no                         
Opala, como a versão oficial sustenta, o ônibus teria atropelado o carro                       
onde estava Juscelino”, concluiu Minas. Permanece no ar a pergunta: O                     
que fez o carro de JK se desgovernar? 
 
  As investigações passaram longe de um fato importantíssimo,               
comprovado por ISTOÉ na semana passada. Pouco antes de morrer, JK                     
parou por cerca de 40 minutos no Hotel Fazenda Villa Forte, em                       
Resende. O estabelecimento fica a menos de três quilômetros do local                     
do acidente e seu dono era o brigadeiro Newton Villa Forte, um dos                         
criadores do serviço secreto das Forças Armadas, embrião do SNI.                   
Mesmo tendo ido para a reserva em 1949, o oficial foi ativo no golpe de                             
37 
 
 
64, servindo de elo entre generais paulistas e mineiros que marcharam                     
sobre o Rio a partir da Academia Militar das Agulhas Negras, em                       
Resende. Seria mera coincidência JK morrer minutos depois de deixar o                     
hotel de um integrante da comunidade de informações, responsável                 
pelos frequentes atentados contra os opositores do regime militar? 
 
Perseguições – O brigadeiro Villa Forte morreu em 1981, mas seu                     
filho Gabriel, 46 anos, um dos atuais donos do hotel, lembra de seus                         
comentários sobre a passagem de Juscelino. “JK parou aqui para tomar                     
água ou chá e esticar as pernas nas alamedas”, diz Gabriel. Na versão                         
de seu pai, o brigadeiro reconheceu o ex­presidente e foi                   
cumprimentá­lo. Segundo Gabriel, o hotel abrigou várias reuniões de                 
oficiais de alta patente do serviço de inteligência, mas naquele dia não                       
teria havido reunião. “Meu pai estudou com Castello Branco e deu aulas                       
ao general João Figueiredo. Golbery esteve várias vezes aqui”, afirma.                   
O episódio surpreendeu Maristela Kubitschek, filha do ex­presidente.               
“Nunca tinha ouvido esta história do hotel. A comissão é que vai poder                         
investigar”, disse Maristela, referindo­se à comissão aberta a pedido do                   
deputado Paulo Octávio (PFL­DF), genro de sua irmã Márcia. 
 
  A comissão que investiga a morte de Jango foi pedida pelo                     
deputado Miro Teixeira (PDT­RJ). A história oficial conta que o                   
ex­presidente morreu de ataque cardíaco em 6 de dezembro de 1976                     
em sua fazenda na Argentina. As dúvidas sobre o atestado de óbito –                         
que fala apenas em enfermidad (doença) – atormentam a viúva Maria                     
Thereza e os filhos João Vicente e Denise. Maria Thereza, 63 anos,                       
começou a desconfiar de assassinato em 1982, quando surgiram as                   
primeiras denúncias.  
 
  João Vicente, 43 anos, subsecretário de Agricultura do Estado do                   
Rio, acredita que o maior indício de que seu pai sofria perseguições foi                         
a “visita” no início de 1976 de três brasileiros desconhecidos ao                     
38 
 
 
escritório de exportação onde Jango trabalhava, na avenida Corrientes,                 
centro de Buenos Aires. “Um comando como este só não levou Wilson                       
Ferreira Aldunate (candidato à presidência do Uruguai) porque ele fugiu                   
de pijamas para a embaixada do México”, relata. João Vicente recebeu                     
uma carta do pai em maio de 1976, alertando para a tensão em que                           
vivia: “Há dois dias sequestraram do hotel nossos amigos Michellini e                     
Gutierrez Ruiz (senador e deputado da Frente Ampla uruguaia,                 
assassinados). Uma monstruosidade que me leva a pensar em meu                   
futuro na Argentina.” 
 
  A família Goulart, que suspeita ter havido envenenamento ou                 
troca do remédio para o coração, se recusava a permitir a exumação do                         
corpo, mas mudou de idéia com as notícias sobre a Operação Condor.                       
João Vicente alega que antes não existia tecnologia capaz de detectar                     
com precisão a real causa da morte. “Nossa única condição à exumação                       
é ter certeza de que serão usadas as técnicas mais eficazes”, exige o                         
filho de Jango. Maria Thereza conta que nunca tinha lido o atestado de                         
óbito. “Apenas dobrei o papel e o guardei na gaveta. Só soube pelo                         
noticiário que o médico argentino escreveu apenas enfermidad. Acho                 
estranhíssimo não haver um diagnóstico correto.” 
 
3.4. A MORTE DE EMANNUEL BEZERRA DOS SANTOS 
 
Líder da Casa do Estudante e importante dirigente do Partido                   
Comunista Revolucionário (PCR), Emmanuel Bezerra dos Santos logo               
chamou a atenção dos militares em sua luta pela democracia. Por isso,                       
acabou sendo assassinado pelo Coronel de infantaria Cúrcio Neto                 
(codinome Doutor Fernando) em meados de 1973. 
 
O ex­preso político e jornalista Rubens Lemos teve a oportunidade de                     
conhecê­lo antes da tragédia e descreve parte da história desse                   
corajoso militante político: 
39 
 
 
 
Do alto da escadaria, no saguão de entrada, lá estava ele: EMMANUEL                       
BEZERRA. Com sua cara tipicamente interiorana, o líder da Casa do                     
Estudante falava agitado. As palavras fluíam fáceis e convincentes.                 
EMMANUEL esgrimia palavras como uma espada de fogo ­ num belo e                       
comovente discurso contra o regime militar que sufocava as liberdades                   
do povo. Chamava/conclamava os colegas para ­ ao lado do povo                     
organizado ­ combater a insanidade repressora patrocinada pelos               
"donos do Brasil". 
 
Policiais (pouco disfarçados) faziam plantão, dentro e fora do Atheneu.                   
Os olhos da Ditadura estavam voltados para aquele jovem nascido em                     
Caiçara. 
 
Não haveria possibilidade de realização do debate para o qual haviam                     
me convidado os secundaristas. A música era outra; A voz de                     
EMMANUEL BEZERRA e, ele próprio, encarnando a resistência contra o                   
arbítrio. 
 
Muitas vezes, mesmo que rapidamente, mantivemos contato.             
EMMANUEL sempre se mantinha íntegro. Coragem e determinação à                 
flor da pele. 
 
Um dia, a repressão iniciou a caçada sistemática ao jovem líder. Ele,                       
porém, já estava nos becos da clandestinidade. Transformara­se num                 
guerrilheiro. ​EMMANUEL, O COMBATENTE. 
 
Em 1970, eu também procurado pela Ditadura, vi­me obrigado a correr                     
mundo. Escondido no Rio de Janeiro, pude saber notícias de                   
EMMANUEL: ele passara a ser um dos principais dirigentes do Partido                     
Comunista Revolucionário (PCR). Durante esse período, nunca cheguei               
a me encontrar com ele. 
40 
 
 
 
De volta à penitenciária (Colônia Penal "João Chaves") ­ em Natal ­ RN,                         
ainda completamente massacrado pelas torturas sofridas no DOI ­                 
CODI, em Recife ­ PE, eu sabia, apesar de tudo, que EMMANUEL                       
BEZERRA fora assassinado, junto com Manoel Lisboa. 
 
A informação, obtida nos porões do DOI ­ CODI, era estarrecedora:                     
EMMANUEL BEZERRA havia sido ­ poucos dias antes da minha chegada                     
àquele organismo de terror ­ submetido às mais torpes formas de                     
violência contra o ser humano. Todas elas comandadas, segundo a                   
informação pelo então ​Coronel Cúrcio Neto, codinome Doutro               
Fernando​.  
 
Alguns detalhes macabros: EMMANUEL BEZERRA, enfrentando o             
sadismo dos seus algozes, assumiu uma postura da mais alta                   
dignidade: sabendo de tudo (ou quase tudo), não disse nada, fazendo                     
relembrar a memorável figura de Jean Moulin, herói da Resistência                   
Francesa, conforme André Malraux, em seu livro ­ documento ‘Anti ­                     
Memórias".  
 
Ensandecidos, os torturadores (teria sido, segundo me             
disseram, o próprio "Doutro Fernando"), cortaram a pele de                 
EMMANUEL à base de tesoura. Sem qualquer assistência ou                 
acompanhamento médico, sobreveio a gangrena e,           
posteriormente, o "tiro de misericórdia" desfechado pelo             
Coronel Cúrcio Neto​. 
 
O que faço, agora, é repassar o que me foi contado dentro do "círculo                           
de ferro" do DOI ­ CODI, por fonte (preso político) que, não me parece,                           
tenha estado sob qualquer suspeita da esquerda revolucionária. 
 
41 
 
 
O fato: o que restou de EMMANUEL foi localizado em cemitério                     
clandestino situado a quase 4 mil kms de Recife ­ PE. Em princípio me                           
causou, no mínimo, estranheza. "Alguém terá mentido?" A reflexão foi                   
necessária e responsável para o que, hoje, me parece óbvio, em                     
termos de conclusão: EMMANUEL era dirigente de uma Organização                 
com profundas raízes (políticos, sociais e ideológicas) Nordestinas.  
 
O grande aparato repressor não poderia facilitar e atuou de forma                     
profissional: translada­se o corpo para uma região, literal e                 
geograficamente distante e distinta (em termos de valores), e ter­se­á                   
eliminado ou embaralhado pistas. Uma questão de segurança, de                 
acordo com a ótica da "comunidade de informação e repressão" então                     
vigente. Infra ­ estrutura eles sempre tiveram para atingir os objetivos                     
desejados. Até hoje. 
 
De qualquer maneira, o que sabemos (e sentimos) é que EMMANUEL                     
BEZERRA foi assassinado brutalmente por um SISTEMA cruel e                 
desumano. 
 
EMMANUEL BEZERRA morreu como um paladino e paradigma da                 
liberdade do povo brasileiro. Por isso ­ e para revolta embutida pelos                       
seus assassinos ­ ele permanece vivo. 
 
3.5. A MORTE DE DAVID CAPRISTANO 
 
O Dirigente do Partido Comunista Brasileiro – PCB David Capistrano da                     
Costa (1913­1974) sempre foi atuante na história política de seu País.                     
Por ter participado do Levante de 1935, perdeu o posto de sargento da                         
Aeronáutica. Além da expulsão das Forças Armadas em decorrência do                   
supracitado episódio, foi condenado pelo ​Estado Novo a nada menos                   
que 19 (dezenove) anos de prisão.  
 
42 
 
 
Mesmo diante de sua injusta condenação, David não esmaeceu.                 
Participou da Guerra Civil Espanhola durante a ocupação nazista e                   
acabou sendo detido pelos alemães em um campo de concentração,                   
mas conseguiu ser libertado e retornou ao solo brasileiro. 
 
De volta ao território nacional, foi contemplado com o benefício da                     
anistia em 1945, e dois anos depois ganhou a eleição para Deputado                       
Estadual em Pernambuco.  
 
No dia 31 de março de 1964, David Capistrano teve um encontro com                         
Miguel Arraes, objetivando conseguir armas para resistir ao golpe                 
militar. Segundo Miguel Arraes, em depoimento a respeito:  
 
"​David, que tinha participado de outras lutas, achava               
que uma resistência armada devia se dar. Eu fiz ver                   
a ele que tínhamos de medir as coisas de maneira                   
mais geral, e que nenhuma dessas possibilidades             
poderia ser descartada, mas não poderíamos agir             
sem uma coordenação qualquer fora do Estado. Eu               
tinha sido encarregado por Jango de fazer um               
balanço rápido da situação dos outros Estados, para               
uma contraposição ao que estava ocorrendo no Sul.               
Somente três governadores apoiavam o Governo:           
eu, Seixas Dória e Bagder Silveira. Também não               
tínhamos preparação, numa situação em que forças             
federais e estaduais não era solidárias ao Governo.               
Algumas medidas haviam sido tomadas, mas havia             
condicionamento para um tipo de ação. Tínhamos             
pouca gente ​na polícia. E o Palácio do Governo era                   
indefensável, pois só era apto para batalhas do               
século XVII. Para resistir, tínhamos que sair. E para                 
sair, tínhamos que declarar, e já sair numa posição                 
43 
 
 
de força. Falei com Jango, entre o dia 31 de março e                       
o 1o de abril, e vi que ele não resistiria. Desde a                       
crise da legalidade, Jango tinha optado por soluções               
negociadas​.”  8
 
À época, David Capristano também atuava na política pernambucana                 
dirigindo os jornais "A Hora" e "Folha do Povo". 
 
No dia do golpe militar, David escondeu­se em uma mata próxima,                     
consoante explicou a Miguel Arraes algum tempo depois, quando do                   
exílio. Conseguiu, pois, livrar­se da prisão. A mesma sorte, contudo,                   
não tiveram sua esposa, Maria Augusta, e seu filho mais velho, David                       
Capistrano da Costa Filho, que ficaram presos durante alguns meses,                   
negando quaisquer acusações. 
 
Em 1971, o PCB ordenou a ida de David Capristano à Tchecoslováquia,                       
a fim de protegê­lo da repressão ditatorial. Lá, redigia, junto com                     
outros indivíduos, a chamada Revista Internacional. Um ano depois, em                   
1972, David se encontraria novamente com Miguel Arraes, que saiu de                     
seu exílio, na Argélia, para rever o dirigente comunista na                   
Tchecoslováquia. No tocante a esse encontro, esclareceu             
posteriormente Miguel Arraes: 
 
"​Notei que David ficava calado, só ouvindo, e pelo                 
que eu conhecia dele, deduzi que estava contrariado,               
discordando. Depois que terminaram as         
conversações, saí com David, que foi me mostrar a                 
cidade de Praga. Ele me disse que discordava das                 
posições colocadas por Giocondo. Não aceitava o tipo               
de contemporização que estava sendo empreendida.           
8
 MELO, Marcelo Mário de. ​Ditadura militar​. Disponível em: 
<​http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/perfil/parlamentares/DavidCapistrano/05.html
> Acesso em: 19 de abril de 2012. 
44 
 
 
Achava que as condições internacionais, a exemplo             
da luta no Vietnam, mostravam que não haveria               
recuo das forças conservadoras no mundo. Também             
não achava que se deveria precipitar a luta de                 
qualquer jeito, mas discutir para preparar uma             
resistência mais decidida do que a que era feita                 
naquela oportunidade. Ele adotava, em grande           
medida, as críticas de Marighela, embora discordasse             
das soluções propostas por ele. Considerava           
Marighela precipitado​."  9
 
Em 1974, David Capistrano avisou à família que decidira enfim retornar                     
ao Brasil. E de fato o fez. Da Tchecoslováquia, chegou à cidade                       
uruguaia de Paso de Los Libres, fronteira com Uruguaiana, no Rio                     
Grande do Sul, onde havia sido montado um esquema da travessia                     
junto a outros militantes do PCB.  
 
Houve dificuldades em passar David para o lado brasileiro, devido à sua                       
volumosa bagagem, com catorze quilos somente de livros. Alguns dias                   
depois, chegou a Uruguaiana um enviado do PCB, José Roman, que                     
transportaria David Capistrano a São Paulo. Partiram no dia 15 de                     
março de 1973 e nunca mais se soube a seu respeito de ambos,                         
provocando uma onda de desespero nos familiares respectivos.  
Após o desaparecimento de David, foram continuamente             
desaparecendo também outros dirigentes do PCB. Devido a esses                 
misteriosos desaparecimentos, formou­se o Grupo de Familiares de               
Presos Políticos, que buscava o apoio da sociedade civil, da OAB e de                         
outros órgãos que pudessem contribuir para o esclarecimento dos                 
fatos, mas sem muito êxito. 
 
9
 ​MELO, Marcelo Mário de. ​Exílio e retorno​. Disponível em: 
<​http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/perfil/parlamentares/DavidCapistrano/06.html
> Acesso em: 19 de abril de 2012. 
45 
 
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  • 1.         EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA      Representantes:    1) INSTITUTO MIGUEL ARRAES – IMA​, associação de direito                privado sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob o nº.                    09.302.972/0001­44, com sede na cidade do Recife, Estado de                  Pernambuco, neste ato representado pelo seu presidente e                advogado;    2) ANTÔNIO RICARDO ACCIOLY CAMPOS​, brasileiro, divorciado,            advogado, presidente do Instituto Miguel Arraes – IMA, inscrito                  na OAB/PE sob o nº. 12.310, portador do título eleitoral nº.                      0034.3241.0868, com endereço profissional à Rua do Chacon, nº.                  335, Casa Forte, Recife, Pernambuco, CEP: 52061­400.      Objeto:    Abertura de inquéritos e/ou ajuizamento de medidas judiciais em                  desfavor dos sobreviventes participantes da Operação Condor no Brasil,                  responsáveis por vitimar diversas lideranças políticas.    Feito:    REPRESENTAÇÃO PARA ABERTURA DE INQUÉRITO OU  INVESTIGAÇÃO.   1   
  • 2.     SUMÁRIO      1. A Comissão da Verdade: Lei 12.528/11...................................​07    2. Objetivos da representação e os contornos da Operação Condor ​10    2.1. Objetivos da representação ....................................... ​10    2.2. Os contornos da Operação Condor ..............................​ 10    2.2.1. Operação Condor: Necessidade de Investigação ­              Ditaduras Entrelaçadas ............................................​11      2.2.2. Depoimento do Governador Miguel Arraes .... ....​13    3. As Misteriosas Mortes de Jango, JK e Lacerda ..........................​25    3.1. A morte de Jango ..................................................... ​25    3.2. A morte de JK .......................................................... ​27    3.3. A morte de Lacerda .................................................. ​33    3.4. A morte de Emmanuel Bezerra dos Santos ................... ​39      3.5. A morte de David Capristano ....... .............................. ​42    3.6. A morte de Joaquim Pires Cerveira .............................. ​45    3.7 Caso Edmur Péricles Camargo ......................................​51      5. O Sequestro dos Uruguaios: Comprovação da real existência da                    Operação Condor no Brasil..........................................................​53    6. A Matriz Verde­Amarela da Operação Condor ...........................​54    7. Justiça Espanhola .................................................................​63    8. Justiça Italiana .....................................................................​67    9. Decisões Judiciais das Justiças da Argentina e do Chile...............​69    9.1. Argentina ................................................................ ​69    9.2. Chile ....................................................................... ​70  2   
  • 3.     10 . O Direito Internacional de Direitos Humanos..........................​72      11. A Impunidade Fere a Democracia ..........................................​77    12. Intolerância à Tortura – Pedagogia ....................................... ​81    13. Dos Pedidos........................................................................​87    14. Requerimentos de Provas .....................................................​88    15. Referências ........................................................................​91    16. Anexos ............................................................................. ​94    15.1. Lei 12.528/11 ......................................................... ​94    15.2. Lei 12.527/11 ........................................................ .​99                                    3   
  • 5.             “Em 1976, alguns órgãos, contrários à abertura  promovida pelo Presidente Geisel, buscavam  soluções extralegais”.    Armando Falcão, ministro da Justiça do governo              Ernesto Geisel (1973­1979), em entrevista a O Globo.      “A verdade cura. Às vezes ela arde, mas cura”.    Desmond Tutu, Bispo sul­africano, Prêmio Nobel da Paz.       “Só há uma causa maior: a verdade!”    Moacir Danilo Rodrigues (1942­1998), juiz, Brasil.                       5   
  • 6.           1. A COMISSÃO DA VERDADE:  LEI 12.528/11        Após décadas de protestos e intensos colóquios acerca das malsinações                    ocorridas no ainda recente período ditatorial brasileiro, foi instituída a                    Lei 12.528, em 18 de novembro de 2011. A referida lei deu existência a                            Comissão da Verdade, cuja maior finalidade é, nos termos da própria                      legislação em comento,     Art. 1º. .[...] ​examinar e esclarecer as graves                violações de direitos humanos ​praticadas no            período fixado no ​art. 8​o do Ato das Disposições                  Constitucionais Transitórias (​de 1946 até a data de                promulgação da atual Constituição​), ​a fim de              efetivar o direito à memória e à verdade                histórica e promover a reconciliação          nacional​. (Adaptado) (Grifos nossos)      Portanto, no espaço de tempo acima delimitado (de 1946 até a data de                          promulgação da atual Constituição), está incluído o regime de ditadura                    militar brasileiro (1964­1985), cujas práticas de violações de direitos                  humanos hão de ser apuradas.    Consistem em ​objetivos da Comissão Nacional da Verdade​, dentre                  outros, definidos no art. 3º da lei 12.528/11 , determinar os órgãos e                       1 1  Art. 3​o​ . São objetivos da Comissão Nacional da Verdade:   I ­ esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de                            direitos humanos mencionados no​ ​caput do art. 1​o​ ;   6   
  • 7.   entidades responsáveis pelas práticas de violação de direitos humanos                  e elucidar as mortes e desaparecimentos àquela época, ​mesmo que                    realizados fora do âmbito nacional (a título de exemplo, no caso do                        ex­presidente Jango, cuja morte ocorreu no exterior, quando de seu                    exílio na Argentina).     Como é sabido, a Comissão em pauta gozou de prazo de 2 (dois) anos                            para tecer um relatório minucioso acerca das investigações e                  conclusões realizadas. Outrossim, também deveria realizar            recomendações acerca de políticas públicas destinadas a evitar a                  violação de direitos humanos, prevenindo tais práticas ao máximo.  Cumpre ressaltar, ainda, que as atividades da Comissão Nacional da                    Verdade tiveram o caráter público e qualquer cidadão que desejou                    esclarecer alguma circunstância, teve oportunidade de fazê­lo,              solicitando informações à Comissão em pauta.     Findo o período estipulado (2 anos), a Comissão foi extinta em caráter                        definitivo , bem como os cargos decorrentes de sua existência, através                   2 da exoneração dos participantes.  II ­ promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes,                      desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que                    ocorridos no exterior;   III ­ identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as                            circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos mencionadas                    no caput do art. 1​o e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na                              sociedade;   IV ­ encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação                      obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de                            desaparecidos políticos, nos termos do ​art. 1o da Lei no 9.140, de 4 de dezembro de                                1995;​   V ­ colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de                          violação de direitos humanos;   VI ­ recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação                          de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação                        nacional; e   VII ­ promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos                          casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja                          prestada assistência às vítimas de tais violações.​   2 ​Art. 11.  ​A Comissão Nacional da Verdade terá prazo de 2 (dois) anos​, contado da                                data de sua instalação, ​para a conclusão dos trabalhos, devendo apresentar​, ao final,                          relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as                    conclusões e recomendações. (Grifos nossos)    7   
  • 8.     Nos dizeres do atual Ministro da Defesa, Celso Amorim, em entrevista                      publicada na Revista Istoé de abril/2012:    A Comissão da Verdade é o último capítulo da                  transição democrática​, um epílogo. Há muito tempo              estão sendo escritas outras coisas novas da fase                democrática, mas ficou essa questão. É uma              necessidade da sociedade em conciliar­se consigo            própria conhecendo a verdade . 3   O referido Ministro destacou ainda que a lei 12.528/11 recebeu a                      anuência de grande parte do Congresso Nacional, gerando                incredulidade entre aqueles que não acreditavam na possibilidade de                  sua aprovação:    Sei que o (deputado) Jair Bolsonaro não votou, mas                  os demais deputados aprovaram a comissão. Aliás,              foi uma das poucas leis aprovadas pelo Congresso                com tanto consenso​. Não vejo nenhuma razão para                temer uma judicialização. A própria lei que              estabelece a Comissão reitera a Lei da Anistia.     Em suma, essa Comissão foi a grande oportunidade de colocar em                      pratos limpos acontecimentos ainda ocultos que em muito                envergonham a memória do País, mas cujo esclarecimento é de                    extrema relevância, inclusive a fim de evitar reincidências futuras e                    efetivar a reconciliação nacional, assim como em respeito à memória                    das vítimas e de seus respectivos familiares.     3 AMORIM, Celso. ​"A Comissão da Verdade é o epílogo da transição                        democrática”​. Entrevista publicada na Revista Istoé nº. 2212, Edição de 04 de abril                          de 2012.  8   
  • 10.   2. OBJETIVOS DA REPRESENTAÇÃO  E OS CONTORNOS DA OPERAÇÃO CONDOR­ UM ROTEIRO DE  TRABALHO INVESTIGATIVO    2.1. Objetivos da representação    O presente instrumento de representação se destina a incitar este                      órgão a propor medida judicial em desfavor dos sobreviventes                  precursores e participantes da Operação Condor no Brasil, responsáveis                  por vitimar os líderes opositores, de esquerda, para que se faça justiça                        àqueles que porventura suportaram os amargos efeitos dela                decorrentes. Tal operação já teve sua existência neste país comprovada                    por ocasião dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade – CNV,                      conforme trabalho em anexo.    2.2. Os contornos da Operação Condor    No livro ​As Garras do Condor, ​Nilson Mariano assim define tal                      operação:    “As ditaduras militares que subjugaram o Cone Sul, nas                  décadas de 1970 e 1980, planejaram uma organização                terrorista, secreta e multinacional para caçar adversários              políticos. Era a Operação Condor, a aliança que interligou os                    aparatos repressivos da Argentina, do Chile, do Uruguai, do                  Paraguai, da Bolívia e do Brasil. Agindo além das fronteiras,                    os sócios, do condor tinham permissão para prender,                torturar, matar e ocultar cadáveres. Promoveram uma              guerra de extermínio, sob patrocínio dos Estados.”    “Com a Operação Condor as ditaduras derrubaram as                fronteiras geográficas e políticas, aboliram tratados de              10   
  • 11.   proteção a refugiados e desrespeitaram regras de direito                internacional. O horror passou a circular sem passaporte.                Nas incursões além­fronteiras, não foram apanhados            somente guerrilheiros e militantes marxistas – os alvos                imediatos­, mas também ex­presidentes, ministros,          parlamentares, generais legalistas, sindicalistas,        estudantes, intelectuais. Enfim, todos que ousassem            discordar.”    Segundo o Secretário de Direitos Humanos da Argentina, Eduardo                  Duhalde, indagado acerca da expectativa sobre os segredos que a                    Comissão Nacional da Verdade, cuja lei foi sancionada em novembro de                      2011, traria à tona, ​“mais do que manter sua caixa­preta fechada,                      o Brasil foi o fiador da Condor, porque a Operação não poderia                        ter existido sem a vontade política do País hegemônico da                    região” . 4    ​2.2.1. ​A Operação Condor:  Necessidade de investigação – ditaduras entrelaçadas    No livro ​O Beijo da Morte, ​de Carlos Heitor Cony e Anna Lee há a                              seguinte cronologia de fatos:    ” 28 de setembro de 1975  Ofício confidencial do general Manuel Contreras, chefe do DINA (serviço                    secreto do governo chileno) ao general João Baptista Figueiredo, então                    chefe do SNI (serviço secreto do governo brasileiro), dando conta da                      mudança da política norte­americana em relação às ditaduras militares                  do Brasil, Chile, Argentina e Uruguai. Com a chegada de Jimmy Carter                        4 AQUINO, WILSON. In: ​Ditaduras Entrelaçadas​: documentos comprovam que a                    participação de autoridades brasileiras na Operação Condor foi fundamental para a                      aliança dos governos totalitários da América Latina. Revista Istoé, Edição de 30 de                          novembro de 2011.  11   
  • 12.   à Casa Branca, seria retirado o apoio de Washington aos regimes                      totalitários do Cone Sul. O general Contreras cita nominalmente                  Orlando Letelier, ex­ministro de Salvador Allende, e Juscelino                Kubistchek, ex­presidente do Brasil, como lideranças que poderiam ser                  reabilitadas e criar problemas às ditaduras da região.     7 de agosto de 1976  Por volta das 18 horas deste sábado, core a notícias de que Juscelino                          Kubitschek teria morrido num acidente de carro na estrada que liga                      Luziânia a Brasília. JK iria fazer realmente este deslocamento, mas à                      última hora, preferiu ficar em sua fazendinha, em Luzitânia. À noite,                      recebe jornalistas e equipes de TV que procuram confirmar a notícia.    22 de agosto de 1976  Às 18h15, morre Juscelino Kubitschek num acidente de carro no km                      143 da Rio–São Paulo. Nos dias anteriores, JK escondera de seus                      parentes e amigos mais próximos esta viagem ao Rio, quando                    almoçaria, no dia seguinte, com o advogado e ex­ministro português                    Adriano Moreira, que cuidava de um processo movido pelo governo                    oriundo da Revolução dos Cravos, em Portugal, no qual estavam                    citados a empresária portuguesa Fernanda Pires de Melo, o                  ex­embaixador Hugo Gouthier e o próprio JK. Chegando ao Rio no final                        da tarde daquele domingo, ele dormiria com Lúcia Pedroso no                    apartamento dela, em Ipanema, sendo absurdo o insinuado encontro                  de alguns minutos dos dois num hotel da Rio­São Paulo.     21 de setembro de 1976  Morre, em Washignton, Orlando Letelier, quando uma bomba explodiu                  em seu carro. O atentado foi investigado pela polícia norte­americana,                    que culpou agentes do DINA e, em especial, o general Contreras, que                        atualmente cumpre pena de prisão perpétua no Chile.    12   
  • 13.   6 de dezembro de 1976  Depois de receber numerosos avisos para que não dormisse duas                    noites no mesmo lugar, o ex­presidente João Goulart morre na                    Argentina, na cidade de Mercedes, próxima à fronteira com o Rio                      Grande do Sul. Ele continuava exilado pelo regime militar brasileiro,                    mas disposto a retornar brevemente a São Borja, sua cidade natal.    21 de maio de 1977  Após internar­se na Clínica São Vicente, sem diagnóstico preciso, mas                    com suspeita de septicemia, morre Carlos Lacerda, ex­governador da                  Guanabara, que juntamente com Kubitschek e Jango havia criado a                    Frente Ampla, que seria a alternativa civil para o retorno do Brasil à                          democracia. Uma enfermeira portuguesa, que trabalhara para a Pide                  (polícia salazarista), comenta que já vira casos assim, de morte                    precipitada por medicamentos no soro hospitalar.    21 de agosto de 1982  O juiz Juan Espinoza, do tribunal argentino de Curuzu Cuatiá, pede a                        exumação do corpo de João Goulart, devido a suspeitas de que ele teria                          sido assassinado ao tomar remédios que foram trocados por pessoas                    próximas a ele. Mais tarde, outro pedido de exumação também não foi                        atendido.​“    2.2.2. Depoimento do Governador Miguel Arraes    Transcrevemos a seguir trecho do relatório final contendo o depoimento                    do Governador Miguel Arraes na Comissão sobre a morte de Jango no                       5 Congresso Nacional Brasileiro, juntando também o áudio com o                  depoimento:     5 ​Relatório final (Série Ação Parlamentar; n. 243)​. Brasília: Câmara dos                      Deputados, Coordenação de Publicações, 2004, p. 53­59.   13   
  • 14.   “Além de informações concretas sobre a forma como obteve                  conhecimento antecipado a respeito do processo de eliminação de                  lideranças políticas em curso na América do Sul, o Governador Miguel                      Arraes trouxe a esta Comissão a perspectiva de um agente político                      relevante, que acompanhava os acontecimentos de uma posição muito                  distinta da maioria de nossos entrevistados, exilado que estava na                    Argélia. Mais uma razão para reproduzirmos na íntegra seu                  depoimento, de maneira a registrar oficialmente sua visão dos                  acontecimentos.    As considerações iniciais do ilustre depoente ilustram amplamente a                  realidade política do mundo na época em que faleceu o ex­Presidente,                      João Goulart.    Devo dizer que eu estava distante, na Argélia, e que                    certos fatos específicos me escapam, porque eu não tive                  contato, como o Neiva, Brizola e outros, com as pessoas que                      assistiram diretamente ao caso. Entretanto, vou citar alguns                fatos que chegaram ao meu conhecimento naquele período.  Eu estava exilado na Argélia. O asilo político me foi                    concedido pelo Governador argelino. Nós éramos alguns              poucos que tínhamos esse asilo. Havia muitos refugiados:                cerca de oito mil refugiados políticos em Argel, de todos os                      países, da Europa até a Indonésia. Havia gente de todo o                      lado. E os argelinos tinham especial cuidado com toda essa                    gente que estava lá refugiada, longe de seus países e,                    particularmente, com aqueles a quem tinham dado asilo                político, porque se consideravam responsáveis por essas              pessoas que o Governo tinha levado oficialmente para lá.  E alguns fatos também faziam com que eles exercessem                  vigilância ou acompanhassem, não para saber da nossa vida,                  mas para dar a segurança que fosse possível às pessoas que                      14   
  • 15.   estavam sob a responsabilidade do Governo argelino. E eles                  tinham tido casos concretos de assassinatos políticos, como o                  do General Humberto Delgado, assassinado na fronteira de                Portugal com a Espanha, que estava lá na Argélia, saiu de lá                        contra a opinião deles, aliás.  Há um assassinato de Ber Baka, líder marroquino muito                  conhecido, que também tinha a proteção da Argélia, que foi                    seqüestrado e assassinado em Paris. E assim outros casos                  desse tipo que faziam com que eles tivessem esse cuidado, o                      cuidado não só na Argélia, porque não tinha perigo por lá.                      Basta dizer que fiquei na Argélia por 14 anos. Nunca ninguém                      me pediu um documento na rua ou em canto nenhum. Só nos                        hotéis e no aeroporto, porque é obrigado. Nunca ninguém me                    pediu documento. Nós tínhamos toda liberdade lá.  Então, eles nos davam certas indicações para as viagens                  que fazíamos, porque haviam acontecido esses casos e eles                  nos preveniam que nós não deveríamos sair para outros                  lugares sem ter contato com a Embaixada, sem contato com                    alguém de confiança. E eles indicavam, quando era o caso, as                      pessoas de confiança a quem podíamos recorrer nesses                países.   Então, nós também tínhamos dificuldades. Era preciso              às vezes recorrer à Embaixada. Por exemplo, eu estive                  proibido de entrar na França durante muitos anos. Era                  proibido oficialmente entrar na França por decreto do Ministro                  do Interior francês. Tenho esse documento comigo. Não podia                  entrar, não obstante eu tinha que entrar, porque eu tinha                    família lá. Eu tinha que entrar. Então, eu sabia como entrar                      na França, mas, uma vez lá, era preciso ter condições de                      apelar para alguém se houvesse qualquer coisa.  Na Itália, não havia problema, mas havia setores na                  polícia italiana – que haviam sido contactados pelo Comissário                  15   
  • 16.   Fleury – que abordavam os brasileiros e tomavam­lhe os                  passaportes. Eu mesmo presenciei casos como o do Carlos                  Sá. Carlos Sá foi membro do Tribunal do Trabalho de São                      Paulo, era exilado. Ele estava lá; quando ia sair do hotel o                        abordou, tomou o passaporte e deu 48 horas para deixar o                      país. Como ele poderia deixar o país em 48 horas sem                      documento, sem coisa nenhuma?  Nós falamos com um senador italiano, e o senador falou                    com o primeiro­ministro, e o primeiro­ministro mandou uma                pessoa resolver o caso. Mas havia todos os complicadores que                    exigiam essas informações etc.  E nós, portanto, tínhamos pessoas na Argélia a quem                  podíamos recorrer para nos informar ou elas próprias nos                  chamavam para dar as informações que consideravam              necessárias para a nossa vida no exterior.  A principal pessoa encarregada em buscar essas              informações, porque existiam outras, o chefe desses serviços,                era o Coronel Sulleiman Hoffmann. Era assessor para                assuntos internacionais do Presidente Boumedienne. De vez              em quando, eu o via, falava com ele, dava­me muito com ele.                        Certo dia ele me telefona e diz que quer falar comigo. Eu fui                          lá. Ele me disse: “Arraes, amanhã e depois de amanhã, se                      amanhã não chegarem as pessoas, você espera até depois de                    amanhã. Você não sai de casa, espera em casa. Três pessoas                      vão lhe procurar”. Eu disse: “Pois não, está certo. Fico em                      casa”.  E fiquei efetivamente em casa, e apareceram as                três pessoas. As três pessoas exigiram muito cuidado                na conversa, isto é, eles não queriam em casa ninguém                    que não fosse da família, não queriam testemunhas.                Iam falar comigo. E me disseram o seguinte: “Nós                  estamos vindo do Cone Sul da América Latina”. Não                  16   
  • 17.   disseram de onde. “Houve uma reunião da extrema                direita para apreciar a questão de uma possível                abertura”. Já se começava a falar, porque isso está                  ligado aqueles àqueles anos da Guerra do Vietnã.  A Guerra do Vietnã estava sendo perdida. E todas                  as análises indicavam que, na medida em que a guerra                    fosse perdida, os Estados Unidos não poderiam ficar                com o mundo militarizado debaixo das botas de                soldado. Teria de ser dada uma solução intermediária                qualquer, fosse de transição ou de qualquer outro tipo.                  Então, já se debatia essa questão, e os militares sabiam                    disso. Eles viram que essa era uma tendência que não                    mais seria revertida, porque, como falei, era impossível                este mundo todo ficar com os militares mandando                eternamente. Teria de haver um paradeiro para isso. Já                  era negativo esse fato na opinião pública internacional.  Naquela fase, algumas figuras da Europa haviam              se manifestado contra a Guerra da Vietnã, e havia                  protestos cada vez maiores, inclusive nos Estados              Unidos. Uma das pessoas que em primeiro lugar                realizou um ato que teve uma grande repercussão foi                  Olof Palme, primeiro­ministro sueco, do Partido            Socialista da Suécia, que reuniu 10 mil pessoas na                  praça pública para se opor à Guerra do Vietnã.  Portanto, essa opinião que se formava fazia com                que a direita receasse uma mudança, uma              transformação. Essa reunião examinava isso e estudava              providências e precauções a serem tomadas para evitar                que pessoas importantes que estavam presas e              exiladas, em diferentes países, pudessem chegar e              empalmar a opinião pública no caso de uma eleição, de                    uma mudança brusca da situação política. Nessa              17   
  • 18.   reunião, eles já haviam condenado à morte as pessoas                  que estivessem nessa situação e que atendessem a                esse critério.  Assim, eles me pediram que transmitisse essa              informação a pessoas de outros países, pessoas que                estivesses mais ou menos nessa situação. Enfim, que                transmitisse a informação a alguém de confiança para                que cada um fizesse o trabalho dentro das suas áreas                    de exilado.  Eu perguntei por que elas, essas pessoas, pediam                isso logo para mim. Eles me disseram: “Primeiro, por                  causa da referência que nos foi dada pelo Coronel                  Hoffmann; segundo, porque analisando os nomes,            verificamos que o senhor é quem está em melhores                  condições de realizar este trabalho, pela sua condição                de exilado aqui na Argélia. O senhor pode se deslocar                    para alguns lugares, porque nós não podemos contactar                todo mundo. Não podemos contactar, porque nós não                podemos aparecer em canto algum. Nós estamos aqui                falando com o senhor excepcionalmente, porque é uma                questão decisiva e importante. Assim, o senhor vai ter                  esta missão”.  Dessa forma, eu procurei realizar a missão. Fui à                  Europa, procurei alguns exilados chilenos e pessoas de                outros países para comunicar essa notícia que me                tinham dado. Não se passou um mês desse                acontecimento, foram assassinados Gutiérrez e          Michelino, dois uruguaios, e uma sucessão de              assassinatos se seguiu nos diferentes países da              América Latina. Todos sabem, e aqui a Comissão pode                  até listar, que foi a partir dessa oportunidade que                  18   
  • 19.   mataram o General Prats, mataram o Letelier, mataram                não sei quem... Tudo isso no espaço de algum tempo.  Então, vejam, qualquer pessoa sabe que as três                pessoas mais importantes no caso da abertura no Brasil                  era Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos              Lacerda. Eram essas pessoas que podiam aparecer              como condutores de uma frente nacional para refazer o                  País. Portanto, se os senhores pegam essas três                pessoas e juntam com o critério que me foi comunicado                    naquela oportunidade, só podemos dizer que eles              tinham sido condenados à morte. Como é que eles                  morreram? É outro fato. Mas que a condenação havia,                  havia.  Um outro fato é uma conversa que tive com o                    Carlos Castello Branco. Ele passou pela Europa depois                da morte de Juscelino Kubitschek. Eu estive com ele em                    Paris por apenas um dia. Ele me procurou e estivemos                    juntos por um dia. Contei a ele essa história, e ele me                        disse que tinha procurado indagar as circunstâncias da                morte de Juscelino. Circunstâncias que ninguém até              hoje explicou, ninguém sabe delas efetivamente.            Sabe­se que ele morreu em um desastre na via Dutra.  Juscelino, que foi o homem que mais voou neste                  País, morre em um desastre de automóvel, em uma                  viagem que ele jamais faria de carro – de São Paulo                      para o Rio de Janeiro. Por que Juscelino saiu de carro?                      Ele mandou buscar o seu motorista – são detalhes que                    me informaram – no Rio de Janeiro, sendo que ele                    estava em São Paulo. O Sr. Adolfo Bloch deixava um                    carro á disposição de Juscelino, e ele tinha um                  motorista de confiança. Então, Juscelino manda buscar              o seu motorista, que também morreu no acidente, para                  19   
  • 20.   fazer essa viagem. E o motorista foi do Rio para São                      Paulo para fazer a viagem do ex­presidente.  Pois bem. O Castello dizia que o inquérito tinha                  procurado lançar a culpa para o ônibus, mas que as                    perícias que fizeram – depois ninguém fez mais perícia,                  nem quis saber de nada, nem aprofundaram as                investigações – tinham descartado o ônibus. Não podia                ser o ônibus. A tinta que estava no carro de Juscelino                      era preta. O carro que bateu e desequilibrou o carro de                      Juscelino teria sido um carro de cor preta, pois a tinta                      estava lá. Mas que esse tal carro preto tinha sido visto                      por testemunhas. Então, o Castello Branco lançava              muitas questões em cima da morte de Juscelino                Kubitschek.   Vejam, no meu caso, o que eu posso dizer, diante                    dessas informações e sobretudo da comunicação que              me foi feita, nas circunstâncias em que recebi tais                  informações, é que havia essa condenação e que                morreram sucessivamente no Brasil Juscelino, Jango e              Lacerda, os homens que haviam sido indicados na                condenação prévia nessa reunião no Cone Sul. Então,                na minha cabeça. Eu não diria que nenhum deles                  morreu de morte natural. A suspeita e a dúvida existem                    evidentemente. Se esta Comissão puder aprofundar            com fatos e testemunhas, penso que será da maior                  importância a apuração de tal procedimento.  Era o que eu podia dizer, Sr. Presidente.    Os debates que se seguiram à exposição inicial permitiram ao expositor                      precisar alguns fatos e tecer novas considerações.    20   
  • 21.   Registre­se, em primeiro lugar, que o depoente evitou falar de lista de                        pessoas a serem assassinadas. Deixou claro que seus informantes não                    falaram em lista. Eles estabeleceram o critério que havia sido adotado                      na reunião. O critério era esse, ou seja, quem tivesse certas condições                        ou ameaçasse levantar o País, levantar a população em uma posição                      oposta à deles tinha de morrer antes. Ora, nesse processo militar, era                        esse um dos objetivos: liquidar não só as grandes lideranças, mas                      liquidar as lideranças do País, seja pela prisão, pelo decurso do tempo,                        por tudo. Esse era um procedimento traçado por eles.     Em segundo lugar, o depoente pôde precisar a data em que se reuniu                          com seus informantes: quinze, vinte dias antes do dia em que foram                        assassinados os Srs. Michelini e Gutiérrez.    Em terceiro lugar, o depoente detalhou melhor a situação das pessoas                      que lhe transmitiram as informações sobre articulações da extrema                  direita para eliminar líderes populares na América do Sul.    ... essas pessoas que me procuraram não deram o                  nome. Elas estavam credenciadas, quer dizer, eu sabia que                  eram pessoas que eu devia escutar, mas eram agentes.                  Ninguém pode saber quem são essas pessoas que se                  infiltraram para saber dessa reunião do Cone Sul, e                  evidentemente eu não tinha nem condições de perguntar. Se                  perguntasse, elas podiam até me dar um nome falso, porque                    não podiam aparecer. Essas pessoas me procuraram e                explicaram – não sei se fui claro – que me escolhiam, porque                        não podiam procurar muita gente e aparecer para exilado                  chileno, para exilado daqui...  Eles não podiam, pela função que exerciam, a função                  deles era ter a cara escondida, isso é uma coisa lógica. Daí o                          fato de terem conseguido essa informação de uma reunião                  21   
  • 22.   ultrafechada. O coronel, que por sinal faleceu, é o homem do                      Governo argelino que disse que essas pessoas iam me                  procurar, e efetivamente me procuraram para dizer isso. Era                  o Coronel Sulleiman Hoffmann. Esse coronel já é falecido. Era                    assessor do Presidente Boumedienne.    Em quarto lugar, o depoente manifestou desconhecimento a respeito                  das pessoas que lidavam com o Presidente João Goulart no Uruguai,                      com exceção parcial de Cláudio Braga.      Infelizmente, não posso dizer nada a esse respeito.                Conheço o Cláudio Braga, porque ele foi presidente de                  sindicatos em Pernambuco. Não tinha muita ligação ou                aproximação com ele, embora me dê com ele. Ele conhecia o                      Presidente João Goulart. Eu sei que ele conhecia já de antes,                      mas esse relacionamento mais próximo foi coisa do exílio.                  Não era um relacionamento que existia antes. Essa é uma                    coisa que só o pessoal que morava no Uruguai pode saber.    Em quinto lugar, o depoente voltou a emitir dúvidas sobre a morte de                          Juscelino Kubitschek.    A perícia em relação a Juscelino conclui ter sido um                    acidente. Acidente foi; porém, foi provocado? A              desestabilização de um carro é uma coisa que, para                  pessoas que sabem fazer, não é problema nenhum. É a                    coisa mais simples do mundo. Essa dúvida fica. Eu, pelo                    menos, duvido disso.  Não estou pondo em dúvida as pessoas que fizeram                  os laudos, mas o testemunho que Carlos Castello Branco                  me deu foi esse: que testemunhas não foram ouvidas,                  gente que não quis depor; há toda essa história. Em meio a                        22   
  • 23.   uma ditadura, quem iria depor e dizer que ele foi                    assassinado? Não é fácil. O que me ficou foi isso. Como                      salientou o deputado Miro, sou uma das pessoas, talvez,                  que soube antes dos fatos que isso iria acontecer. Ouvi a                      sentença que havia sido pronunciada nessa reunião do Cone                  Sul e que essa sentença começou a ser executada.  Veja, deputado, não acredito que Deus tivesse sido                escolhido para ser carrasco dos três brasileiros que                morreram em sequência. Se foi de morte natural e se foi                      obra de Deus, foi Deus quem executou essa sentença. É                    muito estranha a seqüência dessas mortes, quando se liga                  a esse fato que relatei.      Em sexto lugar, o depoente distinguiu a repressão no Brasil pela                      precisão com que buscou seus alvos.    O que podemos apreciar é o seguinte. As diferenças                  de método de um lugar para o outro, a sofisticação da                      repressão, a seletividade em cada um dos países. Aqui, no                    Brasil, a seletividade foi das mais importantes que já vi.                    Aqui existiram os excessos, a tortura, a morte das pessoas,                    mas observo que, no geral, aqui as coisas sempre foram                    medidas e contadas, tanto quanto podia ser. A estrutura                  brasileira não era no estilo Pinochet, que mandava matar no                    meio da rua, matava quem era preciso matar. Se formos                    estudar isso, será um trabalho muito complicado.    Cabe destacar, ainda, a importante análise política que o depoente                    realizou em relação à possível neutralização da investigação pela                  impossibilidade de comprovar o assassinato.    23   
  • 24.   Na posição que estamos, se negaram a autópsia, não                  podemos concluir que alguém matou, que foi assim ou                  assado. Mas retirar dúvidas... Só quem quer retirar dúvidas                  é a extrema direita. Para nós, ela fica. Ela fica porque nem                        prova uma coisa nem outra. Ela fica e tem de ser mantida.  Politicamente é fundamental que seja mantida,            porque as mortes havidas aqui e em outros países mostram                    que essa sentença foi efetivamente pronunciada. A morte                de todos esses líderes em outros países é a prova de que a                          sentença efetivamente existia.”     O próprio Arraes não revelou, naquela ocasião, ante o seu                    temperamento discreto e recatado, que quase foi vítima da Operação                    Condor e dos agentes de Fleury, por mais de uma vez, na França,                          inclusive iria ao encontro de Ben Barka, quando minutos antes foi                      avisado do perigo pelo Serviço Secreto Argelino.      24   
  • 25.   3. AS MISTERIOSAS MORTES DE JANGO, JK E LACERDA    3.1. A MORTE DE JANGO    Inconformada com a ausência de esclarecimentos, ao menos,                razoáveis, acerca da morte de João Goulart, a família do ex­presidente                      ingressou com uma ação perante a Procuradoria Geral da República,                    solicitando a investigação dos responsáveis pelo seu suposto                assassinato por envenenamento. Jango morreu em 1976, na Argentina,                  quando se encontrava exilado; cerca de uma década antes, havia sido                      deposto do comando da nação brasileira por intermédio do golpe                    ditatorial de 1964.    O pedido da família de Jango chegou ao órgão de controle interno                        seguido da gravação de uma entrevista com Mario Neira Barreiro                    (ex­participante do serviço de inteligência uruguaio que atualmente se                  encontra isolado em uma penitenciária brasileira), tendo sido esta                  realizada pelo filho de Jango, João Vicente Goulart. Na entrevista em                      lume, Barreiro narra minuciosamente a chamada Operação Escorpião                (que, por sua vez, estaria subordinada à Condor), possivelmente                  responsável pelo assassinato de Jango por envenenamento. Os                medicamentos habituais do ex­presidente, cardiopata, teriam sido              adulterados. Eis o relato de Mario Neira Barreiro a respeito:    “Não me lembro se colocamos no Isordil, no Adelpan ou no                      Nifodin. Conseguimos colocar um comprimido nos remédios              importados da França. Ele não poderia ser examinado por 48                    horas, aquela substância poderia ser detectada ”.  6   Segundo informações oficiais, a morte de Jango se deu em razão de um                          ataque cardíaco, em sua Fazenda localizada na Argentina (cidade de                    6 ​Família denuncia assassinato de João Goulart por envenenamento. ​Disponível em:                      <​http://www.apn.org.br/apn/content/view/66/44/​>. Acesso em: 06 de dezembro de              2011.  25   
  • 26.   Mercedes), na madrugada do dia 6 de dezembro de 1976. À época, o                          ex­presidente possuía apenas 57 anos. Seu corpo foi sepultado sem                    sequer ter sido submetido a uma autópsia (pasmem!). Impende                  destacar que, há não muito tempo, uma comissão externa da Câmara                      dos Deputados passou cerca de 6 anos averiguando a morte de Jango.    João Vicente Goulart, filho de Jango, atestou, remetendo à entrevista                    com Barreiro, que:     “[...] surgiram depois informações sobre o serviço secreto do                  Itamaraty e a colaboração entre esse serviço e os de outros                      países, que dão veracidade ao que ele disse. Essa colaboração                    já existia antes da Operação Condor .” 7   Ao realizar essa declaração, o filho de Goulart aludiu à publicação de                        documentos relativos ao CIEX – Centro de Informações do Exterior.                    Este último foi um serviço secreto do Itamaraty incumbido de vigiar os                        exilados brasileiros desde os anos 60.     O centro de informações em questão foi divulgado no Correio                    Braziliense através de reportagens do jornalista Claudio Dantas                Sequeira datadas de julho de 2007. O supracitado jornalista, a                    propósito, ganhou diversos prêmios em decorrência das mesmas.     Toda a documentação utilizada por Sequeira para compor a reportagem                    atualmente se encontra guardada no Arquivo Nacional. Não obstante                  diversos pesquisadores tenham tentado acessar tais materiais, são                impedidos de fazê­lo quanto a documentos concernentes a vítimas do                    regime militar, já que os mesmos têm acesso restrito apenas aos                      respectivos familiares.        7  ​Idem, ibidem​.  26   
  • 27.       3.2. A MORTE DE JK    Até os dias atuais, subsiste uma série de dúvidas quanto à morte                        do ex­presidente Juscelino Kubitschek. Suspeita­se que a mesma                esteja atrelada à Operação Condor.     O consultor Legislativo Lúcio Reiner, participante de uma                Comissão externa da Câmara dos Deputados destinada a esclarecer as                    Circunstâncias políticas quando da morte do ex­presidente Juscelino                Kubitschek​, chegou às seguintes conclusões a respeito, em meados de                    Abril/2001:     A investigação das condições em que se deu a morte do                      ex­presidente Juscelino Kubitschek não se esgota com a perícia do                    acidente automobilístico em que o estadista faleceu, nem foi essa a                      intenção desta Comissão Externa. [...] ​O principal mérito desta                  Comissão é ter desvendado a verdade: a “Operação Condor”                  existiu, o Brasil desempenhou parte ativa e o papel do país foi                        de importância fulcral​. A participação do Brasil nessa onda de                    repressão deve ser ressaltada para que as futuras gerações não                    desconheçam os perigos que rondam qualquer ruptura de padrões                  democráticos na resolução de conflitos políticos. [...]        A morte de Juscelino Kubitschek, em agosto de 1976, quando, o                      que pode surpreender, justamente começava vislumbrar­se a distensão                do regime ditatorial, constitui excelente oportunidade para a análise do                    padrão que seguiram as ditaduras sul­americanas na década de 70.     Juscelino Kubitschek não era um perigoso extremista nem sequer                  participara do governo deposto em 1964. Governador de Minas Gerais                    27   
  • 28.   e presidente da República, sob a legenda do PSD, partido ligado a                        interesses de grandes proprietários rurais e da indústria, seu perfil                    sempre foi o de agente político democrata e conciliador. No exercício da                        presidência, não apenas conseguiu apoios em todos os partidos                  políticos relevantes como anistiou aqueles que tentaram, por meios                  ilícitos, apeá­lo do cargo, como os golpistas da pantomima de                    Aragarças.      Quando sobreveio o golpe de Estado que derrubou o governo                    João Goulart, Juscelino Kubitschek era senador pelo estado de Goiás.                    Foi um dos políticos que tentaram acreditar no caráter transitório do                      golpe militar, apresentando­se como fortíssimo candidato a retornar à                  presidência da República nas eleições previstas para 1965, após o que                      seria brevíssima intervenção “saneadora” para purgar os elementos                esquerdistas. No entanto, em 3 de junho de 1964, seus direitos                      políticos foram cassados pelo primeiro ato institucional do governo de                    exceção. Embora determinado a permanecer no Brasil, o que acabou                    por conseguir, teve que sair do país mais de uma vez, sob ameaças de                            morte, na década de 60.       No ano de 1966, quando se encontrava no exterior, participou                    das negociações para a formação da chamada Frente Ampla,                  movimento que congregava políticos das mais variadas tendências ­                  adversários até então irreconciliáveis ­ com o intuito de fazer o país                        retornar ao caminho da democracia representativa. ​Os três nomes                  mais importantes da Frente eram justamente os líderes mais                  destacados dos três maiores partidos políticos extintos pelo                golpe de 64. Eram eles, respectivamente, além de Juscelino,                  pelo PSD, João Goulart pelo PTB e Carlos Lacerda pela UDN​.    Entre os fatos mais notáveis da história recente do Brasil                    está a morte desses três líderes, em curto lapso de tempo,                      quando começava a delinear­se a abertura política do regime.                  28   
  • 29.   Desapareceram, muito convenientemente para o regime de              arbítrio, as três maiores alternativas de poder, posto que, em                    caso de eleições diretas, com certeza um dos três teria sido                      eleito presidente da república​.        Em meados da década de 70, a ditadura estava firmemente                    implantada no Brasil e se espalhava por todo o sul do continente                        americano. Em 1973 houve o golpe no Chile, em 1976 na Argentina, e                          no mesmo período o Uruguai, o Equador e o Peru também estavam sob                          a férula de regimes militares. [...]      No Brasil, no entanto, começava a ficar claro que o regime não                        conseguira conquistar apoio suficiente para uma permanência mais                longa no poder. Apesar das restrições a uma oposição política mais                      atuante e de alguns anos de crescimento econômico acelerado, as                    urnas mostraram, em 1974, claro repúdio da população ao governo. Só                      restavam duas alternativas ao regime: ou o recrudescimento da                  repressão, ou a abertura controlada de cima.      Ao mesmo tempo, a coordenação entre órgãos de repressão do                    continente, que já existia e se mostrara claramente no golpe de 64,                        começa a ganhar alguma formalização, no que veio a ser chamado de                        Operação Condor. Esta Comissão Externa conseguiu realizar extensa                pesquisa sobre essa coordenação repressiva, inclusive com visitas ao                  Paraguai, ao Chile e aos Estados Unidos, obtendo farta documentação                    oficial que não deixa dúvidas sobre a existência e a dimensão da                        operação. [...]      É curioso constatar que, no caso do Brasil, por exemplo, o maior                        desafio às forças armadas não se originou nas organizações de                    esquerda, mas no próprio ministério do exército, culminando com a                    crise institucional que provocou a demissão do general Frota. Esse novo                      29   
  • 30.   contexto tornou ainda mais clara uma das principais preocupações das                    ditaduras sul­americanas: fechar o caminho de retorno de antigos                  líderes políticos a postos de destaque após eventual afastamento da                    ditadura. Para tanto, não foi descartado o recurso à eliminação física                      dos adversários, inclusive de adversários exilados em outros países. Os                    casos são numerosíssimos e de conhecimento público, como os do                    general Torres, presidente deposto da Bolívia, cujo carro explodiu em                    Buenos Aires.      Um dos documentos mais importantes desse período mostra                com toda nitidez a posição do ex­presidente Juscelino                Kubitschek nesse processo. Praticamente não pairam dúvidas              sobre a autenticidade da carta, de 28 de agosto de 1975,                      enviada pelo então coronel Manuel Contreras Sepúlveda, diretor                da DINA — Directoría de Inteligencia Nacional, serviço secreto                  chileno, ao general João Figueiredo, então chefe do SNI —                    Serviço Nacional de Informações​, em que o militar chileno                  responde a carta do colega brasileiro, de 21 de agosto do mesmo ano.    Essa correspondência traz indicações importantíssimas. Primeiro,            o autor agradece informações recebidas, o que mostra que a                    articulação entre os serviços de repressão dos dois países já existia.                      Segundo, demonstra receptividade ao plano de coordenação de                esforços, presumivelmente maior que o já existente, para atuar contra                    autoridades eclesiásticas e políticas da América Latina e da Europa.                    Terceiro, e mais importante para esta pesquisa, afirma compartilhar de                    preocupação do general João Figueiredo quanto a possível vitória do                    candidato Jimmy Carter nas eleições presidenciais dos Estados Unidos.                  A carta cita expressamente dois políticos que seriam beneficiados por                    suas boas relações como Partido Democrata estadunidense; o chileno                  Orlando Letelier e o brasileiro Juscelino Kubitschek.[...]     30   
  • 31.   Os trabalhos desenvolvidos pela Comissão Nacional da Verdade ­ CNV,                    portanto, não se fundaram em qualquer morbidez, qualquer intenção                  de sustentar suspeitas pouco verossímeis, mas em fatos políticos                  comprovados em fontes oficiais só agora liberadas no Chile, Paraguai e                      EUA e em depoimentos relevantes. Ademais, como já foi referido,                    ainda que se aceite a hipótese de morte por acidente, não se                        pode deixar de trazer a público a situação a que estava                      submetida uma figura pública como Juscelino Kubitschek​ [...]     Destarte, em função da documentação obtida e dos depoimentos                  colhidos, fica patente a existência de uma conspiração, organizada                  pelos órgãos repressivos dos regimes militares da época, para eliminar                    fisicamente todo opositor potencial. Máxime aqueles com              possibilidades, mesmo que longínquas de retornar ao poder. Mais                  ainda, ​pode­se até afirmar que todo político com simpatia                  popular era visto como uma ameaça e, portanto, passível de ser                      eliminado, pouco importando sua posição no espectro político​.      Ou seja, pode­se concluir que, do ponto de vista político, estava em                        andamento uma verdadeira guerra suja contra a democracia. Em                  resumo em todo o Sul do continente, existiu uma operação que incluía                        entre seus alvos a eliminação física de líderes políticos eminentes no                      período anterior à implantação generalizada de ditaduras militares em                  nossos países.     O ex­presidente Kubitschek, além de ser, sem sombra de                  dúvidas, uma das pessoas mais preparadas para conquistar                forte apoio popular quando da retomada de eleições diretas                  para a presidência da República (situação que já se vislumbrava no                      horizonte político brasileiro), ​fora explicitamente citado em              correspondência entre os chefes dos serviços de inteligência do                  Chile e do Brasil como alvo de preocupação, sendo que o outro                        31   
  • 32.   político citado, o exchanceler chileno Orlando Letelier, foi                executado mediante explosão de seu carro em Washington.                Junte­se a isso a circulação, nos meios jornalísticos de Brasília,                    de boatos sobre sua possível morte em acidente automobilístico                  forjado, dias antes de que o fato viesse realmente a ocorrer,                      para que se possa sustentar, com firmeza, que o ex­presidente                    Juscelino Kubitschek era uma das vítimas potenciais da                Operação Condor​. [...]     O jornalista recifense Urariano Mota, por sua vez, resume os fatos que                        nos possibilitariam concluir pelo assassinato do ex­presidente Juscelino                Kubitschek em um artigo intitulado “​JK: Acidente ou atentado?”​:  1. Em 1975, o jornalista Jack Anderson revelou que o general                      chileno Manuel Contreras qualificou Kubitschek como uma ameaça, em                  uma carta enviada ao ditador João Figueiredo. Bueno. Contreras era                    chefe do Serviço de Inteligência do regime do Augusto Pinochet,                    responsável pela morte do ex­chanceler chileno socialista Orlando                Letelier, ocorrida em 1976 em Washington, e atribuída à Operação                    Condor.       2. Segundo o cientista político Luiz Roberto da Costa Jr, em                      artigo no Observatório da Imprensa, ao mencionar as circunstâncias da                    morte de JK: “Não houve choque com o ônibus da Cometa, pois este                          estava atrás da Caravan verde. Testemunhas do ônibus que afirmam                    ter visto o clarão (‘sol’, como quer a versão oficial) e ouvido a explosão                            (‘batida’, como quer a versão oficial) não depuseram. O Opala periciado                      em 1996 não corresponde ao Opala do acidente em 1976, o chassi é                          diferente”.     3. Na revista Época de 29.3.1999, sob o título de Um tiro na                          história: “Depois de 35 anos trabalhando como perito criminal na                    32   
  • 33.   Polícia Civil de Minas Gerais, o historiador Alberto Carlos Minas está se                        aposentando e decidiu fazer uma revelação: ‘Eu vi um buraco de bala                        no crânio do motorista Geraldo Ribeiro’. Era Geraldo Ribeiro quem                    dirigia o Opala do ex­presidente Juscelino Kubitschek no dia 22 de                      agosto de 1976, quando bateu num ônibus na Via Dutra e ambos                        morreram... Segundo Minas, quando o corpo de Geraldo Ribeiro foi                    exumado, há pouco menos de três anos, o crânio estava inteiro e tinha                          um buraco. ‘De bala’, garante. ‘Depois que vi isso não me deixaram                        entrar na sala novamente’”.     4. E mais, do mesmo Carlos Alberto, em uma rápida entrevista:                      “As fotos das vítimas sumiram. Em 1996 o processo foi reaberto, mas                        jamais poderia ter prescrito. A família do motorista nunca viu o corpo                        dele. Eu era o perito do caso e não pude acompanhar de perto a                            exumação dos corpos. Quando levantaram a ossada do Geraldo Ribeiro,                    vi um buraco de bala no crânio dele... Do tamanho da tampa de uma                            caneta, de cerca de 7 milímetros. O crânio estava íntegro e intacto. Eu                          o vi inteiro na minha frente, ele não estava esfacelado como depois                        apareceu. Podem dizer que eu estava enganado quanto ao buraco,                    mas, se eu estiver errado, como eles explicam um objeto metálico                      dentro do crânio do Geraldo? Por que o crânio estava fragmentado                      depois dos exames?”.     5. ​Em livro que me foi enviado por Maria de Lourdes Ribeiro, filha                          do motorista e amigo de JK, há o laudo número 12.31/96, do IML de                            Minas Gerais. Nele se escreve: “... fragmento metálico de forma                    cilindro­cônica, medindo sete milímetros de comprimento e diâmetro                médio de dois milímetros, revelando­se como fragmento de prego                  enferrujado e corroído, recolhido do interior do crânio...”.     6. Note­se a passagem especiosa e esperta de bala para prego. E                        mais: uma coisa é um prego dentro de um crânio, ali depositado “em                          33   
  • 34.   período posterior à destruição das partes moles, provavelmente através                  de forames da base craniana”, nos termos e imaginação do laudo exato                        do IML Outra coisa é um buraco no crânio, criado pelo acaso desse                          prego de Deus.  [...]    3.3. A MORTE DE LACERDA      Em entrevista publicada na revista Istoé de 04 de junho de 2000,                        a amante e a filha de Carlos Lacerda asseguram que o ex­jornalista foi                          assassinado:    AMANTE AFIRMA QUE EX­GOVERNADOR FOI ASSASSINADO E              FILHA REFORÇA SUSPEITA DE ATENTADO POLÍTICO    O depoimento da jornalista Maria Cecília de Azevedo Sodré, 46 anos,                      tem tudo para provocar um furacão nas investigações sobre o                    envolvimento das Forças Armadas nas mortes dos três maiores líderes                    políticos do País num intervalo de dez meses: os ex­presidentes                    Juscelino Kubitschek e João Goulart e o ex­governador Carlos Lacerda.                    “Mataram Lacerda”, afirma ela. Vinte e três anos após a morte, Maria                        Cecília falou pela primeira vez sobre o tórrido romance que manteve                      com o líder da extinta UDN nos dois últimos anos de vida do                          ex­governador.       Numa entrevista exclusiva a ISTOÉ, a amante de Lacerda                  contesta as versões até agora conhecidas, de que ele andava doente e                        abatido. Para ela, nada indicava que o líder udenista pudesse morrer a                        qualquer momento. “Ele vivia o auge de sua glória, como homem,                      pensador e amante.” Oficialmente, Lacerda morreu em 1977, aos 63                    anos, de infecção no coração (endocardite bacteriana) um dia depois de                      se internar na Clínica São Vicente, no Rio, com desidratação causada                      34   
  • 35.   por uma gripe. Os indícios de que uma cooperação entre militares da                        Argentina, Chile, Paraguai e Brasil – a Operação Condor – foi montada                        em 1975 para combater opositores já levaram a Câmara dos                    Deputados a abrir investigações sobre as mortes de Jango e JK, ambas                        em 1976. A suspeita de assassinato de Lacerda ainda não é                      investigada.      A amante não é a única a discordar da maioria da família                        Lacerda, conformada com a versão oficial. A também jornalista Cristina                    Lacerda, 48 anos, filha do ex­governador, desconfia que ele tenha sido                      vítima da mesma operação que teria eliminado JK e João Goulart. Os                        três lideravam os maiores partidos extintos pelo golpe de 64 e                      morreram quando ainda articulavam o retorno às eleições diretas, após                    a frustrada tentativa de montagem da Frente Ampla, de oposição ao                      regime militar. Jango seria o candidato do PTB, JK concorreria pelo PSD                        e Lacerda pela UDN. “Imagino que tenham localizado o hospital e se                        organizado para se infiltrar lá e matar meu pai. Assim como há                        suspeitas de que trocaram o remédio de Jango, há a hipótese de que                          tivessem acompanhado meu pai durante a doença. Ele era um homem                      saudável”, recorda Cristina.      A amante de Lacerda reforça. “Não existia nada que pudesse                    fazê­lo entrar no hospital e sair morto. O País inteiro sabia que Carlos                          continuava atento”, diz Maria Cecília, endossando a tese de                  assassinato. Quando morreu, Lacerda mantinha o casamento de 40                  anos com Letícia, mãe de Cristina, Sebastião e Sérgio. “Minha única                      intenção é esclarecer os fatos. Meu pai se sacrificou muito pelo Brasil”,                        desabafa Cristina, que descarta, no entanto, apoiar uma possível                  exumação do corpo do pai, classificando­a como violência.    Investigação – Um dos aspectos relevantes da fase final da carreira                      de Lacerda, segundo Cristina, foi a relação afetuosa com seus                    35   
  • 36.   arquiinimigos Jango e JK, aos quais procurou para costurar a Frente                      Ampla. Lacerda foi cassado em dezembro de 1968 e esperava                    recuperar seus direitos políticos em 1978. Os documentos colecionados                  por Cristina evidenciam que Lacerda se reaproximava da esquerda.                  Golpista radical em 64, ele fora simpatizante do PCB até os 25 anos.                          Pouco antes de morrer, segundo Cristina, seu pai passava por uma                      crise existencial, com altos e baixos, e tomava remédio para                    emagrecer. Os problemas de saúde de Lacerda levam seu filho mais                      velho, Sebastião, a acreditar na morte por infecção no coração.                    Segundo ele, não há indícios que possam confirmar a hipótese de                      atentado. “Meu pai estava com a saúde debilitada”, diz ele.  Ao contrário da morte de Lacerda, que nunca foi objeto de                      investigação, o acidente que matou JK foi alvo de dois inquéritos                      policiais. Na tarde de 22 de agosto de 1976, um domingo, o                        ex­presidente deixou São Paulo e pegou a via Dutra em direção ao Rio                          no Opala dirigido por seu motorista particular Geraldo Ribeiro. Por volta                      de 18h, na altura do antigo quilômetro 165, em Resende (RJ), o carro                          se desgovernou, cruzou a pista e bateu de frente com uma carreta, que                          vinha em sentido contrário. Desde então, começaram as controvérsias.                  JK teria sido vítima de um atentado ou foi apenas um acidente comum,                          como concluiu a polícia em 1976 e 20 anos depois, quando foi reaberto                          o inquérito?    Boato – A família nunca acreditou na versão oficial, de que o carro de                            JK teria sido abalroado por um ônibus da Viação Cometa, e, por isso,                          teria se desgovernado. Das três mortes, a de JK é a mais misteriosa.                          Duas semanas antes do acidente, jornais, rádios e tevês haviam                    recebido a notícia de que o ex­presidente havia morrido,                  coincidentemente num desastre de carro.” O boato foi na verdade um                      balão de ensaio lançado pelos militares linha dura que queriam testar a                        reação do País à morte de JK”, afirmou Serafim Jardim, amigo do                        ex­presidente e autor do livro Juscelino Kubitschek.: onde está a                    36   
  • 37.   verdade? Ao saber dos boatos, JK comentou com Serafim: “Estão                    querendo me   matar, mas ainda não conseguiram.”      São inúmeras as falhas da investigação. Um dos fatos mais                    intrigantes é o de que os peritos não incluíram nos dois laudos feitos                          sobre o acidente as fotos dos corpos de JK e do motorista “por                          recomendação de ordem superior”. “Até hoje essas fotos não                  apareceram”, acrescentou Serafim. O amigo do ex­presidente ressalta                ainda que apenas 9 dos 33 passageiros do ônibus foram ouvidos pela                        polícia e nenhum disse que o motorista Josias Nunes de Oliveira teria                        batido no carro de JK. O juiz Gilson Vitorino, de Resende, também o                          inocentou em sentença que consta do processo.      O segundo laudo do acidente foi assinado pelo perito Sérgio de                      Souza Leite, que em 1995 foi demitido do Ins­ tituto de Criminalística                        Carlos Éboli, do Rio de Janeiro, após ter sido alvo de denúncias contra                          seus laudos no Ministério Público. O perito aposentado Alberto Carlos                    Minas, que foi contratado pelos responsáveis pela reabertura do                  inquérito, em 1996, rechaçou as perícias feitas na época da morte do                        ex­presidente. “O ônibus não tocou no carro de JK. Se tivesse batido no                          Opala, como a versão oficial sustenta, o ônibus teria atropelado o carro                        onde estava Juscelino”, concluiu Minas. Permanece no ar a pergunta: O                      que fez o carro de JK se desgovernar?      As investigações passaram longe de um fato importantíssimo,                comprovado por ISTOÉ na semana passada. Pouco antes de morrer, JK                      parou por cerca de 40 minutos no Hotel Fazenda Villa Forte, em                        Resende. O estabelecimento fica a menos de três quilômetros do local                      do acidente e seu dono era o brigadeiro Newton Villa Forte, um dos                          criadores do serviço secreto das Forças Armadas, embrião do SNI.                    Mesmo tendo ido para a reserva em 1949, o oficial foi ativo no golpe de                              37   
  • 38.   64, servindo de elo entre generais paulistas e mineiros que marcharam                      sobre o Rio a partir da Academia Militar das Agulhas Negras, em                        Resende. Seria mera coincidência JK morrer minutos depois de deixar o                      hotel de um integrante da comunidade de informações, responsável                  pelos frequentes atentados contra os opositores do regime militar?    Perseguições – O brigadeiro Villa Forte morreu em 1981, mas seu                      filho Gabriel, 46 anos, um dos atuais donos do hotel, lembra de seus                          comentários sobre a passagem de Juscelino. “JK parou aqui para tomar                      água ou chá e esticar as pernas nas alamedas”, diz Gabriel. Na versão                          de seu pai, o brigadeiro reconheceu o ex­presidente e foi                    cumprimentá­lo. Segundo Gabriel, o hotel abrigou várias reuniões de                  oficiais de alta patente do serviço de inteligência, mas naquele dia não                        teria havido reunião. “Meu pai estudou com Castello Branco e deu aulas                        ao general João Figueiredo. Golbery esteve várias vezes aqui”, afirma.                    O episódio surpreendeu Maristela Kubitschek, filha do ex­presidente.                “Nunca tinha ouvido esta história do hotel. A comissão é que vai poder                          investigar”, disse Maristela, referindo­se à comissão aberta a pedido do                    deputado Paulo Octávio (PFL­DF), genro de sua irmã Márcia.      A comissão que investiga a morte de Jango foi pedida pelo                      deputado Miro Teixeira (PDT­RJ). A história oficial conta que o                    ex­presidente morreu de ataque cardíaco em 6 de dezembro de 1976                      em sua fazenda na Argentina. As dúvidas sobre o atestado de óbito –                          que fala apenas em enfermidad (doença) – atormentam a viúva Maria                      Thereza e os filhos João Vicente e Denise. Maria Thereza, 63 anos,                        começou a desconfiar de assassinato em 1982, quando surgiram as                    primeiras denúncias.       João Vicente, 43 anos, subsecretário de Agricultura do Estado do                    Rio, acredita que o maior indício de que seu pai sofria perseguições foi                          a “visita” no início de 1976 de três brasileiros desconhecidos ao                      38   
  • 39.   escritório de exportação onde Jango trabalhava, na avenida Corrientes,                  centro de Buenos Aires. “Um comando como este só não levou Wilson                        Ferreira Aldunate (candidato à presidência do Uruguai) porque ele fugiu                    de pijamas para a embaixada do México”, relata. João Vicente recebeu                      uma carta do pai em maio de 1976, alertando para a tensão em que                            vivia: “Há dois dias sequestraram do hotel nossos amigos Michellini e                      Gutierrez Ruiz (senador e deputado da Frente Ampla uruguaia,                  assassinados). Uma monstruosidade que me leva a pensar em meu                    futuro na Argentina.”      A família Goulart, que suspeita ter havido envenenamento ou                  troca do remédio para o coração, se recusava a permitir a exumação do                          corpo, mas mudou de idéia com as notícias sobre a Operação Condor.                        João Vicente alega que antes não existia tecnologia capaz de detectar                      com precisão a real causa da morte. “Nossa única condição à exumação                        é ter certeza de que serão usadas as técnicas mais eficazes”, exige o                          filho de Jango. Maria Thereza conta que nunca tinha lido o atestado de                          óbito. “Apenas dobrei o papel e o guardei na gaveta. Só soube pelo                          noticiário que o médico argentino escreveu apenas enfermidad. Acho                  estranhíssimo não haver um diagnóstico correto.”    3.4. A MORTE DE EMANNUEL BEZERRA DOS SANTOS    Líder da Casa do Estudante e importante dirigente do Partido                    Comunista Revolucionário (PCR), Emmanuel Bezerra dos Santos logo                chamou a atenção dos militares em sua luta pela democracia. Por isso,                        acabou sendo assassinado pelo Coronel de infantaria Cúrcio Neto                  (codinome Doutor Fernando) em meados de 1973.    O ex­preso político e jornalista Rubens Lemos teve a oportunidade de                      conhecê­lo antes da tragédia e descreve parte da história desse                    corajoso militante político:  39   
  • 40.     Do alto da escadaria, no saguão de entrada, lá estava ele: EMMANUEL                        BEZERRA. Com sua cara tipicamente interiorana, o líder da Casa do                      Estudante falava agitado. As palavras fluíam fáceis e convincentes.                  EMMANUEL esgrimia palavras como uma espada de fogo ­ num belo e                        comovente discurso contra o regime militar que sufocava as liberdades                    do povo. Chamava/conclamava os colegas para ­ ao lado do povo                      organizado ­ combater a insanidade repressora patrocinada pelos                "donos do Brasil".    Policiais (pouco disfarçados) faziam plantão, dentro e fora do Atheneu.                    Os olhos da Ditadura estavam voltados para aquele jovem nascido em                      Caiçara.    Não haveria possibilidade de realização do debate para o qual haviam                      me convidado os secundaristas. A música era outra; A voz de                      EMMANUEL BEZERRA e, ele próprio, encarnando a resistência contra o                    arbítrio.    Muitas vezes, mesmo que rapidamente, mantivemos contato.              EMMANUEL sempre se mantinha íntegro. Coragem e determinação à                  flor da pele.    Um dia, a repressão iniciou a caçada sistemática ao jovem líder. Ele,                        porém, já estava nos becos da clandestinidade. Transformara­se num                  guerrilheiro. ​EMMANUEL, O COMBATENTE.    Em 1970, eu também procurado pela Ditadura, vi­me obrigado a correr                      mundo. Escondido no Rio de Janeiro, pude saber notícias de                    EMMANUEL: ele passara a ser um dos principais dirigentes do Partido                      Comunista Revolucionário (PCR). Durante esse período, nunca cheguei                a me encontrar com ele.  40   
  • 41.     De volta à penitenciária (Colônia Penal "João Chaves") ­ em Natal ­ RN,                          ainda completamente massacrado pelas torturas sofridas no DOI ­                  CODI, em Recife ­ PE, eu sabia, apesar de tudo, que EMMANUEL                        BEZERRA fora assassinado, junto com Manoel Lisboa.    A informação, obtida nos porões do DOI ­ CODI, era estarrecedora:                      EMMANUEL BEZERRA havia sido ­ poucos dias antes da minha chegada                      àquele organismo de terror ­ submetido às mais torpes formas de                      violência contra o ser humano. Todas elas comandadas, segundo a                    informação pelo então ​Coronel Cúrcio Neto, codinome Doutro                Fernando​.     Alguns detalhes macabros: EMMANUEL BEZERRA, enfrentando o              sadismo dos seus algozes, assumiu uma postura da mais alta                    dignidade: sabendo de tudo (ou quase tudo), não disse nada, fazendo                      relembrar a memorável figura de Jean Moulin, herói da Resistência                    Francesa, conforme André Malraux, em seu livro ­ documento ‘Anti ­                      Memórias".     Ensandecidos, os torturadores (teria sido, segundo me              disseram, o próprio "Doutro Fernando"), cortaram a pele de                  EMMANUEL à base de tesoura. Sem qualquer assistência ou                  acompanhamento médico, sobreveio a gangrena e,            posteriormente, o "tiro de misericórdia" desfechado pelo              Coronel Cúrcio Neto​.    O que faço, agora, é repassar o que me foi contado dentro do "círculo                            de ferro" do DOI ­ CODI, por fonte (preso político) que, não me parece,                            tenha estado sob qualquer suspeita da esquerda revolucionária.    41   
  • 42.   O fato: o que restou de EMMANUEL foi localizado em cemitério                      clandestino situado a quase 4 mil kms de Recife ­ PE. Em princípio me                            causou, no mínimo, estranheza. "Alguém terá mentido?" A reflexão foi                    necessária e responsável para o que, hoje, me parece óbvio, em                      termos de conclusão: EMMANUEL era dirigente de uma Organização                  com profundas raízes (políticos, sociais e ideológicas) Nordestinas.     O grande aparato repressor não poderia facilitar e atuou de forma                      profissional: translada­se o corpo para uma região, literal e                  geograficamente distante e distinta (em termos de valores), e ter­se­á                    eliminado ou embaralhado pistas. Uma questão de segurança, de                  acordo com a ótica da "comunidade de informação e repressão" então                      vigente. Infra ­ estrutura eles sempre tiveram para atingir os objetivos                      desejados. Até hoje.    De qualquer maneira, o que sabemos (e sentimos) é que EMMANUEL                      BEZERRA foi assassinado brutalmente por um SISTEMA cruel e                  desumano.    EMMANUEL BEZERRA morreu como um paladino e paradigma da                  liberdade do povo brasileiro. Por isso ­ e para revolta embutida pelos                        seus assassinos ­ ele permanece vivo.    3.5. A MORTE DE DAVID CAPRISTANO    O Dirigente do Partido Comunista Brasileiro – PCB David Capistrano da                      Costa (1913­1974) sempre foi atuante na história política de seu País.                      Por ter participado do Levante de 1935, perdeu o posto de sargento da                          Aeronáutica. Além da expulsão das Forças Armadas em decorrência do                    supracitado episódio, foi condenado pelo ​Estado Novo a nada menos                    que 19 (dezenove) anos de prisão.     42   
  • 43.   Mesmo diante de sua injusta condenação, David não esmaeceu.                  Participou da Guerra Civil Espanhola durante a ocupação nazista e                    acabou sendo detido pelos alemães em um campo de concentração,                    mas conseguiu ser libertado e retornou ao solo brasileiro.    De volta ao território nacional, foi contemplado com o benefício da                      anistia em 1945, e dois anos depois ganhou a eleição para Deputado                        Estadual em Pernambuco.     No dia 31 de março de 1964, David Capistrano teve um encontro com                          Miguel Arraes, objetivando conseguir armas para resistir ao golpe                  militar. Segundo Miguel Arraes, em depoimento a respeito:     "​David, que tinha participado de outras lutas, achava                que uma resistência armada devia se dar. Eu fiz ver                    a ele que tínhamos de medir as coisas de maneira                    mais geral, e que nenhuma dessas possibilidades              poderia ser descartada, mas não poderíamos agir              sem uma coordenação qualquer fora do Estado. Eu                tinha sido encarregado por Jango de fazer um                balanço rápido da situação dos outros Estados, para                uma contraposição ao que estava ocorrendo no Sul.                Somente três governadores apoiavam o Governo:            eu, Seixas Dória e Bagder Silveira. Também não                tínhamos preparação, numa situação em que forças              federais e estaduais não era solidárias ao Governo.                Algumas medidas haviam sido tomadas, mas havia              condicionamento para um tipo de ação. Tínhamos              pouca gente ​na polícia. E o Palácio do Governo era                    indefensável, pois só era apto para batalhas do                século XVII. Para resistir, tínhamos que sair. E para                  sair, tínhamos que declarar, e já sair numa posição                  43   
  • 44.   de força. Falei com Jango, entre o dia 31 de março e                        o 1o de abril, e vi que ele não resistiria. Desde a                        crise da legalidade, Jango tinha optado por soluções                negociadas​.”  8   À época, David Capristano também atuava na política pernambucana                  dirigindo os jornais "A Hora" e "Folha do Povo".    No dia do golpe militar, David escondeu­se em uma mata próxima,                      consoante explicou a Miguel Arraes algum tempo depois, quando do                    exílio. Conseguiu, pois, livrar­se da prisão. A mesma sorte, contudo,                    não tiveram sua esposa, Maria Augusta, e seu filho mais velho, David                        Capistrano da Costa Filho, que ficaram presos durante alguns meses,                    negando quaisquer acusações.    Em 1971, o PCB ordenou a ida de David Capristano à Tchecoslováquia,                        a fim de protegê­lo da repressão ditatorial. Lá, redigia, junto com                      outros indivíduos, a chamada Revista Internacional. Um ano depois, em                    1972, David se encontraria novamente com Miguel Arraes, que saiu de                      seu exílio, na Argélia, para rever o dirigente comunista na                    Tchecoslováquia. No tocante a esse encontro, esclareceu              posteriormente Miguel Arraes:    "​Notei que David ficava calado, só ouvindo, e pelo                  que eu conhecia dele, deduzi que estava contrariado,                discordando. Depois que terminaram as          conversações, saí com David, que foi me mostrar a                  cidade de Praga. Ele me disse que discordava das                  posições colocadas por Giocondo. Não aceitava o tipo                de contemporização que estava sendo empreendida.            8  MELO, Marcelo Mário de. ​Ditadura militar​. Disponível em:  <​http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/perfil/parlamentares/DavidCapistrano/05.html > Acesso em: 19 de abril de 2012.  44   
  • 45.   Achava que as condições internacionais, a exemplo              da luta no Vietnam, mostravam que não haveria                recuo das forças conservadoras no mundo. Também              não achava que se deveria precipitar a luta de                  qualquer jeito, mas discutir para preparar uma              resistência mais decidida do que a que era feita                  naquela oportunidade. Ele adotava, em grande            medida, as críticas de Marighela, embora discordasse              das soluções propostas por ele. Considerava            Marighela precipitado​."  9   Em 1974, David Capistrano avisou à família que decidira enfim retornar                      ao Brasil. E de fato o fez. Da Tchecoslováquia, chegou à cidade                        uruguaia de Paso de Los Libres, fronteira com Uruguaiana, no Rio                      Grande do Sul, onde havia sido montado um esquema da travessia                      junto a outros militantes do PCB.     Houve dificuldades em passar David para o lado brasileiro, devido à sua                        volumosa bagagem, com catorze quilos somente de livros. Alguns dias                    depois, chegou a Uruguaiana um enviado do PCB, José Roman, que                      transportaria David Capistrano a São Paulo. Partiram no dia 15 de                      março de 1973 e nunca mais se soube a seu respeito de ambos,                          provocando uma onda de desespero nos familiares respectivos.   Após o desaparecimento de David, foram continuamente              desaparecendo também outros dirigentes do PCB. Devido a esses                  misteriosos desaparecimentos, formou­se o Grupo de Familiares de                Presos Políticos, que buscava o apoio da sociedade civil, da OAB e de                          outros órgãos que pudessem contribuir para o esclarecimento dos                  fatos, mas sem muito êxito.    9  ​MELO, Marcelo Mário de. ​Exílio e retorno​. Disponível em:  <​http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/perfil/parlamentares/DavidCapistrano/06.html > Acesso em: 19 de abril de 2012.  45