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Parte IV 
DINÂmica das graves 
violações de direitos 
humanos: casos 
embLemáticos, locais e 
autores. O JUDICIÁRIO
595 
13 capítulo 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
casos emblemáticos
13 – casos emblemáticos 
596 
O que queremos? A inviolabilidade dos direitos da pessoa humana, para que não 
haja lares em pranto, filhos órfãos de pais vivos, quem sabe mortos, talvez; órfãos do 
talvez ou do quem sabe. Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, 
quem sabe mortos, talvez; viúvas do talvez ou do quem sabe. 
[Discurso do deputado Alencar Furtado, MDB-PR, em 27 de junho de 1977.] 
Os capítulos anteriores apresentaram métodos e práticas das graves violações de direitos 
humanos cometidos por agentes do Estado durante a ditadura. Foram descritos casos de detenções 
arbitrárias e ilegais, tortura, execuções e desaparecimentos forçados, e demonstrado seu impacto sobre 
um extenso número de vítimas. Este capítulo e o seguinte, sobre a Guerrilha do Araguaia, apresentam 
casos que mereceram um tratamento separado, por serem emblemáticos em relação à repressão contra 
determinados grupos, como militares e camponeses, ou pela forma como a violência se materializou, 
como os casos de terrorismo de Estado contra a sociedade civil. 
A) A repressão contra militares 
1. A Guerrilha de Três Passos (1965) 
Uma vez entrei às dez da noite [para sessão de interrogatório e tortura], e saí de 
lá às seis da manhã. Eu tenho marcas aqui de burro [mostra o corpo marcado], 
me queimaram, eles me marcaram com uns espetões. Eu tenho marcas até hoje 
nas pernas, nos braços. Se vocês olharem aqui [mostra os dedos das mãos], tem 
todas as marcas de aliança. Isso foi fio de náilon, que eles passavam, amarravam. 
Os dedos, quando puxavam, ficavam pretos, completamente pretos. E eles inter-rogando: 
“Conhece fulano?”. Eu dizia: “Não conheço”, então eles puxavam aquele 
fio, cortava até o osso. 
[Valdetar Antônio Dorneles, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, 
julho de 2014.] 
1. Desde antes de 1964, grupos políticos se organizavam e discutiam estratégias para 
reagir a um eventual golpe de Estado. Nos meses que sucederam o golpe de 1964, uma conexão 
que envolvia trabalhistas alijados do poder que se encontravam no Uruguai, como o ex-presiden-te 
João Goulart, o ex-governador Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, além de militares expurgados 
das Forças Armadas pelos golpistas, voltou-se para o planejamento de possíveis reações à dita-dura 
militar, na forma de guerrilha ou insurreição, com a participação de civis e militares. Os 
expurgos nas Forças Armadas e condenações de militares com penas de vários anos de reclusão 
ofereceram grande contingente para um eventual movimento de contragolpe. Entre meados de 
1964 e o começo de 1965, todos os planos de insurreição tinham um traço em comum: o levante, 
a coluna de combatentes, deveria partir da região Sul do Brasil, onde estavam as bases históricas 
do trabalhismo e o III Exército, responsáveis pelo sucesso da rede da Legalidade em 1961. E havia 
também monitoramento constante, por parte de órgãos de informação, sobre as atividades dos 
exilados brasileiros, especialmente no Uruguai.
597 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
2. No final de 1963, tendo como referência a vitória alcançada com a rede da Legalidade, 
que garantiu a posse de João Goulart na presidência, Leonel Brizola iniciou o processo de formação 
dos chamados Grupos de Onze, um esforço de organização e mobilização popular. Toda sexta-feira, 
Brizola e outros companheiros falavam na rádio Mayrink Veiga, alcançando milhões de ouvintes, 
já que o programa passou a ser retransmitido por várias rádios do interior. Além de Brizola, partici-pavam 
da iniciativa Cibilis Vianna, Almino Afonso, o almirante Cândido Aragão, Neiva Moreira e 
Herbert de Souza, o Betinho, da Ação Popular (AP).1 No documento que escreveu, lançando a ideia 
dos Grupos de Onze, Brizola dizia que: 
As iniciativas [de formação de Grupos de Onze] precisam surgir por toda a parte, 
onde quer que se encontre um brasileiro consciente, um nacionalista, um patriota, 
nas zonas de moradia, pelas vizinhanças, nos bairros [...], por toda parte, mesmo nos 
lugares mais longínquos de nossa Pátria. [...] O ponto de partida deve ser o enten-dimento 
entre dois ou três companheiros, perfeitamente identificados. Depois deste 
entendimento é que devem partir para novos contatos e para o recrutamento dos 
demais companheiros. [...] Os companheiros precisam estabelecer, entre si, um siste-ma 
de avisos, de tal modo que o grupo possa se reunir ou se mobilizar em minutos.2 
3. No noroeste do Rio Grande do Sul, na região de Campo Novo, Três Passos e Tenente 
Portela, havia mobilização de grupos de cidadãos como forma de resistência democrática desde 1961. 
A proposta de Brizola de Grupos de Onze, que fazia referência a 11 jogadores de uma equipe de fute-bol, 
colegas do bairro, da localidade, refletia a forma como se organizou o grupo que acompanharia o 
coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório e o sargento Alberi Vieira dos Santos para o movimento 
que eclodiu em março de 1965, e que ficaria conhecido como a Guerrilha de Três Passos. Em depoi-mentos 
de ex-combatentes à CNV foram várias as alusões ao fato de que, sob a liderança de Euzébio 
Teixeira Dorneles, o seu Zebinho, e seu filho, Valdetar Antônio Dorneles, um grupo de companheiros 
se reunia frequentemente para falar de política, mas também para jogar futebol, fazer jantares, ouvir 
música; eram companheiros que estavam sempre juntos. 
4. Nesse contexto e com algum apoio material dos trabalhistas, em meados de março de 
1965, um grupo vindo do Uruguai, comandado pelo coronel Jefferson Cardim e pelos sargentos 
Alberi e Firmo Chaves, saiu de Montevidéu em direção a Rivera. À época do golpe de 1964, o coronel 
Cardim trabalhava como assessor técnico do Lóide Brasileiro em Montevidéu, e o segundo-sargento 
Alberi, da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, fugiu para o Uruguai. No ambiente de conspiração 
dos exilados no Uruguai, Cardim destacava-se porque, à revelia de muitos planos e estratégias, dizia a 
interlocutores que não admitia que o golpe de 1964 completasse um ano sem que houvesse qualquer 
reação. O trajeto escolhido para a coluna de combatentes, que subiria pelo noroeste do Rio Grande 
do Sul até Mato Grosso, deveu-se ao conhecimento que o sargento Alberi tinha da região, e também 
por ser uma área fronteiriça, que margeava a Argentina e o Paraguai, proporcionando rotas de fuga. 
5. Todos os ex-combatentes ouvidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) reconhe-ceram 
que, no momento em que se engajaram no movimento, não conheciam o coronel Cardim. A 
referência deles era o sargento Alberi. Valdetar Antônio Dorneles disse que, meses depois do golpe de 
1964, o sargento Manoel Raimundo Soares (que em 1966 seria torturado até a morte, no caso que 
ficou conhecido como “O sargento das mãos amarradas”3) chegou à região como emissário de Brizola,
13 – casos emblemáticos 
e deu uma senha. No final de 1964, outro militar chegou à região, com a mesma senha e teria dito 
para Valdetar preparar seu grupo porque o movimento iria eclodir “antes de [completar] um ano do 
golpe [de 64], porque não vamos deixar eles comemorarem”.4 Já no começo de 1965, o sargento Alberi 
procurou os Dorneles na região e deu a mesma senha, dizendo para o grupo se organizar. Segundo 
Valdetar, “ele até marcou uma data, 14 de fevereiro de 1965”.5 
598 
6. O levante, com adiamentos, ocorreu em março. De Rivera, no dia 19 de março, o grupo 
entrou no Brasil, pelo Rio Grande do Sul, passou por São Sepé e Santa Maria, até chegar a Campo 
Novo. Cardim, falando como comandante do Exército de Libertação Nacional, designou Valdetar 
para o posto de tenente e apresentou todo o plano da insurreição, falando da chegada de Brizola e da 
adesão de “sessenta oficiais e de soldados de diversos quartéis do Rio Grande do Sul”.6 Na noite de 
26 de março de 1965, com a incorporação do grupo organizado por Valdetar, Cardim se apossou da 
Brigada Militar de Três Passos e do presídio, de onde levaram armas, munição e fardas. Além de deixar 
a cidade sem comunicação telefônica, uma vez que cortaram os fios da rede, ocuparam uma rádio local, 
a Difusora, onde Odilon Vieira, que havia trabalhado como radialista em São Sepé, leu um manifesto 
de Cardim, no qual ele falava em nome das Forças Armadas de Libertação Nacional. Por ser tarde da 
noite, a locução teve pouca repercussão, com pequena audiência. Com todos os atropelos, estava em 
curso o primeiro movimento armado contra a ditadura militar no Brasil. De Três Passos, o grupo de 
combatentes seguiu para Tenente Portela, onde também tomou o destacamento da Polícia Militar. O 
mesmo ocorreu em Barra do Guarita e em Itapiranga (SC), que fizeram parte da rota do grupo em 
direção ao Paraná. Por onde passava, Cardim dizia que Leonel Brizola já estava em Porto Alegre e 
que o III Exército estava dividido, em favor dos combatentes. Mas, até aquele momento, o grupo não 
recebera qualquer respaldo de outros movimentos, conforme esperava seu líder.7 
7. Em 27 de março de 1965, Castelo Branco encontrava-se em Foz do Iguaçu para a inau-guração 
da ponte da Amizade, entre Brasil e Paraguai. Os combatentes já se encontravam no Paraná, 
aumentando ainda mais a tensão, após as primeiras informações que chegaram sobre o levante. Aviões 
e helicópteros de reconhecimento partiram para a região. Próximo a Capanema, o grupo foi localizado 
por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Em Leônidas Marques foi travado um tiroteio, que 
vitimou o sargento Carlos Argemiro de Camargo. O grupo de Cardim se dispersou e, pouco a pouco, 
os combatentes foram capturados. A repercussão do movimento foi grande na imprensa nacional e 
mesmo internacional. Valdetar Dorneles contou que seu grupo, preso e já apanhando muito, estava 
sendo levado em um caminhão do Exército quando foi fotografado por um fotojornalista da revista 
Manchete, que somente conseguiu registrar as prisões após identificar-se como portador de uma au-torização 
do presidente Castelo Branco para fazer a cobertura fotográfica da ação. Os fotógrafos da 
Manchete destacados para aquela cobertura eram Geraldo Móri e Assis Hoffmann. Valdetar disse 
acreditar que aquele registro pode ter garantido a sobrevivência de seu grupo. 
8. Derrotados, os combatentes foram submetidos a humilhações e sessões de tortura. Cardim 
foi aprisionado, recebendo cuspes no rosto, e sendo torturado diante de diversas tropas, por oficiais do 
Exército, aos gritos de “comunista”. Segundo ele: 
­No 
dia 27 fui conduzido de jipe para Foz do Iguaçu. No caminho, em Medianeira, 
no destacamento onde serviu o sargento Carlos Argemiro de Camargo, fui retirado 
do jipe por ordem do capitão Dorival Sumiani. Fui jogado no chão e começaram
599 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
a me dar pontapés, fazendo-me rolar uns 50 metros até o jardim, onde estavam os 
soldados. No chão, com o rosto ensanguentado, o capitão deu ordens para que me 
cuspissem no rosto: “Escarrem na cara deste filho da puta, comunista, assassino!”. 
Depois o capitão colocou o coturno sobre a minha cara e mandou que eu beijasse a 
terra, bradando: “Beija a terra que traíste, comunista, assassino!”. Ainda pegou um 
garfo de campanha e ficou me espetando, desde os pés até o pescoço. Todo esfolado, 
me fizeram rolar de volta até a viatura e continuamos a viagem.8 
Ao prosseguir viagem, por volta de meia-noite, Cardim foi levado até o major Hugo Coelho, assessor 
do general Justino Alves Bastos. Segundo Cardim, 
ele disse que eu ia ser fuzilado, me retiraram do carro e me fizeram andar aos pulos, al-gemado, 
por cerca de 100 metros. Chegaram a fazer uma simulação do fuzilamento.9 
9. Passada a surpresa com o levante de Cardim, os serviços de informações do Exército e da 
Aeronáutica deram maior atenção a possíveis dissidências nas fileiras do III Exército. Com a prisão 
e interrogatórios de Alberi, foi possível identificar em detalhes militares e civis ligados a Brizola com 
atuação no Sul do Brasil, em dezenas de cidades, como Santa Maria, Cachoeira, Livramento, Cruz 
Alta, Alegrete, além de Porto Alegre. No extrato de declarações prestadas por Alberi consta: 
Brizola trabalha ativamente em Montevidéu procurando organizar uma insurrei-ção 
geral no Brasil. Emissários de Brizola vêm ao Brasil trazendo instruções a seus 
adeptos, organizando-os para a luta. A tomada de quartéis, com a participação de 
elementos ainda na ativa e apoio de militares expurgados e civis é a forma preconi-zada 
para a obtenção do armamento.10 
10. Documento secreto da 2a seção do Estado-Maior da Aeronáutica, de junho de 1965, 
alertava para a necessidade de serem tomadas medidas de segurança, com maior fiscalização nas 
fronteiras com o Uruguai. Segundo o informe, o “Estado-Maior da Agitação” é o grupo liderado 
por Brizola. Este é o responsável 
pelas ocorrências de março último no Sul do País [...]. Este grupamento funciona 
como um EM visando a retomada do poder no Brasil, realizando reuniões cons-tantes, 
em casa de seus membros, de onde é comandada a insurreição no País. [...] 
A citada rede no entanto deverá ser levantada e neutralizada para erradicação da 
repetição de possíveis acontecimentos tipo Jefferson.11 
Também foi intensificado o monitoramento que o governo fazia dos grupos de exilados no Uruguai, 
na tentativa de prevenir novas sublevações. Documento secreto da 2a seção do quartel-general da 4a 
zona aérea traz a seguinte informação: 
Este Serviço tomou conhecimento do seguinte informe: Na manhã em que foi 
noticiado o assalto dos guerrilheiros às cidades de Três Passos e Tenente Portela, 
reuniram-se na cidade de Osório cerca de 150 chefetes do PTB, de Osório, Torres 
e Santo Antonio. [...] Por um levantamento realizado no Destacamento Policial
13 – casos emblemáticos 
600 
existente no município [Osório] foi verificado que apenas quatro soldados são fiéis 
ao governo. Existem campos de emergência para aterrisagem de pequenos aviões 
nas fazendas de diversos chefes trabalhistas, sendo que no interior do município 
existem também diversos “esconderijos”, onde consta haver grande quantidade de 
armamento e munição.12 
11. A CNV tomou depoimentos dos seguintes ex-combatentes do Movimento 26 de Março: 
Valdetar Antônio Dorneles, Abrão Antônio Dornelles, Pedro de Campos Bones, Carlos Dornelles e 
Arsenio Blatt.13 Também foi ouvido o então soldado Boaventura Nunes da Silva, da Brigada Militar do 
Rio Grande do Sul, que relatou ter servido com o sargento Alberi e que, por isso, apoiou o movimento. 
Com a queda do grupo, foi preso e ficou incomunicável por um ano no quartel de Passo Fundo. Depois 
disso, foi perseguido por toda a carreira. Também foram ouvidos pela CNV em Três Passos a viúva de 
Alberi, Iloni Schamz e, em São Sepé, o ex-combatente Alípio Charão Dias. 
12. Levados para o I Batalhão de Fronteiras, em Foz do Iguaçu, os presos passaram por 
seguidas sessões de tortura. Pedro Bones contou que, logo que chegaram, foram pendurados por 
fios de náilon nas grades do presídio. O grupo apanhou muito. Presos juntos, seu Zebinho e o filho, 
Valdetar, sofreram tortura, um testemunhando o suplício do outro. O pai contou que apanhou tanto 
na sola dos pés que só conseguia ficar deitado no chão da cela, com as pernas para cima. Valdetar foi 
pendurado por fios de náilon, amarrados nos braços e nos dedos das mãos, em forma de torniquete, 
até que o sangue começasse a jorrar: 
Uma vez entrei às dez da noite [para sessão de interrogatório e tortura], e saí de lá 
seis da manhã. Eu tenho marcas aqui de burro [mostra o corpo marcado], me quei-maram, 
eles me marcaram com uns espetões. Eu tenho marcas até hoje nas pernas, 
nos braços. Se vocês olharem aqui [mostra os dedos das mãos], tem todas as marcas 
de aliança. Isso foi fio de náilon, que eles passavam, amarravam. Os dedos, quando 
puxavam, ficavam pretos, completamente pretos. E eles interrogando: “Conhece fu-lano?”. 
Eu dizia: “Não conheço”, então eles puxavam aquele fio, cortava até o osso.14 
Valdetar Dorneles exibiu à CNV as marcas nos dedos, nos braços e nas pernas, que perduram até 
hoje, quase 50 anos depois das torturas. Além de quatro anos de prisão, ele sofreu longa perseguição 
política e chegou a ter sua anistia recusada. Silvano Soares dos Santos, irmão mais velho de Alberi, 
após sessões de tortura, ficou abalado mentalmente, chegou a ser internado no hospital colônia 
Adauto Botelho, em Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Após ser solto, Silvano foi encon-trado 
morto em sua casa, em Sede Nova (RS). 
13. Muitas pessoas próximas a Brizola, além dele próprio, também foram indiciadas no 
Inquérito Policial Militar (IPM) da Operação Três Passos. Nomes como Dagoberto Rodrigues, José 
Wilson da Silva, Darcy Ribeiro, Ivo Magalhães, Neiva Moreira, Cibilis Vianna, João Cândido Maia 
Netto, Alfredo Ribeiro Daudt e Aldo Arantes foram acusados de participação na operação. 
14. No Uruguai, o núcleo mais próximo a Brizola foi monitorado por agentes das Forças 
Armadas e Polícia Federal, com apoio do Ministério das Relações Exteriores e colaboração dos 
países vizinhos. Foi detectada, por exemplo, a conexão com Cuba e com organizações de esquer-
601 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
da da América do Sul. Como exemplo, documento secreto do CIEx, de dezembro de 1966, traz 
informação sobre Cibilis Vianna: “O asilado brasileiro Cibilis da Rocha Viana está de regresso a 
Montevidéu, constando que tenha viajado a Havana, de onde trouxe recursos para Leonel de Moura 
Brizola”.15 A tensão entre as articulações de Brizola no exílio e o monitoramento feito pelos órgãos do 
governo militar se estenderá ao longo dos primeiros anos pós-64. No entanto, até hoje, a participa-ção 
efetiva de Brizola no movimento do coronel Jefferson Cardim é uma dúvida. Sabe-se que ele se 
negou a dar dinheiro aos sargentos Alberi e Firmo Chaves, quando estes o procuraram em Atlântida. 
Tudo leva a crer que Brizola acompanhou, a distância, ao longo dos primeiros anos pós-golpe de 
1964, várias articulações voltadas à sublevação contra a ditadura. No entanto, segundo Herbert de 
Souza, o Betinho, “Jefferson Cardim foi por conta dele mesmo, [...] depois de várias tentativas, com 
várias datas desmarcadas da insurreição, resolveu fazê-la por conta dele”.16 
15. O capitão da Aeronáutica Álvaro Moreira de Oliveira Filho, que se encontrava exilado 
no Uruguai, disse que Cardim o convidou para participar do movimento. No entanto, após consultar 
seu grupo político, ele recusou o convite.17 O próprio Cardim, quando comentou, anos depois, sobre 
a articulação feita para o movimento, deixou dúvidas sobre a coordenação com Brizola: 
Nós tínhamos um acordo, eu e o Brizola, eu não faria perguntas sobre os planos dele 
e me reservava o direito de não informar onde nem quando lançaria o que ele dizia 
ser o estopim para eclodir um movimento de insurreição no Rio Grande do Sul.18 
2. Manoel Raimundo Soares: “O caso do sargento das mãos amarradas” (1966) 
Ouvi dizer no DOPS que eu fui o detido mais “tratado” até hoje dos que lá passaram. 
Que mais posso temer? Temor servil, pois, não tenho. Ainda não foi necessário demons-trar 
que não temo nem a morte. Talvez, em breve, isto venha a acontecer. O tempo dirá. 
[Carta de Manoel Raimundo Soares, de 25 de junho de 1966.] 
16. Em 24 de agosto de 1966 foi encontrado no rio Jacuí, às margens da ilha das Flores, 
nas proximidades de Porto Alegre, o corpo do sargento Manoel Raimundo Soares. Ele estava com 
as mãos e os pés atados às costas, motivo que fez o episódio de sua morte ter ficado conhecido como 
“O caso do sargento das mãos amarradas”. As circunstâncias do crime tiveram grande repercussão à 
época. Paraense de Belém, Manoel Raimundo Soares foi para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, 
em 1953 e, em 1955, ingressou no Exército. Participou do movimento dos sargentos, com atuação na 
Campanha da Legalidade, em 1961, que garantiu a posse de João Goulart. Em 25 de agosto de 1963, 
foi transferido para o Mato Grosso, como represália por sua atuação política e, em 30 de julho de 
1964, foi expulso do serviço ativo do Exército brasileiro, por motivos ideológicos, com base no Ato 
Institucional no 1 (AI-1), de 9 de abril daquele ano. 
17. Manoel Raimundo desertou de seu quartel em Campo Grande com o sargento Araken 
Galvão, também destacado no Mato Grosso. Eles viajaram juntos para Juiz de Fora e depois para o Rio 
de Janeiro e, de lá, foram para o Rio Grande do Sul. Atuavam na articulação do Movimento Nacional 
Revolucionário, grupo de militares e lideranças trabalhistas ligado a Brizola e a Jango, que, naquele momen-
13 – casos emblemáticos 
to, encontravam-se exilados no Uruguai. Em 29 de setembro, Manoel Raimundo voltou a Porto Alegre com 
o suboficial Leony Lopes. Ele foi quem o apresentou a Edu Rodrigues, civil que fazia parte do Movimento 
Nacional Revolucionário, mas na verdade era um infiltrado do DOPS naquele grupo nacionalista. 
602 
18. Valdetar Antônio Dorneles, líder da Guerrilha de Três Passos, disse que, meses de-pois 
do golpe de 1964, o sargento Manoel Raimundo Soares chegou à região (de Campo Novo e 
Três Passos, noroeste do Rio Grande do Sul) como emissário de Brizola e disse que eles se prepa-rassem 
para um futuro levante.19 Manoel tinha 30 anos quando foi preso arbitrariamente pelos 
sargentos do Exército Carlos Otto Bock e Nilton Aguiadas, em 11 de março de 1966, por volta 
das 17h30, em frente ao auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre. A prisão teria sido ordenada 
pelo comandante da 6a Companhia, capitão Darci Gomes Frange. Ele foi levado à Companhia de 
Polícia do Exército, e de lá transferido para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS-RS). 
No DOPS, foi entregue ao delegado de plantão Enir Barcelos da Silva, sendo lá torturado 
por mais de uma semana. 
19. Há várias testemunhas da tortura sofrida por Manoel Raimundo, como o também 
preso Aldo Alves Oliveira: 
O depoente declara que o mesmo [Manoel Raimundo Soares] mostrava vários sinais 
de sevícias; que na ocasião, em que o sargento estava sentado no corredor que dá 
acesso à cela, verificou que o mesmo estava sem camisa, deixando ver as marcas de 
queimaduras e sinais de violento espancamento a tal ponto que não podia engolir 
alimentos sólidos, razão pela qual tanto o depoente como os outros presos forne-ciam, 
do leite que lhes era enviado por familiares, alguma porção para alimentar o 
sargento Manoel Raimundo Soares. Declara o depoente que o quadro acima descri-to 
foi presenciado não somente por ele, mas também por outros prisioneiros.20 
20. Em 19 de março, foi levado para a ilha-presídio do rio Guaíba. De lá, escreveu várias 
cartas para sua esposa, Elizabeth Chalupp Soares, chamada por ele de Betinha, pedindo providências 
para sua libertação. A última das cartas, de 25 de junho de 1966, foi publicada no Jornal do Brasil, em 
4 de setembro daquele ano. A censura à imprensa ainda não estava imposta, o que possibilitou a ampla 
divulgação desse caso, com grande repercussão à época. Dizia a carta: 
A quem interessar possa – Eu, abaixo assinado, brasileiro com trinta anos de idade, 
residente na rua Coelho Lisboa no 30, ap. 102, Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro, casado 
com a sra. Elizabeth Chalupp Soares, conhecida afetivamente por Betinha, ex-sar-gento 
do Exército, de cujas fileiras fui expurgado (para honra minha) após o golpe 
de Estado ocorrido a 1o de abril de 1964, declaro: 
Paradoxalmente, recuperei a saúde nesta ilha-presídio onde me encontro hoje, de-pois 
de ter sido selvagemente seviciado e massacrado durante oito dias no quartel 
da 6a Companhia de Polícia do Exército e nas salas da DOPS no “Palácio da Polícia 
Civil”, à avenida João Pessoa. Minha vista esquerda, porém, infelizmente creio tê-la 
perdido parcialmente, após uma borrachada no supercílio correspondente, aplicada 
pelo 1o tenente Nunes, da PE.
603 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
Moralmente encontro-me no mesmo estado de sempre, apesar de tudo. As pessoas 
que me conhecem bem sabem qual é. Na verdade, amargura-me somente o fato de 
haver sido entregue às autoridades pelo indivíduo Edu Rodrigues, no qual depositei 
alguma confiança que liquidou minha liberdade. 
Desconheço totalmente os nomes e apelidos referidos por escrito. Não sei de quem 
se tratam e muito menos das atividades destas pessoas, se é que elas existem mesmo. 
Minha condição de preso e a verdade obrigam-me a desconfiar de tudo e de todos. 
Meus companheiros, como já declarei nos interrogatórios, perfazem 75 milhões de 
brasileiros. Deles não sei os nomes e morrerei por eles se preciso for. 
Estou ainda no pleno gozo da saúde mental, não perdi a calma nem a razão que meu 
temperamento determina. 
Ouvi dizer no DOPS que eu fui o detido mais “tratado” até hoje dos que lá 
passaram. Que mais posso temer? Temor servil, pois, não tenho. Ainda não foi 
necessário demonstrar que não temo nem a morte. Talvez, em breve, isto venha a 
acontecer. O tempo dirá. 
Não fui ouvido em nenhum IPM. Mandaram-me para esta ilha-presídio na ma-nhã 
do dia 19 de março e não mais me ouviram até hoje, apesar de estarem as 
autoridades sempre e sempre tentando obter informações que não tenho, por meio 
dos mais sutis e insidiosos artifícios. 
Estou preso e incomunicável em meio de delinquentes comuns (ladrões, criminosos, 
viciados em tóxico etc.). Negam-me o direito de ter contato com minha família, 
bem como o de ser visitado por um oculista ou advogado. 
Mais uma vez repito aqui, agora, as linhas gerais das respostas que dei nos interro-gatórios, 
bem como as circunstâncias de minha prisão: 
– Fui preso às 17h35 do dia 11 de março de 1966, sexta-feira, em frente ao au-ditório 
Araújo Vianna, depois de ter tido contato pessoal com o indivíduo Edu 
Rodrigues. Eu portava, na ocasião, uma bolsa preta de vulcouro e fecho ecler, a 
qual continha cerca de 2 mil recortes de jornais com inscrições de caráter polí-tico. 
Dois policiais à paisana seguraram o meu braço, enfiaram-me em um táxi 
DKW verde com tampo creme e conduziram-me para o quartel da 6a Cia. de 
Polícia do Exército. Ali, debaixo de cruel massacre, no qual se destacaram o pri-meiro- 
tenente Nunes e o segundo-sargento Pedroso, iniciaram o interrogatório 
cujas respostas mantenho agora, novamente: 
– Eu estava em Porto Alegre a fim de conseguir emprego e normalizar a vida des-truída 
pela revolução a 1o de abril; cheguei a Porto Alegre no dia 26 de janeiro de 
1965 e regressei ao Rio de Janeiro no dia 6 de março; no dia 29 de setembro de 1965 
fui procurado em minha residência na Guanabara pelo colega Leony Lopes, que me
13 – casos emblemáticos 
604 
conduziu até Porto Alegre com promessa de trabalho, desde então, até dezembro, 
residi à avenida Berlim, no 400. A partir de janeiro de 1966 até o dia da prisão eu 
pernoitava em hotéis e pensões da Capital; passava os dias na rua. 
– Que além dos recortes de jornais nada mais havia que eu tivesse conhecimento; 
que o que foi dito é tudo. 
Fiquei na PE durante duas horas e depois fui conduzido para o DOPS, onde 
fiquei até o dia 19, quando trouxeram-me para a ilha. Até hoje, desde então, não 
me ouviram mais. 
Estou em paz com minha consciência e ainda mantenho o desejo de merecer a con-fiança 
dos brasileiros que por uma ou outra maneira depositem em mim. 
Qualquer pessoa que quiser me prestar alguma ajuda deve tomar as seguintes 
providências: 
a) Impetrar um pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Militar a meu favor. 
b) Confortar moralmente e materialmente a minha esposa. (Eu ficaria imensa-mente 
grato se pudesse receber uma carta dela. Já remeti oito para ela. Não sei 
se chegaram.) 
c) Mandar-me algum dinheiro, um par de sapatos no 38 (estou descalço) e coisas de 
comer; e os livros Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, ou Os sertões, de Eu-clides 
da Cunha, ou ainda o Governo invisível, da [Editora] Civilização [Brasileira]. 
Entre as utilidades que agora fazem falta: um espelho de bolso, creme de barbear 
(sabão serve), lâminas de barbear. 
Aqui nestes escritos está tudo o que já declarei ou tinha a declarar. 
Espero poder algum dia agradecer pessoalmente aquilo que meus anônimos ami-gos 
fizeram por mim hoje. Só me resta agora repetir as palavras que direi enquanto 
tiver vida: 
Abaixo a Ditadura. 
Viva a Liberdade 
O povo vencerá. 
21. O primeiro-tenente Nunes e o segundo-sargento Pedroso a que Manoel Raimundo se 
refere eram o então primeiro tenente-intendente Luiz Alberto Nunes de Souza e o segundo-sargento 
Joaquim Athos Ramos Pedroso:
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comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
Debaixo de cruel massacre no qual se destacaram o primeiro-tenente Nunes e o 
segundo-sargento Pedroso [...] Minha vista esquerda, porém, infelizmente creio 
tê-la perdido parcialmente, após uma borrachada no supercílio correspondente, 
aplicada pelo 1o tenente Nunes, da PE. 
22. Manoel Raimundo escreveu diversas cartas à esposa. As última recebidas por ela foram 
escritas no dia 10 de julho de 1966. No dia 13 de agosto de 1966, ele foi novamente levado para o 
DOPS. Durante o tempo em que esteve preso, o advogado Marcelo Alencar impetrou habeas corpus 
junto ao Superior Tribunal Militar (STM) e a resposta das autoridades foi a de que ele não se encon-trava 
preso e não se tinha notícias de seu paradeiro. Foi este o argumento dado pelo então comandante 
do III Exército, general Orlando Geisel, irmão do futuro presidente Ernesto Geisel. 
23. Em 20 de agosto de 1966, o major Luiz Carlos Menna Barreto, o delegado José Morsch 
e uma terceira pessoa estiveram no Instituto Médico-Legal (IML) à procura do corpo de Manoel 
Raimundo, segundo testemunharam Delmar Santos e Felipe Demóstenes Bitencourt, auxiliares de ne-cropsia. 
Os visitantes já sabiam que ele estava morto, resultado de “caldos” (tortura por submersão) a que 
foi submetido à noite, até que “perderam” o corpo nas águas do rio e tentavam recuperá-lo. Depois da 
localização de seu corpo, a necropsia confirmou que houve lesões, com provável violência, indicando que 
teria morrido entre os dias 13 e 20 de agosto de 1966. 
24. Pela grande repercussão do caso, foram abertas quatro investigações: um inquérito poli-cial, 
presidido pelo delegado Arnóbio Falcão da Motta; um Inquérito Policial Militar (IPM), a cargo 
do III Exército; uma investigação do Ministério Público estadual, tendo à frente o promotor de Justiça 
Paulo Cláudio Tovo; e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do 
Rio Grande do Sul. Segundo o depoimento do fiscal chefe da ilha-presídio do Rio Guaíba, Manoel 
Raimundo deixara aquela prisão em 13 de agosto, sendo entregue a agentes do DOPS no ancoradouro 
da Vila Assunção. Como, neste caso, as versões de suicídio e de tiroteio não eram cabíveis, a versão 
oficial foi a de que ele foi solto em 13 de agosto e que teria sido justiçado, vítima de seus próprios 
companheiros, em virtude dos depoimentos que prestou. Foi essa a conclusão do IPM. A versão foi 
contraditada pelo promotor Paulo Cláudio Tovo, que em seu relatório afirmou que “a bússola dos 
indícios aponta firmemente para o DOPS”.21 Em relação à versão oficial de que o preso político havia 
sido posto em liberdade no dia 13 de agosto, o promotor argumentou que 
Na verdade, porém, ninguém (de fora do DOPS) viu Manoel Raimundo Soares 
sequer descer as escadarias do prédio da avenida João Pessoa, onde funciona o 
DOPS. Entre 13 (data da suposta libertação) e 24 de agosto (data do encontro do 
cadáver da vítima), não há a menor notícia de um suspiro, ao menos, de Manoel, 
fora das dependências do DOPS. 
Nenhum rastro ou vestígio sequer de um passo de Manoel fora dos umbrais do 
DOPS. E não é crível que o DOPS o deixasse ir assim em paz, principalmente 
em se tratando de um agente subversivo. [...] E se ninguém viu Manoel, depois do 
dia 13 de agosto, fora das dependências do DOPS, [...] é porque Manoel nunca 
foi posto em liberdade. Tanto isto é verdade que o estudante de agronomia Luís 
Renato Pires de Almeida, preso na mesma época, afirmou que Manoel Raimundo
13 – casos emblemáticos 
606 
estava em uma das celas do DOPS gaúcho na noite de 13 de agosto e nos dias 
seguintes; informação confirmada pelo depoimento do ex-guarda-civil Gabriel Al-buquerque 
Filho.22 
A investigação do promotor Tovo chegou aos nomes do major de Infantaria Luiz Carlos Menna 
Barreto, chefe de gabinete da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul e responsá-vel 
pelo Dopinha, centro clandestino de tortura em Porto Alegre; do delegado José Morsch, diretor 
da Divisão de Segurança Política e Social e substituto do titular do DOPS-RS, que era o delegado 
Domingos Fernandes de Souza; além de outros delegados da Polícia Civil, Enir Barcelos da Silva e 
Itamar Fernandes de Souza, este último chefe da Seção de Investigações e Cartório do DOPS-RS. 
Segundo o promotor Paulo Cláudio Tovo: 
Quanto às torturas sofridas por Manoel Raimundo Soares, os indícios apontam 
firmemente para o major Luiz Carlos Menna Barreto e os delegados José Morsch, 
Itamar Fernandes de Souza e Enir Barcelos da Silva, todos em coautoria, quer 
como mandantes, quer como executores. (...) No tocante ao fato principal, ou seja, 
ao homicídio praticado (...), indícios de coautoria, já examinados, apontam como 
suspeitos o major Luiz Carlos Menna Barreto (chefe todo-poderoso do DOPS e 
Dopinha) e José Morsch.23 
25. A CPI da Assembleia Legislativa chegou a conclusões na mesma direção. Presidida pelo 
deputado Ayrton Barnasque, teve como primeiro relator o deputado Lidovino Fanton, que teria sofrido 
pressões políticas. O relatório final, do deputado Antônio Carlos da Rosa Flores, foi aprovado pelo ple-nário 
no dia 7 de julho de 1967. A CPI concluiu que a morte de Manoel Raimundo foi responsabilidade 
do major de Infantaria Luiz Carlos Menna Barreto, em coautoria com os delegados José Morsch e Itamar 
Fernandes de Souza. Em relação ao delegado José Morsch, o relatório da CPI constatou que existiam 
“suficientes subsídios de informação que permitem mostrar a personalidade delinquente desse servidor do 
DOPS”.24 Durante os trabalhos da CPI foram ouvidas testemunhas como Aldo Alves de Oliveira, Edgar 
da Silva e Eni de Freitas, que testemunharam ser o delegado Morsch responsável pela tortura de Manoel 
Raimundo. A CPI também apontou para indiciamento o secretário de Segurança Pública Washington 
Bermudez e o superintendente dos Serviços Policiais, o major Lauro Melchiades Rieth. 
26. O impacto que o caso teve à época refletiu-se na declaração do ministro do STM mare-chal 
Olímpio Mourão Filho: “Trata-se de um crime terrível e de aspecto medieval, para cujos autores 
o Código Penal exige rigorosa punição”. Foi determinada a remessa dos autos ao procurador-geral da 
Justiça Militar para abertura de um IPM, que foi arquivado sem sequer indiciar os acusados. Apesar 
dos diversos depoimentos que mostravam o crime cometido contra Manoel Raimundo Soares, seus 
assassinos até hoje permanecem impunes. Em 1973, no auge da repressão política, a viúva Elizabeth 
Chalupp Soares ajuizou ação requerendo pensão, ressarcimento pela União das despesas do funeral e 
indenização por danos materiais e morais. Além do major Menna Barreto, apontou o então capitão 
de Infantaria Áttila Rohrsetzer como responsável pela morte de Manoel Raimundo. E identificou 
outros nomes, como o capitão Luiz Alberto Nunes de Souza, os sargentos Nilo Vaz de Oliveira (vulgo 
Jaguarão), Ênio Cardoso da Silva, Theobaldo Eugênio Berhens, Itamar de Matos Bones e Ênio Castilho 
Ibanez, e o delegado Enir Barcelos da Silva. Durante anos, a viúva pediu que fossem produzidas pro-vas 
para corroborar as informações que ela recebia. Também em 1973, recorreu ao secretário-geral da
607 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
Organização das Nações Unidas (ONU), conforme registra memorando confidencial da Secretaria de 
Estado das Relações Exteriores ao chefe do Departamento de Organismos Internacionais:: 
Passo às mãos de Vossa Excelência cópia da anexa informação no 0486/CISA/ESC 
− RCD/30/AGO/73, recebida do Centro de Informações de Segurança da Aeronáu-tica 
e relativa à notícia de apelo ao secretário-geral da Organização das Nações Uni-das, 
feita pela viúva do ex-sargento do Exército Manoel Raimundo Soares, senhora 
Elizabeth Challup Soares, para que interceda junto ao senhor presidente da Repú-blica 
para a punição dos responsáveis pela “prisão, tortura e morte” de seu marido.25 
27. O processo sobre o caso foi transferido da Justiça estadual para a federal, em demorada 
tramitação. Somente em 11 dezembro de 2000, o juiz Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, da 5a Vara 
Federal de Porto Alegre, proferiu sentença favorável à viúva, mas a União recorreu. Em 12 de setembro 
de 2005, em decisão da 3a turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4a Região, a desembargadora 
relatora Vânia Hack de Almeida negou provimento ao recurso da União e manteve a indenização con-cedida, 
confirmando a sentença do juiz Leal Júnior e assegurando a tutela antecipada, o que permitiu 
o pagamento imediato de pensão vitalícia à viúva, retroativa a 13 de agosto de 1966, com base na 
remuneração integral de segundo-sargento. Em sua decisão, a desembargadora destacou que 
e­ste 
processo, por uma série de motivos e circunstâncias já relatadas, tramita há 30 anos. 
Ele já está na memória pública, pois foi tombado, arquivado, a sentença foi copiada e 
exposta, transformou-se em história, mas o processo não findou. A jurisdição, função 
do Estado, não foi entregue. Este julgamento deve cuidar também desta questão. Por 
isso, tão só manter a sentença como prolatada não é o bastante e nem digo para fazer 
justiça, mas para minimizar a injustiça. Justiça depois de 30 anos não é mais possível. 
28. Elizabeth Chalupp Soares morreu em junho de 2009, no Rio de Janeiro, aos 72 anos de 
idade. Em 26 de agosto de 2011, foi inaugurado, em Porto Alegre, o memorial Pessoas Imprescindíveis, 
em homenagem ao sargento Manoel Raimundo Soares. 
B) A repressão contra trabalhadores, sindicalistas e camponeses 
1. O Massacre de Ipatinga (1963) 
Eu vi a forma cruel como a vigilância da Usiminas junto com a Polícia Militar destruí-ram 
nossos companheiros. [...] Eu estava perto do caminhão, a uns dois metros, quando 
a gente percebeu que os companheiros que haviam sido massacrados pela vigilância e a 
Polícia Militar a mando da Usiminas a noite inteira, eles estavam chegando dos ambula-tórios 
para se integrarem com a gente. E aquelas presenças, aquelas atitudes, os semblan-tes... 
cheios de hematomas, com braços nas tipoias, machucados, tristes, [aquilo] mexeu 
com os brios daquela massa que estava ali, mexeu com os brios da gente. 
[José Horta de Carvalho, testemunha, em depoimento à Comissão Nacional da 
Verdade, outubro de 2013.]
13 – casos emblemáticos 
608 
29. A Usiminas foi etapa fundamental no projeto de industrialização do Plano de Metas do 
governo Juscelino Kubitschek. Em junho de 1957 foi assinado o acordo Lanari-Horikoshi, que estabe-leceu 
a entrada de investimentos japoneses na Usiminas, mas somente em outubro de 1962 começou 
a funcionar o primeiro alto-forno da siderúrgica. 
30. Em todo o Brasil, o segundo semestre de 1963 foi marcado por fortes pressões dos 
movimentos sociais, com greve dos bancários em vários estados, movimentos de funcionários pú-blicos, 
professores, metalúrgicos e outras categorias por reajustes salariais, além do levante dos sar-gentos, 
em setembro, que antecipou as tensões nas Forças Armadas, meses antes do golpe de 1964. 
Pela oposição, a corda da tensão política sobre o governo João Goulart era puxada principalmente 
pelo governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que sistematicamente questionava a capacidade de 
gestão do governo federal. Em outubro, o presidente João Goulart enviou mensagem ao Congresso 
Nacional pedindo a decretação do estado de sítio por 30 dias. 
31. Em 1963, Ipatinga e Timóteo não existiam como municípios, eram distritos de Coronel 
Fabriciano. Para o projeto de construção da Usiminas, afluíram para a região trabalhadores de todo o 
Brasil, a sua maioria com pouca instrução, além de engenheiros e técnicos brasileiros e estrangeiros. 
Com juros altos, as obras de construção da siderúrgica foram priorizadas, em desfavor da infraestrutura 
para receber e acolher os milhares de empregados que participaram do empreendimento. Em outubro 
de 1963, o relacionamento entre a empresa e seus empregados era muito ruim. Havia alojamentos e 
transportes precários, falta de segurança no trabalho e comida de má qualidade. Há relatos de que o 
bandejão do Moraes, que atendia a maioria dos empregados, às vezes servia comida estragada, com 
mosquitos no prato, sem qualidade. A Polícia Militar estava constantemente na porta da empresa, para 
proteger o patrimônio e intimidar os empregados. O tratamento diferenciado dado pela Usiminas a 
chefes, engenheiros e policiais militares contribuía para aumentar o clima de revolta dos trabalhadores. 
Também a chegada de novos empregados, alguns mais qualificados e experientes, deixava evidente a 
precariedade das condições de trabalho da maioria. Além de tudo, a empresa criava embaraço para a 
sindicalização dos trabalhadores, dificultando as formas de organização. 
32. No domingo, 6 de outubro de 1965, foi feita uma das primeiras assembleias de empre-gados 
da Usiminas, coordenada pelo Metasita, o sindicato dos metalúrgicos de Coronel Fabriciano 
(Ipatinga só seria emancipada em abril de 1964). Nas participações dos empregados, o clima era de 
descontentamento com as condições de trabalho, segurança e acomodações da Usiminas. Durante a 
reunião foram feitas muitas críticas à administração local, cujo responsável era Gil Guatimosin Júnior, 
diretor de relações exteriores da siderúrgica. A reunião dos trabalhadores durou cerca de duas horas, 
terminando por volta de 14h, quando a maioria dos participantes da assembleia voltou ao trabalho. Na 
saída do turno desses trabalhadores, tarde da noite de domingo, os seguranças barraram a passagem, 
obrigando-os a se submeter à revista. Chovia naquela noite e, um a um, debaixo de chuva e em fila 
indiana, os trabalhadores foram obrigados a passar pelos seguranças. 
33. Os trabalhadores da Usiminas dependiam do transporte, que era feito de forma precá-ria, 
frequentemente no próprio basculante de caminhões. Como não havia ônibus e outras formas de 
locomoção, os empregados, com medo de perderem a condução, forçaram a saída, desobedecendo a 
ordem de se submeter à revista. Então os vigilantes acionaram a cavalaria, que estava próxima, já de 
prontidão. Houve um princípio de confusão, os policiais armados agiram com violência, jogaram os
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cavalos para cima dos trabalhadores, deram chutes, mas, na dispersão, os trabalhadores que iam para 
Timóteo e lugares mais distantes conseguiram embarcar nos caminhões. No entanto, aqueles que 
moravam no bairro Santa Mônica tomaram o rumo do alojamento a pé. Os policiais, então, pediram 
reforço da tropa e seguiram para esse alojamento. Como o local só tinha uma entrada, os empregados, 
percebendo a chegada da tropa, bloquearam a passagem com móveis, guarda-roupas, tonéis, além de 
quebrarem as lâmpadas da rua, para dificultar a chegada da polícia. A tropa recuou e deslocou-se para 
o alojamento da Chicago Bridge, uma empreiteira que trabalhava para a Usiminas, cuja maioria dos 
trabalhadores era mais humilde, nem tinha participado da assembleia, e estava dormindo. A polícia 
invadiu o alojamento, bateu nos trabalhadores e efetuou muitas prisões. 
34. Um grupo de trabalhadores da Chicago Bridge foi levado para a delegacia. Lá, foram co-locados 
deitados em um pátio, debaixo de chuva, e foram pisoteados e espancados. Foi com a presença 
do padre Avelino Marques na delegacia que os presos conseguiram sair, enlameados, machucados, com 
hematomas. Alguns puderam deixar a delegacia no começo da manhã de segunda-feira e foram direto 
para a portaria da Usiminas. As agressões e humilhações praticadas por policiais e seguranças eram 
comuns, mas neste episódio atingiu o seu ápice, tensionando ainda mais as relações entre a Usiminas e 
seus trabalhadores. O grupo do alojamento da Santa Mônica, que havia passado a noite de prontidão, 
com receio da invasão da polícia, também foi cedo para a entrada da Usiminas. Com a chegada dos 
caminhões com o pessoal de fora, aos poucos os trabalhadores foram tomando ciência do ocorrido 
durante a madrugada e fecharam a entrada da Usiminas, não deixando ninguém entrar. 
35. Na audiência pública da CNV em 7 de outubro de 2013, data que marcou 50 anos do 
Massacre de Ipatinga,26 José Horta de Carvalho, testemunha do episódio, disse que a ingerência da 
Polícia Militar fazia parte do cotidiano da empresa, revistando empregados na saída dos turnos e per-seguindo- 
os até o alojamento. Ele lembrou a tensão daqueles momentos que antecederam a tragédia: 
Eu vi a forma cruel como a vigilância da Usiminas junto com a Polícia Militar des-truíram 
nossos companheiros. [...] Eu estava perto do caminhão, a uns dois metros, 
quando a gente percebeu que os companheiros que haviam sido massacrados pela 
vigilância e a Polícia Militar a mando da Usiminas a noite inteira, eles estavam 
chegando dos ambulatórios para se integrarem com a gente. E aquelas presenças, 
aquelas atitudes, os semblantes... cheios de hematomas, com braços nas tipoias, 
machucados, tristes, [aquilo] mexeu com os brios daquela massa que estava ali, 
mexeu com os brios da gente.27 
36. Na porta da Usiminas, na manhã chuvosa de 7 de outubro de 1963, em um ambiente 
muito tenso, foram se aglomerando milhares de trabalhadores que, por volta das 8h, eram mais de 
5 mil. A tropa da Polícia Militar estava ali para defender o patrimônio da siderúrgica, mas, com os 
portões fechados, ficaram também do lado de fora. Eram doze policiais, depois chegou reforço, to-talizando 
19. E havia um soldado em cima da carroceria de um caminhão com uma metralhadora 
giratória. O choque era iminente. Lideranças dos trabalhadores juntos com o padre Avelino Marques 
negociaram, no escritório central da empresa, a retirada da tropa do local, temendo um confronto. 
O capitão Robson Zamprogno, responsável pela tropa, depois de longa negociação, com a presença 
também do diretor da Usiminas Gil Guatimosin Júnior, aceitou a retirada, mas disse que não aceita-riam 
vaias ou manifestações contrárias a eles, por parte dos trabalhadores. Ficou decidido que tanto os
13 – casos emblemáticos 
policiais quanto os empregados iriam se dispersar simultaneamente. Com a ordem para a retirada da 
tropa, o caminhão começou a manobra, mas enguiçou. Nisso, os policiais desceram para empurrar e 
houve um princípio de confusão. Foi quando o 2o tenente do Regimento da Cavalaria Militar, Jurandir 
Gomes de Carvalho, deu um tiro para o alto e começou o tumulto. Quando finalmente o caminhão 
andou, a tropa começou a atirar a esmo na direção dos trabalhadores. O soldado que estava com a 
metralhadora passou a girá-la, disparando indiscriminadamente. 
610 
37. O massacre resultou em vários mortos e feridos na porta da Usiminas. Mesmo depois 
de saírem dali, os policiais militares continuaram atirando. Mais adiante, em frente ao escritório da 
Usiminas, uma mulher que ia ao ambulatório da empresa vacinar a filha começou a correr quando 
viu o tumulto. Um dos soldados atirou nas suas costas, a bala atravessou seu corpo e atingiu a bebê de 
apenas três meses, Eliane Martins, que morreu após ser internada na Casa de Saúde Santa Teresinha. 
Os únicos registros deste que ficou conhecido como o Massacre de Ipatinga, foram feitos por José Isabel 
do Nascimento, empregado da empreiteira Ficher e fotógrafo amador. A violência da ação da Polícia 
Militar foi tamanha que, enquanto fotografava, ele foi alvejado e morreu dias depois também na Casa 
de Saúde Santa Terezinha. As outras vítimas identificadas do massacre foram: Aides Dias de Carvalho, 
empregado da Usiminas, 23 anos, morto com um tiro por trás na cabeça; Alvino Ferreira Felipe, fun-cionário 
da empreiteira; A. D. Cavalcanti, 41 anos, morto também com um tiro por trás na cabeça; 
Antônio José dos Reis, operário da Convap, empresa de construção civil, 37 anos; Geraldo da Rocha 
Gualberto, alfaiate, 28 anos, morto com tiros pelas costas; Gilson Miranda, 34 anos; e Sebastião Tomé 
da Silva, 20 anos, funcionário da Usiminas, morto com um tiro na nuca. Destes, apenas os nomes de 
Aides de Carvalho, da bebê Eliane e de Gilson Miranda não foram apresentados para a apreciação da 
Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Todos os demais foram analisados 
e aprovados por unanimidade. 
38. Em Ipatinga e região, no entanto, até hoje o número de mortos é questionado. Pelo 
tamanho da tragédia, estima-se que houve muito mais vítimas. Geraldo dos Reis Ribeiro, que era 
presidente do Metasita, afirma que chegou a contar, um a um, estendidos no chão, 30 corpos. Mais 
de uma centena de pessoas deram entrada em hospitais de Ipatinga e região, fora aqueles que foram 
tratados no pronto-socorro da própria Usiminas. Segundo Geraldo Ribeiro: 
O mais interessante desta história é que eu contei 30 mortos lá no local. [...] Eu 
peguei um por um para ver: eu pegava no pulso do cara e ele não tinha pulso, eu 
largava ele lá e ia pegar outro que estava respirando lá na frente. [...] Depois de uma 
hora, quando eu voltei para Ipatinga (após pedir socorro e avisar à imprensa), não 
tinha nenhum corpo mais no local. Nenhum corpo, nem vestígio nenhum. Parecia 
que não tinha acontecido nada ali. [...] O pessoal da Usiminas foi lá e varreu tudo, 
limpou tudo, tiraram os corpos, sumiram com os corpos. 
Geraldo Ribeiro disse também que, depois do episódio, a Usiminas apresentou ao sindicato uma lista 
de 59 trabalhadores desaparecidos. A empresa precisava acertar a situação trabalhista, mas essas pessoas 
não compareciam há mais de um mês no trabalho e, portanto, seriam demitidas. 
39. Depoimentos à CNV28 também apontaram para a possibilidade de um número de ví-timas 
maior do que o oficial. Aloísio Souza de Jesus e Cruz só soube do Massacre de Ipatinga em
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2005, quando saiu à procura de informações de seu pai. Sua mãe disse que o pai, que havia deixado 
a família em busca de melhores condições de vida, teria morrido nas mãos de um sargento. Após 
pesquisas, encontrou na Bahia duas testemunhas da morte do pai dele, Gesulino França de Souza. As 
testemunhas contaram que ele foi executado por um policial militar durante a fuga dos trabalhadores 
da Usiminas, após os disparos. O corpo da vítima, entretanto, nunca foi encontrado e não faz parte 
da lista oficial de mortos no massacre. João Flávio Neto pode ser outro desaparecido após o Massacre 
de Ipatinga. Segundo sua irmã, Conceição Maia Ribeiro Flávio, “ele saiu de casa para trabalhar no 
início de outubro de 1963 e nunca mais voltou”. O nome de João Flávio também não consta da lista 
de mortos oficiais. Fábio Rodrigues de Souza é outro possível desaparecido ligado ao episódio. Ele 
também desapareceu em Ipatinga na manhã de 7 de outubro de 1963. 
40. Há ainda a referência a uma encomenda de 32 caixões pelo setor de almoxarifado da 
Usiminas, feita no dia 8 de outubro. Segundo o jornalista Marcelo Freitas, Laerte Abelha Lopes, 
então motorista da Usiminas, que normalmente transportava alimentos para abastecer o bandejão 
da empresa, voltava de Catalão (GO) no dia 8 de outubro quando recebeu a missão de buscar 32 
caixões na funerária da Santa Casa de Misericórdia, em Belo Horizonte. O motorista disse que se 
recorda bem do número de caixões, pois na entrega tinha que conferir com a nota fiscal. Os caixões 
foram entregues no almoxarifado da Usiminas. 
41. Rossi do Nascimento, filho de José Isabel do Nascimento; Eva Reis, filha de Antônio 
José dos Reis; Maria Conceição Ferreira Felipe, filha que perdeu o pai, Alvino Ferreira Felipe; 
Jurandir Persichini Cunha, membro da Comissão da Verdade de Minas Gerais, ex-metalúrgico e 
jornalista, sobrevivente do massacre; e Jarbas da Silva, que trabalhava no almoxarifado da Usiminas, 
também prestaram depoimento à CNV. A Usiminas e a Polícia Militar de Minas Gerais foram cha-madas 
pela CNV para prestar esclarecimentos na audiência. O representante da empresa, Afonso 
Celso Flecha de Lima Álvares, não respondeu as questões elaboradas pelas comissões Nacional da 
Verdade e Estadual da Verdade de Minas Gerais, mas disse que a empresa está comprometida em 
ajudar. Segundo ele “a Usiminas não se furtará a prestar informações e já pedimos que o setor de RH 
(Recursos Humanos) e os arquivos façam uma busca em torno de documentos que possam esclarecer 
os fatos”. O coronel Eduardo César Reis, representante da Polícia Militar, entregou à CNV cópia 
do Inquérito Policial Militar que tramitou entre 1963 e 1964. Segundo o coronel, a Polícia Militar 
de Minas Gerais indiciou 20 policiais no IPM e encaminhou os resultados da investigação à Justiça 
Militar em 1964. Nenhum policial, porém, foi condenado pela Justiça. 
42. Em Ipatinga, alguns prédios públicos receberam nomes em homenagem às vítimas 
do massacre, como o Centro Esportivo Cultural Sete de Outubro, no bairro Veneza, e o hospital 
municipal Eliane Martins. 
2. A Revolta de Trombas e Formoso. O desaparecimento de José Porfírio e seu filho 
Durvalino Porfírio de Souza (1973) 
Eles me bateram e disseram: “Se você não disser onde está o José Porfírio eu mato 
seu marido e seu irmão”. E me xingaram de vários nomes. Eu respondi: “Não digo 
porque não sei. E se soubesse também não diria”.
13 – casos emblemáticos 
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[Depoimento de Dirce Machado da Silva, em audiência pública da CNV sobre o 
caso, realizada em Goiânia, em 15 de março de 2014.] 
43. Na década de 1950, a região de Trombas e Formoso, localizada no extremo norte de Goiás, 
hoje divisa com Tocantins, foi palco de um dos principais movimentos de organização e resistência 
camponesa do Brasil, conhecido como a Revolta de Trombas e Formoso. A luta teve início quando os 
camponeses resistiram ao processo de grilagem das terras onde viviam e trabalhavam, que eram terras 
devolutas. O PCB teve atuação importante no conflito, já que todo o núcleo dirigente do movimento 
era ligado ao partido, além de camponeses de origem. Por meio de documentação falsa, grileiros, com 
o apoio de autoridades da região, obrigaram os posseiros a deixar as terras em que viviam ou a assinar 
um contrato de arrendamento, que lhes garantiria a permanência nas terras, mas apenas como usuários, 
sem direitos sobre elas, e ainda tendo que entregar aos grileiros metade de tudo aquilo que produzissem. 
44. No período da colheita, jagunços, a mando dos fazendeiros, cobravam parte da produ-ção. 
Em um desses recolhimentos, o camponês conhecido como “Nego Carreiro” negou-se a entregar 
o “arrendo”. Um oficial da polícia, que acompanhava os jagunços, sacou sua arma, mas, antes que 
pudesse atirar, Nego Carreiro atingiu-o fatalmente. Esse episódio marcou o início dos confrontos na 
região. Por meio da Associação dos Trabalhadores e Lavradores Agrícolas de Formoso e Trombas, e, 
posteriormente, com a formação dos Conselhos de Córregos, o movimento resistiu de forma bem ar-ticulada, 
confrontando a polícia e jagunços. Em 1957, foi abortada uma invasão da área pela polícia e 
uma trégua informal ficou estabelecida. Nesse período, a Associação dos Trabalhadores se constituiu, 
na prática, como governo naquela região. 
45. Os conflitos na região duraram até 1962, quando foi feito um acordo com o governador 
Mauro Borges, que distribuiu títulos de propriedade de terra. Foi disseminada a ideia de que havia, ali, uma 
República independente do Estado brasileiro. Essa ideia contribuiu para que setores conservadores goianos 
exigissem uma intervenção armada na região. Para isso, foi forjada e divulgada a existência da Constituição 
de Trombas, com a qual muitos camponeses, após serem presos e torturados, relatam ter sido confrontados. 
46. Após o golpe de 1964, a região foi invadida pela polícia e pelo Exército e o grupo inicial 
mais atuante caiu na clandestinidade. A operação resultou na prisão e tortura de camponeses e de lí-deres 
comunistas da região. Em 1971, a área foi mais uma vez invadida e a repressão foi mais violenta, 
com a prisão de dezenas de posseiros, a detenção de seus líderes mais conhecidos, entre os quais se 
destacava José Porfírio de Souza, o primeiro deputado camponês da história do Brasil. Havia a descon-fiança 
de ligações entre o movimento de Trombas e Formoso e a Guerrilha do Araguaia. 
47. Dirce Machado da Silva, seu marido, José Ribeiro da Silva, e seu irmão, César Machado 
da Silva, foram presos e torturados por agentes da repressão para que revelassem o paradeiro de José 
Porfírio. Ela afirmou que: 
Eles me bateram e disseram: “Se você não disser onde está o José Porfírio eu mato 
seu marido e seu irmão”. E me xingaram de vários nomes. Eu respondi: “Não digo 
porque não sei. E se soubesse também não diria”. Daí eu quis morrer. Reuni todas 
as minhas forças e dei um tapa no soldado, que cambaleou. Então ele me deu um 
“telefone” e eu desmaiei. Acordei toda molhada de cachaça e vômito.29
613 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
48. José Porfírio de Souza nasceu em 12 de julho de 1913 em Pedro Afonso, à época per-tencente 
ao estado de Goiás, hoje Tocantins. Iniciou sua trajetória política no ano de 1949, ocasião 
em que se mudou para a região de Trombas, área de terras devolutas e solo fértil, localizada ao 
norte da Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG). Logo no início do conflito de Trombas e 
Formoso, o líder camponês perdeu sua esposa Rosa Amélia de Faria, com quem teve seis filhos. Ela 
foi vítima de um ataque cardíaco, após ter sua casa invadida e queimada em uma ação da polícia 
e de jagunços contratados pelos grileiros. José Porfírio casou-se novamente. Sua segunda esposa é 
Dorina Pinto da Silva, com quem teve 12 filhos. Com a eclosão da revolta, alguns militantes do 
Partido Comunista Brasileiro (PCB) foram deslocados para a região, para auxiliar na organização 
do movimento. Essa aproximação foi de extrema importância para a formação política de Porfírio, 
que por volta de 1956 filiou-se ao partido. 
49. Em 1962, foi eleito deputado estadual pela coligação PTB-PSB, e ajudou a criar a 
Associação dos Trabalhadores Camponeses de Goiânia, tendo participado do Congresso Camponês 
de Belo Horizonte, em 1961, e do 1o Congresso Operário-Estudantil-Camponês de Goiás, em 1963, 
em Goiânia. Em 1964 teve seu mandato cassado pelo Ato Institucional no 1, retornando à região de 
Trombas e Formoso com a intenção de formar um movimento de resistência ao golpe militar, mas não 
obteve sucesso. Fugiu com outros companheiros por 18 dias de canoa pelo rio Tocantins, até chegar à 
cidade de Carolina, no Maranhão, estado onde passou a viver clandestinamente. Descontente com as 
posições tomadas pelo PCB, saiu do partido e começou a integrar os quadros da Ação Popular (AP). 
No ano de 1968 participou do grupo que formou a dissidência da AP e fundou o PRT. 
50. As atividades de José Porfírio de Souza e de pessoas ligadas a ele foram ostensiva-mente 
monitoradas. Os documentos registram antecedentes, julgamento, prisão, soltura, busca 
de informações, trajetória, termos de declarações, entre outros. Desse modo, é possível afirmar a 
montagem de uma operação de localização e captura do líder camponês. No período em que José 
Porfírio de Souza foi procurado, preso e desaparecido, o general de brigada Milton Tavares de 
Souza (também conhecido como Miltinho ou Milton Caveirinha e um dos idealizadores da po-lítica 
de eliminação física) esteve responsável pela chefia do Gabinete do Ministério do Exército/ 
Chefe do Centro de Informações do Exército (CIE). Isto pode ser comprovado pela sua assinatura 
em vários documentos relacionados ao líder camponês. Destaca-se o documento do SNI com o 
assunto “Prisão de José Porfírio de Souza”, que apresenta um relatório sobre o levantamento pro-cedido 
no norte de Goiás e sul do Maranhão que culminou na prisão por agentes da PMEGO do 
ex-deputado e camponês José Porfírio de Souza.30 O documento menciona que a prisão foi rea-lizada 
em uma operação surpresa e evidencia um conjunto de esforços planejados e direcionados 
para que a detenção fosse efetuada com êxito. 
51. José Porfírio de Souza foi preso em 1972 na fazenda Rivelião Angelical, povoado de 
Riachão, no Maranhão, e em seguida levado para Brasília, desaparecendo em 1973. Os filhos de 
José Porfírio de Souza, Durvalino e Manoel, também foram presos e torturados pelo regime militar. 
Manoel Porfírio foi condenado pela Justiça Militar por ser militante do PRT e ficou preso durante 
sete anos em São Paulo. Durvalino Porfírio enlouqueceu em consequência das torturas sofridas. Sobre 
a prisão e tortura sofridas por Durvalino, o camponês e irmão de José Porfírio, Arão de Souza Gil, 
disse que “ele apanhou até ficar louco. Morreu louco […]. Ele chegou sadio, era estudante, era novo, 
17 anos. Quando chegaram com ele em Balsas, ele já estava louco”.31
13 – casos emblemáticos 
614 
52. Por conta dos transtornos mentais, Durvalino Porfírio de Souza foi internado em 
um manicômio em Goiânia. Em conversa informal, Arão de Souza Gil afirmou que o sobrinho foi 
internado sem nenhuma identificação. Segundo ele, “Durvalino era filho de José Porfírio e por isso 
não poderia ser identificado no hospital”. A Comissão Nacional da Verdade entrou em contato e 
encaminhou ofícios para a Secretaria de Saúde de Goiânia, para tentar localizar algum registro de 
entrada de Durvalino nas unidades de saúde, entretanto, essa identificação não foi possível tendo 
em vista o estado de conservação dos arquivos e o período de guarda dos documentos. Contudo, 
há informações de que a unidade de saúde na qual Durvalino Porfírio de Souza foi internado era 
o hospital Adauto Botelho, inaugurado no ano de 1954, em Goiânia, e desativado em 1995. A ins-tituição 
também teria sido o destino de outros presos políticos, e teria tido o papel de legitimar o 
que se entendia por “louco” naquele momento. Durvalino Porfírio de Souza desapareceu em 1973, 
mesmo ano do desaparecimento do pai. 
53. Sobre o desaparecimento do líder camponês José Porfírio, Dirce Machado da Silva 
disse que ele foi solto em 7 de junho de 1973, em Brasília, e despediu-se de sua advogada, 
Elizabeth Diniz, na rodoviária da cidade, quando embarcou para Goiânia, onde ficou hospedado 
na casa de seu companheiro do PCB José Sobrinho, no setor Marista.32 Lá ele pernoitou e saiu pela 
manhã para uma agência bancária, a fim de resolver problemas na sua conta, que estava bloqueada. 
E nunca mais foi visto. Essa versão foi corroborada durante depoimentos colhidos em Goiânia na 
audiência da CNV de 18 de outubro de 2013. 
54. Acusado de ser um dos organizadores do PRT, Porfírio foi preso e condenado a seis 
meses de prisão e foi solto em 7 de junho de 1973. Entretanto, o documento oficial, de 15 de 
junho de 1973, apresenta o nome de José Porfírio em alvará com liberação de presos expedido em 
8 de junho 1973: 
Em 8 de junho, mediante alvará de soltura, foi posto em liberdade José Porfírio de 
Souza, que se encontrava preso no Pelotão de Investigações Criminais (PIC)/Bata-lhão 
da Polícia do Exército de Brasília (BPEB). O referido elemento fora condenado 
a seis meses de prisão em 27 de fevereiro de 1973, em face do IPM da AP/PRT.33 
Nota-se divergência entre a data na qual o alvará foi expedido, 8 de junho, e o dia em que José Porfírio 
foi solto, 7 de junho de 1973. 
3. Operação Mesopotâmia: a repressão em área rural na divisa entre Maranhão e Goiás e 
o caso de Epaminondas Gomes de Oliveira (1971) 
Sofremos muito. Eu não gosto de me lembrar de certas coisas. Você ter um amigo, 
tudo o que acontece com ele e você vendo, dói na alma, dói no coração. Ele no meio 
de muita gente, levantar 30 homens, para todos os 30 darem tapas no rosto dele, 15 
de um lado e 15 do outro. Isso aconteceu quando ele estava preso em Imperatriz. 
[Messias Gomes Chaves, companheiro de Epaminondas, em Depoimento à CNV 
em outubro de 2013, em Porto Franco (MA).]
615 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
55. A Operação Mesopotâmia, desencadeada pelo Exército entre 2 e 12 de agosto de 1971, 
contou com cerca de 40 agentes, incluindo nove oficiais, pertencentes ao CIE, Comando Militar 
do Planalto, 11a Região Militar e 3a Brigada de Infantaria, sob o comando do general de brigada 
Antônio Bandeira de Mello. Tinha como objetivo colher informações e prender militantes na di-visa 
entre Pará, Maranhão e Goiás (hoje Tocantins). Na operação, os agentes seguiram pistas que 
poderiam levar a militantes do PRT, da AP, da ALN, da VAR-Palmares e da Ala Vermelha naquela 
região. De acordo com o relatório da Operação Mesopotâmia, de 17 de agosto de 1971, esla passou 
a servir de modelo para novas incursões militares na região, conforme comprova, dentre outros, o 
seguinte trecho extraído do documento oriundo do Centro de Informações do Exército, classificado 
como secreto e intitulado Relatório da Operação Mesopotâmia: 
“Relatório da Operação Mesopotâmia” 
Finalidade 
O presente relatório visa apresentar os principais fatos ocorridos no desenrolar da 
operação em epígrafe, apontar resultados obtidos e sugerir medidas que possibilitem 
maior eficiência no combate à subversão em áreas similares àquela em que foi desen-cadeada 
a Operação Mesopotâmia.34 
56. A Operação Mesopotâmia serviu como experiência, em termos operacionais e de doutri-na 
militar, para incursões posteriores na região do Araguaia. Os agentes percorreram a área, aportando 
em cidades como Imperatriz, Lagoa Verde, Porto Franco, Tocantinópolis, Araguatins, Trombas e 
Buritis. Dezenas de militantes e simpatizantes (a maioria camponeses) foram presos. Epaminondas 
Gomes de Oliveira, militante do PRT, foi preso em sua casa, em Tocantinópolis, torturado e morto 
sob a tutela do Exército brasileiro em Brasília. O relatório da operação destaca a importância do apoio 
da Força Aérea Brasileira (FAB), a atuação dos militares descaracterizados e a chamada “Operação 
Presença”, que consiste em exibição pública e ostensiva a ser feita ao final da ação militar: 
A presença de oficial da FAB (AO) junto ao elemento que opera é uma necessidade. 
[...] A presença do Exército só poderá ser caracterizada ao final da operação (se for o 
caso) por uma demonstração tipo (“Operação Presença”).35 
A Comissão Nacional da Verdade apurou que a demonstração-tipo em Porto Franco, no estado do 
Maranhão, consistiu na exibição dos presos em caminhão aberto, acorrentados ou amarrados com 
cordas, de forma humilhante, alguns deles após terem sofrido espancamentos. 
57. O relatório da Operação Mesopotâmia apresenta: finalidade, ações, estratégias, depoi-mentos 
colhidos, prisões efetuadas e o contingente de oficiais participantes. Assinado pelo general de 
brigada Antônio Bandeira, que depois, em 1972, viria a ser responsável por novas ações militares na 
região do Araguaia, o relatório destaca que a Operação Mesopotâmia atingiu os objetivos de: 1) de-sarticular 
a movimentação política de esquerda na área; 2) identificar e prender pessoas consideradas 
subversivas pelo regime e identificação de outros indivíduos em diversos locais do país; 3) servir de 
modelo para outras operações. O relatório contém referências a um militante de nome “Juca”, residente
13 – casos emblemáticos 
em Porto Franco (MA), na verdade João Carlos Haas Sobrinho, desaparecido no Araguaia, que traba-lhou 
616 
como médico e criou o primeiro hospital daquele município, entre 1967 e 1969, transferindo-se 
então para a região da guerrilha, não muito distante dali.36 
58. Documento do SNI revela que a operação, além de difundida ao alto comando 
militar, também foi levada ao conhecimento de outras autoridades. Nele, há o encaminhamento 
do relatório com os resultados da operação ao governador do estado do Maranhão e ao ministro 
do Interior, em 19 de setembro de 1971.37 A Operação Mesopotâmia realizou deslocamentos 
planejados, com equipes de militares definidas por grupos de opositores políticos a serem presos. 
Foram efetuados deslocamentos via terrestre e via aérea para as cidades de Tocantinópolis (GO) 
– atual Tocantins – em 2 de agosto de 1971; Imperatriz (MA), em 4 e 5 de agosto de 1971, e 
regresso aéreo conduzindo dez presos em 7 de agosto de 1971; houve ainda destacamentos por 
via terrestre em 10 e 11 de agosto de 1971, novamente conduzindo outros três presos. Em 12 de 
agosto de 1971, ocorreu regresso aéreo a Brasília transportando um total de 13 presos; dentre eles, 
comprovadamente, Epaminondas Gomes de Oliveira. 
59. Em RI-reservado no 10, de 16 de setembro de 1971, do Batalhão de Polícia do Exército 
de Brasília (BPEB), assinado pelo comandante tenente-coronel Joel Peres de Vasconcelos, consta: 
“O civil Epaminondas Gomes de Oliveira, recolhido preso a essa OM em 19 de agosto de 1971 pela 
Operação Mesopotâmia, veio a falecer às 20h30 do dia 20 de agosto de 1971”. Epaminondas foi 
preso, torturado e morto sob a guarda do Exército brasileiro. A prisão de Epaminondas Gomes de 
Oliveira, como indicado, se inseriu no contexto da Operação Mesopotâmia, que prendeu lideranças 
políticas da região fronteiriça entre Maranhão, Pará e Goiás (atual Tocantins). A operação, condu-zida 
pela 3a Brigada de Infantaria CMP/11a Região Militar (RM), realizou um total de 32 prisões 
sem a observância das formalidades legais exigíveis: 
Em consequência das ações realizadas, foram efetuadas 32 prisões de elementos 
subversivos ou suspeitos. Após interrogatório a que foram submetidos e consequente 
triagem, foram transportados para Brasília os seguintes elementos: 
Eliezer Vas Coelho – “Geraldo” – VAR-PAL – Imperatriz; 
Pedro Gomes dos Santos – “João Ferro” – VAR-PAL – Imperatriz; 
Catarino Leal Juair da Silva – “Severino” – VAR-PAL – Imperatriz; 
Antonio Gonçalves Guimarães – “Antonio Aviador” – PRT – Tocantinópolis (GO); 
Linduarte Machado de Moura – “Lino” – PRT – Tocantinópolis (GO); 
Inácio Pereira de Macedo – “Pescador” – PRT – Tocantinópolis (GO); 
Bartolomeu Cassimiro de Albuquerque – “Beto” – PRT – Tocantinópolis (GO); 
José Pereira da Silva – “Zé Alecrim” – PRT – Tocantinópolis (GO);
617 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
João Nunes Guimarães – “João Ferreira” – PRT – Tocantinópolis (GO); 
Pedro Morais Milhomem – “Ambrozio” – PRT – Tocantinópolis (GO); 
Epaminondas Gomes de Oliveira – “Epaminondas” – PRT – Porto Franco (GO); 
Bartolomeu Gomes – “Bartu” – PRT – Porto Franco e Buritis; 
Pedro Americo de Salles Gomes – Imperatriz.38 
No referido relatório, Epaminondas Gomes de Oliveira encabeça a lista de lideranças políticas da 
região ligadas à AP/PRT: 
Os líderes locais da AP/PRT são: 
Epaminondas Gomes de Oliveira – “Luiz de França”; 
Pedro Morais; 
José da Marcelina – “José Alecrim”; 
João Ferreira Guimarães; 
Benedito – codinome de um indivíduo que fala castelhano.39 
60. Epaminondas Gomes de Oliveira nasceu em 16 de novembro de 1902, em Pastos 
Bons, no sul do estado do Maranhão, próximo à divisa com o estado do Piauí. Exerceu a profissão 
de sapateiro e artesão em couro, mas destacou-se também como autodidata e professor comuni-tário, 
tornando-se prefeito do município e liderança política na região. Mais tarde, radicou-se no 
município maranhense de Porto Franco, na divisa com o atual estado do Tocantins, à época Goiás, 
onde constituiu família e passou a defender melhorias em serviços públicos municipais, cobrando 
formalmente de autoridades federais o recebimento de equipamentos de saúde e de materiais escola-res 
adequados. Aproximou-se do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, posteriormente, do Partido 
Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), uma dissidência da Ação Popular (AP) que teve entre seus 
principais líderes o padre Alípio de Freitas, o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) 
Vinicius Caldeira Brandt e o líder camponês José Porfírio, eleito deputado estadual por Goiás no 
período anterior ao golpe de 1964. 
61. Na condição de liderança comunitária e militante do PRT, Epaminondas Gomes de 
Oliveira tornou-se alvo da Operação Mesopotâmia, uma operação militar secreta, realizada pelo 
Comando Militar do Planalto em agosto de 1971. Preso em 7 de agosto de 1971, no garimpo de 
Ipixuna (PA), por militares do Destacamento Terra II da Operação Mesopotâmia (dois majores, oito 
sargentos e um cabo), Epaminondas Gomes de Oliveira foi conduzido para a cidade Jacundá (PA) e,
13 – casos emblemáticos 
dali, para Imperatriz (MA). Em avião da Força Aérea Brasileira (FAB) foi levado até Brasília, onde, 
após torturas sofridas no Pelotão de Investigações Criminais (PIC), morreu aos 68 anos sob a custódia 
do Estado, no Hospital de Guarnição do Exército, em 20 de agosto de 1971. 
618 
62. A informação do Serviço Nacional de Informações (SNI), de outubro de 1971, apresen-tou 
um suposto local de sepultamento de Epaminondas, em um cemitério em Brasília (DF), atual-mente 
denominado Campo da Esperança. 
Epaminondas Gomes de Oliveira foi preso em 7 de agosto de 71 em Marabá (PA), 
por implicações em atividades subversivas, tendo sido conduzido a esta capital 
e recolhido ao BPEB (PIC). Na ocasião encontrava-se subnutrido e com saúde 
abalada. Inicialmente Epaminondas foi conduzido para tratamento no Hospital 
da Guarnição Militar de Brasília (DF), e, em virtude de seu caso ser considerado 
grave, encaminhado posteriormente ao Hospital Distrital de Brasília, onde veio a 
falecer em 20 de agosto de 1971. [...] O elemento em pauta encontra-se sepultado 
na quadra 504, lote 125, do cemitério da Asa Sul de Brasília.40 
63. Diante da possibilidade de localização da sepultura, a Comissão Nacional da Verdade 
verificou in loco, no cemitério, que o local indicado no documento correspondia a uma área com lápi-des 
sem qualquer identificação ou numeração. Dessa forma, foram solicitados os livros de registro dos 
sepultamentos do ano de 1971, verificando-se, de fato, em um verso de página, um carimbo atestando 
o sepultamento de Epaminondas Gomes de Oliveira em jazigo próximo ao indicado no documento 
oficial do SNI. A informação no 834 do SNI, peça-chave para a pesquisa realizada, também revelou 
outros elementos que foram investigados pela Comissão Nacional da Verdade. Em primeiro lugar, a 
suposta causa mortis de Epaminondas Gomes de Oliveira que, conforme o documento, seria decorrente 
de “uremia-insuficiência renal”. 
64. Nesse sentido, a Comissão Nacional da Verdade apurou, com base em testemunhos de 
outros presos da mesma unidade – o Pelotão de Investigações Criminais do Exército (PIC), em Brasília 
–, a prática recorrente de tortura por espancamentos e choques elétricos naquele estabelecimento, in-clusive 
as torturas sofridas pelo próprio Epaminondas desde sua prisão no Pará, duas semanas antes de 
sua morte. A situação de a vítima encontrar-se presa e sofrendo torturas descarta a tese de morte como 
decorrente de anemia e/ou insuficiência renal, conforme consta no documento oficial. A morte em fun-ção 
de tortura, bem como eventuais traços de suas consequências físicas no cadáver de Epaminondas, 
também foram objeto de investigação específica feita pela Comissão a partir da exumação realizada no 
cemitério. A suspeita acerca de traços de violência no cadáver foi reforçada pelo contido no articulado 
no 4 do documento do SNI que, ao invocar decreto municipal, indicou expressamente: “nenhuma 
sepultura poderá ser reaberta e nenhuma exumação poderá ser feita antes de ter decorridos os prazos 
de cinco anos para adultos e três para infantes”. No mesmo documento foram localizadas fotografias 
inéditas de Epaminondas, feitas quando de sua prisão pelo Exército.41 
65. Com base nos documentos encontrados e nas investigações, a CNV, com a autori-zação 
da família e a colaboração de peritos e médicos-legistas do Instituto de Medicina Legal da 
Polícia Civil do Distrito Federal, deu início, em 24 de setembro de 2013, às 10h, à exumação dos 
restos mortais que se supunham pertencentes ao ex-prefeito de Pastos Bons (MA). O trabalho de
619 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
exumação foi finalizado às 19h do mesmo dia e, em seguida, os restos mortais passaram a ser sub-metidos 
a exames de antropologia forense e de DNA. O processo de exumação foi acompanhado 
pelos dois netos da vítima, que doaram material de amostra para exames de DNA, Epaminondas de 
Oliveira Neto e Cromwell de Oliveira Filho. Epaminondas Neto apresentou à Comissão Nacional 
da Verdade certificado de reservista original de seu avô, emitido em 1946, com fotografia, altura e 
outros dados antropométricos que subsidiaram o trabalho. No dia 21 de outubro de 2013, policiais 
federais do Departamento de Polícia Federal em Imperatriz (MA) foram até Porto Franco (MA) e 
colheram material biológico para exame de DNA de Epaminondas Rocha de Oliveira e Beatriz de 
Oliveira Rocha, filhos de Epaminondas Gomes de Oliveira. 
66. A Comissão Nacional da Verdade diligenciou junto aos dois hospitais em que, confor-me 
documentação localizada, Epaminondas Gomes de Oliveira teria permanecido internado antes 
de morrer. No entanto, os dois estabelecimentos, o Hospital de Base de Brasília e o Hospital da 
Guarnição de Brasília, informaram não dispor de registros sobre o paciente. Para proceder à busca 
mais detalhada, o Hospital da Guarnição de Brasília, atualmente chamado de Hospital Militar 
de Área de Brasília, invocou a necessidade de cumprimento de orientação normativa, constante 
na mensagem no F-010-2010 do Comando do Exército, que determina que todos os pedidos ou 
requisições de documentos sobre o período de 1964 a 1985 sejam respondidos exclusivamente por 
intermédio do gabinete do comandante do Exército. Dessa forma, após a equipe da CNV ser aten-dida 
no balcão do hospital e receber a informação da possibilidade de localização do prontuário de 
Epaminondas, desde que feita uma busca mais minuciosa, inclusive em caixas arquivadas, adveio 
a resposta do comando do Exército afirmando “que não foram encontrados registros relativos ao 
paciente Epaminondas Gomes de Oliveira”.42 
67. No mês seguinte à exumação, em 21 de outubro de 2013, representantes da Comissão 
Nacional da Verdade, acompanhados do médico-legista e antropólogo forense do Instituto de Medicina 
Legal da Polícia Civil do Distrito Federal, Aluísio Trindade Filho, foram a Imperatriz (MA), Porto 
Franco (MA) e Tocantinópolis (TO), onde colheram 34 depoimentos de vítimas e de familiares de 
vítimas da Operação Mesopotâmia com o intuito de apurar graves violações de direitos humanos 
cometidas com o desencadeamento da operação militar, bem como de colher informações específicas 
sobre a prisão, tortura, morte e ocultação do cadáver de Epaminondas Gomes de Oliveira. As vítimas 
diretas ouvidas, cujos nomes constam do relatório da operação Mesopotâmia transcrito anteriormente, 
afirmaram que foram presas de forma arbitrária, sem a apresentação de mandado judicial ou ordem de 
prisão; sem a apresentação de motivo da prisão ou nota de culpa; e sem a autorização para que fizessem 
contato com a família ou com advogado. De modo geral, as prisões ocorreram sob espancamentos e 
ameaças, inclusive ameaças de morte, na presença de crianças, adolescentes, mulheres grávidas e idosos, 
e culminaram com a exibição pública dos presos, acorrentados de modo humilhante em caminhão do 
Exército, muitos deles ainda sem compreender exatamente a razão da prisão, uma vez que eram meros 
simpatizantes ou frequentadores de reuniões políticas da região. 
68. Depoimentos prestados em Porto Franco (MA) e em Tocantinópolis (TO)43 dão conta 
da tortura sofrida: 
Ficamos lá, [...] passamos o dia, quando foi à noite, na segunda noite, eles chega-ram 
com o senhor Epaminondas lá, algemado. “Você conhece este homem aí?”
13 – casos emblemáticos 
620 
É claro que conhecia, eu morava vizinho do Epaminondas, na casa dele, ainda 
passo ali onde é a casa da mãe dele. Era emendada com a do Epaminondas, era 
vizinho nosso. Inclusive, gente muito boa. Pessoa importante o Epaminondas. 
“Eu conheço, é meu vizinho.” Também foi a pergunta que me fizeram. Pegaram 
ele e levaram lá para a Santa Casa, aquela lá no acampamento da Rodovale (depois 
DNER), levaram ele pra lá, lá judiaram dele, bateram nele de palmatória, bateram 
na bunda dele, deram choque no ouvido dele e ele gritava. [...] Torturado alge-mado 
e com o aparelho. Eu não recordo se era para cima algemado ou se era para 
trás, eu não recordo. Ele em uma cadeira, ele com um aparelho magnético com 
um negócio em um ouvido e no outro. Ele dava gritos horríveis, gritando, dando 
choques no ouvido dele, batendo nele com a palmatória. Isso eu vi. Eu vi lá em 
Imperatriz. [...] Eu os vi fazendo isso. Quando foi no outro dia, eles embarcaram 
ele num transporte lá, que eu não sei que transporte era, e levaram para o aeropor-to 
e de lá foram embora. [...] E até hoje eu não sei por que é que eu fui preso. Eu 
nunca fiz parte disso, eu fui só amigo do senhor Epaminondas.44 
69. Messias Gomes Chaves, companheiro de Epaminondas, conta que, devido à sua prisão, 
em 1971, Dinalva Marinho Chaves, sua esposa, perdeu o segundo filho do casal e não pôde mais 
engravidar. Sobre o momento da prisão, em 1971, ele destaca: 
Sofremos muito. Eu não gosto de me lembrar de certas coisas. Você ter um amigo 
tudo o que acontece com ele, você vendo, dói na alma, dói no coração. Ele no 
meio de muita gente, levantar 30 homens, para todos os 30 darem tapas no rosto 
dele, 15 de um lado e 15 do outro. Isso aconteceu quando ele estava preso em 
Imperatriz. [...] Um carro quatro portas da Chevrolet. Chegaram e me levaram. 
Disseram: vamos fulano para a fazenda Alvorada. Na estrada, um quilômetro e 
meio, rodaram o carro de uma vez, saíram com as armas nas mãos e disseram: ou 
tu vai se explicar ou então vai morrer aqui. Aí começou.45 
70. Outros depoentes também foram ameaçados por militares, que ordenaram que não 
contassem nada do que havia acontecido. “Eu mesmo estou abrindo a história só agora, porque eu 
tinha medo”, afirmou Messias Chaves, que relatou que o grupo sofria ameaças até meados da década 
de 1980. Outros depoimentos indiretos, transmitidos oralmente nas famílias ou entre as pessoas do 
município, também revelaram que Epaminondas Gomes de Oliveira sofreu choques e espancamento 
em Porto Franco e Imperatriz, antes de ser transportado até Brasília, local de sua morte. 
71. Na época da morte de Epaminondas, o reservista do Exército Anísio Coutinho Aguiar, 
que serviu entre 1971 e 1988, estava lotado em Brasília. Ele viu Epaminondas em Brasília após sua 
prisão e pouco antes de sua morte: 
Conhecia o Epaminondas desde 1965, quando eu estudava em Porto Franco. Eu ia 
muito a casa dele para ele me dar orientações na matéria de português. [...] Eu fui a 
Brasília, soube que ele estava preso lá e pedi para ir lá. Falei com o chefe da 2a Seção 
para ir até lá. O Epaminondas estava muito debilitado, doente e muito abatido. 
Conversei rapidamente com ele. Ele estava muito estranho também.46
621 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
72. De acordo com as pesquisas realizadas, a Comissão Nacional da Verdade conclui que 
Epaminondas Gomes de Oliveira foi preso, torturado e morto no contexto da Operação Mesopotâmia, 
levada a efeito pelo Comando Militar do Planalto/11a Região Militar em agosto de 1971. A morte de 
Epaminondas Gomes de Oliveira ocorreu em Brasília (DF), em 20 de agosto de 1971, após prisão e tor-tura 
por espancamento e choques elétricos, na Polícia da Aeronáutica e/ou no Pelotão de Investigações 
Criminais (PIC), ambos situados na capital federal. O cadáver de Epaminondas Gomes de Oliveira 
nunca foi restituído à sua família, que, após sua prisão no estado do Pará, jamais teve contato com ele, 
seja em vida ou após o seu sepultamento. A Presidência da República, em 1971, por meio do Gabinete 
Militar e do SNI, depois de informar à família sobre a morte de Epaminondas Gomes de Oliveira, 
recusou-se a realizar o traslado do corpo, tendo comunicado à família um número incorreto de sepul-tura 
e atestando a impossibilidade de exumação do corpo antes de cinco anos. 
73. De acordo com o laudo cadavérico no 43.228/2013, produzido pelo Instituto de Medicina 
Legal da Polícia Civil do Distrito Federal, a Comissão Nacional da Verdade identificou os restos mor-tais 
de Epaminondas Gomes de Oliveira. Nos termos do laudo referido: 
O material examinado trata-se de um esqueleto humano, de uma pessoa do sexo 
masculino, com estatura estimada entre 165,5 e 172,5 centímetros, com idade míni-ma 
estimada de sessenta anos e com características físicas de indivíduo que possivel-mente 
apresentava mistura ancestral. Por todo o exposto, pode-se concluir, com base 
nos exames periciais antropológicos, documentais e testemunhais, que o esqueleto 
humano exumado em 24 de setembro de 2013, da sepultura 135, da quadra 504 e 
do setor A do cemitério Campo da Esperança, representa os restos mortais de Epa-minondas 
Gomes de Oliveira, filho de José Benicio de Sousa e de Ângela Gomes 
de Oliveira, nascido em 16 de novembro de 1902. Por esta razão, recomenda-se a 
entrega dos restos mortais aos seus familiares. 
74. Em 29 de agosto de 2014, a Comissão Nacional da Verdade realizou audiência pública 
em Brasília para divulgar o resultado da análise pericial realizada pelo Instituto de Medicina Legal da 
Polícia Civil do Distrito Federal, que confirmou a identificação dos restos mortais de Epaminondas 
Gomes de Oliveira. A audiência pública foi acompanhada por amigos e familiares da vítima, dentre 
eles cinco de seus netos: Epaminondas de Oliveira Neto, Cromwell de Oliveira Filho, Manoel Benício 
da Costa Oliveira, Noranei Costa de Oliveira, Jussara Maria de Oliveira Ramos e Suely Maria de 
Oliveira Santarém. Após a audiência, os restos mortais de Epaminondas Gomes de Oliveira foram 
trasladados para Porto Franco (MA), onde, em 31 de agosto de 2014, uma nova audiência pública sobre 
o caso foi realizada na presença de familiares da vítima e de autoridades municipais. Epaminondas 
Rocha de Oliveira e Inês da Costa Oliveira, filho e nora de Epaminondas Gomes de Oliveira, Joana 
Pereira da Rocha, nora de Epaminondas Gomes de Oliveira, netos, bisnetos e trinetos, além de outros 
vitimados pela Operação Mesopotâmia, como Abelardo Barbosa de Oliveira e Messias Chaves, acom-panharam 
a apresentação da pesquisa realizada pela Comissão Nacional da Verdade sobre o caso. Ao 
término da audiência, com um público de aproximadamente 300 pessoas, a urna funerária com os 
restos mortais de Epaminondas Gomes de Oliveira foi trazida por seus netos perante o público para 
receber unção religiosa feita pelo frei Joelmi Figueiredo Gomes. Em seguida, realizou-se cortejo até o 
cemitério da cidade onde, sob as canções populares e religiosas entoadas, ocorreu o sepultamento de 
Epaminondas Gomes de Oliveira, em jazigo familiar, ao lado de sua mulher e viúva.
13 – casos emblemáticos 
C) A repressão contra grupos políticos insurgentes 
622 
1. A Operação Pajussara: tortura e execuções na perseguição a Carlos Lamarca na 
Bahia (1971) 
Eu me lembro muito bem que tinha um sujeito forte, sargento Carlinhos, que ficava 
provocando, dizendo para os jovens: “Olha aqui o resultado de quem vira terrorista, de 
quem vira subversivo!”. E expunha a metralhadora, sacudia a metralhadora. Me lembro 
como hoje, era um jipe de quatro portas, aquele jipe aberto e o som arreganhado tocando 
a música “Amada amante”, de Roberto Carlos. Enquanto os corpos estavam lá no chão 
eles davam aquelas gargalhadas, parecia assim uma conquista de uma mina de ouro. 
[Depoimento de Carlon Castro, de Oliveira dos Brejinhos, ao documentário Do Bu-riti 
à Pintada: Lamarca e Zequinha na Bahia, de Reizinho Pedreira dos Santos, 2011.] 
75. Em 1971, com o cerco da repressão cada vez maior, Zequinha Barreto, que havia se des-tacado 
como liderança na greve de Osasco (SP), propôs à sua organização, MR-8, deslocar um grupo 
de militantes, entre os quais o capitão Carlos Lamarca, para o interior, para sua terra natal, Buriti 
Cristalino, em Brotas de Macaúbas, no centro-oeste da Bahia. Além de Zequinha e Lamarca, chega-ram 
à região Luiz Antônio Santa Bárbara e João Lopes Salgado, e lá encontraram a família Barreto, 
dentre eles os irmãos de Zequinha, Olderico e Otoniel. 
76. A Operação Pajussara foi mobilizada como uma ofensiva para localizar e eliminar 
Lamarca, àquela altura o inimigo número um da ditadura militar. O relatório da operação, documento 
da 2a Seção do Quartel-General do IV Exército/6a Região Militar, mostra que ela contou com a partici-pação 
de 215 militares e policiais, sendo ao menos 40 oficiais da Bahia, do Rio de Janeiro (Guanabara), 
de São Paulo e de Pernambuco. Sob a jurisdição da 6a Região Militar, comandada pelo general Argus 
Lima, a Operação Pajussara teve como comandante o então major Nilton de Albuquerque Cerqueira, 
chefe da 2a Seção do Estado-Maior da 6a Região Militar e comandante do DOI de Salvador (BA). 
Alagoano de Maceió, é possível que o nome escolhido para a operação, Pajussara, tenha sido uma refe-rência 
à sua terra natal. A Pajussara teve participação de militares e policiais de diversas organizações, 
como CIE, CISA, DOPS-SP, CODI da 6a Região Militar, PM-BA, DPF-BA, além do apoio com pes-soal, 
veículos e aviões da Companhia de Mineração Boquira, e apoio logístico também da Petrobras e 
da TransMinas. De outros estados, destacaram-se o delegado Sérgio Paranhos Fleury e sua equipe do 
DOPS/SP, além de agentes do CIE, Cenimar, CISA, CODI/2 (II Exército), Parasar/FAB, entre outros. 
77. Montada para “destruir” o capitão Lamarca e lideranças do MR-8, a operação exe-cutou: 
Iara Iavelberg, em Salvador; Luiz Antônio Santa Bárbara e Otoniel Barreto, em Brotas de 
Macaúbas; Lamarca e Zequinha Barreto (José Campos Barreto), no povoado de Pintada, em Ipupiara. 
Iara Iavelberg, companheira de Lamarca, foi morta em 20 de agosto de 1971, em um apartamento no 
bairro de Pituba, em Salvador (BA), cercado pelos órgãos de segurança. Em depoimento sobre a morte 
de Iara, César Queiroz Benjamin, que foi preso em Salvador, diz que: 
Ela [a sessão de choques elétricos] foi se prolongando, prolongando, entrou pela 
madrugada e eles [os torturadores] começaram a dizer, lá pelas tantas, não sei exa-
623 
comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 
tamente o porquê, imagino que para quebrar o meu moral, começaram a dizer: 
“Matamos a Iara, Iara está morta, Iara já era”. Sucessivamente isso. Eu estava enca-puzado, 
rolando pelo chão, porque com a descarga elétrica você fica sem controle... 
de alguma maneira eu acho que eles intuíram que eu não estava acreditando, e eu 
realmente não acreditei. [Então] eles me arrastaram para uma quina da sala, levan-taram 
o capuz e me mostraram uma foto... era a Iara morta.47 
O atestado de óbito de Iara descrevia que sua morte teria sido decorrente de suicídio. Na religião judaica, 
o suicida não tem honra, por isso a família de Iara foi obrigada a enterrá-la no cemitério israelita de São 
Paulo de costas para as demais sepulturas e de frente para a parede do cemitério, sem direito a honras fú-nebres. 
Com o passar do tempo, foram sendo recolhidas provas que mostravam que na verdade a morte de 
Iara não havia sido suicídio. No próprio laudo assinado pelo médico-legista Charles Pittex está registrada 
morte violenta e, entre parênteses, está escrito “suicídio” com um ponto de interrogação. 
78. Em 1993, foram entregues relatórios de cada uma das Forças Armadas ao ministro 
da Justiça, e no relatório da Marinha constava a seguinte afirmação sobre Iara: “[…] foi morta em 
Salvador (BA), em ação de segurança”. O jornalista Bernardino Furtado de Carvalho publicou uma 
reportagem sobre o caso em O Globo, com o depoimento de testemunhas que contrariavam a versão 
oficial de suicídio. A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) registrou o 
depoimento prestado pelo jornalista Bernardino Furtado, em 23 de setembro de 1997, no gabinete do 
então secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Belisário dos Santos Jr., no qual afirmou: 
[…] quando entrevistou o dr. Lamartine [Lima] visando obter informações sobre 
o laudo cadavérico de Lamarca; nessa ocasião o médico lhe relatou o seguinte: o 
sargento Rubem Otero em consulta médica, em estado grave de saúde, confiden-ciou- 
lhe que […] participou do cerco ao apartamento de Iara Iavelberg; que quando 
já se encontravam dentro do apartamento, sem que tivessem encontrado qualquer 
pessoa, perceberam que a porta de um dos cômodos se encontrava fechada; o sar-gento 
teria disparado uma rajada de metralhadora contra essa porta, não tendo ha-vido 
qualquer reação dentro do referido cômodo, o sargento chutou a porta e ali 
encontrou uma mulher agonizando […]. O depoente ouviu de Leônia Cunha, irmã 
de Lúcia Bernardete Cunha, que era hospedeira de Iara naquela época, a seguinte 
informação: a senhora Evandir Rocha, conhecida por Vanda, zeladora do edifício 
naquela época, relatou a Leônia que ouviu Iara gritar que se entregava às forças da 
repressão, tendo em seguida ouvido os tiros. 
Segundo a proprietária do apartamento, Shirlei Freitas Silveira, havia sinais de outros três tiros no ba-nheiro 
onde Iara havia supostamente cometido suicídio. Vizinhos do apartamento também afirmaram 
ter escutado vários disparos e o grito de rendição de Iara. 
79. Com as denúncias reunidas, a família de Iara conseguiu autorização na Justiça para pro-ceder 
à exumação e ter novo laudo sobre sua morte. A sociedade Chevra Kadisha, responsável pelo 
Cemitério Israelita do Butantã, dificultou o processo, inclusive conseguindo suspender a exumação, mas 
ela prosseguiu e aconteceu em 2003, com peritos da Universidade de São Paulo (USP), sob a supervisão 
do médico Daniel Romero Muñoz, nomeado pelo juiz do caso, na qualidade de professor de medicina
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Casos emblemáticos de violações de direitos humanos

  • 1. Parte IV DINÂmica das graves violações de direitos humanos: casos embLemáticos, locais e autores. O JUDICIÁRIO
  • 2.
  • 3. 595 13 capítulo comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 casos emblemáticos
  • 4. 13 – casos emblemáticos 596 O que queremos? A inviolabilidade dos direitos da pessoa humana, para que não haja lares em pranto, filhos órfãos de pais vivos, quem sabe mortos, talvez; órfãos do talvez ou do quem sabe. Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, quem sabe mortos, talvez; viúvas do talvez ou do quem sabe. [Discurso do deputado Alencar Furtado, MDB-PR, em 27 de junho de 1977.] Os capítulos anteriores apresentaram métodos e práticas das graves violações de direitos humanos cometidos por agentes do Estado durante a ditadura. Foram descritos casos de detenções arbitrárias e ilegais, tortura, execuções e desaparecimentos forçados, e demonstrado seu impacto sobre um extenso número de vítimas. Este capítulo e o seguinte, sobre a Guerrilha do Araguaia, apresentam casos que mereceram um tratamento separado, por serem emblemáticos em relação à repressão contra determinados grupos, como militares e camponeses, ou pela forma como a violência se materializou, como os casos de terrorismo de Estado contra a sociedade civil. A) A repressão contra militares 1. A Guerrilha de Três Passos (1965) Uma vez entrei às dez da noite [para sessão de interrogatório e tortura], e saí de lá às seis da manhã. Eu tenho marcas aqui de burro [mostra o corpo marcado], me queimaram, eles me marcaram com uns espetões. Eu tenho marcas até hoje nas pernas, nos braços. Se vocês olharem aqui [mostra os dedos das mãos], tem todas as marcas de aliança. Isso foi fio de náilon, que eles passavam, amarravam. Os dedos, quando puxavam, ficavam pretos, completamente pretos. E eles inter-rogando: “Conhece fulano?”. Eu dizia: “Não conheço”, então eles puxavam aquele fio, cortava até o osso. [Valdetar Antônio Dorneles, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, julho de 2014.] 1. Desde antes de 1964, grupos políticos se organizavam e discutiam estratégias para reagir a um eventual golpe de Estado. Nos meses que sucederam o golpe de 1964, uma conexão que envolvia trabalhistas alijados do poder que se encontravam no Uruguai, como o ex-presiden-te João Goulart, o ex-governador Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, além de militares expurgados das Forças Armadas pelos golpistas, voltou-se para o planejamento de possíveis reações à dita-dura militar, na forma de guerrilha ou insurreição, com a participação de civis e militares. Os expurgos nas Forças Armadas e condenações de militares com penas de vários anos de reclusão ofereceram grande contingente para um eventual movimento de contragolpe. Entre meados de 1964 e o começo de 1965, todos os planos de insurreição tinham um traço em comum: o levante, a coluna de combatentes, deveria partir da região Sul do Brasil, onde estavam as bases históricas do trabalhismo e o III Exército, responsáveis pelo sucesso da rede da Legalidade em 1961. E havia também monitoramento constante, por parte de órgãos de informação, sobre as atividades dos exilados brasileiros, especialmente no Uruguai.
  • 5. 597 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 2. No final de 1963, tendo como referência a vitória alcançada com a rede da Legalidade, que garantiu a posse de João Goulart na presidência, Leonel Brizola iniciou o processo de formação dos chamados Grupos de Onze, um esforço de organização e mobilização popular. Toda sexta-feira, Brizola e outros companheiros falavam na rádio Mayrink Veiga, alcançando milhões de ouvintes, já que o programa passou a ser retransmitido por várias rádios do interior. Além de Brizola, partici-pavam da iniciativa Cibilis Vianna, Almino Afonso, o almirante Cândido Aragão, Neiva Moreira e Herbert de Souza, o Betinho, da Ação Popular (AP).1 No documento que escreveu, lançando a ideia dos Grupos de Onze, Brizola dizia que: As iniciativas [de formação de Grupos de Onze] precisam surgir por toda a parte, onde quer que se encontre um brasileiro consciente, um nacionalista, um patriota, nas zonas de moradia, pelas vizinhanças, nos bairros [...], por toda parte, mesmo nos lugares mais longínquos de nossa Pátria. [...] O ponto de partida deve ser o enten-dimento entre dois ou três companheiros, perfeitamente identificados. Depois deste entendimento é que devem partir para novos contatos e para o recrutamento dos demais companheiros. [...] Os companheiros precisam estabelecer, entre si, um siste-ma de avisos, de tal modo que o grupo possa se reunir ou se mobilizar em minutos.2 3. No noroeste do Rio Grande do Sul, na região de Campo Novo, Três Passos e Tenente Portela, havia mobilização de grupos de cidadãos como forma de resistência democrática desde 1961. A proposta de Brizola de Grupos de Onze, que fazia referência a 11 jogadores de uma equipe de fute-bol, colegas do bairro, da localidade, refletia a forma como se organizou o grupo que acompanharia o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório e o sargento Alberi Vieira dos Santos para o movimento que eclodiu em março de 1965, e que ficaria conhecido como a Guerrilha de Três Passos. Em depoi-mentos de ex-combatentes à CNV foram várias as alusões ao fato de que, sob a liderança de Euzébio Teixeira Dorneles, o seu Zebinho, e seu filho, Valdetar Antônio Dorneles, um grupo de companheiros se reunia frequentemente para falar de política, mas também para jogar futebol, fazer jantares, ouvir música; eram companheiros que estavam sempre juntos. 4. Nesse contexto e com algum apoio material dos trabalhistas, em meados de março de 1965, um grupo vindo do Uruguai, comandado pelo coronel Jefferson Cardim e pelos sargentos Alberi e Firmo Chaves, saiu de Montevidéu em direção a Rivera. À época do golpe de 1964, o coronel Cardim trabalhava como assessor técnico do Lóide Brasileiro em Montevidéu, e o segundo-sargento Alberi, da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, fugiu para o Uruguai. No ambiente de conspiração dos exilados no Uruguai, Cardim destacava-se porque, à revelia de muitos planos e estratégias, dizia a interlocutores que não admitia que o golpe de 1964 completasse um ano sem que houvesse qualquer reação. O trajeto escolhido para a coluna de combatentes, que subiria pelo noroeste do Rio Grande do Sul até Mato Grosso, deveu-se ao conhecimento que o sargento Alberi tinha da região, e também por ser uma área fronteiriça, que margeava a Argentina e o Paraguai, proporcionando rotas de fuga. 5. Todos os ex-combatentes ouvidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) reconhe-ceram que, no momento em que se engajaram no movimento, não conheciam o coronel Cardim. A referência deles era o sargento Alberi. Valdetar Antônio Dorneles disse que, meses depois do golpe de 1964, o sargento Manoel Raimundo Soares (que em 1966 seria torturado até a morte, no caso que ficou conhecido como “O sargento das mãos amarradas”3) chegou à região como emissário de Brizola,
  • 6. 13 – casos emblemáticos e deu uma senha. No final de 1964, outro militar chegou à região, com a mesma senha e teria dito para Valdetar preparar seu grupo porque o movimento iria eclodir “antes de [completar] um ano do golpe [de 64], porque não vamos deixar eles comemorarem”.4 Já no começo de 1965, o sargento Alberi procurou os Dorneles na região e deu a mesma senha, dizendo para o grupo se organizar. Segundo Valdetar, “ele até marcou uma data, 14 de fevereiro de 1965”.5 598 6. O levante, com adiamentos, ocorreu em março. De Rivera, no dia 19 de março, o grupo entrou no Brasil, pelo Rio Grande do Sul, passou por São Sepé e Santa Maria, até chegar a Campo Novo. Cardim, falando como comandante do Exército de Libertação Nacional, designou Valdetar para o posto de tenente e apresentou todo o plano da insurreição, falando da chegada de Brizola e da adesão de “sessenta oficiais e de soldados de diversos quartéis do Rio Grande do Sul”.6 Na noite de 26 de março de 1965, com a incorporação do grupo organizado por Valdetar, Cardim se apossou da Brigada Militar de Três Passos e do presídio, de onde levaram armas, munição e fardas. Além de deixar a cidade sem comunicação telefônica, uma vez que cortaram os fios da rede, ocuparam uma rádio local, a Difusora, onde Odilon Vieira, que havia trabalhado como radialista em São Sepé, leu um manifesto de Cardim, no qual ele falava em nome das Forças Armadas de Libertação Nacional. Por ser tarde da noite, a locução teve pouca repercussão, com pequena audiência. Com todos os atropelos, estava em curso o primeiro movimento armado contra a ditadura militar no Brasil. De Três Passos, o grupo de combatentes seguiu para Tenente Portela, onde também tomou o destacamento da Polícia Militar. O mesmo ocorreu em Barra do Guarita e em Itapiranga (SC), que fizeram parte da rota do grupo em direção ao Paraná. Por onde passava, Cardim dizia que Leonel Brizola já estava em Porto Alegre e que o III Exército estava dividido, em favor dos combatentes. Mas, até aquele momento, o grupo não recebera qualquer respaldo de outros movimentos, conforme esperava seu líder.7 7. Em 27 de março de 1965, Castelo Branco encontrava-se em Foz do Iguaçu para a inau-guração da ponte da Amizade, entre Brasil e Paraguai. Os combatentes já se encontravam no Paraná, aumentando ainda mais a tensão, após as primeiras informações que chegaram sobre o levante. Aviões e helicópteros de reconhecimento partiram para a região. Próximo a Capanema, o grupo foi localizado por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Em Leônidas Marques foi travado um tiroteio, que vitimou o sargento Carlos Argemiro de Camargo. O grupo de Cardim se dispersou e, pouco a pouco, os combatentes foram capturados. A repercussão do movimento foi grande na imprensa nacional e mesmo internacional. Valdetar Dorneles contou que seu grupo, preso e já apanhando muito, estava sendo levado em um caminhão do Exército quando foi fotografado por um fotojornalista da revista Manchete, que somente conseguiu registrar as prisões após identificar-se como portador de uma au-torização do presidente Castelo Branco para fazer a cobertura fotográfica da ação. Os fotógrafos da Manchete destacados para aquela cobertura eram Geraldo Móri e Assis Hoffmann. Valdetar disse acreditar que aquele registro pode ter garantido a sobrevivência de seu grupo. 8. Derrotados, os combatentes foram submetidos a humilhações e sessões de tortura. Cardim foi aprisionado, recebendo cuspes no rosto, e sendo torturado diante de diversas tropas, por oficiais do Exército, aos gritos de “comunista”. Segundo ele: ­No dia 27 fui conduzido de jipe para Foz do Iguaçu. No caminho, em Medianeira, no destacamento onde serviu o sargento Carlos Argemiro de Camargo, fui retirado do jipe por ordem do capitão Dorival Sumiani. Fui jogado no chão e começaram
  • 7. 599 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 a me dar pontapés, fazendo-me rolar uns 50 metros até o jardim, onde estavam os soldados. No chão, com o rosto ensanguentado, o capitão deu ordens para que me cuspissem no rosto: “Escarrem na cara deste filho da puta, comunista, assassino!”. Depois o capitão colocou o coturno sobre a minha cara e mandou que eu beijasse a terra, bradando: “Beija a terra que traíste, comunista, assassino!”. Ainda pegou um garfo de campanha e ficou me espetando, desde os pés até o pescoço. Todo esfolado, me fizeram rolar de volta até a viatura e continuamos a viagem.8 Ao prosseguir viagem, por volta de meia-noite, Cardim foi levado até o major Hugo Coelho, assessor do general Justino Alves Bastos. Segundo Cardim, ele disse que eu ia ser fuzilado, me retiraram do carro e me fizeram andar aos pulos, al-gemado, por cerca de 100 metros. Chegaram a fazer uma simulação do fuzilamento.9 9. Passada a surpresa com o levante de Cardim, os serviços de informações do Exército e da Aeronáutica deram maior atenção a possíveis dissidências nas fileiras do III Exército. Com a prisão e interrogatórios de Alberi, foi possível identificar em detalhes militares e civis ligados a Brizola com atuação no Sul do Brasil, em dezenas de cidades, como Santa Maria, Cachoeira, Livramento, Cruz Alta, Alegrete, além de Porto Alegre. No extrato de declarações prestadas por Alberi consta: Brizola trabalha ativamente em Montevidéu procurando organizar uma insurrei-ção geral no Brasil. Emissários de Brizola vêm ao Brasil trazendo instruções a seus adeptos, organizando-os para a luta. A tomada de quartéis, com a participação de elementos ainda na ativa e apoio de militares expurgados e civis é a forma preconi-zada para a obtenção do armamento.10 10. Documento secreto da 2a seção do Estado-Maior da Aeronáutica, de junho de 1965, alertava para a necessidade de serem tomadas medidas de segurança, com maior fiscalização nas fronteiras com o Uruguai. Segundo o informe, o “Estado-Maior da Agitação” é o grupo liderado por Brizola. Este é o responsável pelas ocorrências de março último no Sul do País [...]. Este grupamento funciona como um EM visando a retomada do poder no Brasil, realizando reuniões cons-tantes, em casa de seus membros, de onde é comandada a insurreição no País. [...] A citada rede no entanto deverá ser levantada e neutralizada para erradicação da repetição de possíveis acontecimentos tipo Jefferson.11 Também foi intensificado o monitoramento que o governo fazia dos grupos de exilados no Uruguai, na tentativa de prevenir novas sublevações. Documento secreto da 2a seção do quartel-general da 4a zona aérea traz a seguinte informação: Este Serviço tomou conhecimento do seguinte informe: Na manhã em que foi noticiado o assalto dos guerrilheiros às cidades de Três Passos e Tenente Portela, reuniram-se na cidade de Osório cerca de 150 chefetes do PTB, de Osório, Torres e Santo Antonio. [...] Por um levantamento realizado no Destacamento Policial
  • 8. 13 – casos emblemáticos 600 existente no município [Osório] foi verificado que apenas quatro soldados são fiéis ao governo. Existem campos de emergência para aterrisagem de pequenos aviões nas fazendas de diversos chefes trabalhistas, sendo que no interior do município existem também diversos “esconderijos”, onde consta haver grande quantidade de armamento e munição.12 11. A CNV tomou depoimentos dos seguintes ex-combatentes do Movimento 26 de Março: Valdetar Antônio Dorneles, Abrão Antônio Dornelles, Pedro de Campos Bones, Carlos Dornelles e Arsenio Blatt.13 Também foi ouvido o então soldado Boaventura Nunes da Silva, da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, que relatou ter servido com o sargento Alberi e que, por isso, apoiou o movimento. Com a queda do grupo, foi preso e ficou incomunicável por um ano no quartel de Passo Fundo. Depois disso, foi perseguido por toda a carreira. Também foram ouvidos pela CNV em Três Passos a viúva de Alberi, Iloni Schamz e, em São Sepé, o ex-combatente Alípio Charão Dias. 12. Levados para o I Batalhão de Fronteiras, em Foz do Iguaçu, os presos passaram por seguidas sessões de tortura. Pedro Bones contou que, logo que chegaram, foram pendurados por fios de náilon nas grades do presídio. O grupo apanhou muito. Presos juntos, seu Zebinho e o filho, Valdetar, sofreram tortura, um testemunhando o suplício do outro. O pai contou que apanhou tanto na sola dos pés que só conseguia ficar deitado no chão da cela, com as pernas para cima. Valdetar foi pendurado por fios de náilon, amarrados nos braços e nos dedos das mãos, em forma de torniquete, até que o sangue começasse a jorrar: Uma vez entrei às dez da noite [para sessão de interrogatório e tortura], e saí de lá seis da manhã. Eu tenho marcas aqui de burro [mostra o corpo marcado], me quei-maram, eles me marcaram com uns espetões. Eu tenho marcas até hoje nas pernas, nos braços. Se vocês olharem aqui [mostra os dedos das mãos], tem todas as marcas de aliança. Isso foi fio de náilon, que eles passavam, amarravam. Os dedos, quando puxavam, ficavam pretos, completamente pretos. E eles interrogando: “Conhece fu-lano?”. Eu dizia: “Não conheço”, então eles puxavam aquele fio, cortava até o osso.14 Valdetar Dorneles exibiu à CNV as marcas nos dedos, nos braços e nas pernas, que perduram até hoje, quase 50 anos depois das torturas. Além de quatro anos de prisão, ele sofreu longa perseguição política e chegou a ter sua anistia recusada. Silvano Soares dos Santos, irmão mais velho de Alberi, após sessões de tortura, ficou abalado mentalmente, chegou a ser internado no hospital colônia Adauto Botelho, em Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Após ser solto, Silvano foi encon-trado morto em sua casa, em Sede Nova (RS). 13. Muitas pessoas próximas a Brizola, além dele próprio, também foram indiciadas no Inquérito Policial Militar (IPM) da Operação Três Passos. Nomes como Dagoberto Rodrigues, José Wilson da Silva, Darcy Ribeiro, Ivo Magalhães, Neiva Moreira, Cibilis Vianna, João Cândido Maia Netto, Alfredo Ribeiro Daudt e Aldo Arantes foram acusados de participação na operação. 14. No Uruguai, o núcleo mais próximo a Brizola foi monitorado por agentes das Forças Armadas e Polícia Federal, com apoio do Ministério das Relações Exteriores e colaboração dos países vizinhos. Foi detectada, por exemplo, a conexão com Cuba e com organizações de esquer-
  • 9. 601 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 da da América do Sul. Como exemplo, documento secreto do CIEx, de dezembro de 1966, traz informação sobre Cibilis Vianna: “O asilado brasileiro Cibilis da Rocha Viana está de regresso a Montevidéu, constando que tenha viajado a Havana, de onde trouxe recursos para Leonel de Moura Brizola”.15 A tensão entre as articulações de Brizola no exílio e o monitoramento feito pelos órgãos do governo militar se estenderá ao longo dos primeiros anos pós-64. No entanto, até hoje, a participa-ção efetiva de Brizola no movimento do coronel Jefferson Cardim é uma dúvida. Sabe-se que ele se negou a dar dinheiro aos sargentos Alberi e Firmo Chaves, quando estes o procuraram em Atlântida. Tudo leva a crer que Brizola acompanhou, a distância, ao longo dos primeiros anos pós-golpe de 1964, várias articulações voltadas à sublevação contra a ditadura. No entanto, segundo Herbert de Souza, o Betinho, “Jefferson Cardim foi por conta dele mesmo, [...] depois de várias tentativas, com várias datas desmarcadas da insurreição, resolveu fazê-la por conta dele”.16 15. O capitão da Aeronáutica Álvaro Moreira de Oliveira Filho, que se encontrava exilado no Uruguai, disse que Cardim o convidou para participar do movimento. No entanto, após consultar seu grupo político, ele recusou o convite.17 O próprio Cardim, quando comentou, anos depois, sobre a articulação feita para o movimento, deixou dúvidas sobre a coordenação com Brizola: Nós tínhamos um acordo, eu e o Brizola, eu não faria perguntas sobre os planos dele e me reservava o direito de não informar onde nem quando lançaria o que ele dizia ser o estopim para eclodir um movimento de insurreição no Rio Grande do Sul.18 2. Manoel Raimundo Soares: “O caso do sargento das mãos amarradas” (1966) Ouvi dizer no DOPS que eu fui o detido mais “tratado” até hoje dos que lá passaram. Que mais posso temer? Temor servil, pois, não tenho. Ainda não foi necessário demons-trar que não temo nem a morte. Talvez, em breve, isto venha a acontecer. O tempo dirá. [Carta de Manoel Raimundo Soares, de 25 de junho de 1966.] 16. Em 24 de agosto de 1966 foi encontrado no rio Jacuí, às margens da ilha das Flores, nas proximidades de Porto Alegre, o corpo do sargento Manoel Raimundo Soares. Ele estava com as mãos e os pés atados às costas, motivo que fez o episódio de sua morte ter ficado conhecido como “O caso do sargento das mãos amarradas”. As circunstâncias do crime tiveram grande repercussão à época. Paraense de Belém, Manoel Raimundo Soares foi para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, em 1953 e, em 1955, ingressou no Exército. Participou do movimento dos sargentos, com atuação na Campanha da Legalidade, em 1961, que garantiu a posse de João Goulart. Em 25 de agosto de 1963, foi transferido para o Mato Grosso, como represália por sua atuação política e, em 30 de julho de 1964, foi expulso do serviço ativo do Exército brasileiro, por motivos ideológicos, com base no Ato Institucional no 1 (AI-1), de 9 de abril daquele ano. 17. Manoel Raimundo desertou de seu quartel em Campo Grande com o sargento Araken Galvão, também destacado no Mato Grosso. Eles viajaram juntos para Juiz de Fora e depois para o Rio de Janeiro e, de lá, foram para o Rio Grande do Sul. Atuavam na articulação do Movimento Nacional Revolucionário, grupo de militares e lideranças trabalhistas ligado a Brizola e a Jango, que, naquele momen-
  • 10. 13 – casos emblemáticos to, encontravam-se exilados no Uruguai. Em 29 de setembro, Manoel Raimundo voltou a Porto Alegre com o suboficial Leony Lopes. Ele foi quem o apresentou a Edu Rodrigues, civil que fazia parte do Movimento Nacional Revolucionário, mas na verdade era um infiltrado do DOPS naquele grupo nacionalista. 602 18. Valdetar Antônio Dorneles, líder da Guerrilha de Três Passos, disse que, meses de-pois do golpe de 1964, o sargento Manoel Raimundo Soares chegou à região (de Campo Novo e Três Passos, noroeste do Rio Grande do Sul) como emissário de Brizola e disse que eles se prepa-rassem para um futuro levante.19 Manoel tinha 30 anos quando foi preso arbitrariamente pelos sargentos do Exército Carlos Otto Bock e Nilton Aguiadas, em 11 de março de 1966, por volta das 17h30, em frente ao auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre. A prisão teria sido ordenada pelo comandante da 6a Companhia, capitão Darci Gomes Frange. Ele foi levado à Companhia de Polícia do Exército, e de lá transferido para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS-RS). No DOPS, foi entregue ao delegado de plantão Enir Barcelos da Silva, sendo lá torturado por mais de uma semana. 19. Há várias testemunhas da tortura sofrida por Manoel Raimundo, como o também preso Aldo Alves Oliveira: O depoente declara que o mesmo [Manoel Raimundo Soares] mostrava vários sinais de sevícias; que na ocasião, em que o sargento estava sentado no corredor que dá acesso à cela, verificou que o mesmo estava sem camisa, deixando ver as marcas de queimaduras e sinais de violento espancamento a tal ponto que não podia engolir alimentos sólidos, razão pela qual tanto o depoente como os outros presos forne-ciam, do leite que lhes era enviado por familiares, alguma porção para alimentar o sargento Manoel Raimundo Soares. Declara o depoente que o quadro acima descri-to foi presenciado não somente por ele, mas também por outros prisioneiros.20 20. Em 19 de março, foi levado para a ilha-presídio do rio Guaíba. De lá, escreveu várias cartas para sua esposa, Elizabeth Chalupp Soares, chamada por ele de Betinha, pedindo providências para sua libertação. A última das cartas, de 25 de junho de 1966, foi publicada no Jornal do Brasil, em 4 de setembro daquele ano. A censura à imprensa ainda não estava imposta, o que possibilitou a ampla divulgação desse caso, com grande repercussão à época. Dizia a carta: A quem interessar possa – Eu, abaixo assinado, brasileiro com trinta anos de idade, residente na rua Coelho Lisboa no 30, ap. 102, Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro, casado com a sra. Elizabeth Chalupp Soares, conhecida afetivamente por Betinha, ex-sar-gento do Exército, de cujas fileiras fui expurgado (para honra minha) após o golpe de Estado ocorrido a 1o de abril de 1964, declaro: Paradoxalmente, recuperei a saúde nesta ilha-presídio onde me encontro hoje, de-pois de ter sido selvagemente seviciado e massacrado durante oito dias no quartel da 6a Companhia de Polícia do Exército e nas salas da DOPS no “Palácio da Polícia Civil”, à avenida João Pessoa. Minha vista esquerda, porém, infelizmente creio tê-la perdido parcialmente, após uma borrachada no supercílio correspondente, aplicada pelo 1o tenente Nunes, da PE.
  • 11. 603 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 Moralmente encontro-me no mesmo estado de sempre, apesar de tudo. As pessoas que me conhecem bem sabem qual é. Na verdade, amargura-me somente o fato de haver sido entregue às autoridades pelo indivíduo Edu Rodrigues, no qual depositei alguma confiança que liquidou minha liberdade. Desconheço totalmente os nomes e apelidos referidos por escrito. Não sei de quem se tratam e muito menos das atividades destas pessoas, se é que elas existem mesmo. Minha condição de preso e a verdade obrigam-me a desconfiar de tudo e de todos. Meus companheiros, como já declarei nos interrogatórios, perfazem 75 milhões de brasileiros. Deles não sei os nomes e morrerei por eles se preciso for. Estou ainda no pleno gozo da saúde mental, não perdi a calma nem a razão que meu temperamento determina. Ouvi dizer no DOPS que eu fui o detido mais “tratado” até hoje dos que lá passaram. Que mais posso temer? Temor servil, pois, não tenho. Ainda não foi necessário demonstrar que não temo nem a morte. Talvez, em breve, isto venha a acontecer. O tempo dirá. Não fui ouvido em nenhum IPM. Mandaram-me para esta ilha-presídio na ma-nhã do dia 19 de março e não mais me ouviram até hoje, apesar de estarem as autoridades sempre e sempre tentando obter informações que não tenho, por meio dos mais sutis e insidiosos artifícios. Estou preso e incomunicável em meio de delinquentes comuns (ladrões, criminosos, viciados em tóxico etc.). Negam-me o direito de ter contato com minha família, bem como o de ser visitado por um oculista ou advogado. Mais uma vez repito aqui, agora, as linhas gerais das respostas que dei nos interro-gatórios, bem como as circunstâncias de minha prisão: – Fui preso às 17h35 do dia 11 de março de 1966, sexta-feira, em frente ao au-ditório Araújo Vianna, depois de ter tido contato pessoal com o indivíduo Edu Rodrigues. Eu portava, na ocasião, uma bolsa preta de vulcouro e fecho ecler, a qual continha cerca de 2 mil recortes de jornais com inscrições de caráter polí-tico. Dois policiais à paisana seguraram o meu braço, enfiaram-me em um táxi DKW verde com tampo creme e conduziram-me para o quartel da 6a Cia. de Polícia do Exército. Ali, debaixo de cruel massacre, no qual se destacaram o pri-meiro- tenente Nunes e o segundo-sargento Pedroso, iniciaram o interrogatório cujas respostas mantenho agora, novamente: – Eu estava em Porto Alegre a fim de conseguir emprego e normalizar a vida des-truída pela revolução a 1o de abril; cheguei a Porto Alegre no dia 26 de janeiro de 1965 e regressei ao Rio de Janeiro no dia 6 de março; no dia 29 de setembro de 1965 fui procurado em minha residência na Guanabara pelo colega Leony Lopes, que me
  • 12. 13 – casos emblemáticos 604 conduziu até Porto Alegre com promessa de trabalho, desde então, até dezembro, residi à avenida Berlim, no 400. A partir de janeiro de 1966 até o dia da prisão eu pernoitava em hotéis e pensões da Capital; passava os dias na rua. – Que além dos recortes de jornais nada mais havia que eu tivesse conhecimento; que o que foi dito é tudo. Fiquei na PE durante duas horas e depois fui conduzido para o DOPS, onde fiquei até o dia 19, quando trouxeram-me para a ilha. Até hoje, desde então, não me ouviram mais. Estou em paz com minha consciência e ainda mantenho o desejo de merecer a con-fiança dos brasileiros que por uma ou outra maneira depositem em mim. Qualquer pessoa que quiser me prestar alguma ajuda deve tomar as seguintes providências: a) Impetrar um pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Militar a meu favor. b) Confortar moralmente e materialmente a minha esposa. (Eu ficaria imensa-mente grato se pudesse receber uma carta dela. Já remeti oito para ela. Não sei se chegaram.) c) Mandar-me algum dinheiro, um par de sapatos no 38 (estou descalço) e coisas de comer; e os livros Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, ou Os sertões, de Eu-clides da Cunha, ou ainda o Governo invisível, da [Editora] Civilização [Brasileira]. Entre as utilidades que agora fazem falta: um espelho de bolso, creme de barbear (sabão serve), lâminas de barbear. Aqui nestes escritos está tudo o que já declarei ou tinha a declarar. Espero poder algum dia agradecer pessoalmente aquilo que meus anônimos ami-gos fizeram por mim hoje. Só me resta agora repetir as palavras que direi enquanto tiver vida: Abaixo a Ditadura. Viva a Liberdade O povo vencerá. 21. O primeiro-tenente Nunes e o segundo-sargento Pedroso a que Manoel Raimundo se refere eram o então primeiro tenente-intendente Luiz Alberto Nunes de Souza e o segundo-sargento Joaquim Athos Ramos Pedroso:
  • 13. 605 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 Debaixo de cruel massacre no qual se destacaram o primeiro-tenente Nunes e o segundo-sargento Pedroso [...] Minha vista esquerda, porém, infelizmente creio tê-la perdido parcialmente, após uma borrachada no supercílio correspondente, aplicada pelo 1o tenente Nunes, da PE. 22. Manoel Raimundo escreveu diversas cartas à esposa. As última recebidas por ela foram escritas no dia 10 de julho de 1966. No dia 13 de agosto de 1966, ele foi novamente levado para o DOPS. Durante o tempo em que esteve preso, o advogado Marcelo Alencar impetrou habeas corpus junto ao Superior Tribunal Militar (STM) e a resposta das autoridades foi a de que ele não se encon-trava preso e não se tinha notícias de seu paradeiro. Foi este o argumento dado pelo então comandante do III Exército, general Orlando Geisel, irmão do futuro presidente Ernesto Geisel. 23. Em 20 de agosto de 1966, o major Luiz Carlos Menna Barreto, o delegado José Morsch e uma terceira pessoa estiveram no Instituto Médico-Legal (IML) à procura do corpo de Manoel Raimundo, segundo testemunharam Delmar Santos e Felipe Demóstenes Bitencourt, auxiliares de ne-cropsia. Os visitantes já sabiam que ele estava morto, resultado de “caldos” (tortura por submersão) a que foi submetido à noite, até que “perderam” o corpo nas águas do rio e tentavam recuperá-lo. Depois da localização de seu corpo, a necropsia confirmou que houve lesões, com provável violência, indicando que teria morrido entre os dias 13 e 20 de agosto de 1966. 24. Pela grande repercussão do caso, foram abertas quatro investigações: um inquérito poli-cial, presidido pelo delegado Arnóbio Falcão da Motta; um Inquérito Policial Militar (IPM), a cargo do III Exército; uma investigação do Ministério Público estadual, tendo à frente o promotor de Justiça Paulo Cláudio Tovo; e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Segundo o depoimento do fiscal chefe da ilha-presídio do Rio Guaíba, Manoel Raimundo deixara aquela prisão em 13 de agosto, sendo entregue a agentes do DOPS no ancoradouro da Vila Assunção. Como, neste caso, as versões de suicídio e de tiroteio não eram cabíveis, a versão oficial foi a de que ele foi solto em 13 de agosto e que teria sido justiçado, vítima de seus próprios companheiros, em virtude dos depoimentos que prestou. Foi essa a conclusão do IPM. A versão foi contraditada pelo promotor Paulo Cláudio Tovo, que em seu relatório afirmou que “a bússola dos indícios aponta firmemente para o DOPS”.21 Em relação à versão oficial de que o preso político havia sido posto em liberdade no dia 13 de agosto, o promotor argumentou que Na verdade, porém, ninguém (de fora do DOPS) viu Manoel Raimundo Soares sequer descer as escadarias do prédio da avenida João Pessoa, onde funciona o DOPS. Entre 13 (data da suposta libertação) e 24 de agosto (data do encontro do cadáver da vítima), não há a menor notícia de um suspiro, ao menos, de Manoel, fora das dependências do DOPS. Nenhum rastro ou vestígio sequer de um passo de Manoel fora dos umbrais do DOPS. E não é crível que o DOPS o deixasse ir assim em paz, principalmente em se tratando de um agente subversivo. [...] E se ninguém viu Manoel, depois do dia 13 de agosto, fora das dependências do DOPS, [...] é porque Manoel nunca foi posto em liberdade. Tanto isto é verdade que o estudante de agronomia Luís Renato Pires de Almeida, preso na mesma época, afirmou que Manoel Raimundo
  • 14. 13 – casos emblemáticos 606 estava em uma das celas do DOPS gaúcho na noite de 13 de agosto e nos dias seguintes; informação confirmada pelo depoimento do ex-guarda-civil Gabriel Al-buquerque Filho.22 A investigação do promotor Tovo chegou aos nomes do major de Infantaria Luiz Carlos Menna Barreto, chefe de gabinete da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul e responsá-vel pelo Dopinha, centro clandestino de tortura em Porto Alegre; do delegado José Morsch, diretor da Divisão de Segurança Política e Social e substituto do titular do DOPS-RS, que era o delegado Domingos Fernandes de Souza; além de outros delegados da Polícia Civil, Enir Barcelos da Silva e Itamar Fernandes de Souza, este último chefe da Seção de Investigações e Cartório do DOPS-RS. Segundo o promotor Paulo Cláudio Tovo: Quanto às torturas sofridas por Manoel Raimundo Soares, os indícios apontam firmemente para o major Luiz Carlos Menna Barreto e os delegados José Morsch, Itamar Fernandes de Souza e Enir Barcelos da Silva, todos em coautoria, quer como mandantes, quer como executores. (...) No tocante ao fato principal, ou seja, ao homicídio praticado (...), indícios de coautoria, já examinados, apontam como suspeitos o major Luiz Carlos Menna Barreto (chefe todo-poderoso do DOPS e Dopinha) e José Morsch.23 25. A CPI da Assembleia Legislativa chegou a conclusões na mesma direção. Presidida pelo deputado Ayrton Barnasque, teve como primeiro relator o deputado Lidovino Fanton, que teria sofrido pressões políticas. O relatório final, do deputado Antônio Carlos da Rosa Flores, foi aprovado pelo ple-nário no dia 7 de julho de 1967. A CPI concluiu que a morte de Manoel Raimundo foi responsabilidade do major de Infantaria Luiz Carlos Menna Barreto, em coautoria com os delegados José Morsch e Itamar Fernandes de Souza. Em relação ao delegado José Morsch, o relatório da CPI constatou que existiam “suficientes subsídios de informação que permitem mostrar a personalidade delinquente desse servidor do DOPS”.24 Durante os trabalhos da CPI foram ouvidas testemunhas como Aldo Alves de Oliveira, Edgar da Silva e Eni de Freitas, que testemunharam ser o delegado Morsch responsável pela tortura de Manoel Raimundo. A CPI também apontou para indiciamento o secretário de Segurança Pública Washington Bermudez e o superintendente dos Serviços Policiais, o major Lauro Melchiades Rieth. 26. O impacto que o caso teve à época refletiu-se na declaração do ministro do STM mare-chal Olímpio Mourão Filho: “Trata-se de um crime terrível e de aspecto medieval, para cujos autores o Código Penal exige rigorosa punição”. Foi determinada a remessa dos autos ao procurador-geral da Justiça Militar para abertura de um IPM, que foi arquivado sem sequer indiciar os acusados. Apesar dos diversos depoimentos que mostravam o crime cometido contra Manoel Raimundo Soares, seus assassinos até hoje permanecem impunes. Em 1973, no auge da repressão política, a viúva Elizabeth Chalupp Soares ajuizou ação requerendo pensão, ressarcimento pela União das despesas do funeral e indenização por danos materiais e morais. Além do major Menna Barreto, apontou o então capitão de Infantaria Áttila Rohrsetzer como responsável pela morte de Manoel Raimundo. E identificou outros nomes, como o capitão Luiz Alberto Nunes de Souza, os sargentos Nilo Vaz de Oliveira (vulgo Jaguarão), Ênio Cardoso da Silva, Theobaldo Eugênio Berhens, Itamar de Matos Bones e Ênio Castilho Ibanez, e o delegado Enir Barcelos da Silva. Durante anos, a viúva pediu que fossem produzidas pro-vas para corroborar as informações que ela recebia. Também em 1973, recorreu ao secretário-geral da
  • 15. 607 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 Organização das Nações Unidas (ONU), conforme registra memorando confidencial da Secretaria de Estado das Relações Exteriores ao chefe do Departamento de Organismos Internacionais:: Passo às mãos de Vossa Excelência cópia da anexa informação no 0486/CISA/ESC − RCD/30/AGO/73, recebida do Centro de Informações de Segurança da Aeronáu-tica e relativa à notícia de apelo ao secretário-geral da Organização das Nações Uni-das, feita pela viúva do ex-sargento do Exército Manoel Raimundo Soares, senhora Elizabeth Challup Soares, para que interceda junto ao senhor presidente da Repú-blica para a punição dos responsáveis pela “prisão, tortura e morte” de seu marido.25 27. O processo sobre o caso foi transferido da Justiça estadual para a federal, em demorada tramitação. Somente em 11 dezembro de 2000, o juiz Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, da 5a Vara Federal de Porto Alegre, proferiu sentença favorável à viúva, mas a União recorreu. Em 12 de setembro de 2005, em decisão da 3a turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4a Região, a desembargadora relatora Vânia Hack de Almeida negou provimento ao recurso da União e manteve a indenização con-cedida, confirmando a sentença do juiz Leal Júnior e assegurando a tutela antecipada, o que permitiu o pagamento imediato de pensão vitalícia à viúva, retroativa a 13 de agosto de 1966, com base na remuneração integral de segundo-sargento. Em sua decisão, a desembargadora destacou que e­ste processo, por uma série de motivos e circunstâncias já relatadas, tramita há 30 anos. Ele já está na memória pública, pois foi tombado, arquivado, a sentença foi copiada e exposta, transformou-se em história, mas o processo não findou. A jurisdição, função do Estado, não foi entregue. Este julgamento deve cuidar também desta questão. Por isso, tão só manter a sentença como prolatada não é o bastante e nem digo para fazer justiça, mas para minimizar a injustiça. Justiça depois de 30 anos não é mais possível. 28. Elizabeth Chalupp Soares morreu em junho de 2009, no Rio de Janeiro, aos 72 anos de idade. Em 26 de agosto de 2011, foi inaugurado, em Porto Alegre, o memorial Pessoas Imprescindíveis, em homenagem ao sargento Manoel Raimundo Soares. B) A repressão contra trabalhadores, sindicalistas e camponeses 1. O Massacre de Ipatinga (1963) Eu vi a forma cruel como a vigilância da Usiminas junto com a Polícia Militar destruí-ram nossos companheiros. [...] Eu estava perto do caminhão, a uns dois metros, quando a gente percebeu que os companheiros que haviam sido massacrados pela vigilância e a Polícia Militar a mando da Usiminas a noite inteira, eles estavam chegando dos ambula-tórios para se integrarem com a gente. E aquelas presenças, aquelas atitudes, os semblan-tes... cheios de hematomas, com braços nas tipoias, machucados, tristes, [aquilo] mexeu com os brios daquela massa que estava ali, mexeu com os brios da gente. [José Horta de Carvalho, testemunha, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, outubro de 2013.]
  • 16. 13 – casos emblemáticos 608 29. A Usiminas foi etapa fundamental no projeto de industrialização do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek. Em junho de 1957 foi assinado o acordo Lanari-Horikoshi, que estabe-leceu a entrada de investimentos japoneses na Usiminas, mas somente em outubro de 1962 começou a funcionar o primeiro alto-forno da siderúrgica. 30. Em todo o Brasil, o segundo semestre de 1963 foi marcado por fortes pressões dos movimentos sociais, com greve dos bancários em vários estados, movimentos de funcionários pú-blicos, professores, metalúrgicos e outras categorias por reajustes salariais, além do levante dos sar-gentos, em setembro, que antecipou as tensões nas Forças Armadas, meses antes do golpe de 1964. Pela oposição, a corda da tensão política sobre o governo João Goulart era puxada principalmente pelo governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que sistematicamente questionava a capacidade de gestão do governo federal. Em outubro, o presidente João Goulart enviou mensagem ao Congresso Nacional pedindo a decretação do estado de sítio por 30 dias. 31. Em 1963, Ipatinga e Timóteo não existiam como municípios, eram distritos de Coronel Fabriciano. Para o projeto de construção da Usiminas, afluíram para a região trabalhadores de todo o Brasil, a sua maioria com pouca instrução, além de engenheiros e técnicos brasileiros e estrangeiros. Com juros altos, as obras de construção da siderúrgica foram priorizadas, em desfavor da infraestrutura para receber e acolher os milhares de empregados que participaram do empreendimento. Em outubro de 1963, o relacionamento entre a empresa e seus empregados era muito ruim. Havia alojamentos e transportes precários, falta de segurança no trabalho e comida de má qualidade. Há relatos de que o bandejão do Moraes, que atendia a maioria dos empregados, às vezes servia comida estragada, com mosquitos no prato, sem qualidade. A Polícia Militar estava constantemente na porta da empresa, para proteger o patrimônio e intimidar os empregados. O tratamento diferenciado dado pela Usiminas a chefes, engenheiros e policiais militares contribuía para aumentar o clima de revolta dos trabalhadores. Também a chegada de novos empregados, alguns mais qualificados e experientes, deixava evidente a precariedade das condições de trabalho da maioria. Além de tudo, a empresa criava embaraço para a sindicalização dos trabalhadores, dificultando as formas de organização. 32. No domingo, 6 de outubro de 1965, foi feita uma das primeiras assembleias de empre-gados da Usiminas, coordenada pelo Metasita, o sindicato dos metalúrgicos de Coronel Fabriciano (Ipatinga só seria emancipada em abril de 1964). Nas participações dos empregados, o clima era de descontentamento com as condições de trabalho, segurança e acomodações da Usiminas. Durante a reunião foram feitas muitas críticas à administração local, cujo responsável era Gil Guatimosin Júnior, diretor de relações exteriores da siderúrgica. A reunião dos trabalhadores durou cerca de duas horas, terminando por volta de 14h, quando a maioria dos participantes da assembleia voltou ao trabalho. Na saída do turno desses trabalhadores, tarde da noite de domingo, os seguranças barraram a passagem, obrigando-os a se submeter à revista. Chovia naquela noite e, um a um, debaixo de chuva e em fila indiana, os trabalhadores foram obrigados a passar pelos seguranças. 33. Os trabalhadores da Usiminas dependiam do transporte, que era feito de forma precá-ria, frequentemente no próprio basculante de caminhões. Como não havia ônibus e outras formas de locomoção, os empregados, com medo de perderem a condução, forçaram a saída, desobedecendo a ordem de se submeter à revista. Então os vigilantes acionaram a cavalaria, que estava próxima, já de prontidão. Houve um princípio de confusão, os policiais armados agiram com violência, jogaram os
  • 17. 609 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 cavalos para cima dos trabalhadores, deram chutes, mas, na dispersão, os trabalhadores que iam para Timóteo e lugares mais distantes conseguiram embarcar nos caminhões. No entanto, aqueles que moravam no bairro Santa Mônica tomaram o rumo do alojamento a pé. Os policiais, então, pediram reforço da tropa e seguiram para esse alojamento. Como o local só tinha uma entrada, os empregados, percebendo a chegada da tropa, bloquearam a passagem com móveis, guarda-roupas, tonéis, além de quebrarem as lâmpadas da rua, para dificultar a chegada da polícia. A tropa recuou e deslocou-se para o alojamento da Chicago Bridge, uma empreiteira que trabalhava para a Usiminas, cuja maioria dos trabalhadores era mais humilde, nem tinha participado da assembleia, e estava dormindo. A polícia invadiu o alojamento, bateu nos trabalhadores e efetuou muitas prisões. 34. Um grupo de trabalhadores da Chicago Bridge foi levado para a delegacia. Lá, foram co-locados deitados em um pátio, debaixo de chuva, e foram pisoteados e espancados. Foi com a presença do padre Avelino Marques na delegacia que os presos conseguiram sair, enlameados, machucados, com hematomas. Alguns puderam deixar a delegacia no começo da manhã de segunda-feira e foram direto para a portaria da Usiminas. As agressões e humilhações praticadas por policiais e seguranças eram comuns, mas neste episódio atingiu o seu ápice, tensionando ainda mais as relações entre a Usiminas e seus trabalhadores. O grupo do alojamento da Santa Mônica, que havia passado a noite de prontidão, com receio da invasão da polícia, também foi cedo para a entrada da Usiminas. Com a chegada dos caminhões com o pessoal de fora, aos poucos os trabalhadores foram tomando ciência do ocorrido durante a madrugada e fecharam a entrada da Usiminas, não deixando ninguém entrar. 35. Na audiência pública da CNV em 7 de outubro de 2013, data que marcou 50 anos do Massacre de Ipatinga,26 José Horta de Carvalho, testemunha do episódio, disse que a ingerência da Polícia Militar fazia parte do cotidiano da empresa, revistando empregados na saída dos turnos e per-seguindo- os até o alojamento. Ele lembrou a tensão daqueles momentos que antecederam a tragédia: Eu vi a forma cruel como a vigilância da Usiminas junto com a Polícia Militar des-truíram nossos companheiros. [...] Eu estava perto do caminhão, a uns dois metros, quando a gente percebeu que os companheiros que haviam sido massacrados pela vigilância e a Polícia Militar a mando da Usiminas a noite inteira, eles estavam chegando dos ambulatórios para se integrarem com a gente. E aquelas presenças, aquelas atitudes, os semblantes... cheios de hematomas, com braços nas tipoias, machucados, tristes, [aquilo] mexeu com os brios daquela massa que estava ali, mexeu com os brios da gente.27 36. Na porta da Usiminas, na manhã chuvosa de 7 de outubro de 1963, em um ambiente muito tenso, foram se aglomerando milhares de trabalhadores que, por volta das 8h, eram mais de 5 mil. A tropa da Polícia Militar estava ali para defender o patrimônio da siderúrgica, mas, com os portões fechados, ficaram também do lado de fora. Eram doze policiais, depois chegou reforço, to-talizando 19. E havia um soldado em cima da carroceria de um caminhão com uma metralhadora giratória. O choque era iminente. Lideranças dos trabalhadores juntos com o padre Avelino Marques negociaram, no escritório central da empresa, a retirada da tropa do local, temendo um confronto. O capitão Robson Zamprogno, responsável pela tropa, depois de longa negociação, com a presença também do diretor da Usiminas Gil Guatimosin Júnior, aceitou a retirada, mas disse que não aceita-riam vaias ou manifestações contrárias a eles, por parte dos trabalhadores. Ficou decidido que tanto os
  • 18. 13 – casos emblemáticos policiais quanto os empregados iriam se dispersar simultaneamente. Com a ordem para a retirada da tropa, o caminhão começou a manobra, mas enguiçou. Nisso, os policiais desceram para empurrar e houve um princípio de confusão. Foi quando o 2o tenente do Regimento da Cavalaria Militar, Jurandir Gomes de Carvalho, deu um tiro para o alto e começou o tumulto. Quando finalmente o caminhão andou, a tropa começou a atirar a esmo na direção dos trabalhadores. O soldado que estava com a metralhadora passou a girá-la, disparando indiscriminadamente. 610 37. O massacre resultou em vários mortos e feridos na porta da Usiminas. Mesmo depois de saírem dali, os policiais militares continuaram atirando. Mais adiante, em frente ao escritório da Usiminas, uma mulher que ia ao ambulatório da empresa vacinar a filha começou a correr quando viu o tumulto. Um dos soldados atirou nas suas costas, a bala atravessou seu corpo e atingiu a bebê de apenas três meses, Eliane Martins, que morreu após ser internada na Casa de Saúde Santa Teresinha. Os únicos registros deste que ficou conhecido como o Massacre de Ipatinga, foram feitos por José Isabel do Nascimento, empregado da empreiteira Ficher e fotógrafo amador. A violência da ação da Polícia Militar foi tamanha que, enquanto fotografava, ele foi alvejado e morreu dias depois também na Casa de Saúde Santa Terezinha. As outras vítimas identificadas do massacre foram: Aides Dias de Carvalho, empregado da Usiminas, 23 anos, morto com um tiro por trás na cabeça; Alvino Ferreira Felipe, fun-cionário da empreiteira; A. D. Cavalcanti, 41 anos, morto também com um tiro por trás na cabeça; Antônio José dos Reis, operário da Convap, empresa de construção civil, 37 anos; Geraldo da Rocha Gualberto, alfaiate, 28 anos, morto com tiros pelas costas; Gilson Miranda, 34 anos; e Sebastião Tomé da Silva, 20 anos, funcionário da Usiminas, morto com um tiro na nuca. Destes, apenas os nomes de Aides de Carvalho, da bebê Eliane e de Gilson Miranda não foram apresentados para a apreciação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Todos os demais foram analisados e aprovados por unanimidade. 38. Em Ipatinga e região, no entanto, até hoje o número de mortos é questionado. Pelo tamanho da tragédia, estima-se que houve muito mais vítimas. Geraldo dos Reis Ribeiro, que era presidente do Metasita, afirma que chegou a contar, um a um, estendidos no chão, 30 corpos. Mais de uma centena de pessoas deram entrada em hospitais de Ipatinga e região, fora aqueles que foram tratados no pronto-socorro da própria Usiminas. Segundo Geraldo Ribeiro: O mais interessante desta história é que eu contei 30 mortos lá no local. [...] Eu peguei um por um para ver: eu pegava no pulso do cara e ele não tinha pulso, eu largava ele lá e ia pegar outro que estava respirando lá na frente. [...] Depois de uma hora, quando eu voltei para Ipatinga (após pedir socorro e avisar à imprensa), não tinha nenhum corpo mais no local. Nenhum corpo, nem vestígio nenhum. Parecia que não tinha acontecido nada ali. [...] O pessoal da Usiminas foi lá e varreu tudo, limpou tudo, tiraram os corpos, sumiram com os corpos. Geraldo Ribeiro disse também que, depois do episódio, a Usiminas apresentou ao sindicato uma lista de 59 trabalhadores desaparecidos. A empresa precisava acertar a situação trabalhista, mas essas pessoas não compareciam há mais de um mês no trabalho e, portanto, seriam demitidas. 39. Depoimentos à CNV28 também apontaram para a possibilidade de um número de ví-timas maior do que o oficial. Aloísio Souza de Jesus e Cruz só soube do Massacre de Ipatinga em
  • 19. 611 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 2005, quando saiu à procura de informações de seu pai. Sua mãe disse que o pai, que havia deixado a família em busca de melhores condições de vida, teria morrido nas mãos de um sargento. Após pesquisas, encontrou na Bahia duas testemunhas da morte do pai dele, Gesulino França de Souza. As testemunhas contaram que ele foi executado por um policial militar durante a fuga dos trabalhadores da Usiminas, após os disparos. O corpo da vítima, entretanto, nunca foi encontrado e não faz parte da lista oficial de mortos no massacre. João Flávio Neto pode ser outro desaparecido após o Massacre de Ipatinga. Segundo sua irmã, Conceição Maia Ribeiro Flávio, “ele saiu de casa para trabalhar no início de outubro de 1963 e nunca mais voltou”. O nome de João Flávio também não consta da lista de mortos oficiais. Fábio Rodrigues de Souza é outro possível desaparecido ligado ao episódio. Ele também desapareceu em Ipatinga na manhã de 7 de outubro de 1963. 40. Há ainda a referência a uma encomenda de 32 caixões pelo setor de almoxarifado da Usiminas, feita no dia 8 de outubro. Segundo o jornalista Marcelo Freitas, Laerte Abelha Lopes, então motorista da Usiminas, que normalmente transportava alimentos para abastecer o bandejão da empresa, voltava de Catalão (GO) no dia 8 de outubro quando recebeu a missão de buscar 32 caixões na funerária da Santa Casa de Misericórdia, em Belo Horizonte. O motorista disse que se recorda bem do número de caixões, pois na entrega tinha que conferir com a nota fiscal. Os caixões foram entregues no almoxarifado da Usiminas. 41. Rossi do Nascimento, filho de José Isabel do Nascimento; Eva Reis, filha de Antônio José dos Reis; Maria Conceição Ferreira Felipe, filha que perdeu o pai, Alvino Ferreira Felipe; Jurandir Persichini Cunha, membro da Comissão da Verdade de Minas Gerais, ex-metalúrgico e jornalista, sobrevivente do massacre; e Jarbas da Silva, que trabalhava no almoxarifado da Usiminas, também prestaram depoimento à CNV. A Usiminas e a Polícia Militar de Minas Gerais foram cha-madas pela CNV para prestar esclarecimentos na audiência. O representante da empresa, Afonso Celso Flecha de Lima Álvares, não respondeu as questões elaboradas pelas comissões Nacional da Verdade e Estadual da Verdade de Minas Gerais, mas disse que a empresa está comprometida em ajudar. Segundo ele “a Usiminas não se furtará a prestar informações e já pedimos que o setor de RH (Recursos Humanos) e os arquivos façam uma busca em torno de documentos que possam esclarecer os fatos”. O coronel Eduardo César Reis, representante da Polícia Militar, entregou à CNV cópia do Inquérito Policial Militar que tramitou entre 1963 e 1964. Segundo o coronel, a Polícia Militar de Minas Gerais indiciou 20 policiais no IPM e encaminhou os resultados da investigação à Justiça Militar em 1964. Nenhum policial, porém, foi condenado pela Justiça. 42. Em Ipatinga, alguns prédios públicos receberam nomes em homenagem às vítimas do massacre, como o Centro Esportivo Cultural Sete de Outubro, no bairro Veneza, e o hospital municipal Eliane Martins. 2. A Revolta de Trombas e Formoso. O desaparecimento de José Porfírio e seu filho Durvalino Porfírio de Souza (1973) Eles me bateram e disseram: “Se você não disser onde está o José Porfírio eu mato seu marido e seu irmão”. E me xingaram de vários nomes. Eu respondi: “Não digo porque não sei. E se soubesse também não diria”.
  • 20. 13 – casos emblemáticos 612 [Depoimento de Dirce Machado da Silva, em audiência pública da CNV sobre o caso, realizada em Goiânia, em 15 de março de 2014.] 43. Na década de 1950, a região de Trombas e Formoso, localizada no extremo norte de Goiás, hoje divisa com Tocantins, foi palco de um dos principais movimentos de organização e resistência camponesa do Brasil, conhecido como a Revolta de Trombas e Formoso. A luta teve início quando os camponeses resistiram ao processo de grilagem das terras onde viviam e trabalhavam, que eram terras devolutas. O PCB teve atuação importante no conflito, já que todo o núcleo dirigente do movimento era ligado ao partido, além de camponeses de origem. Por meio de documentação falsa, grileiros, com o apoio de autoridades da região, obrigaram os posseiros a deixar as terras em que viviam ou a assinar um contrato de arrendamento, que lhes garantiria a permanência nas terras, mas apenas como usuários, sem direitos sobre elas, e ainda tendo que entregar aos grileiros metade de tudo aquilo que produzissem. 44. No período da colheita, jagunços, a mando dos fazendeiros, cobravam parte da produ-ção. Em um desses recolhimentos, o camponês conhecido como “Nego Carreiro” negou-se a entregar o “arrendo”. Um oficial da polícia, que acompanhava os jagunços, sacou sua arma, mas, antes que pudesse atirar, Nego Carreiro atingiu-o fatalmente. Esse episódio marcou o início dos confrontos na região. Por meio da Associação dos Trabalhadores e Lavradores Agrícolas de Formoso e Trombas, e, posteriormente, com a formação dos Conselhos de Córregos, o movimento resistiu de forma bem ar-ticulada, confrontando a polícia e jagunços. Em 1957, foi abortada uma invasão da área pela polícia e uma trégua informal ficou estabelecida. Nesse período, a Associação dos Trabalhadores se constituiu, na prática, como governo naquela região. 45. Os conflitos na região duraram até 1962, quando foi feito um acordo com o governador Mauro Borges, que distribuiu títulos de propriedade de terra. Foi disseminada a ideia de que havia, ali, uma República independente do Estado brasileiro. Essa ideia contribuiu para que setores conservadores goianos exigissem uma intervenção armada na região. Para isso, foi forjada e divulgada a existência da Constituição de Trombas, com a qual muitos camponeses, após serem presos e torturados, relatam ter sido confrontados. 46. Após o golpe de 1964, a região foi invadida pela polícia e pelo Exército e o grupo inicial mais atuante caiu na clandestinidade. A operação resultou na prisão e tortura de camponeses e de lí-deres comunistas da região. Em 1971, a área foi mais uma vez invadida e a repressão foi mais violenta, com a prisão de dezenas de posseiros, a detenção de seus líderes mais conhecidos, entre os quais se destacava José Porfírio de Souza, o primeiro deputado camponês da história do Brasil. Havia a descon-fiança de ligações entre o movimento de Trombas e Formoso e a Guerrilha do Araguaia. 47. Dirce Machado da Silva, seu marido, José Ribeiro da Silva, e seu irmão, César Machado da Silva, foram presos e torturados por agentes da repressão para que revelassem o paradeiro de José Porfírio. Ela afirmou que: Eles me bateram e disseram: “Se você não disser onde está o José Porfírio eu mato seu marido e seu irmão”. E me xingaram de vários nomes. Eu respondi: “Não digo porque não sei. E se soubesse também não diria”. Daí eu quis morrer. Reuni todas as minhas forças e dei um tapa no soldado, que cambaleou. Então ele me deu um “telefone” e eu desmaiei. Acordei toda molhada de cachaça e vômito.29
  • 21. 613 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 48. José Porfírio de Souza nasceu em 12 de julho de 1913 em Pedro Afonso, à época per-tencente ao estado de Goiás, hoje Tocantins. Iniciou sua trajetória política no ano de 1949, ocasião em que se mudou para a região de Trombas, área de terras devolutas e solo fértil, localizada ao norte da Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG). Logo no início do conflito de Trombas e Formoso, o líder camponês perdeu sua esposa Rosa Amélia de Faria, com quem teve seis filhos. Ela foi vítima de um ataque cardíaco, após ter sua casa invadida e queimada em uma ação da polícia e de jagunços contratados pelos grileiros. José Porfírio casou-se novamente. Sua segunda esposa é Dorina Pinto da Silva, com quem teve 12 filhos. Com a eclosão da revolta, alguns militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) foram deslocados para a região, para auxiliar na organização do movimento. Essa aproximação foi de extrema importância para a formação política de Porfírio, que por volta de 1956 filiou-se ao partido. 49. Em 1962, foi eleito deputado estadual pela coligação PTB-PSB, e ajudou a criar a Associação dos Trabalhadores Camponeses de Goiânia, tendo participado do Congresso Camponês de Belo Horizonte, em 1961, e do 1o Congresso Operário-Estudantil-Camponês de Goiás, em 1963, em Goiânia. Em 1964 teve seu mandato cassado pelo Ato Institucional no 1, retornando à região de Trombas e Formoso com a intenção de formar um movimento de resistência ao golpe militar, mas não obteve sucesso. Fugiu com outros companheiros por 18 dias de canoa pelo rio Tocantins, até chegar à cidade de Carolina, no Maranhão, estado onde passou a viver clandestinamente. Descontente com as posições tomadas pelo PCB, saiu do partido e começou a integrar os quadros da Ação Popular (AP). No ano de 1968 participou do grupo que formou a dissidência da AP e fundou o PRT. 50. As atividades de José Porfírio de Souza e de pessoas ligadas a ele foram ostensiva-mente monitoradas. Os documentos registram antecedentes, julgamento, prisão, soltura, busca de informações, trajetória, termos de declarações, entre outros. Desse modo, é possível afirmar a montagem de uma operação de localização e captura do líder camponês. No período em que José Porfírio de Souza foi procurado, preso e desaparecido, o general de brigada Milton Tavares de Souza (também conhecido como Miltinho ou Milton Caveirinha e um dos idealizadores da po-lítica de eliminação física) esteve responsável pela chefia do Gabinete do Ministério do Exército/ Chefe do Centro de Informações do Exército (CIE). Isto pode ser comprovado pela sua assinatura em vários documentos relacionados ao líder camponês. Destaca-se o documento do SNI com o assunto “Prisão de José Porfírio de Souza”, que apresenta um relatório sobre o levantamento pro-cedido no norte de Goiás e sul do Maranhão que culminou na prisão por agentes da PMEGO do ex-deputado e camponês José Porfírio de Souza.30 O documento menciona que a prisão foi rea-lizada em uma operação surpresa e evidencia um conjunto de esforços planejados e direcionados para que a detenção fosse efetuada com êxito. 51. José Porfírio de Souza foi preso em 1972 na fazenda Rivelião Angelical, povoado de Riachão, no Maranhão, e em seguida levado para Brasília, desaparecendo em 1973. Os filhos de José Porfírio de Souza, Durvalino e Manoel, também foram presos e torturados pelo regime militar. Manoel Porfírio foi condenado pela Justiça Militar por ser militante do PRT e ficou preso durante sete anos em São Paulo. Durvalino Porfírio enlouqueceu em consequência das torturas sofridas. Sobre a prisão e tortura sofridas por Durvalino, o camponês e irmão de José Porfírio, Arão de Souza Gil, disse que “ele apanhou até ficar louco. Morreu louco […]. Ele chegou sadio, era estudante, era novo, 17 anos. Quando chegaram com ele em Balsas, ele já estava louco”.31
  • 22. 13 – casos emblemáticos 614 52. Por conta dos transtornos mentais, Durvalino Porfírio de Souza foi internado em um manicômio em Goiânia. Em conversa informal, Arão de Souza Gil afirmou que o sobrinho foi internado sem nenhuma identificação. Segundo ele, “Durvalino era filho de José Porfírio e por isso não poderia ser identificado no hospital”. A Comissão Nacional da Verdade entrou em contato e encaminhou ofícios para a Secretaria de Saúde de Goiânia, para tentar localizar algum registro de entrada de Durvalino nas unidades de saúde, entretanto, essa identificação não foi possível tendo em vista o estado de conservação dos arquivos e o período de guarda dos documentos. Contudo, há informações de que a unidade de saúde na qual Durvalino Porfírio de Souza foi internado era o hospital Adauto Botelho, inaugurado no ano de 1954, em Goiânia, e desativado em 1995. A ins-tituição também teria sido o destino de outros presos políticos, e teria tido o papel de legitimar o que se entendia por “louco” naquele momento. Durvalino Porfírio de Souza desapareceu em 1973, mesmo ano do desaparecimento do pai. 53. Sobre o desaparecimento do líder camponês José Porfírio, Dirce Machado da Silva disse que ele foi solto em 7 de junho de 1973, em Brasília, e despediu-se de sua advogada, Elizabeth Diniz, na rodoviária da cidade, quando embarcou para Goiânia, onde ficou hospedado na casa de seu companheiro do PCB José Sobrinho, no setor Marista.32 Lá ele pernoitou e saiu pela manhã para uma agência bancária, a fim de resolver problemas na sua conta, que estava bloqueada. E nunca mais foi visto. Essa versão foi corroborada durante depoimentos colhidos em Goiânia na audiência da CNV de 18 de outubro de 2013. 54. Acusado de ser um dos organizadores do PRT, Porfírio foi preso e condenado a seis meses de prisão e foi solto em 7 de junho de 1973. Entretanto, o documento oficial, de 15 de junho de 1973, apresenta o nome de José Porfírio em alvará com liberação de presos expedido em 8 de junho 1973: Em 8 de junho, mediante alvará de soltura, foi posto em liberdade José Porfírio de Souza, que se encontrava preso no Pelotão de Investigações Criminais (PIC)/Bata-lhão da Polícia do Exército de Brasília (BPEB). O referido elemento fora condenado a seis meses de prisão em 27 de fevereiro de 1973, em face do IPM da AP/PRT.33 Nota-se divergência entre a data na qual o alvará foi expedido, 8 de junho, e o dia em que José Porfírio foi solto, 7 de junho de 1973. 3. Operação Mesopotâmia: a repressão em área rural na divisa entre Maranhão e Goiás e o caso de Epaminondas Gomes de Oliveira (1971) Sofremos muito. Eu não gosto de me lembrar de certas coisas. Você ter um amigo, tudo o que acontece com ele e você vendo, dói na alma, dói no coração. Ele no meio de muita gente, levantar 30 homens, para todos os 30 darem tapas no rosto dele, 15 de um lado e 15 do outro. Isso aconteceu quando ele estava preso em Imperatriz. [Messias Gomes Chaves, companheiro de Epaminondas, em Depoimento à CNV em outubro de 2013, em Porto Franco (MA).]
  • 23. 615 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 55. A Operação Mesopotâmia, desencadeada pelo Exército entre 2 e 12 de agosto de 1971, contou com cerca de 40 agentes, incluindo nove oficiais, pertencentes ao CIE, Comando Militar do Planalto, 11a Região Militar e 3a Brigada de Infantaria, sob o comando do general de brigada Antônio Bandeira de Mello. Tinha como objetivo colher informações e prender militantes na di-visa entre Pará, Maranhão e Goiás (hoje Tocantins). Na operação, os agentes seguiram pistas que poderiam levar a militantes do PRT, da AP, da ALN, da VAR-Palmares e da Ala Vermelha naquela região. De acordo com o relatório da Operação Mesopotâmia, de 17 de agosto de 1971, esla passou a servir de modelo para novas incursões militares na região, conforme comprova, dentre outros, o seguinte trecho extraído do documento oriundo do Centro de Informações do Exército, classificado como secreto e intitulado Relatório da Operação Mesopotâmia: “Relatório da Operação Mesopotâmia” Finalidade O presente relatório visa apresentar os principais fatos ocorridos no desenrolar da operação em epígrafe, apontar resultados obtidos e sugerir medidas que possibilitem maior eficiência no combate à subversão em áreas similares àquela em que foi desen-cadeada a Operação Mesopotâmia.34 56. A Operação Mesopotâmia serviu como experiência, em termos operacionais e de doutri-na militar, para incursões posteriores na região do Araguaia. Os agentes percorreram a área, aportando em cidades como Imperatriz, Lagoa Verde, Porto Franco, Tocantinópolis, Araguatins, Trombas e Buritis. Dezenas de militantes e simpatizantes (a maioria camponeses) foram presos. Epaminondas Gomes de Oliveira, militante do PRT, foi preso em sua casa, em Tocantinópolis, torturado e morto sob a tutela do Exército brasileiro em Brasília. O relatório da operação destaca a importância do apoio da Força Aérea Brasileira (FAB), a atuação dos militares descaracterizados e a chamada “Operação Presença”, que consiste em exibição pública e ostensiva a ser feita ao final da ação militar: A presença de oficial da FAB (AO) junto ao elemento que opera é uma necessidade. [...] A presença do Exército só poderá ser caracterizada ao final da operação (se for o caso) por uma demonstração tipo (“Operação Presença”).35 A Comissão Nacional da Verdade apurou que a demonstração-tipo em Porto Franco, no estado do Maranhão, consistiu na exibição dos presos em caminhão aberto, acorrentados ou amarrados com cordas, de forma humilhante, alguns deles após terem sofrido espancamentos. 57. O relatório da Operação Mesopotâmia apresenta: finalidade, ações, estratégias, depoi-mentos colhidos, prisões efetuadas e o contingente de oficiais participantes. Assinado pelo general de brigada Antônio Bandeira, que depois, em 1972, viria a ser responsável por novas ações militares na região do Araguaia, o relatório destaca que a Operação Mesopotâmia atingiu os objetivos de: 1) de-sarticular a movimentação política de esquerda na área; 2) identificar e prender pessoas consideradas subversivas pelo regime e identificação de outros indivíduos em diversos locais do país; 3) servir de modelo para outras operações. O relatório contém referências a um militante de nome “Juca”, residente
  • 24. 13 – casos emblemáticos em Porto Franco (MA), na verdade João Carlos Haas Sobrinho, desaparecido no Araguaia, que traba-lhou 616 como médico e criou o primeiro hospital daquele município, entre 1967 e 1969, transferindo-se então para a região da guerrilha, não muito distante dali.36 58. Documento do SNI revela que a operação, além de difundida ao alto comando militar, também foi levada ao conhecimento de outras autoridades. Nele, há o encaminhamento do relatório com os resultados da operação ao governador do estado do Maranhão e ao ministro do Interior, em 19 de setembro de 1971.37 A Operação Mesopotâmia realizou deslocamentos planejados, com equipes de militares definidas por grupos de opositores políticos a serem presos. Foram efetuados deslocamentos via terrestre e via aérea para as cidades de Tocantinópolis (GO) – atual Tocantins – em 2 de agosto de 1971; Imperatriz (MA), em 4 e 5 de agosto de 1971, e regresso aéreo conduzindo dez presos em 7 de agosto de 1971; houve ainda destacamentos por via terrestre em 10 e 11 de agosto de 1971, novamente conduzindo outros três presos. Em 12 de agosto de 1971, ocorreu regresso aéreo a Brasília transportando um total de 13 presos; dentre eles, comprovadamente, Epaminondas Gomes de Oliveira. 59. Em RI-reservado no 10, de 16 de setembro de 1971, do Batalhão de Polícia do Exército de Brasília (BPEB), assinado pelo comandante tenente-coronel Joel Peres de Vasconcelos, consta: “O civil Epaminondas Gomes de Oliveira, recolhido preso a essa OM em 19 de agosto de 1971 pela Operação Mesopotâmia, veio a falecer às 20h30 do dia 20 de agosto de 1971”. Epaminondas foi preso, torturado e morto sob a guarda do Exército brasileiro. A prisão de Epaminondas Gomes de Oliveira, como indicado, se inseriu no contexto da Operação Mesopotâmia, que prendeu lideranças políticas da região fronteiriça entre Maranhão, Pará e Goiás (atual Tocantins). A operação, condu-zida pela 3a Brigada de Infantaria CMP/11a Região Militar (RM), realizou um total de 32 prisões sem a observância das formalidades legais exigíveis: Em consequência das ações realizadas, foram efetuadas 32 prisões de elementos subversivos ou suspeitos. Após interrogatório a que foram submetidos e consequente triagem, foram transportados para Brasília os seguintes elementos: Eliezer Vas Coelho – “Geraldo” – VAR-PAL – Imperatriz; Pedro Gomes dos Santos – “João Ferro” – VAR-PAL – Imperatriz; Catarino Leal Juair da Silva – “Severino” – VAR-PAL – Imperatriz; Antonio Gonçalves Guimarães – “Antonio Aviador” – PRT – Tocantinópolis (GO); Linduarte Machado de Moura – “Lino” – PRT – Tocantinópolis (GO); Inácio Pereira de Macedo – “Pescador” – PRT – Tocantinópolis (GO); Bartolomeu Cassimiro de Albuquerque – “Beto” – PRT – Tocantinópolis (GO); José Pereira da Silva – “Zé Alecrim” – PRT – Tocantinópolis (GO);
  • 25. 617 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 João Nunes Guimarães – “João Ferreira” – PRT – Tocantinópolis (GO); Pedro Morais Milhomem – “Ambrozio” – PRT – Tocantinópolis (GO); Epaminondas Gomes de Oliveira – “Epaminondas” – PRT – Porto Franco (GO); Bartolomeu Gomes – “Bartu” – PRT – Porto Franco e Buritis; Pedro Americo de Salles Gomes – Imperatriz.38 No referido relatório, Epaminondas Gomes de Oliveira encabeça a lista de lideranças políticas da região ligadas à AP/PRT: Os líderes locais da AP/PRT são: Epaminondas Gomes de Oliveira – “Luiz de França”; Pedro Morais; José da Marcelina – “José Alecrim”; João Ferreira Guimarães; Benedito – codinome de um indivíduo que fala castelhano.39 60. Epaminondas Gomes de Oliveira nasceu em 16 de novembro de 1902, em Pastos Bons, no sul do estado do Maranhão, próximo à divisa com o estado do Piauí. Exerceu a profissão de sapateiro e artesão em couro, mas destacou-se também como autodidata e professor comuni-tário, tornando-se prefeito do município e liderança política na região. Mais tarde, radicou-se no município maranhense de Porto Franco, na divisa com o atual estado do Tocantins, à época Goiás, onde constituiu família e passou a defender melhorias em serviços públicos municipais, cobrando formalmente de autoridades federais o recebimento de equipamentos de saúde e de materiais escola-res adequados. Aproximou-se do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, posteriormente, do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), uma dissidência da Ação Popular (AP) que teve entre seus principais líderes o padre Alípio de Freitas, o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) Vinicius Caldeira Brandt e o líder camponês José Porfírio, eleito deputado estadual por Goiás no período anterior ao golpe de 1964. 61. Na condição de liderança comunitária e militante do PRT, Epaminondas Gomes de Oliveira tornou-se alvo da Operação Mesopotâmia, uma operação militar secreta, realizada pelo Comando Militar do Planalto em agosto de 1971. Preso em 7 de agosto de 1971, no garimpo de Ipixuna (PA), por militares do Destacamento Terra II da Operação Mesopotâmia (dois majores, oito sargentos e um cabo), Epaminondas Gomes de Oliveira foi conduzido para a cidade Jacundá (PA) e,
  • 26. 13 – casos emblemáticos dali, para Imperatriz (MA). Em avião da Força Aérea Brasileira (FAB) foi levado até Brasília, onde, após torturas sofridas no Pelotão de Investigações Criminais (PIC), morreu aos 68 anos sob a custódia do Estado, no Hospital de Guarnição do Exército, em 20 de agosto de 1971. 618 62. A informação do Serviço Nacional de Informações (SNI), de outubro de 1971, apresen-tou um suposto local de sepultamento de Epaminondas, em um cemitério em Brasília (DF), atual-mente denominado Campo da Esperança. Epaminondas Gomes de Oliveira foi preso em 7 de agosto de 71 em Marabá (PA), por implicações em atividades subversivas, tendo sido conduzido a esta capital e recolhido ao BPEB (PIC). Na ocasião encontrava-se subnutrido e com saúde abalada. Inicialmente Epaminondas foi conduzido para tratamento no Hospital da Guarnição Militar de Brasília (DF), e, em virtude de seu caso ser considerado grave, encaminhado posteriormente ao Hospital Distrital de Brasília, onde veio a falecer em 20 de agosto de 1971. [...] O elemento em pauta encontra-se sepultado na quadra 504, lote 125, do cemitério da Asa Sul de Brasília.40 63. Diante da possibilidade de localização da sepultura, a Comissão Nacional da Verdade verificou in loco, no cemitério, que o local indicado no documento correspondia a uma área com lápi-des sem qualquer identificação ou numeração. Dessa forma, foram solicitados os livros de registro dos sepultamentos do ano de 1971, verificando-se, de fato, em um verso de página, um carimbo atestando o sepultamento de Epaminondas Gomes de Oliveira em jazigo próximo ao indicado no documento oficial do SNI. A informação no 834 do SNI, peça-chave para a pesquisa realizada, também revelou outros elementos que foram investigados pela Comissão Nacional da Verdade. Em primeiro lugar, a suposta causa mortis de Epaminondas Gomes de Oliveira que, conforme o documento, seria decorrente de “uremia-insuficiência renal”. 64. Nesse sentido, a Comissão Nacional da Verdade apurou, com base em testemunhos de outros presos da mesma unidade – o Pelotão de Investigações Criminais do Exército (PIC), em Brasília –, a prática recorrente de tortura por espancamentos e choques elétricos naquele estabelecimento, in-clusive as torturas sofridas pelo próprio Epaminondas desde sua prisão no Pará, duas semanas antes de sua morte. A situação de a vítima encontrar-se presa e sofrendo torturas descarta a tese de morte como decorrente de anemia e/ou insuficiência renal, conforme consta no documento oficial. A morte em fun-ção de tortura, bem como eventuais traços de suas consequências físicas no cadáver de Epaminondas, também foram objeto de investigação específica feita pela Comissão a partir da exumação realizada no cemitério. A suspeita acerca de traços de violência no cadáver foi reforçada pelo contido no articulado no 4 do documento do SNI que, ao invocar decreto municipal, indicou expressamente: “nenhuma sepultura poderá ser reaberta e nenhuma exumação poderá ser feita antes de ter decorridos os prazos de cinco anos para adultos e três para infantes”. No mesmo documento foram localizadas fotografias inéditas de Epaminondas, feitas quando de sua prisão pelo Exército.41 65. Com base nos documentos encontrados e nas investigações, a CNV, com a autori-zação da família e a colaboração de peritos e médicos-legistas do Instituto de Medicina Legal da Polícia Civil do Distrito Federal, deu início, em 24 de setembro de 2013, às 10h, à exumação dos restos mortais que se supunham pertencentes ao ex-prefeito de Pastos Bons (MA). O trabalho de
  • 27. 619 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 exumação foi finalizado às 19h do mesmo dia e, em seguida, os restos mortais passaram a ser sub-metidos a exames de antropologia forense e de DNA. O processo de exumação foi acompanhado pelos dois netos da vítima, que doaram material de amostra para exames de DNA, Epaminondas de Oliveira Neto e Cromwell de Oliveira Filho. Epaminondas Neto apresentou à Comissão Nacional da Verdade certificado de reservista original de seu avô, emitido em 1946, com fotografia, altura e outros dados antropométricos que subsidiaram o trabalho. No dia 21 de outubro de 2013, policiais federais do Departamento de Polícia Federal em Imperatriz (MA) foram até Porto Franco (MA) e colheram material biológico para exame de DNA de Epaminondas Rocha de Oliveira e Beatriz de Oliveira Rocha, filhos de Epaminondas Gomes de Oliveira. 66. A Comissão Nacional da Verdade diligenciou junto aos dois hospitais em que, confor-me documentação localizada, Epaminondas Gomes de Oliveira teria permanecido internado antes de morrer. No entanto, os dois estabelecimentos, o Hospital de Base de Brasília e o Hospital da Guarnição de Brasília, informaram não dispor de registros sobre o paciente. Para proceder à busca mais detalhada, o Hospital da Guarnição de Brasília, atualmente chamado de Hospital Militar de Área de Brasília, invocou a necessidade de cumprimento de orientação normativa, constante na mensagem no F-010-2010 do Comando do Exército, que determina que todos os pedidos ou requisições de documentos sobre o período de 1964 a 1985 sejam respondidos exclusivamente por intermédio do gabinete do comandante do Exército. Dessa forma, após a equipe da CNV ser aten-dida no balcão do hospital e receber a informação da possibilidade de localização do prontuário de Epaminondas, desde que feita uma busca mais minuciosa, inclusive em caixas arquivadas, adveio a resposta do comando do Exército afirmando “que não foram encontrados registros relativos ao paciente Epaminondas Gomes de Oliveira”.42 67. No mês seguinte à exumação, em 21 de outubro de 2013, representantes da Comissão Nacional da Verdade, acompanhados do médico-legista e antropólogo forense do Instituto de Medicina Legal da Polícia Civil do Distrito Federal, Aluísio Trindade Filho, foram a Imperatriz (MA), Porto Franco (MA) e Tocantinópolis (TO), onde colheram 34 depoimentos de vítimas e de familiares de vítimas da Operação Mesopotâmia com o intuito de apurar graves violações de direitos humanos cometidas com o desencadeamento da operação militar, bem como de colher informações específicas sobre a prisão, tortura, morte e ocultação do cadáver de Epaminondas Gomes de Oliveira. As vítimas diretas ouvidas, cujos nomes constam do relatório da operação Mesopotâmia transcrito anteriormente, afirmaram que foram presas de forma arbitrária, sem a apresentação de mandado judicial ou ordem de prisão; sem a apresentação de motivo da prisão ou nota de culpa; e sem a autorização para que fizessem contato com a família ou com advogado. De modo geral, as prisões ocorreram sob espancamentos e ameaças, inclusive ameaças de morte, na presença de crianças, adolescentes, mulheres grávidas e idosos, e culminaram com a exibição pública dos presos, acorrentados de modo humilhante em caminhão do Exército, muitos deles ainda sem compreender exatamente a razão da prisão, uma vez que eram meros simpatizantes ou frequentadores de reuniões políticas da região. 68. Depoimentos prestados em Porto Franco (MA) e em Tocantinópolis (TO)43 dão conta da tortura sofrida: Ficamos lá, [...] passamos o dia, quando foi à noite, na segunda noite, eles chega-ram com o senhor Epaminondas lá, algemado. “Você conhece este homem aí?”
  • 28. 13 – casos emblemáticos 620 É claro que conhecia, eu morava vizinho do Epaminondas, na casa dele, ainda passo ali onde é a casa da mãe dele. Era emendada com a do Epaminondas, era vizinho nosso. Inclusive, gente muito boa. Pessoa importante o Epaminondas. “Eu conheço, é meu vizinho.” Também foi a pergunta que me fizeram. Pegaram ele e levaram lá para a Santa Casa, aquela lá no acampamento da Rodovale (depois DNER), levaram ele pra lá, lá judiaram dele, bateram nele de palmatória, bateram na bunda dele, deram choque no ouvido dele e ele gritava. [...] Torturado alge-mado e com o aparelho. Eu não recordo se era para cima algemado ou se era para trás, eu não recordo. Ele em uma cadeira, ele com um aparelho magnético com um negócio em um ouvido e no outro. Ele dava gritos horríveis, gritando, dando choques no ouvido dele, batendo nele com a palmatória. Isso eu vi. Eu vi lá em Imperatriz. [...] Eu os vi fazendo isso. Quando foi no outro dia, eles embarcaram ele num transporte lá, que eu não sei que transporte era, e levaram para o aeropor-to e de lá foram embora. [...] E até hoje eu não sei por que é que eu fui preso. Eu nunca fiz parte disso, eu fui só amigo do senhor Epaminondas.44 69. Messias Gomes Chaves, companheiro de Epaminondas, conta que, devido à sua prisão, em 1971, Dinalva Marinho Chaves, sua esposa, perdeu o segundo filho do casal e não pôde mais engravidar. Sobre o momento da prisão, em 1971, ele destaca: Sofremos muito. Eu não gosto de me lembrar de certas coisas. Você ter um amigo tudo o que acontece com ele, você vendo, dói na alma, dói no coração. Ele no meio de muita gente, levantar 30 homens, para todos os 30 darem tapas no rosto dele, 15 de um lado e 15 do outro. Isso aconteceu quando ele estava preso em Imperatriz. [...] Um carro quatro portas da Chevrolet. Chegaram e me levaram. Disseram: vamos fulano para a fazenda Alvorada. Na estrada, um quilômetro e meio, rodaram o carro de uma vez, saíram com as armas nas mãos e disseram: ou tu vai se explicar ou então vai morrer aqui. Aí começou.45 70. Outros depoentes também foram ameaçados por militares, que ordenaram que não contassem nada do que havia acontecido. “Eu mesmo estou abrindo a história só agora, porque eu tinha medo”, afirmou Messias Chaves, que relatou que o grupo sofria ameaças até meados da década de 1980. Outros depoimentos indiretos, transmitidos oralmente nas famílias ou entre as pessoas do município, também revelaram que Epaminondas Gomes de Oliveira sofreu choques e espancamento em Porto Franco e Imperatriz, antes de ser transportado até Brasília, local de sua morte. 71. Na época da morte de Epaminondas, o reservista do Exército Anísio Coutinho Aguiar, que serviu entre 1971 e 1988, estava lotado em Brasília. Ele viu Epaminondas em Brasília após sua prisão e pouco antes de sua morte: Conhecia o Epaminondas desde 1965, quando eu estudava em Porto Franco. Eu ia muito a casa dele para ele me dar orientações na matéria de português. [...] Eu fui a Brasília, soube que ele estava preso lá e pedi para ir lá. Falei com o chefe da 2a Seção para ir até lá. O Epaminondas estava muito debilitado, doente e muito abatido. Conversei rapidamente com ele. Ele estava muito estranho também.46
  • 29. 621 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 72. De acordo com as pesquisas realizadas, a Comissão Nacional da Verdade conclui que Epaminondas Gomes de Oliveira foi preso, torturado e morto no contexto da Operação Mesopotâmia, levada a efeito pelo Comando Militar do Planalto/11a Região Militar em agosto de 1971. A morte de Epaminondas Gomes de Oliveira ocorreu em Brasília (DF), em 20 de agosto de 1971, após prisão e tor-tura por espancamento e choques elétricos, na Polícia da Aeronáutica e/ou no Pelotão de Investigações Criminais (PIC), ambos situados na capital federal. O cadáver de Epaminondas Gomes de Oliveira nunca foi restituído à sua família, que, após sua prisão no estado do Pará, jamais teve contato com ele, seja em vida ou após o seu sepultamento. A Presidência da República, em 1971, por meio do Gabinete Militar e do SNI, depois de informar à família sobre a morte de Epaminondas Gomes de Oliveira, recusou-se a realizar o traslado do corpo, tendo comunicado à família um número incorreto de sepul-tura e atestando a impossibilidade de exumação do corpo antes de cinco anos. 73. De acordo com o laudo cadavérico no 43.228/2013, produzido pelo Instituto de Medicina Legal da Polícia Civil do Distrito Federal, a Comissão Nacional da Verdade identificou os restos mor-tais de Epaminondas Gomes de Oliveira. Nos termos do laudo referido: O material examinado trata-se de um esqueleto humano, de uma pessoa do sexo masculino, com estatura estimada entre 165,5 e 172,5 centímetros, com idade míni-ma estimada de sessenta anos e com características físicas de indivíduo que possivel-mente apresentava mistura ancestral. Por todo o exposto, pode-se concluir, com base nos exames periciais antropológicos, documentais e testemunhais, que o esqueleto humano exumado em 24 de setembro de 2013, da sepultura 135, da quadra 504 e do setor A do cemitério Campo da Esperança, representa os restos mortais de Epa-minondas Gomes de Oliveira, filho de José Benicio de Sousa e de Ângela Gomes de Oliveira, nascido em 16 de novembro de 1902. Por esta razão, recomenda-se a entrega dos restos mortais aos seus familiares. 74. Em 29 de agosto de 2014, a Comissão Nacional da Verdade realizou audiência pública em Brasília para divulgar o resultado da análise pericial realizada pelo Instituto de Medicina Legal da Polícia Civil do Distrito Federal, que confirmou a identificação dos restos mortais de Epaminondas Gomes de Oliveira. A audiência pública foi acompanhada por amigos e familiares da vítima, dentre eles cinco de seus netos: Epaminondas de Oliveira Neto, Cromwell de Oliveira Filho, Manoel Benício da Costa Oliveira, Noranei Costa de Oliveira, Jussara Maria de Oliveira Ramos e Suely Maria de Oliveira Santarém. Após a audiência, os restos mortais de Epaminondas Gomes de Oliveira foram trasladados para Porto Franco (MA), onde, em 31 de agosto de 2014, uma nova audiência pública sobre o caso foi realizada na presença de familiares da vítima e de autoridades municipais. Epaminondas Rocha de Oliveira e Inês da Costa Oliveira, filho e nora de Epaminondas Gomes de Oliveira, Joana Pereira da Rocha, nora de Epaminondas Gomes de Oliveira, netos, bisnetos e trinetos, além de outros vitimados pela Operação Mesopotâmia, como Abelardo Barbosa de Oliveira e Messias Chaves, acom-panharam a apresentação da pesquisa realizada pela Comissão Nacional da Verdade sobre o caso. Ao término da audiência, com um público de aproximadamente 300 pessoas, a urna funerária com os restos mortais de Epaminondas Gomes de Oliveira foi trazida por seus netos perante o público para receber unção religiosa feita pelo frei Joelmi Figueiredo Gomes. Em seguida, realizou-se cortejo até o cemitério da cidade onde, sob as canções populares e religiosas entoadas, ocorreu o sepultamento de Epaminondas Gomes de Oliveira, em jazigo familiar, ao lado de sua mulher e viúva.
  • 30. 13 – casos emblemáticos C) A repressão contra grupos políticos insurgentes 622 1. A Operação Pajussara: tortura e execuções na perseguição a Carlos Lamarca na Bahia (1971) Eu me lembro muito bem que tinha um sujeito forte, sargento Carlinhos, que ficava provocando, dizendo para os jovens: “Olha aqui o resultado de quem vira terrorista, de quem vira subversivo!”. E expunha a metralhadora, sacudia a metralhadora. Me lembro como hoje, era um jipe de quatro portas, aquele jipe aberto e o som arreganhado tocando a música “Amada amante”, de Roberto Carlos. Enquanto os corpos estavam lá no chão eles davam aquelas gargalhadas, parecia assim uma conquista de uma mina de ouro. [Depoimento de Carlon Castro, de Oliveira dos Brejinhos, ao documentário Do Bu-riti à Pintada: Lamarca e Zequinha na Bahia, de Reizinho Pedreira dos Santos, 2011.] 75. Em 1971, com o cerco da repressão cada vez maior, Zequinha Barreto, que havia se des-tacado como liderança na greve de Osasco (SP), propôs à sua organização, MR-8, deslocar um grupo de militantes, entre os quais o capitão Carlos Lamarca, para o interior, para sua terra natal, Buriti Cristalino, em Brotas de Macaúbas, no centro-oeste da Bahia. Além de Zequinha e Lamarca, chega-ram à região Luiz Antônio Santa Bárbara e João Lopes Salgado, e lá encontraram a família Barreto, dentre eles os irmãos de Zequinha, Olderico e Otoniel. 76. A Operação Pajussara foi mobilizada como uma ofensiva para localizar e eliminar Lamarca, àquela altura o inimigo número um da ditadura militar. O relatório da operação, documento da 2a Seção do Quartel-General do IV Exército/6a Região Militar, mostra que ela contou com a partici-pação de 215 militares e policiais, sendo ao menos 40 oficiais da Bahia, do Rio de Janeiro (Guanabara), de São Paulo e de Pernambuco. Sob a jurisdição da 6a Região Militar, comandada pelo general Argus Lima, a Operação Pajussara teve como comandante o então major Nilton de Albuquerque Cerqueira, chefe da 2a Seção do Estado-Maior da 6a Região Militar e comandante do DOI de Salvador (BA). Alagoano de Maceió, é possível que o nome escolhido para a operação, Pajussara, tenha sido uma refe-rência à sua terra natal. A Pajussara teve participação de militares e policiais de diversas organizações, como CIE, CISA, DOPS-SP, CODI da 6a Região Militar, PM-BA, DPF-BA, além do apoio com pes-soal, veículos e aviões da Companhia de Mineração Boquira, e apoio logístico também da Petrobras e da TransMinas. De outros estados, destacaram-se o delegado Sérgio Paranhos Fleury e sua equipe do DOPS/SP, além de agentes do CIE, Cenimar, CISA, CODI/2 (II Exército), Parasar/FAB, entre outros. 77. Montada para “destruir” o capitão Lamarca e lideranças do MR-8, a operação exe-cutou: Iara Iavelberg, em Salvador; Luiz Antônio Santa Bárbara e Otoniel Barreto, em Brotas de Macaúbas; Lamarca e Zequinha Barreto (José Campos Barreto), no povoado de Pintada, em Ipupiara. Iara Iavelberg, companheira de Lamarca, foi morta em 20 de agosto de 1971, em um apartamento no bairro de Pituba, em Salvador (BA), cercado pelos órgãos de segurança. Em depoimento sobre a morte de Iara, César Queiroz Benjamin, que foi preso em Salvador, diz que: Ela [a sessão de choques elétricos] foi se prolongando, prolongando, entrou pela madrugada e eles [os torturadores] começaram a dizer, lá pelas tantas, não sei exa-
  • 31. 623 comissão nacional da verdade – relatório – volume i – dezembro de 2014 tamente o porquê, imagino que para quebrar o meu moral, começaram a dizer: “Matamos a Iara, Iara está morta, Iara já era”. Sucessivamente isso. Eu estava enca-puzado, rolando pelo chão, porque com a descarga elétrica você fica sem controle... de alguma maneira eu acho que eles intuíram que eu não estava acreditando, e eu realmente não acreditei. [Então] eles me arrastaram para uma quina da sala, levan-taram o capuz e me mostraram uma foto... era a Iara morta.47 O atestado de óbito de Iara descrevia que sua morte teria sido decorrente de suicídio. Na religião judaica, o suicida não tem honra, por isso a família de Iara foi obrigada a enterrá-la no cemitério israelita de São Paulo de costas para as demais sepulturas e de frente para a parede do cemitério, sem direito a honras fú-nebres. Com o passar do tempo, foram sendo recolhidas provas que mostravam que na verdade a morte de Iara não havia sido suicídio. No próprio laudo assinado pelo médico-legista Charles Pittex está registrada morte violenta e, entre parênteses, está escrito “suicídio” com um ponto de interrogação. 78. Em 1993, foram entregues relatórios de cada uma das Forças Armadas ao ministro da Justiça, e no relatório da Marinha constava a seguinte afirmação sobre Iara: “[…] foi morta em Salvador (BA), em ação de segurança”. O jornalista Bernardino Furtado de Carvalho publicou uma reportagem sobre o caso em O Globo, com o depoimento de testemunhas que contrariavam a versão oficial de suicídio. A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) registrou o depoimento prestado pelo jornalista Bernardino Furtado, em 23 de setembro de 1997, no gabinete do então secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Belisário dos Santos Jr., no qual afirmou: […] quando entrevistou o dr. Lamartine [Lima] visando obter informações sobre o laudo cadavérico de Lamarca; nessa ocasião o médico lhe relatou o seguinte: o sargento Rubem Otero em consulta médica, em estado grave de saúde, confiden-ciou- lhe que […] participou do cerco ao apartamento de Iara Iavelberg; que quando já se encontravam dentro do apartamento, sem que tivessem encontrado qualquer pessoa, perceberam que a porta de um dos cômodos se encontrava fechada; o sar-gento teria disparado uma rajada de metralhadora contra essa porta, não tendo ha-vido qualquer reação dentro do referido cômodo, o sargento chutou a porta e ali encontrou uma mulher agonizando […]. O depoente ouviu de Leônia Cunha, irmã de Lúcia Bernardete Cunha, que era hospedeira de Iara naquela época, a seguinte informação: a senhora Evandir Rocha, conhecida por Vanda, zeladora do edifício naquela época, relatou a Leônia que ouviu Iara gritar que se entregava às forças da repressão, tendo em seguida ouvido os tiros. Segundo a proprietária do apartamento, Shirlei Freitas Silveira, havia sinais de outros três tiros no ba-nheiro onde Iara havia supostamente cometido suicídio. Vizinhos do apartamento também afirmaram ter escutado vários disparos e o grito de rendição de Iara. 79. Com as denúncias reunidas, a família de Iara conseguiu autorização na Justiça para pro-ceder à exumação e ter novo laudo sobre sua morte. A sociedade Chevra Kadisha, responsável pelo Cemitério Israelita do Butantã, dificultou o processo, inclusive conseguindo suspender a exumação, mas ela prosseguiu e aconteceu em 2003, com peritos da Universidade de São Paulo (USP), sob a supervisão do médico Daniel Romero Muñoz, nomeado pelo juiz do caso, na qualidade de professor de medicina