O documento discute a Medicina Baseada em Evidências (MBE), que envolve a tomada de decisões clínicas baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis. A MBE surgiu na década de 1990 e visa garantir que as decisões sobre tratamentos e tecnologias sejam fundamentadas em evidências de alta qualidade. No entanto, ainda é difícil incorporar rapidamente as evidências à prática clínica diária.
1. PRÁTICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS
“A MBE é o uso mais consciencioso, explícito e judicioso da melhor evidência existente
na tomada de decisões a respeito do cuidado de pacientes”
(Sackett et al, 1996).
A Medicina Baseada em Evidências (MBE) surgiu no Canadá (Mc Master University) e
no Reino Unido (Oxford University) em 1992. As práticas clínicas baseadas em
evidências partem do princípio segundo o qual a decisão a respeito da condução do
caso do paciente deve estar baseada na melhor evidência científica disponível. Existe
um consenso na literatura segundo o qual decisões sobre status e cobertura de novas
tecnologias devem ser feitas baseadas em evidências com boa qualidade de eficácia1
O primeiro ensaio clínico publicado e que resultou em flagrante benefício aos sujeitos
da pesquisa (ou pacientes) foi realizado em 1747 por Lind, um médico da Marinha Real
Britânica. Separando em grupos indivíduos acometidos por escorbuto, Lind tratou-os
com cidra, óleo de vitríolo (ácido sulfúrico), vinagre, água marinha, laranjas, limões e
mostarda. Os indivíduos dos grupos em que foram usadas as frutas cítricas,
recuperaram-se rapidamente. É digno de nota lembrar que, mesmo diante de flagrante
evidência, o próprio Lind recomendava o “ar fresco” como primeira opção de
tratamento do escorbuto, seguido da ingestão de frutas e vegetais. Pior ainda, a
Marinha Britânica demorou 50 anos para incorporar o suco de limão aos suprimentos
fornecidos aos marinheiros2.
Em um mundo ideal, informações provenientes de estudos de alta qualidade
abordando todos os resultados de interesse seriam facilmente disponíveis e
incorporadas à tomada de decisão. A realidade, entretanto, é bem mais complicada
porque a informação sobre diversos resultados de diferentes fontes deve ser
sintetizada. Incrivelmente não estamos muito distantes da realidade enfrentada por
Lind: as evidências científicas – por mais contundentes que sejam – demoram muito
para que sejam incorporadas à prática médica diária.
2. Figura: A Tríade da Medicina Baseada em Evidências (MBE): Experiência clínica individual X
Melhor evidência externa X Valores & expectativas do Paciente
Nos últimos anos o termo MBE tem aparecido para descrever sua aplicação em
Avaliação de tecnologias em saúde (ATS). O papel da ATS é o de facilitar a introdução
e o uso apropriados das novas tecnologias em saúde. Trata-se de um campo de estudo
que objetiva contribuir com a regulação da difusão tecnológica, agindo como uma
ponte entre o mundo da pesquisa científica e o da tomada de decisão 3.
O nível de evidência deve ser utilizado para dar transparência e orientação ao tomador
de decisão quanto à qualidade do estudo que sustentaria sua conduta e decisão
clínica. O nível de evidência constitui-se em um dos elementos, que associado à
avaliação crítica da pesquisa e aos fatores relacionados à aplicabilidade ao paciente,
permitem que os tomadores de decisão elaborem protocolos baseados em evidência.
Protocolos de conduta clínica ou diretrizes clínicas são recomendações, desenvolvidas
por meio de revisão sistemática da literatura científica existente, para apoiar a decisão
do profissional e do paciente sobre o cuidado médico mais apropriado, em relação às
condutas preventivas, diagnósticas ou terapêuticas dirigidas para determinada agravo
em saúde ou situação clínica. Assim, os protocolos (guidelines) buscam sistematizar o
conhecimento disponível e oferecer um padrão ouro de manejo clínico mais seguro e
consistente do ponto de vista científico para determinado problema de saúde. A
variação da prática clínica desenvolvida a partir de diferentes realidades e espaços
onde o ensino médico se desenrola é enorme. Suas implicações no resultado final da
assistência são importantes e já se sabe que a variabilidade sem contenção leva à
elevação dos custos assistenciais e eventualmente a intervenções pouco eficazes. Por
isso, considera-se que o desenvolvimento de diretrizes clínicas ou protocolos contribui
para assegurar que a melhor terapêutica existente e/ou disponível seja, de fato,
empregada. A produção e a incorporação de novos conhecimentos vêm ocorrendo de
forma tão rápida e em tal volume, que muitos países, especialmente aqueles com
sistemas de saúde abrangentes e que possuem rede de atenção primária centrada em
médicos "generalistas" têm investido na elaboração e divulgação de protocolos clínicos
3. como forma de garantir acesso dos profissionais ao conhecimento mais moderno e
mais eficaz, diminuir a variação na prática e garantir boas práticas na assistência,
melhorando os resultados esperados.
Existem duas áreas clínicas em que a utilização de protocolos de conduta está
incorporada na forma de prestação do serviço. Nas emergências, a utilização de
padrões de atendimento (Protocolos ATLS e ACLS) para traumas e urgências
cardiológicas tem sido considerada como pré-requisitos para atendimento de urgência
nos hospitais de bom padrão. A aderência dos profissionais aos procedimentos
preconizados é excelente e os resultados na melhoria da assistência são
comprovados4.
Finalmente, é difícil dissociar a decisão de qual será o tratamento direcionado ao
paciente do contexto econômico em que ele está inserido, pois a limitação de recursos
requer uma tomada de decisão que atenda à tríade: qualidade da assistência, acesso à
tecnologia e a melhor relação custo-efetividade5. Economia da Saúde é a aplicação de
alguns conceitos da economia na assistência médica. A área da saúde se preocupa em
oferecer intervenções que sejam eficazes e efetivas; a Economia da Saúde vai mais
além, procurando intervenções eficientes – isto é, estabelece relação entre o custo da
intervenção e o benefício que ela proporciona. A análise econômica em saúde é a
análise das opções de escolha de alocação dos recursos escassos destinados à área de
saúde, entre as alternativas que competem pelo seu uso.
São Paulo, maio de 2010.
Dra. Isabella V. de Oliveira
Gerente de Regulação - Tempo Saúde
4. Referências
1. HAILEY D.; HARSTALL C. Decisions on the status of Health Technologies – AHFMR ,
2001.
2. HARDMAN JG, LIMBIRD LE, GILMAN AG. Goodman & Gilman’s. The Pharmacological
basis of therapeutics. Québec: McGraw-Hill; 2001.
3. BATTISTA RN, HODGE MJ. The evolving paradigm of health technology assessment:
Reflections for the millennium. Can Med Assoc J. 1999;160:1464-1467.
4. SAÚDE E CIDADANIA. Práticas Relacionadas à Qualidade – Protocolos de Conduta
Clínica ou Diretrizes Clínicas. Disponível em
http://www.saude.sc.gov.br/gestores/sala_de_leitura/saude_e_cidadania/ed_03/04_
03.html. Acessado em Julho de 2007.
5. VIANNA, D. Análise econômica em saúde – contribuição para tomada de decisão em
medicina – Farmacoeconomia Roche p. 8, 2003.