SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 6
Baixar para ler offline
TR A T A MENTOS O PR E ÇO DA VIDA
Asua saúde, ou de a alguém que você
ama, tem preço? Ok, a resposta óbvia
é não, mas vamos reformular a per-
gunta: vale a pena vender a sua única
casa para dar um mês de sobrevida a
um parente com câncer? Ese fossem
seis meses? Um ano? As perguntas
não são à toa. No caso de um pacien-
te com câncer de pele, o gasto men-
sal com o mais novo tratamento po-
de éhegar a 6 dígitos e superar os R$
300 mil - e, se ele der sorte, essa con-
ta será paga por muitos meses: é que a
boa notícia é que a sobrevida dos pa-
cientes com câncer é cada vez maior.
Amá é que os custos para desen -
volver novos medicamentos contra
o câncer são altíssimos. Ea cada no-
va droga, os benefícios crescem, mas
bem pouco. Parte da explicação está
na lógica natural do processo. Anti -
gamente, a evolução era maior e mais
rápida porque saímos do zero na lu-
ta contra o câncer. Agora, tentamos
aprimorar os tratamentos.
PRECISAMOS
FALAR SOBRE
DINHEIRO
por MARCELA DONINI
-Para desenvolver
um só remédio,
a indústria
farmacêutica
gasta perto de
US$ 1bilhão.
Esó tem cinco
anos para
recuperar o
valor, antes que
a patente seja
quebrada.
indústria farmacêutica, são as pe-
quenas éhances de dar certo. De 10
mil moléculas testadas, com sor-
te, apenas uma pode ter potencial
para tratamento. Depois de pron-
to, mais um problema: a patente.
No Brasil, depois de 20 anos, um
medicamento vira de domínio pú-
blico' ou seja, qualquer laborató-
rio pode replicar. O prazo come-
ça a contar assim que o laboratório
que desenvolveu o remédio regis-
tra a patente, o que costuma acon-
tecer alguns anos antes do lança-
mento comercial. Vão aí uns 15
anos em pesquisa, desenvolvi-
mento e testes. Ou seja: os labo-
ratórios têm cinco anos para recu-
perar aquele US$l bilhão em pes-
quisa, o que catapulta o preço do
medicamento para as alturas.
Muitos desses novos medica-
mentos são de terapia-alvo, ou se-
ja, são moléculas que atacam ape-
nas as cancerigenas, em vez de to-
Em1987, os Estados Unidos gastaram US$ 24 bilhões
nos cuidados com o câncer. Entre 2001 e 2005, o número
dobrou para US$ 48,1bilhões por ano. No Brasil, de 2008
para 2011, os gastos cresceram 51%, e ultrapassaram os
R$ 2,2 bilhões; em 2013, o valor subiu para R$ 2,6 bilhões.
Hoje, há estimativas de que, para desenvolver um úni-
co medicamento contra o câncer, sejam gastos em tor-
no de US$ 1bilhão. O que encarece a conta, segundo a
das as células do paciente - as saudáveis inclusive - como
os remédios tradicionais. Uma evolução, claro, mas ocân-
cer é um sistema tão complexo que bloquear uma célula
tumoral não impede que outras voltem a se reproduzir se-
manas ou meses depois. Atendência é desenvolver dro-
gas que bloqueiem diferentes vias moleculares simulta-
neamente ou usar vários remédios em combinação, o que
levará a tratamentos cada vez mais caros.
36 I CÂNCER I SUPERINTERESSANTE 20 1S
QUANTO VALE UM ANO AMAIS DE VIDA?
Perguntei lá no começo da reportagem se a saúde tem pre-
ço. Pois tem. Para a OMS, braço da ONU para a saúde, vale
até três vezes o PIB per capita por ano de vida oferecido ao
paciente. Para dar um exemplo: se fosse no Brasil, a cada
ano de vida que um paciente ganha com determinado tra-
tamento' o teto de gasto deveria ser de R$ 33 mil, o equi-
valente a três vezes o PIB per capita do Brasil. Nos Estados
Unidos, o valor é fixado pelo governo: US$ 50 mil para ca-
da ano a mais de vida. Assim, um tratamento é considera-
do custo-efetivo, ou seja, só valeria a pena ser feito finan-
ceiramente' se, do início ao fim, custasse este valor. Mas a
realidade é que ele sempre extrapola - e ninguém vai dei-
xar o paciente morrer, não é mesmo?
oBOLSO EOCÂNCER
Cerca de 7S% da população brasileira depende exclusi-
vamente do SUS; os outros 2S% são usuários de planos
de saúde. Os dois grupos gastam a mesma coisa. Os cus-
tos públicos do Brasil com saúde representam 5% do PIB;
somando os gastos suplementares (particular e planos),
éhegamos a 9% - não precisa ser matemático para ver que
a conta não feéha. Os dados se referem à saúde em geral,
mas podem ser transpostos para o cenário do câncer. Na
prática, isso significa que, enquanto os 2S% têm acesso a
tratamentos mais caros e, portanto, quase sempre mais
eficazes, os outros 75% têm que disputar entre eles os va-
10res determinados pelo governo para cada tipo e fase de
câncer - e por isso, estatisticamente, morrem mais.
Há duas formas de o governo oferecer medicamen-
tos para o tratamento de câncer. O jeito tradicional é via
Apac - a sigla para Autorização de Procedimentos Ambu-
1atoriais de Alta Complexidade. O formato garante o re-
embolso de clínicas e hospitais com os gastos - embutidos
aí também equipe médica e estrutura, além dos medica-
mentos. Isso em tese, já que há medicamentos na lista do
SUS que, em 2013, custavam mais do que a previ-
são da Apac, como o erlotinibe e o gefitinibe, indi-
cados para casos de câncer no pulmão. Os valores
reais éhegam a R$ 2,9 mil e R$ 2,3 mil respeétiva-
mente, enquanto a Apac é de R$I,1 mil.
Questionado pelo Instituto Oncoguia, o Mi-
nistério da Saúde teria respondido que apenas 5%
dos pacientes com câncer no pulmão são elegíveis
para esses medicamentos e que os outros gasta-
riam R$IS0 com quimioterapia paliativa, sugerin-
do que o que sobra de uns pode completar a con-
ta de outros. Porém, segundo os médicos, na prá-
tica' nem sempre a conta feéha. Equem fica com
os pés de fora desse cobertor curto é o paciente. O
que acaba ocorrendo é que o hospital banca ou li-
mita o tratamento. "Depois que o paciente está ali
na sua frente, você não nega o melhor atendimento
possível. O que muitos hospitais fazem é não acei-
tar mais casos novos", diz o oncologista e auditor
em oncologista Leandro Brust.
A mais recente estratégia é a compra cen-
tralizada' como no caso do trastuzumabe e do
OCASO
TRASTUZUMABE
Um dos medicamentos mais
procurados no SUS, para pacientes
com câncer de mama HER 2
positivo, passou aser distribuído
pelo governo em 2012,com a
expectativa de beneficiar 20%
das mulheres com câncer de mama
em estágio inicial eavançado.
De 2005 a2012, morreram 5.696
pacientes com câncerde mama
HER 2positivo atendidas pelo SUS.
Hoje ogoverno compra edistribui
para os hospitais. Esse custo não
entra na conta da Apac,ovalor
fechado reembolsado pelo governo
por cada paciente atendido pelo
SUS.Oproblema aqui éque nem
todas paCientes com câncer de
mama recebem otrastuzumabe.
Os casos de metástase não são
contemplados,apesar de estudos
comprovarem que aadição do
medicamento àquimioterapia
dá até 17 meses de sobrevida às
pacientes, além dos 20 meses
estimados para quem se trata
apenas com aterapia tradicional.
U8$124 biforam gastos nos EUA
US$2,6 biforam gastos no Brasil
SUPERINTERESSANTE 2015 I CÂNCER I 37
Precisamos falar sobre dinheiro - Superinteressante
imatinibe, para o câncer de mama. Como com-
pra em grande escala, o Ministério da Saúde tem
mais poder de barganhar preços. Um bom negó-
cio para os prestadores que pagariam mais ca-
ro caso tivessem de adquirir eles próprios, mas
com a desvantagem de ter de arcar com custos
adicionais, como equipe médica, estrutura hos-
pitalar etc. Asaída para oferecer um tratamen-
to melhor para pacientes do SUS acaba sendo as
pesquisas clínicas (leia mais na página 42).
POR QUE NÃO HÁ MAIS GEN~RICOS?
Copiar um medicamento biológico como os
usados nas terapias-alvo é tão complexo como
reproduzir o éhampanhe francês na garagem de
casa. Adificuldade de fazer cópia não é pela fal-
ta da informação da molécula, que se torna pú-
blica após a quebra de patente. Oproblema é re-
produzir o cenário adequado, como questões de
armazenamento e deslocamento, que os labora-
tórios não são obrigados a informar.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina Ne-
to, professor da Faculdade de Saúde Pública da
USp, fundador e primeiro diretor-presidente da
Anvisa, cita ainda outro motivo para um certo
boicote aos genéricos oncológicos. Enovamen-
te voltamos à questão da grana. Acompanhe: os
médicos reclamam que as consultas via convê-
nio estão muito baratas e os hospitais, que as
diárias estão defasadas. Nesse cenário, clínicas
negociariam com os laboratórios preços mais
baixos do que os contratados com os convênios
e parte dessa diferença iria para o bolso de al-
guns médicos - o que obviamente é ilegal, mas
confirmado como prática por muitos especia-
listas. No caso de recomendar genéri-
cos' essa margem seria menor. "Isso é
-
TRATAMENTOS O PREÇO DA VIDA
valores das mensalidades e do mau atendimen-
to -, e entre pacientes e médicos, que atendem
rapidinho para ganhar em volume o que per-
dem no valor da consulta. Uma guerra de todos
contra todos, como sugerem os médicos Drau-
zio Varella e Mauricio Ceséhin no livro A Saúde
dos Planos de Saúde (Paralela, 2014).
OCUSTO DA NÃO PREVENÇÃO
Eliminar o fumo, o abuso de álcool, o sedenta-
rismo e a má alimentação poderiam represen-
tar a economia de 73%gastos globais com casos
de câncer relacionados a fatores externos. Con-
siderando que cerca de 12% das folhas de pa-
gamentos são destinados a custos com planos
de saúde, muitas empresas já estão alertas. Uma
campanha de prevenção direcionada ao públi-
co certo, pode ser bem-sucedida para a saúde
do paciente e as finanças da empresa. De acor-
do com Rodolfo Milani, da consultoria em saúde
Aon, para cada R$ 1investido em prevenção há
retorno de R$ 2a R$ 3 ao longo de 12 a 24 meses.
A economia vem do quanto se deixa de gastar
em exames, por exemplo, e do quanto se per-
deria com a ausência de um funcionário doente.
No caso do câncer, é preciso ter em mente que
existem duas frentes para se planejar economia
de gastos: a prevenção, por meio de campanhas
uma vida saudável e a detecção precoce dos tu-
mores, o que aumenta as éhances de cura.A ve-
lha máxima ainda vale: prevenir é mais barato
do que remediar.•
impróprio, uma vez que o médico não
deve e não pode inferir lucros condi-
cionados por sua prescrição", afirma
o oncologista Stephen Stefani, espe-
cialista em economia da saúde. Ve-
cina Neto explica que a migração de
margem começou em 1994, com o
Plano Real. "A indústria, que vive do
que produz, teve seus preços alinha-
dos, a saúde não. Eem vez de ganhar
por produzir serviços, passou a ga-
nhar vendendo coisas", diz. "É pre-
ciso aumentar o valor da consulta."
Eaí entramos na briga entre pIa-
nos de saúde e médicos, planos de
saúde e pacientes - que reclamam dos
Copiar um medicamento
como os usados nas terapias-
alvo é tão difícil como clonar
um éhampanhe francês.
Mesmo com a quebra de
patente, reproduzir logística
e armazenamento dos
grandes laboratórios é difícil.
SUPERINTERESSANTE 2015 I CÂN CER I 39
Precisamos falar sobre dinheiro - Superinteressante
Precisamos falar sobre dinheiro - Superinteressante

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Precisamos falar sobre dinheiro - Superinteressante

Livro - Farmácia Clínica e Serviços Farmacêuticos
Livro - Farmácia Clínica e Serviços FarmacêuticosLivro - Farmácia Clínica e Serviços Farmacêuticos
Livro - Farmácia Clínica e Serviços FarmacêuticosCassyano Correr
 
2015_viva_com_esperanca.pdf
2015_viva_com_esperanca.pdf2015_viva_com_esperanca.pdf
2015_viva_com_esperanca.pdfSeguradoraSP
 
Fórum Nacional Oncoguia é destaque na Folha de S.Paulo
Fórum Nacional Oncoguia é destaque na Folha de S.PauloFórum Nacional Oncoguia é destaque na Folha de S.Paulo
Fórum Nacional Oncoguia é destaque na Folha de S.PauloOncoguia
 
Câncer: uma realidade brasileira
Câncer: uma realidade brasileiraCâncer: uma realidade brasileira
Câncer: uma realidade brasileiraOncoguia
 
Sbninforma103 2015
Sbninforma103 2015Sbninforma103 2015
Sbninforma103 2015Ale Araujo
 
Pocket Content - Tendências de Inovação 2019 - Mercado de Saúde
Pocket Content - Tendências de Inovação 2019 - Mercado de SaúdePocket Content - Tendências de Inovação 2019 - Mercado de Saúde
Pocket Content - Tendências de Inovação 2019 - Mercado de SaúdeMJV Technology & Innovation Brasil
 
Mudanças simples podem ser eficazes na prevençao do cancer
Mudanças simples podem ser eficazes na prevençao do cancerMudanças simples podem ser eficazes na prevençao do cancer
Mudanças simples podem ser eficazes na prevençao do cancerMinistério da Saúde
 
748 quilici rfm-a_importancia_da_ciencia
748 quilici rfm-a_importancia_da_ciencia748 quilici rfm-a_importancia_da_ciencia
748 quilici rfm-a_importancia_da_cienciagilson
 
Avanços Clínicos Contra o Câncer - 2010
Avanços Clínicos Contra o Câncer - 2010Avanços Clínicos Contra o Câncer - 2010
Avanços Clínicos Contra o Câncer - 2010Oncoguia
 
CROI 2016 - Hotpoints e Novidades da Pesquisa em HIV/Aids
CROI 2016 - Hotpoints e Novidades  da Pesquisa em HIV/AidsCROI 2016 - Hotpoints e Novidades  da Pesquisa em HIV/Aids
CROI 2016 - Hotpoints e Novidades da Pesquisa em HIV/AidsAlexandre Naime Barbosa
 
LATEC - UFF. A COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NO TRATAMENTO ONCOLÓGICO.
LATEC - UFF. A COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NO TRATAMENTO ONCOLÓGICO.LATEC - UFF. A COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NO TRATAMENTO ONCOLÓGICO.
LATEC - UFF. A COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NO TRATAMENTO ONCOLÓGICO.LATEC - UFF
 
Módulo 3 - Aula 5
Módulo 3 - Aula 5Módulo 3 - Aula 5
Módulo 3 - Aula 5agemais
 
XI Fórum Nacional - Folha de S.Paulo
XI Fórum Nacional - Folha de S.PauloXI Fórum Nacional - Folha de S.Paulo
XI Fórum Nacional - Folha de S.PauloFrancielle Oliveira
 
XI Fórum Nacional Oncoguia - Folha de S.Paulo
XI Fórum Nacional Oncoguia - Folha de S.PauloXI Fórum Nacional Oncoguia - Folha de S.Paulo
XI Fórum Nacional Oncoguia - Folha de S.PauloOncoguia
 
Gestao clinica de medicamentos na atenção primária a saude cassyano correr ufpr
Gestao clinica de medicamentos na atenção primária a saude cassyano correr ufprGestao clinica de medicamentos na atenção primária a saude cassyano correr ufpr
Gestao clinica de medicamentos na atenção primária a saude cassyano correr ufprNádia Elizabeth Barbosa Villas Bôas
 
Por que adoecemos? - Uma reflexão a partir do livro "Ponto de Mutação na Saúd...
Por que adoecemos? - Uma reflexão a partir do livro "Ponto de Mutação na Saúd...Por que adoecemos? - Uma reflexão a partir do livro "Ponto de Mutação na Saúd...
Por que adoecemos? - Uma reflexão a partir do livro "Ponto de Mutação na Saúd...Wallace Liimaa
 

Semelhante a Precisamos falar sobre dinheiro - Superinteressante (20)

Livro - Farmácia Clínica e Serviços Farmacêuticos
Livro - Farmácia Clínica e Serviços FarmacêuticosLivro - Farmácia Clínica e Serviços Farmacêuticos
Livro - Farmácia Clínica e Serviços Farmacêuticos
 
2015_viva_com_esperanca.pdf
2015_viva_com_esperanca.pdf2015_viva_com_esperanca.pdf
2015_viva_com_esperanca.pdf
 
Fórum Nacional Oncoguia é destaque na Folha de S.Paulo
Fórum Nacional Oncoguia é destaque na Folha de S.PauloFórum Nacional Oncoguia é destaque na Folha de S.Paulo
Fórum Nacional Oncoguia é destaque na Folha de S.Paulo
 
Câncer: uma realidade brasileira
Câncer: uma realidade brasileiraCâncer: uma realidade brasileira
Câncer: uma realidade brasileira
 
HealthCOollection
HealthCOollectionHealthCOollection
HealthCOollection
 
Como o médico pode diminuir a dependência dos planos de saúde
Como o médico pode diminuir a dependência dos planos de saúdeComo o médico pode diminuir a dependência dos planos de saúde
Como o médico pode diminuir a dependência dos planos de saúde
 
Sbninforma103 2015
Sbninforma103 2015Sbninforma103 2015
Sbninforma103 2015
 
Pocket Content - Tendências de Inovação 2019 - Mercado de Saúde
Pocket Content - Tendências de Inovação 2019 - Mercado de SaúdePocket Content - Tendências de Inovação 2019 - Mercado de Saúde
Pocket Content - Tendências de Inovação 2019 - Mercado de Saúde
 
EXAMES DE SANGUE.docx
EXAMES DE SANGUE.docxEXAMES DE SANGUE.docx
EXAMES DE SANGUE.docx
 
Mudanças simples podem ser eficazes na prevençao do cancer
Mudanças simples podem ser eficazes na prevençao do cancerMudanças simples podem ser eficazes na prevençao do cancer
Mudanças simples podem ser eficazes na prevençao do cancer
 
Sintonia da Saúde 12-07-17
Sintonia da Saúde 12-07-17Sintonia da Saúde 12-07-17
Sintonia da Saúde 12-07-17
 
748 quilici rfm-a_importancia_da_ciencia
748 quilici rfm-a_importancia_da_ciencia748 quilici rfm-a_importancia_da_ciencia
748 quilici rfm-a_importancia_da_ciencia
 
Avanços Clínicos Contra o Câncer - 2010
Avanços Clínicos Contra o Câncer - 2010Avanços Clínicos Contra o Câncer - 2010
Avanços Clínicos Contra o Câncer - 2010
 
CROI 2016 - Hotpoints e Novidades da Pesquisa em HIV/Aids
CROI 2016 - Hotpoints e Novidades  da Pesquisa em HIV/AidsCROI 2016 - Hotpoints e Novidades  da Pesquisa em HIV/Aids
CROI 2016 - Hotpoints e Novidades da Pesquisa em HIV/Aids
 
LATEC - UFF. A COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NO TRATAMENTO ONCOLÓGICO.
LATEC - UFF. A COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NO TRATAMENTO ONCOLÓGICO.LATEC - UFF. A COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NO TRATAMENTO ONCOLÓGICO.
LATEC - UFF. A COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NO TRATAMENTO ONCOLÓGICO.
 
Módulo 3 - Aula 5
Módulo 3 - Aula 5Módulo 3 - Aula 5
Módulo 3 - Aula 5
 
XI Fórum Nacional - Folha de S.Paulo
XI Fórum Nacional - Folha de S.PauloXI Fórum Nacional - Folha de S.Paulo
XI Fórum Nacional - Folha de S.Paulo
 
XI Fórum Nacional Oncoguia - Folha de S.Paulo
XI Fórum Nacional Oncoguia - Folha de S.PauloXI Fórum Nacional Oncoguia - Folha de S.Paulo
XI Fórum Nacional Oncoguia - Folha de S.Paulo
 
Gestao clinica de medicamentos na atenção primária a saude cassyano correr ufpr
Gestao clinica de medicamentos na atenção primária a saude cassyano correr ufprGestao clinica de medicamentos na atenção primária a saude cassyano correr ufpr
Gestao clinica de medicamentos na atenção primária a saude cassyano correr ufpr
 
Por que adoecemos? - Uma reflexão a partir do livro "Ponto de Mutação na Saúd...
Por que adoecemos? - Uma reflexão a partir do livro "Ponto de Mutação na Saúd...Por que adoecemos? - Uma reflexão a partir do livro "Ponto de Mutação na Saúd...
Por que adoecemos? - Uma reflexão a partir do livro "Ponto de Mutação na Saúd...
 

Precisamos falar sobre dinheiro - Superinteressante

  • 1. TR A T A MENTOS O PR E ÇO DA VIDA Asua saúde, ou de a alguém que você ama, tem preço? Ok, a resposta óbvia é não, mas vamos reformular a per- gunta: vale a pena vender a sua única casa para dar um mês de sobrevida a um parente com câncer? Ese fossem seis meses? Um ano? As perguntas não são à toa. No caso de um pacien- te com câncer de pele, o gasto men- sal com o mais novo tratamento po- de éhegar a 6 dígitos e superar os R$ 300 mil - e, se ele der sorte, essa con- ta será paga por muitos meses: é que a boa notícia é que a sobrevida dos pa- cientes com câncer é cada vez maior. Amá é que os custos para desen - volver novos medicamentos contra o câncer são altíssimos. Ea cada no- va droga, os benefícios crescem, mas bem pouco. Parte da explicação está na lógica natural do processo. Anti - gamente, a evolução era maior e mais rápida porque saímos do zero na lu- ta contra o câncer. Agora, tentamos aprimorar os tratamentos. PRECISAMOS FALAR SOBRE DINHEIRO por MARCELA DONINI -Para desenvolver um só remédio, a indústria farmacêutica gasta perto de US$ 1bilhão. Esó tem cinco anos para recuperar o valor, antes que a patente seja quebrada. indústria farmacêutica, são as pe- quenas éhances de dar certo. De 10 mil moléculas testadas, com sor- te, apenas uma pode ter potencial para tratamento. Depois de pron- to, mais um problema: a patente. No Brasil, depois de 20 anos, um medicamento vira de domínio pú- blico' ou seja, qualquer laborató- rio pode replicar. O prazo come- ça a contar assim que o laboratório que desenvolveu o remédio regis- tra a patente, o que costuma acon- tecer alguns anos antes do lança- mento comercial. Vão aí uns 15 anos em pesquisa, desenvolvi- mento e testes. Ou seja: os labo- ratórios têm cinco anos para recu- perar aquele US$l bilhão em pes- quisa, o que catapulta o preço do medicamento para as alturas. Muitos desses novos medica- mentos são de terapia-alvo, ou se- ja, são moléculas que atacam ape- nas as cancerigenas, em vez de to- Em1987, os Estados Unidos gastaram US$ 24 bilhões nos cuidados com o câncer. Entre 2001 e 2005, o número dobrou para US$ 48,1bilhões por ano. No Brasil, de 2008 para 2011, os gastos cresceram 51%, e ultrapassaram os R$ 2,2 bilhões; em 2013, o valor subiu para R$ 2,6 bilhões. Hoje, há estimativas de que, para desenvolver um úni- co medicamento contra o câncer, sejam gastos em tor- no de US$ 1bilhão. O que encarece a conta, segundo a das as células do paciente - as saudáveis inclusive - como os remédios tradicionais. Uma evolução, claro, mas ocân- cer é um sistema tão complexo que bloquear uma célula tumoral não impede que outras voltem a se reproduzir se- manas ou meses depois. Atendência é desenvolver dro- gas que bloqueiem diferentes vias moleculares simulta- neamente ou usar vários remédios em combinação, o que levará a tratamentos cada vez mais caros. 36 I CÂNCER I SUPERINTERESSANTE 20 1S QUANTO VALE UM ANO AMAIS DE VIDA? Perguntei lá no começo da reportagem se a saúde tem pre- ço. Pois tem. Para a OMS, braço da ONU para a saúde, vale até três vezes o PIB per capita por ano de vida oferecido ao paciente. Para dar um exemplo: se fosse no Brasil, a cada
  • 2. ano de vida que um paciente ganha com determinado tra- tamento' o teto de gasto deveria ser de R$ 33 mil, o equi- valente a três vezes o PIB per capita do Brasil. Nos Estados Unidos, o valor é fixado pelo governo: US$ 50 mil para ca- da ano a mais de vida. Assim, um tratamento é considera- do custo-efetivo, ou seja, só valeria a pena ser feito finan- ceiramente' se, do início ao fim, custasse este valor. Mas a realidade é que ele sempre extrapola - e ninguém vai dei- xar o paciente morrer, não é mesmo? oBOLSO EOCÂNCER Cerca de 7S% da população brasileira depende exclusi- vamente do SUS; os outros 2S% são usuários de planos de saúde. Os dois grupos gastam a mesma coisa. Os cus- tos públicos do Brasil com saúde representam 5% do PIB; somando os gastos suplementares (particular e planos), éhegamos a 9% - não precisa ser matemático para ver que a conta não feéha. Os dados se referem à saúde em geral, mas podem ser transpostos para o cenário do câncer. Na prática, isso significa que, enquanto os 2S% têm acesso a tratamentos mais caros e, portanto, quase sempre mais eficazes, os outros 75% têm que disputar entre eles os va- 10res determinados pelo governo para cada tipo e fase de câncer - e por isso, estatisticamente, morrem mais. Há duas formas de o governo oferecer medicamen- tos para o tratamento de câncer. O jeito tradicional é via Apac - a sigla para Autorização de Procedimentos Ambu- 1atoriais de Alta Complexidade. O formato garante o re- embolso de clínicas e hospitais com os gastos - embutidos aí também equipe médica e estrutura, além dos medica- mentos. Isso em tese, já que há medicamentos na lista do SUS que, em 2013, custavam mais do que a previ- são da Apac, como o erlotinibe e o gefitinibe, indi- cados para casos de câncer no pulmão. Os valores reais éhegam a R$ 2,9 mil e R$ 2,3 mil respeétiva- mente, enquanto a Apac é de R$I,1 mil. Questionado pelo Instituto Oncoguia, o Mi- nistério da Saúde teria respondido que apenas 5% dos pacientes com câncer no pulmão são elegíveis para esses medicamentos e que os outros gasta- riam R$IS0 com quimioterapia paliativa, sugerin- do que o que sobra de uns pode completar a con- ta de outros. Porém, segundo os médicos, na prá- tica' nem sempre a conta feéha. Equem fica com os pés de fora desse cobertor curto é o paciente. O que acaba ocorrendo é que o hospital banca ou li- mita o tratamento. "Depois que o paciente está ali na sua frente, você não nega o melhor atendimento possível. O que muitos hospitais fazem é não acei- tar mais casos novos", diz o oncologista e auditor em oncologista Leandro Brust. A mais recente estratégia é a compra cen- tralizada' como no caso do trastuzumabe e do OCASO TRASTUZUMABE Um dos medicamentos mais procurados no SUS, para pacientes com câncer de mama HER 2 positivo, passou aser distribuído pelo governo em 2012,com a expectativa de beneficiar 20% das mulheres com câncer de mama em estágio inicial eavançado. De 2005 a2012, morreram 5.696 pacientes com câncerde mama HER 2positivo atendidas pelo SUS. Hoje ogoverno compra edistribui para os hospitais. Esse custo não entra na conta da Apac,ovalor fechado reembolsado pelo governo por cada paciente atendido pelo SUS.Oproblema aqui éque nem todas paCientes com câncer de mama recebem otrastuzumabe. Os casos de metástase não são contemplados,apesar de estudos comprovarem que aadição do medicamento àquimioterapia dá até 17 meses de sobrevida às pacientes, além dos 20 meses estimados para quem se trata apenas com aterapia tradicional. U8$124 biforam gastos nos EUA US$2,6 biforam gastos no Brasil SUPERINTERESSANTE 2015 I CÂNCER I 37
  • 4. imatinibe, para o câncer de mama. Como com- pra em grande escala, o Ministério da Saúde tem mais poder de barganhar preços. Um bom negó- cio para os prestadores que pagariam mais ca- ro caso tivessem de adquirir eles próprios, mas com a desvantagem de ter de arcar com custos adicionais, como equipe médica, estrutura hos- pitalar etc. Asaída para oferecer um tratamen- to melhor para pacientes do SUS acaba sendo as pesquisas clínicas (leia mais na página 42). POR QUE NÃO HÁ MAIS GEN~RICOS? Copiar um medicamento biológico como os usados nas terapias-alvo é tão complexo como reproduzir o éhampanhe francês na garagem de casa. Adificuldade de fazer cópia não é pela fal- ta da informação da molécula, que se torna pú- blica após a quebra de patente. Oproblema é re- produzir o cenário adequado, como questões de armazenamento e deslocamento, que os labora- tórios não são obrigados a informar. O médico sanitarista Gonzalo Vecina Ne- to, professor da Faculdade de Saúde Pública da USp, fundador e primeiro diretor-presidente da Anvisa, cita ainda outro motivo para um certo boicote aos genéricos oncológicos. Enovamen- te voltamos à questão da grana. Acompanhe: os médicos reclamam que as consultas via convê- nio estão muito baratas e os hospitais, que as diárias estão defasadas. Nesse cenário, clínicas negociariam com os laboratórios preços mais baixos do que os contratados com os convênios e parte dessa diferença iria para o bolso de al- guns médicos - o que obviamente é ilegal, mas confirmado como prática por muitos especia- listas. No caso de recomendar genéri- cos' essa margem seria menor. "Isso é - TRATAMENTOS O PREÇO DA VIDA valores das mensalidades e do mau atendimen- to -, e entre pacientes e médicos, que atendem rapidinho para ganhar em volume o que per- dem no valor da consulta. Uma guerra de todos contra todos, como sugerem os médicos Drau- zio Varella e Mauricio Ceséhin no livro A Saúde dos Planos de Saúde (Paralela, 2014). OCUSTO DA NÃO PREVENÇÃO Eliminar o fumo, o abuso de álcool, o sedenta- rismo e a má alimentação poderiam represen- tar a economia de 73%gastos globais com casos de câncer relacionados a fatores externos. Con- siderando que cerca de 12% das folhas de pa- gamentos são destinados a custos com planos de saúde, muitas empresas já estão alertas. Uma campanha de prevenção direcionada ao públi- co certo, pode ser bem-sucedida para a saúde do paciente e as finanças da empresa. De acor- do com Rodolfo Milani, da consultoria em saúde Aon, para cada R$ 1investido em prevenção há retorno de R$ 2a R$ 3 ao longo de 12 a 24 meses. A economia vem do quanto se deixa de gastar em exames, por exemplo, e do quanto se per- deria com a ausência de um funcionário doente. No caso do câncer, é preciso ter em mente que existem duas frentes para se planejar economia de gastos: a prevenção, por meio de campanhas uma vida saudável e a detecção precoce dos tu- mores, o que aumenta as éhances de cura.A ve- lha máxima ainda vale: prevenir é mais barato do que remediar.• impróprio, uma vez que o médico não deve e não pode inferir lucros condi- cionados por sua prescrição", afirma o oncologista Stephen Stefani, espe- cialista em economia da saúde. Ve- cina Neto explica que a migração de margem começou em 1994, com o Plano Real. "A indústria, que vive do que produz, teve seus preços alinha- dos, a saúde não. Eem vez de ganhar por produzir serviços, passou a ga- nhar vendendo coisas", diz. "É pre- ciso aumentar o valor da consulta." Eaí entramos na briga entre pIa- nos de saúde e médicos, planos de saúde e pacientes - que reclamam dos Copiar um medicamento como os usados nas terapias- alvo é tão difícil como clonar um éhampanhe francês. Mesmo com a quebra de patente, reproduzir logística e armazenamento dos grandes laboratórios é difícil. SUPERINTERESSANTE 2015 I CÂN CER I 39