[1] A flexibilização trabalhista visa reduzir os custos e riscos das empresas em mercados competitivos, mas pode ferir princípios de proteção ao trabalhador ao permitir a negociação de direitos; [2] A CLT buscou igualdade jurídica entre empregadores e empregados, reconhecendo a desigualdade intrínseca na relação de trabalho; [3] A flexibilização não deve ser confundida com a desregulamentação, que elimina completamente a proteção legal aos trabalhadores.
02. FONTES E PRINCIPIOS DO DIREITO DO TRABALHO.pptx
A flexibilização justrabalhista em controposição ao princípio da proteção ao trabalhador
1. A flexibilização justrabalhista em contraposição aos princípios
de proteção ao trabalhador
Harley Fernandes de Almeida
Palavras-chave: Flexibilização Trabalhista. Princípio da proteção ao
trabalhador.
A flexibilização trabalhista, conceito criado no contexto do capitalismo moderno,
se pauta no “ataque as formas rígidas da burocracia, as conseqüências da rotina
exacerbada e os sentidos e significados do trabalho”, segundo Richard Sennett em sua
obra “A corrosão do caráter”.
A Consolidação das Leis Trabalhistas, Lei 5.452, de 01/05/1943, em seu texto,
englobou as normas disciplinares das relações individuais e coletivas de trabalho, além
das concernentes a procedimentos administrativos e à Justiça do Trabalho, proporcionou
o conhecimento global dos direitos e obrigações trabalhistas, não só aos intérpretes e
aplicadores das leis, mas, sobretudo, aos seus destinatários: os empregadores e aos
empregados. Na realidade, a CLT, buscou através desta regulamentação uma isonomia
jurídica entre essas duas categorias destinatárias, reduzindo a disparidade inerente à
relação de trabalho. Arnaldo Süssekind trata o Direito do Trabalho como “um direito
especial, que se distingue do direito comum, especialmente porque, enquanto o segundo
supõe a igualdade das partes, o primeiro pressupõe uma desigualdade que ele tende a
reduzir com outras desigualdades”.
Sobre o princípio da proteção, ensina Maurício Godinho Delgado:
[...] que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas
regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de
proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia -o obreiro-,
visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio
inerente ao plano fático do contrato de trabalho. O princípio tutelar
influi em todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho,
influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir-se,
desenvolver-se e atuar como direito. Efetivamente, há ampla
2. predominância nesse ramo jurídico especializado de regras
essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesse obreiros;
seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador;
suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma
vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática. Na
verdade, pode-se afirmar que sem a idéia protetivo-retificadora, o
Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e
cientificamente. (DELGADO, 2004, p.197-198)
Neste sentido, temos uma grande predominância dos direitos ressalvados aos
empregados e dos deveres dos empregadores, em detrimento do contrário.
Na atual ordem político/econômica da qual o Brasil compartilha, com o capitalismo
neoliberal, as empresas vivem em uma situação de batalha em mercados cada vez mais
competitivos, onde a redução dos custos passa a ser considerada como estratégia de
sobrevivência tanto para os grandes empreendedores quanto para os pequenos.
Ao se fazer uma breve análise da economia brasileira, podemos ressaltar uma situação
específica de grande onerosidade pela carga tributária a atividade empresária. O próprio
empregado, em termos econômicos para o empregador, se torna duplamente custoso
pela carga de impostos que incidem sobre a contratação e manutenção deste, além do
próprio pró-labore. Estas circunstâncias, segundo os doutrinadores, são o cerne da
concepção do conceito da flexibilização justrabalhista, que surge para novamente tentar
desestruturar a proposta de equiparação jurídica de forças entre empregados e
empregadores, constituída na CLT e trabalhada pelos operadores do direito do trabalho
ao longo destes anos. Esta flexibilização, se determina como uma opção do legislador
para diminuir os riscos e custos da atividade empresária, deixando “alternativas” de
negociação que mitigam direitos anteriormente ressalvados aos empregados. Apenas
para efeito de exemplo, temos o Art. 8º, inciso XIV que permite a majoração da jornada
de trabalho, por meio de negociação, para empregados que trabalham em turnos
ininterruptos de revezamento.
A doutrina trabalhista ressalta como ponto forte da flexibilização, a negociação das
partes, ou seja, o acordo, com pouca ou quase nenhuma intervenção do Estado nessa
relação. O Ministro do Trabalho Francisco Dorneles, disse em um de seus depoimentos
que o Direito do Trabalho tem sofrido inúmeras transformações nos últimos tempos, a
última pretensa mudança diz respeito à flexibilização da CLT, cujo intuito constitui-se
3. em majorar a possibilidade de negociação, a fim de permitir a manutenção dos
empregos, além de aumentar a empregabilidade, isto tudo reduzindo a informalidade.
O Projeto de Lei nº 5.483/2001
Sob a justificativa de flexibilizar e modernizar as relações de trabalho, prestigiando a
negociação coletiva que terminaria por gerar novos empregos, o Governo enviou ao
Congresso Nacional Projeto de Lei no ano de 2001 alterando a redação do art. 618 da
CLT, que depois de acalorados debates e protestos dos partidos de oposição, foi
aprovado pela Câmara dos Deputados, depois enviado ao Senado, foi arquivada em
2003.
A proposta era a seguinte:
Ementa do Projeto de Lei 5483/2001: Altera o artigo 618 da Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT. (Estabelece a prevalência de convenção ou acordo coletivo de trabalho
sobre a legislação infraconstitucional).
Nova redação proposta:
Art. 618. As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo
prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e
as normas de segurança e saúde do trabalho.
Flexibilização X Desregulamentação
Diante destes argumentos faz-se necessário uma breve distinção entre a flexibilização
das normas trabalhistas e a sua desregulamentação.
Sergio Pinto Martins, por exemplo, assinala que:
"Não se confunde flexibilização com desregulamentação. Desregulamentar significa
desprover de normas heterônomas as relações de trabalho. Na desregulamentação o
Estado deixa de intervir na área trabalhista, não havendo limites na lei para questões
trabalhistas, que ficam a cargo da negociação individual ou coletiva. Na
4. desregulamentação a lei simplesmente deixa de existir. Na flexibilização, são alteradas
as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo
indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a
proteção mínima necessária. A flexibilização é feita com a participação do sindicato.
Em certos casos, porém, é permitida a negociação coletiva para modificar alguns
direitos, como reduzir salários, reduzir e compensar jornada de trabalho, como ocorre
nas crises econômicas".
Conclusão:
O discurso da flexibilização das normas trabalhistas, infelizmente, na maioria das vezes
possui um pano de fundo preocupante. Conforme o próprio Princípio da Proteção ao
Trabalhador, é cristalina a disparidade entre o empregado e o empregador, sendo que o
primeiro sempre se encontrará em situação menos favorável que o segundo. É nessa
linha de pensamento, que entendo que a flexibilização, acaba por retroceder todo um
processo histórico de lutas e conquistas de uma classe, que mesmo indiretamente fere o
texto constitucional em seus arts. 6º e 7º, que asseguram aos trabalhadores os direitos
sociais (saúde, moradia, educação, etc.) bem como outras garantias que contribuem para
o usufruto desses direitos. Entendo ainda que, em se deixando de exigir o cumprimento
das normas trabalhistas, ou mesmo deixando alternativas para burlá-las, estaremos
abrindo um precedente para que pessoas de má-fé se utilizem deste mecanismo para
sub-valorizar o trabalhador, explorando-o.
A geração de emprego e o incentivo ao empregador, como proposta da flexibilização, se
tornam objetivos infundados quando contrabalanceamos com a possibilidade de
negociação particular de direitos indisponíveis, se entendermos que a dignidade do
trabalho é diretamente proporcional ao acesso aos direitos a ele inerentes.
Referências:
DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho.
2 ed. São Paulo: LTr, 2004
5. SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de direito do trabalho. 20. ed. São Paulo : LTr ,
2002.
GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 17ª Ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2006.
SENNETT, Richard .– A Corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no
novo capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record,1999.
A Corporação (The Corporation). Dir: Mark Achbar e Jennifer Abbott. Roteiro: Joel
Bakan Canadá, 2004.