2. 13CUSTO BRASIL
a obra de Nonaka e Takeuchi. No en-
tanto, como o próprio subtítulo deixa
claro, aquele livro não pretendia de
modo algum ser um texto sobre qualquer
uma das muitas facetas do que hoje se
compreende por GC, sendo na verdade
seu objetivo trazer luzes sobre como
alcançar a inovação.
Embora muitos julguem que a gran-
de contribuição do livro de Nonaka e
Takeuchi seja apenas a proposição do
modelo Seci (Socialização – Externali-
zação – Combinação – Internalização),
talvez seu maior mérito seja provocar a
discussão de um fato até hoje não bem
assimilado pelos teóricos ocidentais do
gerenciamento estratégico, da teoria
organizacional e da economia, entre
outros campos: se uma empresa é ca-
Quando falamos em Gestão do Co-
nhecimento Organizacional (GC), cer-
tamente o material mais adotado como
livro-texto em cursos de mestrado ou
MBA e ainda a referência mais citada
em artigos é o livro “The Knowledge-
Creating Company” (Nonaka; Takeuchi,
1995), com seu provocador subtítulo
“How Japanese Companies Create the
Dynamics of Innovation”.
É bastante significativo o fato de que
um interesse generalizado em GC, tanto
no meio acadêmico, como no mundo dos
negócios só se tenha feito sentir a partir
do ano de 1995. Os autores pioneiros
sobre o tema, como Stewart, Wiig e
Sveiby haviam publicado seus primeiros
trabalhos em torno do ano de 1990,
porém o interesse pelo assunto ainda
se mostrava bastante restrito até a pu-
blicação em forma de livro dos trabalhos
de Nonaka e Takeuchi. Serenko e Bontis
(2004 apud GRANT, 2007, p. 173), por
exemplo, constataram que menos de
100 documentos foram escritos sobre
o tema até 1995, ano da publicação de
“The Knowledge-Creating Company”,
seguindo-se um rápido crescimento na
atividade de produção de textos rela-
cionados ao tema. Segundo Serenko
e Bontis, cerca de 5 mil documentos
foram publicados sobre GC e Capital
Intelectual (CI) no período de 1995 a
2002.
Seja para referendar as ideias plan-
tadas em “The Knowledge-Creating Com-
pany”, seja para criticá-las, a maior
parte dos textos sobre GC acaba citando
Luzes sobre o conhecimento
organizacional
Numa economia cada vez mais baseada
em valores intangíveis e influenciada pela
disponibilidade de informações, tendo na inovação
a força motriz de sua dinâmica, as empresas não
apenas processam conhecimento, mas também
o criam. Ou seja, o elemento capaz de justificar
a existência de uma empresa é sua capacidade
em criar continuamente conhecimento que lhe
garanta vantagens competitivas.
Fernando Goldman
Presidente do Polo-RJ da Sociedade
Brasileira de Gestão do Conhecimento
Capital intelectual
3. 14 CUSTO BRASIL
paz de criar conhecimento e se é, como
isto acontece. A verdadeira natureza da
firma na atual sociedade é criar conhe-
cimento.
Ronald H. Coase, ganhador do Prê-
mio Nobel de Economia de 1991, publi-
cou em 1937 um artigo, que se tornaria
um clássico. “The Nature of the Firm”
levantou questões fundamentais sobre
o conceito de empresa na teoria eco-
nômica. Coase propôs que os custos
comparativos de organizar transações
através dos mercados ou dentro de
empresas seriam os principais deter-
minantes do tamanho e escopo das
empresas.
O artigo de Coase apresentava uma
interessante questão básica: “por que
uma empresa surge em uma economia
especializada em trocas?” Coase re-
correu aos custos de transações como
o fator capaz de dar uma explicação
ao porque mercados são utilizados em
alguns casos e em outros casos a hie-
rarquia com todas suas possibilidades
de ineficiência burocrática.
O trabalho de Nonaka e Takeuchi
de certa forma trouxe outra possibili-
dade de resposta à pergunta de Coase.
Ou seja, a ideia principal do livro,
de que empresas não apenas proces-
sam conhecimento, mas também o
criam. Numa economia crescentemente
baseada em intangíveis e fortemente
influenciada pela aceleração da dispo-
nibilidade de informações, que elege
a inovação como força motriz de sua
dinâmica, reconhecendo que os fatores
tradicionais de produção: terra, capital
e trabalho, não são suficientes para ex-
plicar a criação de riqueza (DRUCKER,
1994), talvez seja mais fácil perceber
que o elemento capaz de justificar a
existência de uma empresa é a sua
capacidade de criar conhecimento que
viabilize vantagens competitivas.
VISÃO DA FIRMA
Grant (2006, p. 210), por exemplo,
apresenta a ideia de que as teorias
baseadas em conhecimento e em custos
de transação são complementares e não
competitivas entre si. Ainda segundo
Grant (2006, p. 204), durante a primei-
ra metade dos anos 1990, muitas ideias
e linhas de pesquisa convergiram para
produzir aquilo que vem sendo chamado
de “Uma visão da firma” baseada no
conhecimento. Entre tantas diferentes
abordagens, além da própria GC, da ino-
vação e do aprendizado organizacional,
podem ser citadas: a visão de recursos
e de capacitações; competências es-
senciais; a economia da inovação; a
governança do conhecimento; a aborda-
gem epistemológica; e o sense-making,
contribuindo de forma valiosa à análise
de áreas específicas tais como criati-
vidade nas empresas, aprendizagem,
desenvolvimento de novos produtos e
tecnologias, colaboração entre firmas,
transferência de conhecimento, compe-
tição baseada em conhecimento, entre
muitas outras.
O resultado de todos estes trabalhos,
embora não tenha produzido ainda uma
nova Teoria da Firma (TIGRE, 2005),
possibilitou a exploração de aspectos
relativos às empresas (e as instituições
econômicas, de um modo mais geral)
que tem em comum o foco e o reconhe-
cimento sobre o papel do conhecimento
como novo fator de produção na econo-
mia pós-industrial.
Entre as muitas contribuições da
literatura sobre o conhecimento e a
inovação no período citado a análise de
Nonaka e Takeuchi (1995) se destaca,
pois fala sobre a criação do conheci-
mento dentro das empresas e propõe
um modelo que ajuda a entender tal
fenômeno. O trabalho daqueles autores
foi de tal forma impactante que muitos
pesquisadores sobre GC ao examinarem
a cronologia do tema propõem o ano
de sua publicação nos Estados Unidos
como um marco.
Snowden (2007), por exemplo, pro-
põe a cronologia mostrada no Quadro 1,
considerando três gerações da Gestão
do Conhecimento. A primeira geração
compreende a maioria dos trabalhos
ditos de GC, mas que na verdade são
Gestão de Informações, sendo baseados
principalmente em Tecnologia da In-
formação (TI). O foco desses primeiros
trabalhos era e ainda é nos chamados
3Cs: Captar, Codificar e Comparti-
lhar. A ideia é obter as informações
corretas, para as pessoas certas, no
momento certo.
Percebe-se aqui alguma coisa de
economia neoclássica, pois se supõe que
os conhecimentos valiosos já existem na
empresa ou estão disponíveis na socie-
dade e o papel da GC seria encontrá-los,
codificá-los e torná-los disponíveis ao
EnergiaEspecial
O elemento capaz de justificar a existência de uma empresa é a sua capacidade
de criar conhecimento que viabilize vantagens competitivas
4. 15CUSTO BRASIL
embora não fosse esta a ideia de No-
naka e Takeuchi, pelo foco em explicitar
conhecimento produzindo conteúdos,
a maioria das ações de GC da segunda
geração não passava de processos com
os quais as organizações identificavam,
criavam, administravam e entregavam
conteúdos para aumentar o desempenho
da força de trabalho. Esses conteúdos
assumiam o caráter de informação para
quem os acessava. Na verdade, tratava-
se novamente de Gestão de Informações.
Importante, porém não suficiente.
Embora o conhecimento seja cons-
truído pela análise da informação e que
possa algumas vezes ser transformado
em informação para ser disseminado,
ele não é um tipo especial de informa-
ção, como muitos creem, pois impor-
tantes elementos de conhecimento são
incorporados nas mentes e corpos de
agentes, nas rotinas das empresas e,
não menos importante, no relaciona-
mento entre pessoas e organizações
(DOSI, 1999 apud JOHNSON; EDQUIST;
LUNDVALL, 2003, p. 5). O conhecimento
é contextual. Segundo Snowden (2007),
contexto é a palavra mais importante
em GC e talvez a mais negligenciada.
Por isso, uma nova abordagem de
GC vem emergindo, na qual o conhe-
cimento é visto não mais como uma
“coisa” que possa ser identificada e
catalogada. Busca-se a gestão de um
ambiente propício aos processos que
produzem novos conhecimentos na
Capital intelectual
compartilhamento. Nessa fase não havia
ainda uma preocupação, tão explícita,
de diferenciar “informação” de “conhe-
cimento”. Não deixa de ser sintomático
que muitos textos de economia ainda
hoje falem em “assimetria de infor-
mações” como elemento construtor de
vantagens competitivas.
Por outro lado, as empresas de TI re-
presentam para a sociedade atual o que
as empresas de engenharia tradicionais,
em especial as de consultoria, represen-
taram para a Revolução Industrial. Por
incrível que possa parecer, as empresas
de consultoria de engenharia sempre
foram muito admiradas pela sua capa-
citação para lidar com o conhecimento.
Com o rápido avanço das Tecnologias da
Informação e das Comunicações (TIC) e
a aceleração das mudanças, acarretan-
do um aumento na disponibilidade de
informações, passou a ser necessário
lidar com o conhecimento de uma forma
mais eficaz, que talvez nem as próprias
empresas de TI atualmente venham
tendo sucesso.
Isto demonstra que a simples dis-
ponibilidade de ferramentas de TI, não
é suficiente para lidar com o conheci-
mento de forma eficaz. Se assim fosse,
todas as empresas de TI seriam supe-
reficientes em lidar com seus próprios
processos de conhecimento, ou seja,
seriam casos de sucesso em GC, o que
na prática não se observa.
Esta primeira geração de GC nasceu
da crença existente na época de seu
surgimento (segunda metade dos anos
1980) de que os então recentes desen-
volvimentos da pesquisa em Inteligência
Artificial e outras disciplinas vinculadas
à pesquisa cognitiva produziriam um
salto qualitativo na automação do tra-
balho intelectual. Logo se aprendeu uma
lição hoje ainda muitas vezes esquecida:
de que não há trabalho realmente inte-
lectual sem a presença do ser humano.
Apesar disso, muitos continuam insis-
tindo em pensar no conhecimento sem
levar em conta a figura do conhecedor.
Uma segunda geração da GC pode
assim ser considerada, tendo como mar-
co inicial a primeira edição em inglês do
livro de Nonaka e Takeuchi, em 1995. A
partir de então, as palavras “tácito” e
“explícito”, que Michael Polanyi (1958
apud NONAKA; TAKEUCHI, 1997) já
tinha explorado na metodologia cientí-
fica nos anos 1950 e 1960, e diversos
autores, a exemplo de Nelson e Winter
(1982), vinham utilizando, se populari-
zam ainda mais na linguagem do mundo
dos negócios. Esta segunda geração e os
desdobramentos do trabalho de Nonaka
e Takeuchi serão alvo de análise nas
seções subseqüentes.
No entanto, vale notar que a pri-
meira geração da GC, bem como os
trabalhos da segunda geração, mas que
não estavam totalmente alinhados com
as ideias de Nonaka e Takeuchi, não
contribuíram para responder à crítica
de Willianson (1992, p. 2):
“as proposições de que a organi-
zação importa e é suscetível a análise
foram por muito tempo recebidas com
ceticismo pelos economistas. [...] Uma
das razões pelas quais essa mensagem
demorou muito tempo a ser registrada
é que é muito mais fácil dizer que a or-
ganização importa, do que é mostrar o
como e o porquê”. (tradução do autor)
Hoje há um reconhecimento cres-
cente de que muito conhecimento não
pode ou não deve ser explicitado e que,
Três Gerações de Gestão do Conhecimento
Desde o final dos anos 1980 Centrada em Tecnologia Tecnomíope
A partir de 1995
Centrada em Valoriza em excesso
em Pessoas o conteúdo
A partir de 2002
Combina ênfase em Equilibra conteúdo/
pessoas e tecnologia contexto/ narrativas
Fonte: Elaboração própria baseado em Snowden (2007)
quadro 1
5. 16 CUSTO BRASIL
empresa. Há aqui uma interessante
analogia da mudança da ênfase da
organização como uma máquina, com o
gerente ocupando o papel de mecânico,
para a organização como uma ecologia
complexa, em que o gerente é um jar-
dineiro, capaz de dirigir e influenciar,
mas não de controlar inteiramente, a
evolução de seu ambiente.
Três heurísticas definidas por Snow-
den (2007) ajudam a entender as dificul-
dades enfrentadas pelos trabalhos com
foco em “explicitar” conhecimento: “O
Conhecimento é sempre apenas volun-
tário, nunca forçado”; “Nós só sabemos
o que nós sabemos, quando precisamos
sabê-lo”; e “Nós sempre sabemos mais
do que podemos dizer, e sempre dizemos
mais do que podemos escrever”.
Essa última é um dos princípios
operacionais básicos da atual GC, la-
mentavelmente não compreendidos in-
teiramente na segunda geração, embora
totalmente de acordo com as ideias de
Nonaka e Takeuchi. O processo de ex-
plicitar o conhecimento envolve alguma
perda inevitável de conteúdo, e freqüen-
temente envolve uma perda maciça do
contexto. Uma vez que se reconheceu
isto, pôde-se começar a repensar a
natureza da GC.
A separação em Contexto, Narrativa
e Conteúdo, utilizada atualmente em GC,
a tornará cada vez mais eficaz. Assim,
após um período de ênfase equivocada
nas ferramentas das TIC, a GC vem se
firmando como condutora de ações de
incentivo à criatividade, invenção e
inovação, visando o desenvolvimento de
novos produtos, serviços e processos.
Ou seja, a criação do Conhecimento
Organizacional.
Nonaka e Takeuchi nunca propuse-
ram que fosse importante para a cria-
ção do conhecimento organizacional, a
“explicitação” do conhecimento de um
determinado conhecedor. Esse tipo de
ideia, muitas vezes a eles atribuída, é
típica da visão da primeira geração da
GC e quando levada a cabo acaba pro-
duzindo muito mais frustração do que
efeitos práticos.
Nas seções seguintes procurar-se-á
mostrar que embora o livro de Nonaka e
Takeuchi seja o marco de início de uma
segunda geração da GC, as ideias nele
apresentadas estão totalmente alinha-
das com a terceira geração da GC e a
maioria das críticas ao trabalho deles
não reflete a importância que o mesmo
tem na construção de uma Teoria da
Firma baseada em conhecimento.
Uma das principais críticas que o
trabalho de Nonaka e Takeuchi sofre diz
respeito a uma falta de aprofundamento
sobre as ideias de Polanyi na construção
de seu modelo SECI. No entanto, talvez
o que haja de mais notável no trabalho
de Nonaka e Takeuchi seja o fato de
que, apesar dos profundos aspectos
filosóficos relativos à natureza do conhe-
cimento, algumas das mais importantes
revelações sobre o conhecimento no
ambiente organizacional aconteceram a
partir das características mais básicas
apontadas por aqueles dois autores. A
distinção entre conhecimento explícito e
tácito tem tido amplas implicações para
a estratégia e o design organizacionais
(GRANT, 2006, p. 222).
Nonaka e Takeuchi, naturalmente,
não podem ser responsabilizados por
equívocos de interpretação produzidos
por autores que possivelmente leram
o trabalho de Nonaka e Takeuchi, mas
que provavelmente nunca leram Polanyi,
muito embora o citem (GRANT, 2007).
Na abordagem objetiva adotada por
Nonaka e Takeuchi para o ambiente
organizacional, o Conhecimento Explí-
cito é organizado e estruturado. Está
disponível em documentos, bases de
dados, vídeos de treinamento e outros
canais, tradicionais ou não, de com-
partilhamento de conhecimentos. Já o
Conhecimento Tácito é principalmente
baseado na vivência. Ele existe na men-
te das pessoas na forma de memórias,
modelos mentais, impressões, know-how
prático etc.
A partir desta abordagem simples,
porém eficiente para entender a criação
do conhecimento no ambiente organiza-
cional, Nonaka e Takeuchi construíram
um modelo para dar suporte a uma
Teoria da Criação do Conhecimento
Organizacional.
O modelo SECI
Na filosofia dominante no Ocidente,
o indivíduo é o principal agente, que
possui e processa o conhecimento.
Nonaka e Takeuchi, entretanto, mos-
traram que o indivíduo interage com a
organização através do conhecimento.
A criação do conhecimento ocorre em
três níveis: do indivíduo, do grupo e da
organização. Portanto, a discussão da
criação do conhecimento organizacional
tem dois componentes principais: as
formas de interação do conhecimento e
os níveis de criação do conhecimento.
As duas formas de interação – entre
o conhecimento tácito e o conheci-
mento explícito e entre o indivíduo
e a organização – realizarão quatro
processos principais da conversão do
conhecimento que, juntos, constituem
a criação do conhecimento: 1) do tácito
para o explícito; 2) do explícito para o
explícito; 3) do explícito para o tácito;
e 4) do tácito para o tácito.
Na verdade, Nonaka e Takeuchi
formularam seu modelo não em duas,
mas em três dimensões diferentes: a
epistemológica, com base na teoria do
conhecimento, porém propositadamen-
te se limitando apenas a distinguir o
conhecimento tácito do explícito, sem,
no entanto, levar em conta o grau de
aprofundamento alcançado nas análises
de Polanyi; a ontológica, considerando
o que existe no sistema observado, que
no caso é a organização em geral, dis-
tinguindo assim três níveis, que seriam
o indivíduo, o grupo e a organização; e
o temporal, levando em conta como o
EnergiaEspecial
6. 17CUSTO BRASIL
sistema observado funciona ao longo do
tempo e até mesmo sua interação com
outros sistemas semelhantes (ações
interfirmas) e dá ao modelo sua carac-
terística de espiral tridimensional.
Partindo da premissa de que um mo-
delo é uma representação simplificada
da realidade, no modelo SECI o conhe-
cimento humano, utilizado no ambiente
organizacional, é de uma forma simples
e objetiva dividido em dois tipos. Um é o
conhecimento explícito, que pode ser ar-
ticulado na linguagem formal, inclusive
em afirmações gramaticais, expressões
matemáticas, especificações, manuais
e assim por diante. Esse tipo de conhe-
cimento pode ser então transmitido,
formal e facilmente, entre os indivíduos.
Esse foi o modo dominante de conheci-
mento na tradição filosófica ocidental e
infelizmente, ao contrário do que Nonaka
e Takeuchi pregavam, se tornou o foco
dos consultores prescritivos de GC.
Não foram claramente compreendi-
dos, ou foram intencionalmente deixados
de lado, os argumentos por eles defendi-
dos mostrando que o conhecimento táci-
to, difícil de ser articulado na linguagem
formal, é um tipo de conhecimento mais
importante, pois é o verdadeiro criador
de vantagem competitiva.
O conhecimento tácito é o conhe-
cimento pessoal incorporado à expe-
riência individual e envolve fatores in-
tangíveis como, por exemplo, crenças
pessoais, perspectivas e sistemas de
valor. O conhecimento tácito sempre
foi deixado de lado como componen-
te crítico do comportamento humano
coletivo na análise ocidental e não é
de estranhar que para muitos a impor-
tante mensagem de Nonaka e Takeuchi
de que o conhecimento tácito era uma
fonte importante da competitividade e
diferenciação das empresas japonesas,
observado na década de 1980, tenha
sido diminuído, quando não totalmente
desconsiderado, em um momento em
que elas enfrentavam uma crise.
Enquanto Nonaka e Takeuchi brada-
vam que o componente tácito do conhe-
cimento era, provavelmente, o principal
motivo tanto da competitividade das
empresas japonesas como também o
principal motivo pelo qual a gerência
japonesa é vista como um enigma pelos
ocidentais, muitos preferiram entender
a mensagem como uma necessidade de
explicitar conhecimentos, como se o
conhecimento não fosse sempre tácito
e explícito simultaneamente ou como se
fosse possível separar o conhecimento
explícito de um indivíduo de seu conhe-
cimento tácito.
Esta abordagem está totalmente em
desacordo com o modelo proposto, no
qual os autores se concentraram no co-
nhecimento explícito e no conhecimento
tácito como unidades estruturais básicas
que se complementam em um processo
social. Mais importante, o modelo tenta
descrever a interação entre essas duas
formas de conhecimento como sendo a
principal dinâmica da criação do conhe-
cimento na organização de negócios. A
“criação do conhecimento organizacio-
nal” é um processo em espiral em que a
interação ocorre repetidamente.
Por isso, a onda de explicitação de
conhecimentos a partir de interpreta-
ções errôneas do modelo proposto, em-
bora possa ter produzido belos conteú-
dos, taxonomias, portais corporativos de
alta qualidade visual, apostilas e manu-
ais em meio digital e toda uma sorte de
iniciativas que visavam a disponibilizar
conteúdos de rápida entrega a possíveis
consumidores finais e diminuir a depen-
dência dos especialistas, resultou em
frustração no que diz respeito à criação
de conhecimento organizacional.
Outra importante contribuição de
Nonaka e Takeuchi foi a definição das
cinco condições capacitadoras para a
criação do conhecimento. Segundo eles
“A função da organização é fornecer
o contexto apropriado para a facilitação
das atividades em grupo e para a cria-
ção e acúmulo de conhecimento em nível
individual” (1997, p.83)
Está presente aqui a ideia de “con-
texto capacitante” ou “BA”, que Nonaka
iria explorar mais tarde em artigos com
outros autores (1998). Para que haja
este contexto apropriado citado, eles
estabeleceram então cinco condições
em nível organizacional que promovem
a espiral do conhecimento: intenção,
autonomia, flutuação/caos criativo, re-
dundância e variedade de requisitos.
(NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p.83)
Nonaka e Takeuchi entendem que as
raízes de seu livro começaram a crescer
doze anos antes de sua primeira edição,
quando foram solicitados a apresentar
nas festividades do 75º aniversário da
Harvard Business School, fundada em
O conhecimento tácito é o conhecimento pessoal incorporado à experiência individual
e envolve fatores intangíveis como crenças, perspectivas e sistemas de valor
Capital intelectual
7. 18 CUSTO BRASIL
1908, um artigo sobre as características
singulares do processo de desenvolvi-
mento de novos produtos nas empresas
japonesas.
Segundo eles, as ideias geradas na-
quele estudo tornaram-se a base para
um outro artigo publicado em 1986, na
Harvard Business Review, intitulado
“The New New Product Development
Game”. Foi nesse artigo, que eles utili-
zaram, pela primeira vez, a metáfora do
“rúgbi” para descrever a velocidade e
flexibilidade de desenvolvimento de no-
vos produtos nas empresas japonesas.
Aquele estudo buscou entender as
raízes das empresas de sucesso, na-
quele momento, décadas de 70 e 80,
as japonesas. Para entender a analogia
com o rúgbi, por eles proposta, é preciso
concentrar a atenção na “bola”.
“A bola que é passada de um joga-
dor para outro encerra a compreensão
compartilhada da razão de ser da em-
presa, o rumo que está tomando, em
que tipo de mundo quer viver e como
tornar esse mundo realidade. Insights,
intuições e pressentimentos altamente
subjetivos também são levados em con-
sideração. É isso o que a bola contém
– ou seja, ideias, valores e emoções.”
(NONAKA;TAKEUCHI, 1997, p. XI)
A metáfora do rúgbi é poderosa, ao
mostrar que naquele esporte a bola é
passada de um jogador para outro à
medida que o time avança no campo,
como uma unidade. Com este enten-
dimento é possível se concentrar em
“como” a bola é passada nos jogos de
rúgbi e perceber a diferença funda-
mental em relação a como o bastão é
passado de um corredor para o outro
na corrida de revezamento. No rúgbi,
a bola não se move de forma definida
ou estruturada, não se movimenta de
forma linear. O movimento da bola no
rúgbi nasce da interação entre os mem-
bros da equipe no campo. É definido na
hora (no “aqui e agora”) com base na
experiência direta e através da tenta-
tiva e erro. Exige intensa e trabalhosa
interação entre os membros da equipe.
(NONAKA;TAKEUCHI, 1997, p. XII)
Na compreensão de Nonaka e Takeu-
chi, esse processo interativo é análogo
à criação do conhecimento nas empre-
sas japonesas. Como eles mostram em
diversos exemplos do livro, o conheci-
mento organizacional diz respeito tanto
à experiência física e à tentativa e erro
quanto à geração de modelos mentais e
ao aprendizado com os outros. Assim,
diz respeito também tanto aos ideais
quanto às ideias. Nonaka e Takeuchi
afirmam, no seu livro, que o sucesso
das empresas japonesas se deve a suas
habilidades técnicas na “criação do co-
nhecimento organizacional”.
Por criação de conhecimento organi-
zacional eles querem dizer a capacidade
que uma empresa tem de criar conhe-
cimento, disseminá-lo na organização
e incorporá-lo a produtos, serviços e
sistemas. Aqui está o que eles chamam
de “as raízes”. Naquele momento em que
diversos outros pesquisadores tentavam
criar teorias sobre o motivo do sucesso
das empresas japonesas, a explicação
deles tocava no componente mais básico
e universal da organização – o conheci-
mento humano.
Como eles mesmos reconhecem,
o estudo do conhecimento humano é
tão antigo quanto a própria história do
homem, tendo sido o tema central da
filosofia e epistemologia desde o período
grego. O conhecimento também começou
a ganhar uma redobrada atenção recen-
temente. Não só teóricos socioeconômi-
cos como autores como Peter Drucker
e Alvin Toffler chamaram atenção de
Nonaka e Takeuchi para a importância
do conhecimento como recurso e poder
gerencial, como também um número
crescente de estudiosos nas áreas de or-
ganização industrial, gerenciamento da
tecnologia, estratégia gerencial e teoria
organizacional começou a teorizar sobre
a administração do conhecimento.
Em seu livro, Nonaka e Takeuchi
tomaram o conhecimento como a uni-
dade básica de análise para explicar o
comportamento da empresa. Ao discutir
o conhecimento na organização de ne-
gócios, seu livro exigiu uma mudança
fundamental na forma de pensar sobre
o que a organização de negócios faz com
o conhecimento. O livro começa, mais
especificamente, com a crença de que
a organização de negócios não só “pro-
cessa” o conhecimento, mas também o
“cria”. Nonaka e Takeuchi afirmam que
a economia e os estudos sobre adminis-
tração praticamente negligenciaram a
criação de conhecimento pela organi-
zação de negócios. Anos de pesquisas
sobre empresas japonesas, entretanto,
convenceram-lhes de que a criação do
EnergiaEspecial
O estudo do conhecimento é tão antigo quanto a própria história, tendo sido tema
central da filosofia e da epistemologia desde os gregos
8. 19CUSTO BRASIL
conhecimento daquelas empresas era a
principal fonte de sua competitividade
internacional.
Muitos são os autores que têm de-
dicado tempo e esforço às ideias que
Nonaka e Takeuchi ofereceram aos pes-
quisadores envolvidos nos estudos sobre
a inovação, não no sentido de aperfei-
çoá-las, mas tentando encontrar nelas
falhas. Atribuindo-lhes culpas que são
características da primeira geração da
GC ou interpretações errôneas do cha-
mado processo de conversão do conheci-
mento, imaginando-o como um processo
passível de ser realizado por um mesmo
ser humano. O trecho a seguir é um dos
muitos possíveis exemplos:
A interpretação de Nonaka e Takeu-
chi do conhecimento tácito como co-
nhecimento “não ainda articulado” – o
conhecimento que aguarda pela sua
“tradução” ou “conversão” em conhe-
cimento explícito –, uma interpretação
que tem sido amplamente adotada em
estudos de gestão, é errada: ela ignora
a essencial inefabilidade do conheci-
mento tácito, ao reduzi-lo ao que pode
ser articulado. (TSOUKAS,2005, p.425)
(traduçao do autor)
Nonaka e Takeuchi sempre dei-
xaram bem claro que Polanyi, que
cunhou o termo conhecimento tácito
em 1952 e produziu uma grande obra
sobre o tema até falecer em 1976, era
um filósofo. Seu trabalho era sobre o
conhecimento de um ponto de vista
totalmente filosófico e que ele sequer
imaginou que seu trabalho serviria de
base para um livro sobre o conheci-
mento no âmbito organizacional. Na
página 67, por exemplo, eles dizem:
“Em nossa visão, contudo, o conheci-
mento tácito e o conhecimento explícito
não são entidades totalmente separadas,
e sim mutuamente complementares.[...]
Nosso modelo dinâmico da criação do
conhecimento está ancorado no pres-
suposto crítico de que o conhecimento
humano é criado e expandido através da
interação social entre o conhecimento
tácito e o conhecimento explícito... Não
podemos deixar de observar que essa
conversão é um processo “social” entre
indivíduos, e não confinada dentro de
um indivíduo.”
FALSAS DICOTOMIAS
Nonaka e Takeuchi previram, no úl-
timo capítulo de seu livro, que algumas
falsas dicotomias tenderiam a limitar a
criação do Conhecimento Organizacio-
nal. São elas: Tácito / explícito; Corpo
/ Mente; Indivíduo / Organização; Top-
down / bottom-up; Burocracia / Task
Force; Revezamento / Rugby; e Oriente
/ Ocidente. A última falsa dicotomia
listada, Oriente / Ocidente, parece ter
influenciado bastante os argumentos
negativos aos modelos propostos por
Nonaka e Takeuchi. Uma das muitas crí-
ticas ao trabalho de Nonaka e Takeuchi
é que ele envolve, em sua maior parte,
empresas japonesas.
Analisando-se o período em que
aqueles autores realizaram suas pes-
quisas, ou seja, o final dos anos 1980 e
o início dos anos 1990, é fácil perceber
que, mesmo que eles não fossem autores
japoneses, seus principais benchma-
rkings seriam necessariamente em-
presas japonesas como era o caso, por
exemplo, de Prahalad e Hamel (1990) e
Stalk, Evans e Schulman (1992). Afinal
de contas, naquele período as empresas
japonesas se constituíam nos labora-
tórios mais desafiadores, quando se
pensava em criação do conhecimento
organizacional, pois se tornaram as
mais competitivas e isso ao longo de um
relativamente curto período de tempo.
De tal forma que, como afirmam
Nonaka e Takeuchi, as empresas japo-
nesas, principalmente, são analisadas
no livro, não como simples “histórias
de sucesso”, mas como estudos de caso
bastante representativos.
Hoje, é fácil perceber que os ele-
mentos listados por eles como sendo
característicos de uma abordagem ja-
ponesa ao conhecimento estão presen-
tes em qualquer receituário de boas
práticas no ocidente. Entre os quais se
destacam: a visão da empresa como um
organismo vivo e não como uma máqui-
na; um foco na crença justificada, mui-
to mais do que em procurar a verdade;
ênfase no conhecimento tácito sobre o
conhecimento explícito; o uso de equi-
pes auto-organizadas e não apenas as
estruturas organizacionais existentes,
para criar novos conhecimentos; o uso
da gerência média para resolver as
contradições entre a alta gerência e
trabalhadores da linha de frente; e a
aquisição de conhecimentos olhando
para fora – clientes, fornecedores,
etc.– assim como para dentro.
Na verdade o objetivo do estudo
empreendido por Nonaka e Takeuchi
era muito mais ambicioso do que um
simples entendimento das razões de
um momentâneo sucesso das empresas
japonesas. Sua meta, a rigor, era forma-
lizar um modelo genérico de criação do
conhecimento organizacional.
O argumento, muitas vezes apresen-
tado, de que o conhecimento tácito tem
sido analisado de uma forma superficial,
sendo muito mal-entendido na maioria
dos estudos de gestão, não correspon-
dendo plenamente à profundidade dos
trabalhos de Polanyi, é perfeitamente
válido. No entanto, não se deve, de
forma alguma, atribuir ao modelo for-
mulado por Nonaka e Takeuchi tal res-
ponsabilidade. A interpretação errônea
do conhecimento tácito como sendo
um conhecimento esperando para ser
explicitado, ignorando seu caráter ine-
fável, reduzindo-o a algo que pode ser
articulado desde que as ferramentas
de TI adequadas estejam disponíveis é
um equívoco que nada tem a ver com as
ideias de Nonaka e Takeuchi.
As empresas criam, sim, conheci-
mento, porém uma empresa não pode
sozinha criar conhecimento e o conhe-
Capital intelectual
9. 20 CUSTO BRASIL
cimento tácito dos indivíduos constitui
a verdadeira base de criação do co-
nhecimento organizacional. Ao aceitar
esta ideia contida em “The Knowledge-
Creating Company”, será possível às
empresas perceberem que é possível
usar os modelos propostos por Nonaka
e Takeuchi, aliados às condições capa-
citadoras da criação do conhecimento
organizacional para ainda contribuir,
em muito, para o aperfeiçoamento da
Teoria da Firma e o entendimento de
que é o conhecimento tácito que consti-
tui a base da inovação nas empresas.
Aqueles que estiverem dispostos
a uma releitura de “The Knowledge-
Creating Company” – se conseguirem
superar, através da síntese, as falsas
dicotomias inibidoras da capacitação
à criação do conhecimento organiza-
cional e a entender que um modelo é
apenas um modelo – verificarão então
que aqueles autores, hoje pouco citados
em trabalhos que não sejam específicos
de GC e que quando citados muitas ve-
zes o são de forma indevida, têm muito
a contribuir para uma visão da firma
baseada em conhecimento, havendo
ainda muito a aprender com Nonaka e
Takeuchi.
fernandogoldman@yahoo.com.br
COASE, R.H. “The Nature of the Firm”, in William-
son, O.; Winter, S., The Nature of the Firm: Origins,
Evolution and Development, Oxford University
Press, 1937,1993.
DRUCKER, P. F. Sociedade pós capitalista. 2ª. ed.
São Paulo, Pioneira, 1994.
GRANT, K. A. Tacit Knowledge Revisited - We Can
Still Learn from Polanyi. The Electronic Journal of
Knowledge Management, v. 5, n. 2, pp. 173-180,
2007. Disponível em: <http://www.ejkm.com>.
Acesso em: 24/07/2009.
GRANT, R. M. “The Knowledge-Based View of the
Firm”, In David O. Faulkner, Andrew Campbell -
(Eds.), The Oxford Handbook of Strategy: 203-227.
Oxford University Press, 2006.
JOHNSON, B. ; EDQUIST, C. ; LUNDVALL, B.A.
Economic Development and the National System of
Innovation Approach, artigo apresentado no First
Globelics Conference, Rio de Janeiro, 2003.
NELSON, R.; WINTER, S. An Evolutionary Theory of
REFERÊNCIAS
Economic Change, Cambridge: Harvard University
Press, 1982.
NONAKA, I.; KONNO, N. The concept of “Ba”: Buil-
ding foundation for knowledge Creation. California
Management Review, v. 40, n. 3, Spring 1998.
NONAKA, I.; TAKEUCHI, H., The Knowledge-Creating
Company: How Japanese Companies Create the Dyna-
mics of Innovation, Oxford University Press, 1995.
___________. Criação de Conhecimento na Em-
presa: Como as Empresas Japonesas Geram a
Dinâmica da Inovação. Tradução de Ana Beatriz
Rodrigues, Priscila Martins Celeste. Rio de Janeiro:
Campus, 1997.
NONAKA, I. Apresentação sobre o tema Synthesizing
Capability: A Key to Create a New Reality, APQC’s
6th Knowledge Management Conference, American
Center for Productivity and Quality, 2001.
PRAHALAD, C; HAMEL, G. The core competence of
the corporation. Harvard Business Review, v. 68, n.
3, p. 79-91, maio/jun. 1990.
SNOWDEN, Dave. Beyond Knowledge Management.
Palestra Magna do KM Brasil 2007, São Paulo,
Novembro 2007.
STALK, G., EVANS; P., SHULMAN; L.E. Competing
on Capabilities: The new rule of corporate Strate-
gy. Harvard Business Review, p 57-69, Mar-Abr.
1992.
TIGRE, Paulo Bastos. Paradigmas Tecnológicos e
Teorias Econômicas da Firma. Revista Brasileira
de Inovação, Volume 4 Número 1, Janeiro / Junho
2005
TSOUKAS H., “Do we really understand tacit know-
ledge?”, In Mark Easterby-Smith, Marjorie A. Lyles
- (Eds.), The Blackwell handbook of organizational
learning and knowledge management: 410-427.
Blackwell Publishers, 2005.
WILLIAMSON, Oliver E. The Theory of the Firm as
Governance Structure: From Choice to Contract,
Journal of Economic Perspectives, 16(3): 171–195,
2002.
EnergiaEspecial