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1
O ACERVO FOTOGRÁFICO DO POETA DA CONSCENCIA NEGRA OLIVEIRA
SILVEIRA: MEMÓRIA, LUTA NEGRA E POLÍTICAS PÚBLICAS
ESCOBAR, Geanine1
; MICHELON, Francisca2
Universidade Federal de Pelotas; Universidade Federal de Pelotas
RESUMO
Busca-se aqui refletir sobre políticas públicas de ação afirmativa que trabalham na
implementação de e valorização do patrimônio material e imaterial afro-brasileiro. A
questão é abordada a partir do acervo pessoal de fotografias do poeta da
Consciência Negra Oliveira Ferreira da Silveira. Atribui-se este conjunto iconográfico
a condição de um acervo de interesse público, partindo da importância que este
possa ter para a identidade e memória dos movimentos de emancipação dos negros
brasileiros, especialmente os negros gaúchos. A pesquisa justifica-se pelo desejo
em contribuir para o aumento da produção de trabalhos acadêmicos voltados à
valorização da cultura negra no Rio Grande do Sul, ao mesmo tempo em que
investe na defesa do trabalho dos acervos fotográficos por compreender a
importância destes como estudos patrimoniais.
Palavras-chave: Fotografia; Memória; Políticas Públicas
INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto do Projeto de Pesquisa, “Sistematização do Acervo
Fotográfico do Poeta da Consciência Negra Oliveira Silveira”, que tem por objetivo
preservar parte de um legado iconográfico que faz parte da história e memória social
da Luta Negra no Sul do país. O Projeto é idealizado por Geanine Escobar,
orientado pela prof. Francisca Michelon e faz parte do Programa de Pós Graduação
1
Graduada em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis UFPel. Mestranda do curso de
Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas.
geanine.cer.ufpel@gmail.com.
2
Professora Associado do Departamento de Museologia, Conservação e Restauro do Instituto de
Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas. franciscafmichelon@yahoo.com.br.
2
em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas UFPel
– RS. Esta pesquisa tem sua base no Capítulo II e Capítulo IV do Estatuto da
Igualdade Racial, que prevê, respectivamente, o Direito à Educação e à Cultura e
Promoção da Igualdade Racial, onde seguem os Artigos 22 e 26:
Art. 22 – O Ministério da Educação incentivará as universidades a: I – apoiar
grupos, núcleos e centros de pesquisa nos diversos programas de pós-graduação,
que desenvolvam temáticas de interesse da população afro-brasileira.
Art. 26 – apoio a iniciativas em defesa da cultura, memória e tradições
africanas e afro-brasileiras.
É inevitável que qualquer ação que trabalhe com processos ideológicos de
identificação, memória e patrimônio passe pelo pente fino da ética e da política
pública. Pensar sobre patrimônio cultural é colocar em perspectiva várias noções de
recondicionamentos, fazendo-nos pensar na reinvenção e na re-existência de alguns
conceitos. É uma busca contínua das ciências sociais e humanas a reflexão sobre a
memória e identidade dos indivíduos, através da influência dos seus acervos.
É importante lembrar que conceitos de patrimônio popular, negro e indígena
surgem apenas na década de 1970, conforme afirma Maria Cecília Fonseca (2005).
Nesse período a política elitista, instaurada no Brasil, desde 1937, começa a ser
criticada. Nesse momento, entre a segunda metade de 1970 e início de 1980, coube
a intelectuais com um novo perfil (sociólogos, administradores e biólogos) definir
novos valores e interesses, vinculados à questão do desenvolvimento do patrimônio.
Esses novos agentes institucionais se propuseram a atuar como mediadores das
culturas marginalizadas. Este foi um momento renovador, no sentido de ampliar a
noção de patrimônio ou, ao menos, deixar afirmada a boa intenção desses agentes
sociais. Isto é, construir uma representação da nação, considerando a pluralidade
que propiciasse um sentimento comum de identidade nacional, fazendo com que
essa seleção de bens de determinados valores fosse aceita por todos.
No Brasil, o processo de preservação do patrimônio cultural é expresso na
Constituição Federal e Legislação. Além de integrar diversos artigos em que fica
registrada a preocupação e responsabilidade do País em garantir a proteção dos
bens culturais de natureza material e imaterial. Na divisão que a Constituição
Brasileira utiliza para os bens culturais, os acervos fotográficos, integram os bens de
3
natureza material, sendo um bem móvel com conceito de acervo histórico e
arquivístico. Em vista disso, no Artigo 23, observa-se que a Carta Política Brasileira
determina que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios:
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural [...];
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e
de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência.
Portanto, o acervo fotográfico de Oliveira Silveira é um subsídio para
sobrevivência do passado, para a preservação de uma memória e da história do
negro no Rio Grande do Sul. Este artigo procura refletir sobre políticas públicas de
ação afirmativa que trabalham na implementação de e valorização do patrimônio
material e imaterial afro-brasileiro a partir do acervo pessoal de fotografias do poeta
da Consciência Negra Oliveira Ferreira da Silveira. Neste sentido entende-se a
necessidade de apresentar um breve histórico sobre a vida e obra do poeta.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DE OLIVEIRA SILVEIRA
Oliveira Ferreira da Silveira (Fig 1) nasceu em 16 de agosto de 1941, no 6º
Subdistrito de Rosário do Sul: Touro-Passo, município situado na fronteira oeste do
estado do Rio Grande do Sul. Foi criado na Serra do Caverá. “Filho de Felisberto
Martins Silveira, branco brasileiro de pais uruguaios, e de Anair Ferreira da Silveira,
negra brasileira de cor preta, de pai e mãe negros gaúchos. Sobrinho de Adauto
Ferreira. Pai de Naiara, avô de Thales e Elias (Tudo gente dos Ferreira)”. SILVEIRA
(2008, p. 1). Oliveira estudou na Serra do Caverá até a 5ª série, logo foi para
Rosário se preparar para o chamado exame de admissão ao Ginásio com direito a
formatura e solenidade, pois era o maior curso da cidade. Nesta nova etapa ele teve
o apoio da família, que compreendia a importância estudo, em especial a vontade
que o poeta tinha de trilhar um caminho através do conhecimento. Suely Silveira,
4
irmã de Oliveira Silveira, lembra a época do “coléginho”3
onde ela e os irmãos
estudavam:
Oliveira lia demais, sempre gostou. E de dizer poesia também ele gostava. Estudava
até de madrugada. Meu pai às vezes brigava com ele: “- Ele vai “incurtar a vista!” Ele
dizia assim. Mas não tinha jeito, o Oliveira não ia dormir cedo escrevendo.
4
Oliveira Silveira graduou-se em Letras – Português e Francês com as
respectivas Literaturas – pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS.
Trabalhando na docência de português e literatura no ensino médio.
FIGURA 1 – Da E para D, galpão onde Oliveira estudou pela primeira vez - área rural de Rosário do
Sul/RS; sua formatura no Curso de Letras/UFRGS - Porto Alegre/RS; Atuando como escritor,
concedendo um autógrafo para Mario Quintana; E o poeta cultuando as tradições gaúchas em
Rosário do Sul. Fonte: Acervo pessoal de Oliveira Silveira - Projeto RS Negro – Vídeo-Documentário
“Sou”. Montagem de imagens elaborada por Geanine Escobar.
No vídeo-documentário “SOU”, que aborda de forma histórica e poética a
identidade afro-gaúcha, Oliveira5
relata que não era possível recuperar tudo, o
importante era procurar conhecer ao máximo a cultura negra, trabalhando na
perspectiva de conhecer o passado, conhecer a cultura em todos os seus meandros,
porém utilizando a atuação no presente e com perspectivas de futuro. Em entrevista,
3
Termo utilizado por Suely Silveira, irmã de Oliveira Silveira, para destacar a simplicidade do espaço
onde as crianças e seus irmãos estudavam, em Touro-Passo, interior de Rosário do Sul/RS. Fonte:
Entrevista feita com Suely Silveira para o Vídeio-documentário “SOU”, inverno/2010.
4
Fonte: Entrevista feita com Suely Silveira, irmã de Oliveira Silveira, para o Vídeio-documentário
“SOU”, inverno/2010.
5
Fonte: http://vimeo.com/17150152. O vídeo-documentário “SOU” é um registro histórico-poético
sobre a identidade afro-gaúcha, tendo como base a vida e obra do poeta gaúcho Oliveira Silveira
(1941-2009). Oliveira também é conhecido como o poeta da Consciência Negra, por ter sido um dos
idealizadore da proposta de criação do 20 de novembro – Dia da Consciência Negra. A produção é
de Bureau de Cinema e Artes Visuais. O vídeo integra o Kit RS Negro que é parte do Projeto RS
Negro: educando para a diversidade. O Kit é disponibilizado para as escolas gaúchas, a fim de
cumprir a Lei 10.639 que estipula a inclusão da história e da cultura afro-brasileira no currículo oficial
da rede nacional de ensino. Acesso em 15.07.11.
5
aos 64 anos de idade (em 2006) quando o poeta é indagado se sua terra natal
influenciou na sua carreira, Oliveira respondeu:
Sim. Isto se deu através da escola. No início estudava em casa, pois minha
professora também morava no sítio. Mais adiante tive contato com livros e comecei a
escrever. Em 1958 publiquei meu primeiro poema, num jornal de Rosário. Isto foi
muito importante para o início de minha carreira. A partir dos estímulos recebidos de
amigos continuei a escrever poemas regionalistas, que marcam até hoje meu estilo.
Mais tarde me transferi para Rosário e fiz o ginasial, adiante mudei para Porto Alegre,
onde cursei o clássico e a faculdade.
6
Conforme Oswaldo de Camargo (SILVEIRA, 2009, p. 9) “Oliveira, singular
pela realização poética e pela freqüência, na sua obra, da temática afro-gaúcha”
ampliou a reflexão sobre a memória da criação literária mais preocupada com a
função social, sobretudo, a vida dos excluídos por razões de natureza étnico-racial,
em especial na região Sul do País. Oliveira lutou incansavelmente pela valorização
da cultura negra gaúcha, das histórias contadas pelos negros escravizados nas
charqueadas do sul do sul do país, pela valorização da mulher negra, preservação
das religiões de matriz africana, respeito aos orixás e a contribuição da cultura
africana no mundo. Segundo Escobar (2010, p. 72), a poesia denúncia de Oliveira
Silveira “Treze de maio traição, liberdade sem asas e fome sem pão” também traz
uma reflexão sobre o dia seguinte à assinatura da Lei Áurea, pois a realidade
apresentada à comunidade negra brasileira no pós-abolição da escravatura, foi a
exclusão, a negação de suas origens e valores. Nesse sentido, Oliveira, contestava
a sociedade de maneira que o negro se tornasse o protagonista e escrevesse sobre
a sua própria história, não crendo mais no que lhe foi imposto até 1888. O poeta
propôs que os versos do Hino do Rio Grande do Sul: “Povo que não tem
virtude/acaba por ser escravo.” Fossem substituídos por: “Povo que é lança e virtude
a clava quer ver escravo.” Desta forma a população negra gaúcha se incluiria
através dos heróicos lanceiros negros.7
Popularmente conhecido como “poeta da
6
Entrevista feita com Oliveira Silveira em 23 de dezembro de 2006. Disponível em:
www.portalafro.com.br. Acesso em 15.07.11.
7
Informação retirada da apresentação “O Processo de Montagem da Exposição e Sarau Literário em
Homenagem ao Poeta da Consciência Negra, Oliveira Silveira” elaborada para 12º Fórum Estadual
de Museus - Santa Maria/RS por Geanine Vargas Escobar, Augusto Britto, Matias Rempel , Letícia
Moreira, Mateus Lesina em maio de 2010.
6
Consciência Negra”, ativista do Movimento Negro, idealizador do “20 de Novembro8
”
como Dia Nacional da Consciência Negra e idealizador do Movimento Clubista,
faleceu no Dia Mundial da Paz, em 1º de janeiro de 2009, vitimado pelo câncer.9
MEMÓRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS
Oliveira “era militante negro radical e ao mesmo tempo doce... doce..., fala
mansa e de atitudes fortes”10
. Em uma entrevista concedida a Geanine Escobar, (16
de agosto de 2012), sua única filha Naiara Silveira, relata que seu pai “nunca teve a
intenção de ser „o militante‟, „o herói‟ ou „o exemplo‟ pra alguém, ela afirma que o
poeta estava em busca da sua própria identidade, do querer se conhecer. A
preocupação dele era de registrar a história do negro e resgatar a história do negro
através do que se tem, da sua própria história, a história pessoal de cada negro,
além de manter esses registros e ter isso documentado”. Neste sentido,
compreender o papel de Oliveira e o seu acervo fotográfico como patrimônio cultural
material afro-brasileiro, recordando11
a vida e obra desse poeta, é ativar a memória
de alto nível sobre o legado ideológico deixado por Oliveira. Conforme Candau
(2012, p. 23) essa memória é essencialmente de recordação ou reconhecimento que
pode pertencer a uma memória enciclopédica (saberes, crenças, sensações,
sentimentos etc.). Trabalhar com a memória de alto nível através da fotografia de
Oliveira pode beneficiar descobertas que irão expandir a memória sobre a cultura
negra e ao mesmo tempo estender o esquecimento sobre algumas identidades
negras que não serão evocadas, seja deliberadamente ou involuntariamente. Neste
8
No Brasil, diversas casas legislativas estaduais e municipais tem reconhecido o valor simbólico e
histórico da data, fazendo valer através de proposições legislativas, o dia 20 de novembro como data
símbolo alusivo à consciência negra no Brasil. Importa observar nos textos das leis, a riqueza política
e cultural deste símbolo que ultrapassa os muros da história oficial, se revelando como uma das
grandes datas nacionais no Brasil, lembrando o líder maior da luta pela libertação dos negros
escravizados em nosso País, Zumbi dos Palmares. O projeto de lei 6.097 de 2002, de autoria do
nobre Deputado Wilson Santos, declara o dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra,
feriado nacional. SANTOS, 2003, p. 1.
9
ESCOBAR, 2009, p. 61.
10
ESCOBAR, 2010, p. 4.
11
Conforme Cláudia Cerqueira do Rosário em O Lugar Mítico da Memória (2002, p. 1): Recordar no
contexto mítico, significa resgatar um momento originário e torná-lo eterno em contraposição à nossa
experiência ordinária do tempo como algo que passa, que escoa e que se perde. A recordação como
resgate do tempo, confere desta forma imortalidade aquilo que ordinariamente estaria perdido de
modo irrecuperável sem esta re-atualização.
7
sentido, Candau12
destaca na introdução de Antropologia de La memória (2002):
“Sem memória, o sujeito se perde, vive unicamente o momento, perde suas
capacidades conceituais e cognitivas. Seu mundo fica em pedaços e sua identidade
desvanece”. Desta forma a fotografia, além de ser utilizada como fonte histórica,
uma comprovação de um fragmento da realidade vivida por negros gaúchos, a
fotografia torna-se responsável pela identidade positiva de um aspecto determinado
da luta negra, da afirmação da cultura negra.
IDENTIDADE E MEMÓRIA: O ACERVO FOTOGRÁFICO DA DÉCADA DE 1970
Conforme o autor Albuquerque (2006), as décadas de 1960 e 1970 foram
momentos de grandes transformações culturais, políticas e comportamentais em
várias partes do mundo. No Brasil viviam-se os dias tensos e repressivos da ditadura
militar, que fechou o Congresso Nacional, cassou os direitos políticos de
parlamentares, baniu partidos políticos, proibiu organizações operárias, camponesas
e estudantis, prendeu, torturou e eliminou militantes de esquerda. A repressão
chegaria aos negros e seus aliados. A questão racial não encontrava lugar nas
organizações de esquerda, por isso, jovens negros gaúchos passaram a se reunir no
centro da cidade de Porto Alegre para conversar sobre variados assuntos, incluindo
a situação do negro na sociedade brasileira. Nesse processo, surgiu o Movimento
Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, que depois passou a se intitular
apenas Movimento Negro Unificado (MNU), o qual Oliveira Silveira fazia parte,
contestava a idéia de que se vivia uma democracia racial brasileira, idéia que os
militares adotaram na década de 1970.13
Grupo Palmares como um catalisador das
demandas que pertenciam a toda comunidade negra porto-alegrense.
Campos (2010) afirma que as ações do Palmares estruturam-se a partir da
proposta de substituir o 13 de Maio pelo 20 de Novembro, como principal dia de
12
Candau em Antropologia de La memória (2002, p. 3 a 17) - Propõe a idéia de Antropologia da
Memória, motivada pelo mnemotropismo da atualidade e fala dessa análise em duas dimensões: o
recordar e o esquecer (amnésia). Essa ideia está na busca de analisar as formas diferentes como as
diversas culturas representam ou manipulam a memória. A memória é parte da biologia humana, é
parte da natureza e o uso que o homem faz dessa faculdade. A memória evoluiu com o passar do
tempo. O autor também explicita que a memória é plástica, flexível, flutuante e está dotada de
ubiqüidade, de uma grande capacidade adaptativa e variável de um individuo a outro.
13
ALBUQUERQUE, 2006, p. 281.
8
comemoração e protesto para os negros brasileiros.Dessa forma obtem-se a
releitura da história, segundo o Grupo Palmares, como à tomada de consciência
negra e da condição social dos negros no Brasil. Conseqüentemente, segundo
Campos (2010 p. 232) foi a retomada a trajetória de resistência, abandonada por
ação da ideologia assimilativa, guardada no discurso da existência de uma
democracia racial. Oliveira Silveira registrou uma crítica referente à data Treze de
Maio:
Nós vimos logo que o 13 de maio teve consequências práticas. Não havia medidas
efetivas voltadas à comunidade negra. Foi uma liberdade que apareceu apenas na lei
e nada de concreto ocorreu depois. Ao mesmo tempo, era uma data oficial, que o
oficialismo governamental queria que fosse comemorada, celebrada, com
homenagens à princesa Isabel. Ao passo que Palmares significava uma liberdade
conquistada na luta, que durou um século inteiro, e, por isso era plena de significado.
Os homens e mulheres quilombolas fizeram um trabalho de resistência, de afirmação
da dignidade humana sem precedentes, de luta pela defesa da liberdade. Então, não
havia dúvidas de que aquela era a principal passagem da história do negro no
Brasil.
14
A busca da consolidação de uma identidade negra discutida veementemente
pelo Grupo Palmares, em plena ditadura, segundo Oliveira, não fazia com que o
grupo se reconhecesse como subversivo. Fato que podemos observar no
depoimento Juarez Ribeiro:
Creio que a ditadura militar não levou em consideração a ação dos Movimentos
Sociais Negros como risco à ditadura militar. O alvo dos militares estava mais voltado
à repressão de organizações partidárias, movimentos de guerrilha, movimentos
estudantis, organizações de classe e igrejas católicas e protestantes, etc. Podemos
perceber alguns casos de negros e negras que nesse período foram exilados ou
perseguidos internamente, em virtude de suas ligações aos setores anteriormente
citados. (RIBEIRO, 2011).
Simbolicamente, estes jovens negros, propunham romper com a idéia de
liberdade concedida por uma concepção de liberdade conquistada, tendo em
Palmares e em Zumbi seu referente. Já no ano de 1971, foi realizada uma
homenagem a Luiz Gama, em 21 de agosto, e o 1º Ato Evocativo ao 20 de
Novembro no Clube Náutico Marcílio Dias (Fig. 2).
14
Oliveira Silveira por Oliveira Silveira da Ferreira, em www.oliveirasilveira.blogspot.com, acesso em
15.07.2010.
9
FIGURA 2- Da E para D, duas reportagens da década de 1970 sobre o Grupo Palmares; a terceira
imagem trata-se do 1º Ato Evocativo ao 20 de novembro realizado em 1971 pelo Grupo Palmares, em
Porto Alegre no Clube Náutico Marcílio Dias. Fonte: Acervo pessoal de Oliveira Silveira - Projeto RS
Negro – Vídeo-Documentário “Sou”. Montagem de imagens elaborada por Geanine Escobar.
Constituía-se, desta maneira, o Grupo Palmares, cuja proposta inicial seria
rever a história do Brasil em busca de novos referenciais negros. Entende-se esses
novos rumos para as comunidades negras do Rio Grande do Sul, como dispositivos
utilizados para a auto afirmação de negros e negras perante a sua auto-estima e
auto-imagem, pois tratava-se de não reverenciar mais a Princesa Isabel, mas sim
Zumbi dos Palmares, que foi símbolo de resistência e luta quilombola15
perante a
exploração escravagista. Quando é indagado sobre o que é Consciência Negra na
sua opinião, o poeta explica “[...] para nós do Movimento Negro, nós negros a
Consciência Negra significa a busca de um conhecimento a respeito de nós
mesmos. Eu gosto dessa diversidade étnica que nós temos no Brasil e mais
especificamente aqui no Rio Grande do Sul”.16
Na linha das “retóricas holistas”17
de Candau (2012, p. 29-30), Oliveira segue
seu pensamento pelo caminho da essencialidade das “implicações ontológicas”18
.
15
Conforme Rafael Sanzio Araújo dos Anjos (pesquisa) e André Cypriano (fotografia) em
Quilombolas. Tradições e Cultura da Resistência – Prefácio (2006): Quilombo são repúblicas de
homens livres formadas pelos negros escravizados que se livraram do cativeiro mais atroz e partiam
para vida nova. Calcula-se que no Brasil, existam hoje cerca de 2842 comunidades quilombolas, ou
seja, remanescentes dos quilombos.
16
Fonte: http://www.pucrs.br/edipucrs/. Vídeo-documentário “Sou”. Produção Bureau de Cinema e
Artes Visuais. O vídeo integra o Kit RS Negro que é parte do Projeto RS Negro: educando para a
diversidade.
17
Conforme Joel Candau em Memória e Identidade; tradução Maria Letícia Ferreira (2012, p. 29): O
autor entende por retóricas holistas o emprego de termos, expressões, figuras que visam designer
conjuntos supostamente estáveis, duráveis e homogêneos, conjuntos que são conceituados como
outra coisa que a simples soma das partes e tidos como agregadores de elementos considarados,
por natureza ou convenção, como isomorfos. É designado assim um reagrupamento de indivíduos (a
comunidade) ou elementos reais ou imaginários (identidade étnica). É a Retórica holística que
constrói e sustenta a memória coletiva, e nesse caso, é a mesma que sustenta a memória coletiva da
comunidade negra sul-riograndense.
10
No momento em que a sua busca pela metamemória, que é basicamente a
construção explícita da identidade e representação que cada indivíduo faz de sua
própria memória está diretamente ligado com a sua intensa investigação sobre a
cultura negra gaúcha, principalmente. É possível compreender esse processo
identitário pela fala de Amaro Silveira19
, irmão do poeta, que relata que embora
Oliveira tivesse muito carinho com seu pai, o poeta procurou saber mais sobre a
parte negra da família. Até esse momento se conseguiu pautar questões sobre a
influência da criação e origem de Oliveira sobre a sua carreira de escritor e sobre a
literatura negra como motivador da identidade e auto-afirmação, especialmente dos
negros gaúchos. Nesse sentido, Hall (1999) coloca que a identidade é definida
historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades que não são
unificadas ao redor de um “eu” coerente:
Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções de
tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se
sentimos que temos uma identidade desde o nascimento até a morte é apenas
porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora
“narrativa do eu”. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é
uma fantasia.
A partir do pensamento de Hall (1999) pode-se contextualizar essa releitura
da história, protagonizada por Oliveira Silveira, como a busca pelo pensamento
político-literário dos negros gaúchos. Tendo em vista que o trabalho em torno da
identidade é realmente algo formado ao longo do tempo. No entanto, existe sempre
algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre
incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. Por este motivo
Oliveira Silveira, juntamente com o Movimento Negro Unificado e o Grupo Palmares
estudavam continuamente identidades positivas para os negros brasileiros.
18
Ontologia refere-se a parte da filosofia que estuda o conhecimento ser, questões metafísicas e a
existência.
19
Entrevista feita com Amaro Silveira, irmão de Oliveira Silveira, para o Vídeio-documentário “SOU”.
Inverno/ 2010. Fonte: Disponível em: http://vimeo.com/17150152.
11
AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Oliveira atuou constantemente no Movimento Negro através da militância
política, vivenciou e registrou momentos decisivos de emancipação política das
comunidades negras, possuindo um acervo fotográfico pessoal carregado de
memória negra gaúcha. Ao longo de quase 50 anos o poeta proporcionou condições
para questionamentos profundos da realidade do Negro no Brasil e no Mundo.
Segundo Rosário (2002), lembrar o acervo de Oliveira é buscar uma memória que
ligue o presente ao passado, mostrar ao ser que existe como se constituiu e no que
se fundamenta para vir a ser. Mostra-nos identidade e diferença, nos aponta a
repetição, permite que nos admiremos diante do novo. Pois não se diz que é "novo"
aquilo diante do qual procuramos referências na memória e não encontramos?
Portanto, Oliveira Silveira é um subsídio para o encontro de novas formas de
preservação de uma memória, de sobrevivência do passado da história do negro no
Rio Grande do Sul.
Quando se trata de administração de ações governamentais de salvaguarda
voltadas para as comunidades negras no Brasil, cita-se a Fundação Cultural
Palmares, que é o fruto do movimento negro brasileiro. Criada em 1988, a Fundação
Cultural Palmares é uma instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura que
tem a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira. Preocupada com a
igualdade racial e com a valorização das manifestações de matriz africana, a
Palmares formula e implanta políticas públicas que potencializam a participação da
população negra brasileira nos processos de desenvolvimento do País.20
Foi o
primeiro órgão federal criado para promover a preservação, a proteção e a
disseminação da cultura negra. A Fundação Cultural Palmares afirmava a mais de
vinte anos o compromisso de concepção de ações em prol da cultura negra,
inclusive tendo criado uma Biblioteca, que em homenagem ao Poeta da Consciência
Negra em 16 de dezembro de 2011, a “Bilbioteca Oliveira Silveira”21
.
A UNESCO é a instituição mais importante quando se trata de políticas
internacionais, pois promove a identificação, a proteção e a preservação do
20
Fonte: <http://www.palmares.gov.br/quem-e-quem>. Acesso em 15/07/2012.
21
Fonte: <http://www.palmares.gov.br/2011/12/inaugurada-a-biblioteca-da-fcp-em-homenagem-a-
oliveira-silveira>. Acesso em 26.07.2012.
12
patrimônio cultural e natural de todo o mundo. Porém, existem diversas ações
nacionais e internacionais que devem ser consideradas. Órgãos que incumbem com
o Artigo 23 e que são politicamente responsáveis pela proteção dos bens culturais
materiais e imateriais de interesse público. Sobre o movimento político mundial, que
propõe a preservação do Patrimônio Cultural, é possível afirmar que este se liga
diretamente a preservação das identidades, essa é também uma das funções do
Estado e um dever de toda sociedade.
Com base nesse conjunto de políticas públicas adotadas com o objetivo de
promover a ascensão de grupos socialmente minoritários, como as comunidades
negras, entende-se essa pesquisa como parte da implementação dessas políticas,
pois é uma ação afirmativa. E seguindo o pensamento de Ricoeur (2007), esta
pesquisa vem cobrar a justa memória e inclusão da comunidade negra na história do
país de forma digna. Pensa-se no dever que a pesquisa acadêmica possuí em
divulgar possibilidades de aprofundamento na história dos negros brasileiros e o
comprometimento com a lembrança através de uma fonte iconográfica, tendo em
vista não mais o esquecimento.
CONCLUSÃO
É possível observar que hoje, no Brasil se vive (parte) da idealização do
ontem, do Grupo Palmares, e vive o sonho de antigos líderes como Oliveira Silveira
que, através de sua pesquisa, procurou mudar a realidade histórica vivida pelos
negros brasileiros, deixando um legado fotográfico que volta o nosso o olhar para o
negro como o escritor, lutador, pesquisador, intelectual, consciente da sua
identidade. Conforme, ressalta Zila Bernard22
:
“Oliveira Silveira tinha o intuito de despertar, em especial, nas comunidades
negras do Rio Grande do Sul, um desejo de sentir-se inseridas na cultura
negra. Além de expressar por meio da sua poesia afro, uma posição de
identidade que trazia a afirmação de querer e ser gaúcho. Ele faz essa dupla
afirmação identitária através da sua poesia: como negro e como gaúcho.”
22
Entrevista feita com Zila Bernard, pesquisadora em Literatura, para o Vídeo-documentário “SOU”.
Inverno/ 2010. Fonte: Disponível em: http://vimeo.com/17150152.
13
Foi pensando na afirmação dessa identidade que Oliveira registrou e
escreveu sobre tantos momentos de luta e que em conseqüência de suas ações
ficou conhecido popularmente como o poeta da Consciência Negra. Oliveira foi um
dos idealizadores da proposta de criação do 20 de novembro – Dia da Consciência
Negra. Neste sentido, ter acesso ao seu acervo iconográfico é também trabalhar
com outra perspectiva o Art. 79-B da Lei 10.639, pois o mesmo afirma que o
calendário escolar de todas as escolas brasileiras deve incluir o dia 20 de novembro
como „Dia Nacional da Consciência Negra‟.
É importante lembrar que os primeiros resultados definitivos, divulgados em
novembro de 2010, pelo Censo, apontaram uma população brasileira formada por
190.732.694 pessoas e o percentual de pessoas que se declararam pretas no
passou de 6,2% para 7,6% em uma década. O aumento foi maior entre as que se
declararam pardas, de 38,5% para 43,1% no mesmo período. Em 2010,
aproximadamente 91 milhões de pessoas se classificaram como brancas, 15
milhões como pretas, 82 milhões como pardas, 2 milhões como amarelas e 817 mil
como indígenas. 23
Estes números, frutos de estudos e pesquisas realizadas há
décadas pelo IBGE, comprovam que o Brasil é a segunda maior nação negra do
mundo fora do Continente africano.
Esse percentual que aponta o aumento da auto-declaração de pretos e
pardos, é um dos resultados mais expressivos das ações afirmativas, pois em
síntese, a ação afirmativa tem como objetivo combater as desigualdades sociais
resultantes de processos de discriminação negativa, dirigida a setores vulneráveis e
desprivilegiados da sociedade.24
Sendo assim, estima-se que esta pesquisa vislumbre outras possibilidades de
aprofundamento e olhares fotográficos, políticos e patrimoniais. Conforme Francisca
Michelon e Francine Tavares (2008, p. 20) “o lugar da memória é, pois, o lugar da
imortalidade”. Com base nesta frase, pode-se dizer que em 2009, em nossa
memória, nasceu o mais novo ancestral, o poeta digno de um cunho de lanceiro
negro. “Gosto de preto em gente, vermelho em coisas...”, assim dizia Oliveira. Aqui
cumpriu sua missão. Valeu a luta! Escobar (2009).
23
Fonte: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm. Acessado em
09.08.2012.
24
Fonte: http://www.palmares.gov.br/observatorio-afro-latino/. Acessado em 25.07.2012.
14
REFERÊNCIAS
CAMPOS, Deivison Moacir Cezar de. A ressignificação de Palmares: uma
história de resistência. Capítulo 14. In: SILVA, Gilberto Ferreira da; SANTOS, José
Antônio dos, CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS NEGRO - Cartografias sobre a
produção do conhecimento. 2ª Edição. Revisada e Ampliada. Porto Alegre, 2010.
CANDAU, Joël. Memória e Identidade. Tradução Maria Letícia Ferreira. São Paulo:
Contexto, 2012.
ESCOBAR, Giane Vargas - Clubes sociais negros: lugares de memória,
resistência negra, patrimônio e potencial / por Giane Vargas Escobar. Santa
Maria, RS maio de 2010.
FERREIRA MICHELON, Francisca; SILVEIRA TAVARES, Francine. (organizadoras).
Fotografia e Memória. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária da UFPel, 2008.
HALBWACHS, Maurice (1877-1945). A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. 3ª ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 1999.
RIBEIRO, Juarez. Juarez Ribeiro: depoimento [jul. 2011]. Entrevista concedida à
Geanine Escobar. Santa Maria, 2011.
RICOEUR, Paul. A Memória, a história, o esquecimento. Campinas, Unicamp,
2007. SILVEIRA, Oliveira. Poemas: Antologia. Oliveira Ferreira da Silveira 1941 –
2009. Seleção e Prefácio de Oswaldo de Camargo. Porto Alegre: Edição dos Vinte,
2009.
SOUZA, Forentina; LIMA, Maria Nazaré. Literatura afro-brasileira._Salvador:
Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. p. 13
a 26.
SANTOS, Deputado Wilson; MACHADO, Deputado Gilmar. Comissão de Educação
e Cultura. (Apenso o PL 1442, de 2003). Projeto Lei nº 6.097, de 2002. Declaração
do Feriado Nacional; dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Sala
das Sessões, MG, 2003.

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O Acervo Fotográfico do Poeta da Consciência Negra Oliveira Silveira: Memória, Luta Negra e Políticas Públicas

  • 1. 1 O ACERVO FOTOGRÁFICO DO POETA DA CONSCENCIA NEGRA OLIVEIRA SILVEIRA: MEMÓRIA, LUTA NEGRA E POLÍTICAS PÚBLICAS ESCOBAR, Geanine1 ; MICHELON, Francisca2 Universidade Federal de Pelotas; Universidade Federal de Pelotas RESUMO Busca-se aqui refletir sobre políticas públicas de ação afirmativa que trabalham na implementação de e valorização do patrimônio material e imaterial afro-brasileiro. A questão é abordada a partir do acervo pessoal de fotografias do poeta da Consciência Negra Oliveira Ferreira da Silveira. Atribui-se este conjunto iconográfico a condição de um acervo de interesse público, partindo da importância que este possa ter para a identidade e memória dos movimentos de emancipação dos negros brasileiros, especialmente os negros gaúchos. A pesquisa justifica-se pelo desejo em contribuir para o aumento da produção de trabalhos acadêmicos voltados à valorização da cultura negra no Rio Grande do Sul, ao mesmo tempo em que investe na defesa do trabalho dos acervos fotográficos por compreender a importância destes como estudos patrimoniais. Palavras-chave: Fotografia; Memória; Políticas Públicas INTRODUÇÃO Este trabalho é fruto do Projeto de Pesquisa, “Sistematização do Acervo Fotográfico do Poeta da Consciência Negra Oliveira Silveira”, que tem por objetivo preservar parte de um legado iconográfico que faz parte da história e memória social da Luta Negra no Sul do país. O Projeto é idealizado por Geanine Escobar, orientado pela prof. Francisca Michelon e faz parte do Programa de Pós Graduação 1 Graduada em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis UFPel. Mestranda do curso de Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas. geanine.cer.ufpel@gmail.com. 2 Professora Associado do Departamento de Museologia, Conservação e Restauro do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas. franciscafmichelon@yahoo.com.br.
  • 2. 2 em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas UFPel – RS. Esta pesquisa tem sua base no Capítulo II e Capítulo IV do Estatuto da Igualdade Racial, que prevê, respectivamente, o Direito à Educação e à Cultura e Promoção da Igualdade Racial, onde seguem os Artigos 22 e 26: Art. 22 – O Ministério da Educação incentivará as universidades a: I – apoiar grupos, núcleos e centros de pesquisa nos diversos programas de pós-graduação, que desenvolvam temáticas de interesse da população afro-brasileira. Art. 26 – apoio a iniciativas em defesa da cultura, memória e tradições africanas e afro-brasileiras. É inevitável que qualquer ação que trabalhe com processos ideológicos de identificação, memória e patrimônio passe pelo pente fino da ética e da política pública. Pensar sobre patrimônio cultural é colocar em perspectiva várias noções de recondicionamentos, fazendo-nos pensar na reinvenção e na re-existência de alguns conceitos. É uma busca contínua das ciências sociais e humanas a reflexão sobre a memória e identidade dos indivíduos, através da influência dos seus acervos. É importante lembrar que conceitos de patrimônio popular, negro e indígena surgem apenas na década de 1970, conforme afirma Maria Cecília Fonseca (2005). Nesse período a política elitista, instaurada no Brasil, desde 1937, começa a ser criticada. Nesse momento, entre a segunda metade de 1970 e início de 1980, coube a intelectuais com um novo perfil (sociólogos, administradores e biólogos) definir novos valores e interesses, vinculados à questão do desenvolvimento do patrimônio. Esses novos agentes institucionais se propuseram a atuar como mediadores das culturas marginalizadas. Este foi um momento renovador, no sentido de ampliar a noção de patrimônio ou, ao menos, deixar afirmada a boa intenção desses agentes sociais. Isto é, construir uma representação da nação, considerando a pluralidade que propiciasse um sentimento comum de identidade nacional, fazendo com que essa seleção de bens de determinados valores fosse aceita por todos. No Brasil, o processo de preservação do patrimônio cultural é expresso na Constituição Federal e Legislação. Além de integrar diversos artigos em que fica registrada a preocupação e responsabilidade do País em garantir a proteção dos bens culturais de natureza material e imaterial. Na divisão que a Constituição Brasileira utiliza para os bens culturais, os acervos fotográficos, integram os bens de
  • 3. 3 natureza material, sendo um bem móvel com conceito de acervo histórico e arquivístico. Em vista disso, no Artigo 23, observa-se que a Carta Política Brasileira determina que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural [...]; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Portanto, o acervo fotográfico de Oliveira Silveira é um subsídio para sobrevivência do passado, para a preservação de uma memória e da história do negro no Rio Grande do Sul. Este artigo procura refletir sobre políticas públicas de ação afirmativa que trabalham na implementação de e valorização do patrimônio material e imaterial afro-brasileiro a partir do acervo pessoal de fotografias do poeta da Consciência Negra Oliveira Ferreira da Silveira. Neste sentido entende-se a necessidade de apresentar um breve histórico sobre a vida e obra do poeta. CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DE OLIVEIRA SILVEIRA Oliveira Ferreira da Silveira (Fig 1) nasceu em 16 de agosto de 1941, no 6º Subdistrito de Rosário do Sul: Touro-Passo, município situado na fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul. Foi criado na Serra do Caverá. “Filho de Felisberto Martins Silveira, branco brasileiro de pais uruguaios, e de Anair Ferreira da Silveira, negra brasileira de cor preta, de pai e mãe negros gaúchos. Sobrinho de Adauto Ferreira. Pai de Naiara, avô de Thales e Elias (Tudo gente dos Ferreira)”. SILVEIRA (2008, p. 1). Oliveira estudou na Serra do Caverá até a 5ª série, logo foi para Rosário se preparar para o chamado exame de admissão ao Ginásio com direito a formatura e solenidade, pois era o maior curso da cidade. Nesta nova etapa ele teve o apoio da família, que compreendia a importância estudo, em especial a vontade que o poeta tinha de trilhar um caminho através do conhecimento. Suely Silveira,
  • 4. 4 irmã de Oliveira Silveira, lembra a época do “coléginho”3 onde ela e os irmãos estudavam: Oliveira lia demais, sempre gostou. E de dizer poesia também ele gostava. Estudava até de madrugada. Meu pai às vezes brigava com ele: “- Ele vai “incurtar a vista!” Ele dizia assim. Mas não tinha jeito, o Oliveira não ia dormir cedo escrevendo. 4 Oliveira Silveira graduou-se em Letras – Português e Francês com as respectivas Literaturas – pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. Trabalhando na docência de português e literatura no ensino médio. FIGURA 1 – Da E para D, galpão onde Oliveira estudou pela primeira vez - área rural de Rosário do Sul/RS; sua formatura no Curso de Letras/UFRGS - Porto Alegre/RS; Atuando como escritor, concedendo um autógrafo para Mario Quintana; E o poeta cultuando as tradições gaúchas em Rosário do Sul. Fonte: Acervo pessoal de Oliveira Silveira - Projeto RS Negro – Vídeo-Documentário “Sou”. Montagem de imagens elaborada por Geanine Escobar. No vídeo-documentário “SOU”, que aborda de forma histórica e poética a identidade afro-gaúcha, Oliveira5 relata que não era possível recuperar tudo, o importante era procurar conhecer ao máximo a cultura negra, trabalhando na perspectiva de conhecer o passado, conhecer a cultura em todos os seus meandros, porém utilizando a atuação no presente e com perspectivas de futuro. Em entrevista, 3 Termo utilizado por Suely Silveira, irmã de Oliveira Silveira, para destacar a simplicidade do espaço onde as crianças e seus irmãos estudavam, em Touro-Passo, interior de Rosário do Sul/RS. Fonte: Entrevista feita com Suely Silveira para o Vídeio-documentário “SOU”, inverno/2010. 4 Fonte: Entrevista feita com Suely Silveira, irmã de Oliveira Silveira, para o Vídeio-documentário “SOU”, inverno/2010. 5 Fonte: http://vimeo.com/17150152. O vídeo-documentário “SOU” é um registro histórico-poético sobre a identidade afro-gaúcha, tendo como base a vida e obra do poeta gaúcho Oliveira Silveira (1941-2009). Oliveira também é conhecido como o poeta da Consciência Negra, por ter sido um dos idealizadore da proposta de criação do 20 de novembro – Dia da Consciência Negra. A produção é de Bureau de Cinema e Artes Visuais. O vídeo integra o Kit RS Negro que é parte do Projeto RS Negro: educando para a diversidade. O Kit é disponibilizado para as escolas gaúchas, a fim de cumprir a Lei 10.639 que estipula a inclusão da história e da cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede nacional de ensino. Acesso em 15.07.11.
  • 5. 5 aos 64 anos de idade (em 2006) quando o poeta é indagado se sua terra natal influenciou na sua carreira, Oliveira respondeu: Sim. Isto se deu através da escola. No início estudava em casa, pois minha professora também morava no sítio. Mais adiante tive contato com livros e comecei a escrever. Em 1958 publiquei meu primeiro poema, num jornal de Rosário. Isto foi muito importante para o início de minha carreira. A partir dos estímulos recebidos de amigos continuei a escrever poemas regionalistas, que marcam até hoje meu estilo. Mais tarde me transferi para Rosário e fiz o ginasial, adiante mudei para Porto Alegre, onde cursei o clássico e a faculdade. 6 Conforme Oswaldo de Camargo (SILVEIRA, 2009, p. 9) “Oliveira, singular pela realização poética e pela freqüência, na sua obra, da temática afro-gaúcha” ampliou a reflexão sobre a memória da criação literária mais preocupada com a função social, sobretudo, a vida dos excluídos por razões de natureza étnico-racial, em especial na região Sul do País. Oliveira lutou incansavelmente pela valorização da cultura negra gaúcha, das histórias contadas pelos negros escravizados nas charqueadas do sul do sul do país, pela valorização da mulher negra, preservação das religiões de matriz africana, respeito aos orixás e a contribuição da cultura africana no mundo. Segundo Escobar (2010, p. 72), a poesia denúncia de Oliveira Silveira “Treze de maio traição, liberdade sem asas e fome sem pão” também traz uma reflexão sobre o dia seguinte à assinatura da Lei Áurea, pois a realidade apresentada à comunidade negra brasileira no pós-abolição da escravatura, foi a exclusão, a negação de suas origens e valores. Nesse sentido, Oliveira, contestava a sociedade de maneira que o negro se tornasse o protagonista e escrevesse sobre a sua própria história, não crendo mais no que lhe foi imposto até 1888. O poeta propôs que os versos do Hino do Rio Grande do Sul: “Povo que não tem virtude/acaba por ser escravo.” Fossem substituídos por: “Povo que é lança e virtude a clava quer ver escravo.” Desta forma a população negra gaúcha se incluiria através dos heróicos lanceiros negros.7 Popularmente conhecido como “poeta da 6 Entrevista feita com Oliveira Silveira em 23 de dezembro de 2006. Disponível em: www.portalafro.com.br. Acesso em 15.07.11. 7 Informação retirada da apresentação “O Processo de Montagem da Exposição e Sarau Literário em Homenagem ao Poeta da Consciência Negra, Oliveira Silveira” elaborada para 12º Fórum Estadual de Museus - Santa Maria/RS por Geanine Vargas Escobar, Augusto Britto, Matias Rempel , Letícia Moreira, Mateus Lesina em maio de 2010.
  • 6. 6 Consciência Negra”, ativista do Movimento Negro, idealizador do “20 de Novembro8 ” como Dia Nacional da Consciência Negra e idealizador do Movimento Clubista, faleceu no Dia Mundial da Paz, em 1º de janeiro de 2009, vitimado pelo câncer.9 MEMÓRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS Oliveira “era militante negro radical e ao mesmo tempo doce... doce..., fala mansa e de atitudes fortes”10 . Em uma entrevista concedida a Geanine Escobar, (16 de agosto de 2012), sua única filha Naiara Silveira, relata que seu pai “nunca teve a intenção de ser „o militante‟, „o herói‟ ou „o exemplo‟ pra alguém, ela afirma que o poeta estava em busca da sua própria identidade, do querer se conhecer. A preocupação dele era de registrar a história do negro e resgatar a história do negro através do que se tem, da sua própria história, a história pessoal de cada negro, além de manter esses registros e ter isso documentado”. Neste sentido, compreender o papel de Oliveira e o seu acervo fotográfico como patrimônio cultural material afro-brasileiro, recordando11 a vida e obra desse poeta, é ativar a memória de alto nível sobre o legado ideológico deixado por Oliveira. Conforme Candau (2012, p. 23) essa memória é essencialmente de recordação ou reconhecimento que pode pertencer a uma memória enciclopédica (saberes, crenças, sensações, sentimentos etc.). Trabalhar com a memória de alto nível através da fotografia de Oliveira pode beneficiar descobertas que irão expandir a memória sobre a cultura negra e ao mesmo tempo estender o esquecimento sobre algumas identidades negras que não serão evocadas, seja deliberadamente ou involuntariamente. Neste 8 No Brasil, diversas casas legislativas estaduais e municipais tem reconhecido o valor simbólico e histórico da data, fazendo valer através de proposições legislativas, o dia 20 de novembro como data símbolo alusivo à consciência negra no Brasil. Importa observar nos textos das leis, a riqueza política e cultural deste símbolo que ultrapassa os muros da história oficial, se revelando como uma das grandes datas nacionais no Brasil, lembrando o líder maior da luta pela libertação dos negros escravizados em nosso País, Zumbi dos Palmares. O projeto de lei 6.097 de 2002, de autoria do nobre Deputado Wilson Santos, declara o dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, feriado nacional. SANTOS, 2003, p. 1. 9 ESCOBAR, 2009, p. 61. 10 ESCOBAR, 2010, p. 4. 11 Conforme Cláudia Cerqueira do Rosário em O Lugar Mítico da Memória (2002, p. 1): Recordar no contexto mítico, significa resgatar um momento originário e torná-lo eterno em contraposição à nossa experiência ordinária do tempo como algo que passa, que escoa e que se perde. A recordação como resgate do tempo, confere desta forma imortalidade aquilo que ordinariamente estaria perdido de modo irrecuperável sem esta re-atualização.
  • 7. 7 sentido, Candau12 destaca na introdução de Antropologia de La memória (2002): “Sem memória, o sujeito se perde, vive unicamente o momento, perde suas capacidades conceituais e cognitivas. Seu mundo fica em pedaços e sua identidade desvanece”. Desta forma a fotografia, além de ser utilizada como fonte histórica, uma comprovação de um fragmento da realidade vivida por negros gaúchos, a fotografia torna-se responsável pela identidade positiva de um aspecto determinado da luta negra, da afirmação da cultura negra. IDENTIDADE E MEMÓRIA: O ACERVO FOTOGRÁFICO DA DÉCADA DE 1970 Conforme o autor Albuquerque (2006), as décadas de 1960 e 1970 foram momentos de grandes transformações culturais, políticas e comportamentais em várias partes do mundo. No Brasil viviam-se os dias tensos e repressivos da ditadura militar, que fechou o Congresso Nacional, cassou os direitos políticos de parlamentares, baniu partidos políticos, proibiu organizações operárias, camponesas e estudantis, prendeu, torturou e eliminou militantes de esquerda. A repressão chegaria aos negros e seus aliados. A questão racial não encontrava lugar nas organizações de esquerda, por isso, jovens negros gaúchos passaram a se reunir no centro da cidade de Porto Alegre para conversar sobre variados assuntos, incluindo a situação do negro na sociedade brasileira. Nesse processo, surgiu o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, que depois passou a se intitular apenas Movimento Negro Unificado (MNU), o qual Oliveira Silveira fazia parte, contestava a idéia de que se vivia uma democracia racial brasileira, idéia que os militares adotaram na década de 1970.13 Grupo Palmares como um catalisador das demandas que pertenciam a toda comunidade negra porto-alegrense. Campos (2010) afirma que as ações do Palmares estruturam-se a partir da proposta de substituir o 13 de Maio pelo 20 de Novembro, como principal dia de 12 Candau em Antropologia de La memória (2002, p. 3 a 17) - Propõe a idéia de Antropologia da Memória, motivada pelo mnemotropismo da atualidade e fala dessa análise em duas dimensões: o recordar e o esquecer (amnésia). Essa ideia está na busca de analisar as formas diferentes como as diversas culturas representam ou manipulam a memória. A memória é parte da biologia humana, é parte da natureza e o uso que o homem faz dessa faculdade. A memória evoluiu com o passar do tempo. O autor também explicita que a memória é plástica, flexível, flutuante e está dotada de ubiqüidade, de uma grande capacidade adaptativa e variável de um individuo a outro. 13 ALBUQUERQUE, 2006, p. 281.
  • 8. 8 comemoração e protesto para os negros brasileiros.Dessa forma obtem-se a releitura da história, segundo o Grupo Palmares, como à tomada de consciência negra e da condição social dos negros no Brasil. Conseqüentemente, segundo Campos (2010 p. 232) foi a retomada a trajetória de resistência, abandonada por ação da ideologia assimilativa, guardada no discurso da existência de uma democracia racial. Oliveira Silveira registrou uma crítica referente à data Treze de Maio: Nós vimos logo que o 13 de maio teve consequências práticas. Não havia medidas efetivas voltadas à comunidade negra. Foi uma liberdade que apareceu apenas na lei e nada de concreto ocorreu depois. Ao mesmo tempo, era uma data oficial, que o oficialismo governamental queria que fosse comemorada, celebrada, com homenagens à princesa Isabel. Ao passo que Palmares significava uma liberdade conquistada na luta, que durou um século inteiro, e, por isso era plena de significado. Os homens e mulheres quilombolas fizeram um trabalho de resistência, de afirmação da dignidade humana sem precedentes, de luta pela defesa da liberdade. Então, não havia dúvidas de que aquela era a principal passagem da história do negro no Brasil. 14 A busca da consolidação de uma identidade negra discutida veementemente pelo Grupo Palmares, em plena ditadura, segundo Oliveira, não fazia com que o grupo se reconhecesse como subversivo. Fato que podemos observar no depoimento Juarez Ribeiro: Creio que a ditadura militar não levou em consideração a ação dos Movimentos Sociais Negros como risco à ditadura militar. O alvo dos militares estava mais voltado à repressão de organizações partidárias, movimentos de guerrilha, movimentos estudantis, organizações de classe e igrejas católicas e protestantes, etc. Podemos perceber alguns casos de negros e negras que nesse período foram exilados ou perseguidos internamente, em virtude de suas ligações aos setores anteriormente citados. (RIBEIRO, 2011). Simbolicamente, estes jovens negros, propunham romper com a idéia de liberdade concedida por uma concepção de liberdade conquistada, tendo em Palmares e em Zumbi seu referente. Já no ano de 1971, foi realizada uma homenagem a Luiz Gama, em 21 de agosto, e o 1º Ato Evocativo ao 20 de Novembro no Clube Náutico Marcílio Dias (Fig. 2). 14 Oliveira Silveira por Oliveira Silveira da Ferreira, em www.oliveirasilveira.blogspot.com, acesso em 15.07.2010.
  • 9. 9 FIGURA 2- Da E para D, duas reportagens da década de 1970 sobre o Grupo Palmares; a terceira imagem trata-se do 1º Ato Evocativo ao 20 de novembro realizado em 1971 pelo Grupo Palmares, em Porto Alegre no Clube Náutico Marcílio Dias. Fonte: Acervo pessoal de Oliveira Silveira - Projeto RS Negro – Vídeo-Documentário “Sou”. Montagem de imagens elaborada por Geanine Escobar. Constituía-se, desta maneira, o Grupo Palmares, cuja proposta inicial seria rever a história do Brasil em busca de novos referenciais negros. Entende-se esses novos rumos para as comunidades negras do Rio Grande do Sul, como dispositivos utilizados para a auto afirmação de negros e negras perante a sua auto-estima e auto-imagem, pois tratava-se de não reverenciar mais a Princesa Isabel, mas sim Zumbi dos Palmares, que foi símbolo de resistência e luta quilombola15 perante a exploração escravagista. Quando é indagado sobre o que é Consciência Negra na sua opinião, o poeta explica “[...] para nós do Movimento Negro, nós negros a Consciência Negra significa a busca de um conhecimento a respeito de nós mesmos. Eu gosto dessa diversidade étnica que nós temos no Brasil e mais especificamente aqui no Rio Grande do Sul”.16 Na linha das “retóricas holistas”17 de Candau (2012, p. 29-30), Oliveira segue seu pensamento pelo caminho da essencialidade das “implicações ontológicas”18 . 15 Conforme Rafael Sanzio Araújo dos Anjos (pesquisa) e André Cypriano (fotografia) em Quilombolas. Tradições e Cultura da Resistência – Prefácio (2006): Quilombo são repúblicas de homens livres formadas pelos negros escravizados que se livraram do cativeiro mais atroz e partiam para vida nova. Calcula-se que no Brasil, existam hoje cerca de 2842 comunidades quilombolas, ou seja, remanescentes dos quilombos. 16 Fonte: http://www.pucrs.br/edipucrs/. Vídeo-documentário “Sou”. Produção Bureau de Cinema e Artes Visuais. O vídeo integra o Kit RS Negro que é parte do Projeto RS Negro: educando para a diversidade. 17 Conforme Joel Candau em Memória e Identidade; tradução Maria Letícia Ferreira (2012, p. 29): O autor entende por retóricas holistas o emprego de termos, expressões, figuras que visam designer conjuntos supostamente estáveis, duráveis e homogêneos, conjuntos que são conceituados como outra coisa que a simples soma das partes e tidos como agregadores de elementos considarados, por natureza ou convenção, como isomorfos. É designado assim um reagrupamento de indivíduos (a comunidade) ou elementos reais ou imaginários (identidade étnica). É a Retórica holística que constrói e sustenta a memória coletiva, e nesse caso, é a mesma que sustenta a memória coletiva da comunidade negra sul-riograndense.
  • 10. 10 No momento em que a sua busca pela metamemória, que é basicamente a construção explícita da identidade e representação que cada indivíduo faz de sua própria memória está diretamente ligado com a sua intensa investigação sobre a cultura negra gaúcha, principalmente. É possível compreender esse processo identitário pela fala de Amaro Silveira19 , irmão do poeta, que relata que embora Oliveira tivesse muito carinho com seu pai, o poeta procurou saber mais sobre a parte negra da família. Até esse momento se conseguiu pautar questões sobre a influência da criação e origem de Oliveira sobre a sua carreira de escritor e sobre a literatura negra como motivador da identidade e auto-afirmação, especialmente dos negros gaúchos. Nesse sentido, Hall (1999) coloca que a identidade é definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente: Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu”. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. A partir do pensamento de Hall (1999) pode-se contextualizar essa releitura da história, protagonizada por Oliveira Silveira, como a busca pelo pensamento político-literário dos negros gaúchos. Tendo em vista que o trabalho em torno da identidade é realmente algo formado ao longo do tempo. No entanto, existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. Por este motivo Oliveira Silveira, juntamente com o Movimento Negro Unificado e o Grupo Palmares estudavam continuamente identidades positivas para os negros brasileiros. 18 Ontologia refere-se a parte da filosofia que estuda o conhecimento ser, questões metafísicas e a existência. 19 Entrevista feita com Amaro Silveira, irmão de Oliveira Silveira, para o Vídeio-documentário “SOU”. Inverno/ 2010. Fonte: Disponível em: http://vimeo.com/17150152.
  • 11. 11 AS POLÍTICAS PÚBLICAS Oliveira atuou constantemente no Movimento Negro através da militância política, vivenciou e registrou momentos decisivos de emancipação política das comunidades negras, possuindo um acervo fotográfico pessoal carregado de memória negra gaúcha. Ao longo de quase 50 anos o poeta proporcionou condições para questionamentos profundos da realidade do Negro no Brasil e no Mundo. Segundo Rosário (2002), lembrar o acervo de Oliveira é buscar uma memória que ligue o presente ao passado, mostrar ao ser que existe como se constituiu e no que se fundamenta para vir a ser. Mostra-nos identidade e diferença, nos aponta a repetição, permite que nos admiremos diante do novo. Pois não se diz que é "novo" aquilo diante do qual procuramos referências na memória e não encontramos? Portanto, Oliveira Silveira é um subsídio para o encontro de novas formas de preservação de uma memória, de sobrevivência do passado da história do negro no Rio Grande do Sul. Quando se trata de administração de ações governamentais de salvaguarda voltadas para as comunidades negras no Brasil, cita-se a Fundação Cultural Palmares, que é o fruto do movimento negro brasileiro. Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é uma instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura que tem a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira. Preocupada com a igualdade racial e com a valorização das manifestações de matriz africana, a Palmares formula e implanta políticas públicas que potencializam a participação da população negra brasileira nos processos de desenvolvimento do País.20 Foi o primeiro órgão federal criado para promover a preservação, a proteção e a disseminação da cultura negra. A Fundação Cultural Palmares afirmava a mais de vinte anos o compromisso de concepção de ações em prol da cultura negra, inclusive tendo criado uma Biblioteca, que em homenagem ao Poeta da Consciência Negra em 16 de dezembro de 2011, a “Bilbioteca Oliveira Silveira”21 . A UNESCO é a instituição mais importante quando se trata de políticas internacionais, pois promove a identificação, a proteção e a preservação do 20 Fonte: <http://www.palmares.gov.br/quem-e-quem>. Acesso em 15/07/2012. 21 Fonte: <http://www.palmares.gov.br/2011/12/inaugurada-a-biblioteca-da-fcp-em-homenagem-a- oliveira-silveira>. Acesso em 26.07.2012.
  • 12. 12 patrimônio cultural e natural de todo o mundo. Porém, existem diversas ações nacionais e internacionais que devem ser consideradas. Órgãos que incumbem com o Artigo 23 e que são politicamente responsáveis pela proteção dos bens culturais materiais e imateriais de interesse público. Sobre o movimento político mundial, que propõe a preservação do Patrimônio Cultural, é possível afirmar que este se liga diretamente a preservação das identidades, essa é também uma das funções do Estado e um dever de toda sociedade. Com base nesse conjunto de políticas públicas adotadas com o objetivo de promover a ascensão de grupos socialmente minoritários, como as comunidades negras, entende-se essa pesquisa como parte da implementação dessas políticas, pois é uma ação afirmativa. E seguindo o pensamento de Ricoeur (2007), esta pesquisa vem cobrar a justa memória e inclusão da comunidade negra na história do país de forma digna. Pensa-se no dever que a pesquisa acadêmica possuí em divulgar possibilidades de aprofundamento na história dos negros brasileiros e o comprometimento com a lembrança através de uma fonte iconográfica, tendo em vista não mais o esquecimento. CONCLUSÃO É possível observar que hoje, no Brasil se vive (parte) da idealização do ontem, do Grupo Palmares, e vive o sonho de antigos líderes como Oliveira Silveira que, através de sua pesquisa, procurou mudar a realidade histórica vivida pelos negros brasileiros, deixando um legado fotográfico que volta o nosso o olhar para o negro como o escritor, lutador, pesquisador, intelectual, consciente da sua identidade. Conforme, ressalta Zila Bernard22 : “Oliveira Silveira tinha o intuito de despertar, em especial, nas comunidades negras do Rio Grande do Sul, um desejo de sentir-se inseridas na cultura negra. Além de expressar por meio da sua poesia afro, uma posição de identidade que trazia a afirmação de querer e ser gaúcho. Ele faz essa dupla afirmação identitária através da sua poesia: como negro e como gaúcho.” 22 Entrevista feita com Zila Bernard, pesquisadora em Literatura, para o Vídeo-documentário “SOU”. Inverno/ 2010. Fonte: Disponível em: http://vimeo.com/17150152.
  • 13. 13 Foi pensando na afirmação dessa identidade que Oliveira registrou e escreveu sobre tantos momentos de luta e que em conseqüência de suas ações ficou conhecido popularmente como o poeta da Consciência Negra. Oliveira foi um dos idealizadores da proposta de criação do 20 de novembro – Dia da Consciência Negra. Neste sentido, ter acesso ao seu acervo iconográfico é também trabalhar com outra perspectiva o Art. 79-B da Lei 10.639, pois o mesmo afirma que o calendário escolar de todas as escolas brasileiras deve incluir o dia 20 de novembro como „Dia Nacional da Consciência Negra‟. É importante lembrar que os primeiros resultados definitivos, divulgados em novembro de 2010, pelo Censo, apontaram uma população brasileira formada por 190.732.694 pessoas e o percentual de pessoas que se declararam pretas no passou de 6,2% para 7,6% em uma década. O aumento foi maior entre as que se declararam pardas, de 38,5% para 43,1% no mesmo período. Em 2010, aproximadamente 91 milhões de pessoas se classificaram como brancas, 15 milhões como pretas, 82 milhões como pardas, 2 milhões como amarelas e 817 mil como indígenas. 23 Estes números, frutos de estudos e pesquisas realizadas há décadas pelo IBGE, comprovam que o Brasil é a segunda maior nação negra do mundo fora do Continente africano. Esse percentual que aponta o aumento da auto-declaração de pretos e pardos, é um dos resultados mais expressivos das ações afirmativas, pois em síntese, a ação afirmativa tem como objetivo combater as desigualdades sociais resultantes de processos de discriminação negativa, dirigida a setores vulneráveis e desprivilegiados da sociedade.24 Sendo assim, estima-se que esta pesquisa vislumbre outras possibilidades de aprofundamento e olhares fotográficos, políticos e patrimoniais. Conforme Francisca Michelon e Francine Tavares (2008, p. 20) “o lugar da memória é, pois, o lugar da imortalidade”. Com base nesta frase, pode-se dizer que em 2009, em nossa memória, nasceu o mais novo ancestral, o poeta digno de um cunho de lanceiro negro. “Gosto de preto em gente, vermelho em coisas...”, assim dizia Oliveira. Aqui cumpriu sua missão. Valeu a luta! Escobar (2009). 23 Fonte: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm. Acessado em 09.08.2012. 24 Fonte: http://www.palmares.gov.br/observatorio-afro-latino/. Acessado em 25.07.2012.
  • 14. 14 REFERÊNCIAS CAMPOS, Deivison Moacir Cezar de. A ressignificação de Palmares: uma história de resistência. Capítulo 14. In: SILVA, Gilberto Ferreira da; SANTOS, José Antônio dos, CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS NEGRO - Cartografias sobre a produção do conhecimento. 2ª Edição. Revisada e Ampliada. Porto Alegre, 2010. CANDAU, Joël. Memória e Identidade. Tradução Maria Letícia Ferreira. São Paulo: Contexto, 2012. ESCOBAR, Giane Vargas - Clubes sociais negros: lugares de memória, resistência negra, patrimônio e potencial / por Giane Vargas Escobar. Santa Maria, RS maio de 2010. FERREIRA MICHELON, Francisca; SILVEIRA TAVARES, Francine. (organizadoras). Fotografia e Memória. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária da UFPel, 2008. HALBWACHS, Maurice (1877-1945). A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. RIBEIRO, Juarez. Juarez Ribeiro: depoimento [jul. 2011]. Entrevista concedida à Geanine Escobar. Santa Maria, 2011. RICOEUR, Paul. A Memória, a história, o esquecimento. Campinas, Unicamp, 2007. SILVEIRA, Oliveira. Poemas: Antologia. Oliveira Ferreira da Silveira 1941 – 2009. Seleção e Prefácio de Oswaldo de Camargo. Porto Alegre: Edição dos Vinte, 2009. SOUZA, Forentina; LIMA, Maria Nazaré. Literatura afro-brasileira._Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. p. 13 a 26. SANTOS, Deputado Wilson; MACHADO, Deputado Gilmar. Comissão de Educação e Cultura. (Apenso o PL 1442, de 2003). Projeto Lei nº 6.097, de 2002. Declaração do Feriado Nacional; dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Sala das Sessões, MG, 2003.