Candau, vera lucia linguagens espacos e tempos no ensinar
Indicações de leitura
1. GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.
Secretaria de Educação, da Cultura e dos Desportos – SECD.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE-UERN.
CAMPUS CAICÓ - CAC.
CURSO DE FILOSOFIA
Rua André Sales, n. 667, Bairro Paulo VI, CEP 59300-000, Caicó-RN.
PROJETO DE PESQUISA INSTITUCIONAL: “FILOSOFIA NA INFÂNCIA: PERSPECTIVAS PARA O
DEBATE”
TEXTO INDICADO PARA FUNDAMENTAÇÃO INICIAL
(Também pode acessado em www.filosofianainfância.blogspot.com, no link “Indicações de
leitura”)
Disponível em: http://www.cbfc.org.br/stc_filosofiacrianca.asp
Acesso em 15/04/2009
1 O QUE É FILOSOFIA
À primeira vista, entendemos a filosofia como algo enigmático,
profundamente abstrato e distante da realidade. Essa visão da filosofia
decorre dos complexos trabalhos de pensadores que, ao longo da história,
refletiram e buscaram diferentes respostas sobre questões que continuamente
fazemos ao longo de nossa existência. Indagações sobre o conhecimento,
sobre os valores, sobre a natureza, sobre a beleza, sobre o homem.
Essas inquietações decorrem da necessidade que todo ser humano
tem de compreender o significado do mundo e de si mesmo. Na busca dessa
compreensão criamos novos significados, questionando e tecendo uma teia de
relações cada vez mais abrangentes que nos indiquem respostas, mesmo que
provisórias. Desta forma, o primeiro passo para a filosofia é a inquietação que
conduz ao questionamento. O objeto da filosofia é a reflexão, o movimento
do pensamento que nos permite recuar, nos distanciarmos dos fatos
aparentemente banais para buscarmos seus fundamentos.
Se é verdade que continuamente refletimos, nem sempre refletimos
com radicalidade, ultrapassando as fronteiras da superficialidade para
buscarmos as raízes de nossa forma de pensar e agir no mundo. A reflexão
radical requer um caminho que nos garanta esse aprofundamento, ela deve ser
organizada, ciente dos princípios e dos objetivos que almeja. Radicalidade,
sistematização e abrangência são as marcas da Filosofia que nasce da
experiência humana, da tentativa do ser humano de compreender a si mesmo
e tudo que o cerca, valendo-se da autonomia da razão para criar e recriar
conscientemente o mundo em que vivemos.
A complexidade da filosofia está na enigmática e surpreendente
aventura de idéias que nos identifica e nos diferencia de outros seres.
Portanto, a filosofia está presente na ciência, na arte, no mito, na religião, no
cotidiano. Embora possamos afirmar que a filosofia esteja presente nas
diversas manifestações do humano, ela não se confunde com nenhuma dessas
formas de conhecimentos específicos, mas as fundamenta. Essa busca de
fundamentos faz da história da filosofia uma história sem fim, porque diz
2. respeito a todos em todas as épocas. Por isso, nunca é cedo ou tarde demais
para iniciarmos essa aventura do filosofar.
2 O QUE É FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
O contexto do mundo atual impõe um grande desafio aos
educadores: a formação de pessoas com as habilidades necessárias para
transformar informação em conhecimento e conhecimento em ações
consequentes. A velocidade com que são produzidas e repassadas as
informações exigem uma forma mais elaborada de apreensão, possibilitando,
assim, relacioná-las e delas extrair tudo aquilo que está implícito. Além disso,
os indivíduos desta sociedade em rápida transformação terão êxito e serão
atuantes na medida em que conseguirem interagir autonomamente com o
meio em que vivem.
Neste sentido, uma vez mais, a Educação tem papel de destaque na
formação deste novo indivíduo. A simples transmissão de informações
produzidas ao longo da história já não basta. Cabe à Educação, agora, dar os
instrumentos necessários para que, a partir do que já foi construído, as
pessoas possam elaborar novos conhecimentos, desenvolver seu potencial
criativo, enfrentar novos desafios, relacionar as informações e tirar suas
próprias conclusões.
Diante desse panorama, o Centro Brasileiro de Filosofia para
Crianças salienta a necessidade de se aprender a pensar melhor e a pensar por
si mesmo. Quando a Filosofia é ensinada através do diálogo investigativo,
como é proposto no Programa de Filosofia para Crianças e, especialmente,
quando os estudantes ainda são crianças, a tendência é que eles saiam de seus
cursos mais críticos, mais criativos e mais sensíveis ao contexto em que
vivem.
A experiência tem nos mostrado que crianças e adolescentes que
estão expostos à esse Programa desenvolvem: maior autonomia de
pensamento, uma percepção ética mais aguçada, autocorreção, respeito por
pensamentos diferentes do seu, respeito à opinião de outras pessoas,
capacidade de dar boas razões para seus argumentos, entre outras habilidades.
2.1 Principais objetivos
O Programa Filosofia para Crianças - Educação para o Pensar é um
programa educacional que visa três objetivos intercomplementares:
iniciação filosófica de crianças e jovens;
educação para o pensar;
preparação para uma cidadania responsável.
2.1.1 Iniciação Filosófica:
Crianças, jovens e adultos colocam, para si próprios, questões que
demandam não só um esforço explicativo a respeito de aspectos relevantes da
realidade, mas, também, um esforço de constituição de sentidos desta
realidade e de si mesmos nela.Os sentidos, constituídos historicamente pelos
seres humanos, alimentam suas vidas e os vão constituindo como
3. pessoas.Essas referências significativas são uma necessidade: as pessoas
podem participar do esforço da sua constituição ou podem receber prontos os
sentidos produzidos por alguns poucos que acabam se tornando os donos das
referências!...
Filosofia para Crianças pretende iniciar crianças e jovens na luta pela
constituição autônoma e co-participada dos sentidos. O objetivo é auxiliá-los
a se tornarem cidadãos que sejam capazes de oferecer contribuição pessoal
enriquecedora na construção continuada das necessárias referências
orientadoras das vidas humanas.
Pensar, reflexiva e criticamente sobre as questões que dizem respeito
à constituição dos sentidos, é estar iniciando-se no próprio processo do
filosofar, antes mesmo de ter acesso à produção daqueles que são
reconhecidos, pela qualidade de suas reflexões, como os grandes filósofos.
2.1.2 Educação para o Pensar:
O pensar é recurso humano imprescindível, tanto para a produção de
explicações, quanto para a constituição dos sentidos. Exercitá-lo, no
enfrentamento das questões envolvidas na busca da construção de
significados, pode resultar no seu próprio aprimoramento.E tal
aprimoramento ocorrerá se o exercício do pensar merecer atenção e cuidados
especiais por parte dos educadores e dos próprios educandos.
O Programa Filosofia para Crianças - Educação para o Pensar
oferece indicações para tanto, fundamentação teórica consistente,
metodologia adequada e materiais de apoio para uso dos educandos e dos
educadores.
O aspecto central da metodologia do Programa é a realização do
diálogo investigativo que transforma os grupos de educandos em pequenas
comunidades de investigação. Nelas, os participantes expõem suas idéias,
escutam-se uns aos outros, questionam-se mutuamente, comparam seus
pontos de vista, complementando-os e eventualmente, corrigindo-os. Trata-se
de um verdadeiro processo de cooperação intelectual, afetiva e criativa.
As interações sócio-linguísticas que aí ocorrem, devidamente
observadas, cuidadas e orientadas por educadores preparados, são promotoras
do desenvolvimento das condições cognitivas: um verdadeiro processo de
Educação para o Pensar.
2.1.3 Preparação para uma cidadania responsável:
A participação produtiva numa pequena comunidade de investigação
exige comportamentos e atitudes de cooperação, respeito mútuo, interesse por
objetivos comuns, avaliação crítica, que são, dentre outros, elementos
importantes para o exercício democrático na sociedade. A ocupação dos
espaços da cidadaniarequer das pessoas tais comportamentos e atitudes que
podem decorrer ou ser reforçados quando se aprende desde cedo:
a respeitar os pontos de vista dos outros;
que o próprio ponto de vista tem o mesmo valor e peso do dos outros;
a respeitar a vez dos outros e a exigir respeito pela própria vez;
a respeitar regras combinadas;
4. que as regras podem ser discutidas e modificadas, mas que são
necessárias para a vida em comum;
que todos somos iguais;
que todos somos igualmente dignos de respeito.
Tais aprendizados são elementos éticos necessários às relações
sociais e o domínio dos mesmos, só é possível, no seu exercício prático
acompanhado da atenção intelectual que o examina cuidadosamente.Tudo o
que é feito é pensado e repensado crítica e criativamente possibilitando pesar
(ponderar) justificativas, motivos e possíveis conseqüências. Quando se
pondera, res-ponde-se: torna-se responsável.Realizar este exercício, nas
pequenas comunidades de investigação com crianças e jovens, pode ensejar a
sua continuação na vida adulta.
3 UM POUCO DA HISTÓRIA DO PROGRAMA FILOSOFIA PARA
CRIANÇAS
No final da década de 60, o Professor norte-americano Dr. Matthew
Lipman, preocupado com o desempenho insuficiente de seus alunos,
concebeu o Programa Filosofia para Crianças, visando cultivar o
desenvolvimento das habilidades cognitivas mediante discussões de temas
filosóficos e visando, com tais discussões, a iniciação filosófica de crianças e
jovens. Há 34 anos, lançava, assim, as bases do Programa de Filosofia para
Crianças, inaugurando um novo paradigma educacional que tem por meta o
desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e cuidadoso.
Em 1974, auxiliado pela Dra. Ann Margareth Sharp, fundou o
Institute for the Advancementof Philosophy for Children (IAPC), instituição
vinculada à Universidade Estadual de Mont Clair, New Jersey – EUA, com o
objetivo de estruturar melhor o currículo de Filosofia para Crianças, preparar
educadores para o trabalho em sala de aula, realizar pesquisas acadêmicas
sobre o Programa e oferecer suporte e preparação para os Centros de
Filosofia em outros países.
Já na década de 70, o Programa Filosofia para Crianças demonstrou
ser uma abordagem promissora para o aprimoramento das habilidades
cognitivas e, a partir de 1976, espalhou-se pelo mundo, sendo traduzido e
trabalhado em vários países.
Atualmente, mais de 50 países trabalham com esta proposta. Entre
eles: Argentina, Armênia, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Bulgária, Chile,
Costa Rica, Finlândia, Hungria, Islândia, Israel, Itália, Quênia, Lituânia,
Malta, México, Holanda, Canadá, Nova Zelândia, Nigéria, Filipinas, Polônia,
Portugal, China, Romênia, Rússia, Singapura, África do Sul, Coréia do Sul,
Espanha, Suécia, Turquia, Inglaterra, Uruguai.
Lipman acredita ser a filosofia a disciplina, por excelência, capaz de
favorecer o desenvolvimento da capacidade das crianças de fazer juízos
logicamente corretos, estimular atitudes éticas e o pensamento
reflexivo.Assim como os filósofos, as crianças se perguntam sobre os
fundamentos dos valores e dos conhecimentos humanos. Propiciar o processo
de investigação filosófica de forma sistemática com crianças é fornecer as
ferramentas e um método eficiente para aperfeiçoar o pensamento, pois é na
filosofia que se edificam as questões sobre o significado da realidade e sobre
5. o próprio processo do pensar.
Em 1998, a UNESCO ofereceu ajuda para disseminação de
Filosofia para Crianças através de sua rede mundial.No Brasil, o Programa
Filosofia para Crianças foi trazido pelas mãos da Professora Catherine
Young Silva, que fundou o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças
(CBFC), em janeiro de 1985.
3.1 Metodologia
Neste paradigma educacional não cabe à escola ensinar o produto
das investigações, mas ensinar o procedimento investigativo. A meta é
desenvolver as habilidades cognitivas dentro de um contexto significativo e
não de forma fragmentada e automatizada.
O diálogo cumpre um papel fundamental neste contexto. É o diálogo
que, por um lado, motiva o exercício de um pensar criterioso, criativo,
autocorretivo, sensível ao contexto e, por outro, ensina o exercício de
cidadania enquanto respeito ao outro, às opiniões divergentes, à diversidade
cultural.
Ao colocar os temas filosóficos presentes em textos narrativos
(novelas filosóficas), Matthew Lipman não quer apenas aproximar as
discussões filosóficas do cotidiano de crianças e jovens, mas pretende
aproximar o processo educacional do filosofar, o que implica em buscar
meios para transformar as salas de aula em pequenas comunidades de
investigação. O conceito de comunidade de investigação de Matthew
Lipman envolve a necessidade de um espaço educacional onde os envolvidos
se sintam membros de uma comunidade, onde possam apossar-se de idéias
conjuntamente, construir sobre as idéias dos outros, pensar com autonomia
explorando suas pressuposições e possam trazer para suas vidas a percepção
do que é descobrir, inventar, analisar e criticar coletivamente.
3.2 Novelas filosóficas
Preocupado em tornar o conteúdo filosófico compreensível e
significativo para crianças, Lipman escreveu uma série de "novelas
filosóficas", histórias cujos personagens estão procurando entender e resolver
os problemas que cercam o cotidiano.Tais personagens não são os grandes
pensadores colocados num passado remoto, mas crianças e jovens intrigados
com as questões essenciais presentes em toda a história do pensamento. O
que é verdade? O que é beleza? Como conhecemos? O que é justo?
As questões clássicas da filosofia ganham sentido na narrativa,
tornando o filosofar um exercício lúdico e fascinante de descoberta do
mundo, dos conceitos e do próprio processo do pensar.As novelas filosóficas
percorrem diferentes temas relacionados às áreas da investigação filosófica de
forma adequada às crianças.
4 CIDADANIA E FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
São inúmeros os sentidos atribuídos à palavra cidadania. O
envolvimento e comprometimento com ações coletivas fundadas na
construção da identidade e na ampliação dos direitos básicos é um desafio a
6. ser alcançado. O acesso às manifestações da arte e da cultura, o acesso às
inovações tecnológicas, programas de profissionalização de crianças e
adolescentes, programas de saneamento e saúde preventiva têm alcançado
resultados bastante significativos.
No entanto, é preciso considerar que as ações se fundamentam num
exercício de reflexão capaz de estabelecer relações entre o indivíduo e o
mundo alicerçadas em raízes profundas dispersas na multiplicidade de
informações. O contato com essas raízes se faz pela filosofia e pelo pensar
consciente das relações que estabelece. É a trama do tecido que se esconde
atrás de estampas que permitirá a construção de novas teias do pensar e do
agir.
A construção de uma cidadania responsável através da iniciação
filosófica de crianças e jovens e da proposta de uma educação para o pensar é
um tema que contém os princípios norteadores do Programa de Filosofia
para Crianças - Educação para o Pensar.
O Programa de Filosofia para Crianças propõe o envolvimento de
alunos, de forma reflexiva, com temas comprovadamente formativos do
substrato humanístico necessários a todas as pessoas, particularmente
enquanto cidadãs. Tais temas dizem respeito aos valores (especialmente os
morais), à convivência social racional, à importância do bem pensar e do
pensar autônomo.
O Projeto de Filosofia para Crianças é uma das ações que torna
viável a concretização de uma proposta educacional voltada para a cidadania
responsável. Numa postura filosófica, o conceito de cidadania não se limita à
reivindicação de direitos e cumprimento de deveres, mas entende-se o
cidadão como aquele que tem pensamento crítico, criterioso, ético e
estético.Neste sentido, a implantação do Programa de Filosofia para Crianças
contempla o conceito de cidadania em uma perspectiva mais ampla, uma vez
que:
Permite a aproximação de crianças e jovens do pensamento reflexivo,
global e sistemático, próprios do filosofar, o que possibilita seu
reconhecimento no mundo de valores e conhecimentos da
humanidade, a análise crítica dos mesmos e a busca de formas
alternativas para propor problemas e soluções. Em suma, a reflexão
transforma-se em ação concreta na construção efetiva da cidadania.
A metodologia específica do Programa de Filosofia para Crianças,
fundamentada na investigação dialógica, e o uso de um material
estruturado permitem o uso de estratégias de intervenção educativa
intencionais visando o desenvolvimento das habilidades cognitivas,
que são instrumentos necessários do bem pensar. Tais habilidades,
quando desenvolvidas, não apenas se transferem ao desempenho
escolar nas diversas áreas curriculares, mas contribuem na formação
de cidadãos capazes de equacionar problemas e encontrar soluções
criativas e éticas, nos diferentes contextos em que vivem.
O Programa de Filosofia para Crianças tem se configurado como um
dos alicerces para uma proposta educacional que atenda aos anseios
de uma sociedade multiculturalista e com transformações econômicas
7. e sociais dinâmicas. Um dos grandes desafios pedagógicos atuais é a
conquista da autonomia intelectual, tanto pessoal quanto coletiva, de
educadores e educandos. A melhoria da qualidade de ensino indica a
necessidade de formação global, não só de educandos, mas também
dos educadores. Neste sentido, o exercício do filosofar dá a
oportunidade de Educadores e Educandos, juntos, numa Comunidade
de Investigação, pensarem autonomamente em suas vidas e práticas,
ampliando o universo cultural através do diálogo investigativo. O
respeito à diversidade cultural e intelectual no esforço de construção
conjunta do conhecimento impõe uma nova concepção do educar e
provoca mudanças no próprio ambiente social
Desta forma, a implantação do Programa de Filosofia para Crianças,
contempla aqui três dimensões da cidadania:
A cidadania enquanto busca sistematizada dos significados e
referências da comunidade, através do processo do filosofar.
A cidadania enquanto esforço educativo que desenvolva um pensar
crítico, criativo e sensível ao contexto, através do desenvolvimento
das condições cognitivas.
A cidadania enquanto construção de um paradigma de conhecimento
alicerçado no diálogo e na investigação, através da formação de uma
Comunidade de Investigação que envolva educadores e educandos.