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Elísio Estanque*
Jornal PÚBLICO, 29.09.2012
Rentrée política

                                    Realismo utópico

«(…) O realismo utópico combina a ‘abertura de janelas’ sobre o futuro com a análise das
tendências institucionais atuais, através das quais os futuros políticos estão imanentes no
presente.» (A. Giddens, The Consequencies of Modernity, 1992).
      A utopia é o oposto de ideologia, já que esta (no sentido sociológico) justifica uma
dada ordem, enquanto aquela tenta romper com ela, construindo alternativas.
Enquanto o poder instituído tende a naturalizar as injustiças, pintando a realidade de
tons coloridos e omitindo os aspetos mais inconvenientes, a utopia promete a
emancipação, projetando no futuro um outro modelo de organização social. Mas é tão
errado tomar a utopia como sinónimo de idealismo ou de ilusão, como é impossível
“ver” a realidade que temos se nos limitarmos a usar os sentidos, sem o pensamento
reflexivo.
      Na encruzilhada onde nos encontramos, os nossos decisores permanecem
prisioneiros dos mesmos esquemas mentais e ideológicos onde foram formatados,
insistindo nas mesmas receitas erradas, apesar de saltarem à vista os seus efeitos
desastrosos. Como dizia Paul Samuelson – referindo-se aos seguidores neoliberais de
M. Friedman – “aprenderam a usar um martelo e estão a usá-lo até para limpar vidros”.
E se, como nos ensinou a economia política, o pensamento económico é indissociável
da política, é evidente que os centros de poder criam os seus think tanks e ajustam os
seus gabinetes de consultoria, recrutando quem lhes ofereça as melhores garantias
“técnicas” e “científicas” para legitimar o sistema vigente e servir os seus interesses.
Quaisquer que sejam os princípios morais, crenças e valores, repousam sempre em
“pré-conceitos” e representações do mundo moldados por ideologias, isto é, segundo a
posição de poder e o lugar de classe que se ocupa na estrutura da sociedade.
      É sabido que as promessas de sociedade harmoniosa e perfeita que surgiram no
Ocidente – socialismo, comunismo ou capitalismo; umas mais coletivistas e igualitárias,
outras mais individualistas ou meritocráticas – se revelaram, todas elas, modelos ideais
sem plena tradução na realidade concreta. Umas apaziguando o povo outras
acicatando a sua revolta, as ideologias e projetos “utópicos” ajudaram a roda da
história a avançar, embora sob formas contraditórias e para lá das intenções dos seus
mentores e líderes. A força de uma dada ideologia depende mais da negação das
outras, isto é, da capacidade de diabolizar as propostas rivais, do que da sua
concretização. Por outras palavras, a manipulação consiste numa narrativa em que se
conjugam ameaças e promessas para consolidar adesões e fabricar o consentimento.
É isso que tem tentado fazer o nosso governo. Sem sucesso, aliás (porque já atingiu o
prazo de validade).
       Slavoj Zizek utilizou uma velha piada da antiga República Democrática Alemã
(que contou aos jovens manifestantes do Occupy Wall Street em Nova Iorque) para
criticar aqueles que se recusam a encarar os novos desafios e pintam de cor-de-rosa
uma realidade dramática: "Um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria;
sabendo que toda a sua correspondência seria lida pelos censores, disse aos seus
amigos antes de partir: Vamos combinar um código: se vocês receberem uma carta
minha escrita com tinta azul, ela é verdadeira; se a tinta for vermelha, é falsa. Um mês
depois, os amigos receberam a primeira carta dele, escrita a azul: é tudo uma
maravilha por aqui. Os stocks das lojas estão cheios, a comida é abundante, os
apartamentos são amplos e aquecidos, os cinemas exibem filmes ocidentais, há
mulheres lindas, prontas para um romance. A única coisa que não temos é tinta
vermelha."…
       O realismo utópico atual terá de saber usar a tinta vermelha na denúncia que faz.
Mas tem de conjugar os objetivos imediatos com a mudança estrutural no médio prazo.
No maio de 68 o slogan da juventude estudantil “sejam realistas, peçam o impossível!”,
simbolizou a junção entre o sonho e a urgência de uma viragem radical no exercício da
democracia. A atitude radical não é sinónimo de “extremismo”, antes apela a um
combate dirigido à raiz dos problemas. No momento de “negação” e de bloqueio que
nos aprisiona nesta “sociedade da austeridade”, precisamos de reinventar o futuro com
base em novas utopias e num novo sentido pragmático. Importa para tal romper com
os estereótipos acerca da inevitabilidade, já que (citando B. Brecht) “todas as
revoluções começam em ruas sem saída”. E hoje, a rejeição do “inevitável” apela a
uma nova imaginação que nos possa ajudar a saltar o muro, antes que a barbárie nos
destrua. Uma nova alternativa, republicana e democrática precisa-se.
__
* Investigador do Centro de Estudos Sociais e professor da
Faculdade de Economia da Univ. Coimbra

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Público 13 realismo utopico ee_29.09.2012

  • 1. Elísio Estanque* Jornal PÚBLICO, 29.09.2012 Rentrée política Realismo utópico «(…) O realismo utópico combina a ‘abertura de janelas’ sobre o futuro com a análise das tendências institucionais atuais, através das quais os futuros políticos estão imanentes no presente.» (A. Giddens, The Consequencies of Modernity, 1992). A utopia é o oposto de ideologia, já que esta (no sentido sociológico) justifica uma dada ordem, enquanto aquela tenta romper com ela, construindo alternativas. Enquanto o poder instituído tende a naturalizar as injustiças, pintando a realidade de tons coloridos e omitindo os aspetos mais inconvenientes, a utopia promete a emancipação, projetando no futuro um outro modelo de organização social. Mas é tão errado tomar a utopia como sinónimo de idealismo ou de ilusão, como é impossível “ver” a realidade que temos se nos limitarmos a usar os sentidos, sem o pensamento reflexivo. Na encruzilhada onde nos encontramos, os nossos decisores permanecem prisioneiros dos mesmos esquemas mentais e ideológicos onde foram formatados, insistindo nas mesmas receitas erradas, apesar de saltarem à vista os seus efeitos desastrosos. Como dizia Paul Samuelson – referindo-se aos seguidores neoliberais de M. Friedman – “aprenderam a usar um martelo e estão a usá-lo até para limpar vidros”. E se, como nos ensinou a economia política, o pensamento económico é indissociável da política, é evidente que os centros de poder criam os seus think tanks e ajustam os seus gabinetes de consultoria, recrutando quem lhes ofereça as melhores garantias “técnicas” e “científicas” para legitimar o sistema vigente e servir os seus interesses. Quaisquer que sejam os princípios morais, crenças e valores, repousam sempre em “pré-conceitos” e representações do mundo moldados por ideologias, isto é, segundo a posição de poder e o lugar de classe que se ocupa na estrutura da sociedade. É sabido que as promessas de sociedade harmoniosa e perfeita que surgiram no Ocidente – socialismo, comunismo ou capitalismo; umas mais coletivistas e igualitárias, outras mais individualistas ou meritocráticas – se revelaram, todas elas, modelos ideais sem plena tradução na realidade concreta. Umas apaziguando o povo outras acicatando a sua revolta, as ideologias e projetos “utópicos” ajudaram a roda da história a avançar, embora sob formas contraditórias e para lá das intenções dos seus mentores e líderes. A força de uma dada ideologia depende mais da negação das
  • 2. outras, isto é, da capacidade de diabolizar as propostas rivais, do que da sua concretização. Por outras palavras, a manipulação consiste numa narrativa em que se conjugam ameaças e promessas para consolidar adesões e fabricar o consentimento. É isso que tem tentado fazer o nosso governo. Sem sucesso, aliás (porque já atingiu o prazo de validade). Slavoj Zizek utilizou uma velha piada da antiga República Democrática Alemã (que contou aos jovens manifestantes do Occupy Wall Street em Nova Iorque) para criticar aqueles que se recusam a encarar os novos desafios e pintam de cor-de-rosa uma realidade dramática: "Um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que toda a sua correspondência seria lida pelos censores, disse aos seus amigos antes de partir: Vamos combinar um código: se vocês receberem uma carta minha escrita com tinta azul, ela é verdadeira; se a tinta for vermelha, é falsa. Um mês depois, os amigos receberam a primeira carta dele, escrita a azul: é tudo uma maravilha por aqui. Os stocks das lojas estão cheios, a comida é abundante, os apartamentos são amplos e aquecidos, os cinemas exibem filmes ocidentais, há mulheres lindas, prontas para um romance. A única coisa que não temos é tinta vermelha."… O realismo utópico atual terá de saber usar a tinta vermelha na denúncia que faz. Mas tem de conjugar os objetivos imediatos com a mudança estrutural no médio prazo. No maio de 68 o slogan da juventude estudantil “sejam realistas, peçam o impossível!”, simbolizou a junção entre o sonho e a urgência de uma viragem radical no exercício da democracia. A atitude radical não é sinónimo de “extremismo”, antes apela a um combate dirigido à raiz dos problemas. No momento de “negação” e de bloqueio que nos aprisiona nesta “sociedade da austeridade”, precisamos de reinventar o futuro com base em novas utopias e num novo sentido pragmático. Importa para tal romper com os estereótipos acerca da inevitabilidade, já que (citando B. Brecht) “todas as revoluções começam em ruas sem saída”. E hoje, a rejeição do “inevitável” apela a uma nova imaginação que nos possa ajudar a saltar o muro, antes que a barbárie nos destrua. Uma nova alternativa, republicana e democrática precisa-se. __ * Investigador do Centro de Estudos Sociais e professor da Faculdade de Economia da Univ. Coimbra