SlideShare a Scribd company logo
1 of 26
Download to read offline
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA
         FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - FFCH
         DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS
                          SOCIAIS




                                    DANILO CARVALHO1




Considerações sobre a teoria do ator rede e o problema da objetivação na
pesquisa em Ciências Sociais em Saúde.


                                        Trabalho publicado e apresentado oralmente no
                                        Seminário de Pós Graduação em Ciências Sociais do
                                        PPGCS da Universidade Federal da Bahia / UFBA 2008.




                                        Salvador – Bahia

                                       Novembro de 2008


1
    Pedagogo – UFBA, Educador Ambiental, Mobilizador Social e Agente de Saúde. dankaba@gmail.com

                                                                                                   1
RESUMO

       Ao tratar de uma abordagem científica de análise social aplicada ao campo da saúde, é
       importante partir da discussão a respeito tanto do que se entende por “saúde”, quanto de quais
       são as condições através das quais essa noção é produzida, para que seja possível discutir suas
       implicações. O estudo crítico dos princípios, dos meios e dos fins da análise social possibilita
       melhores considerações sobre a natureza do conhecimento produzido em cada perspectiva
       sociológica, de modo a melhor auxiliar na identificação de lacunas e superações teórico-
       metodológicas presentes no campo de sua aplicação. Partindo de controvérsias a respeito do
       conceito de saúde e dos problemas teórico metodológicos presentes nas perspectivas de análise
       social, se discutiu a possibilidade de superação de lacunas historicamente presentes no campo da
       pesquisa em saúde, a partir da contribuições da Teoria do Ator Rede.




INTRODUÇÃO

Considerando a heterogeneidade de definições sobre o conceito de saúde, no primeiro
capítulo, foi feita uma revisão deste a partir das contribuições do Canguilhem (2005)
(Escritos sobre Medicina), concordando com o apelo do autor ao desenvolvimento de
uma segurança a ser dada ao tratamento deste conceito através da cientificidade, como
proteção contra usos arbitrários, abrindo caminho para uma abordagem que considere
tanto a dimensão subjetiva quanto a objetiva na definição do conceito de saúde.


No segundo capítulo, especialmente a partir das contribuições de Alves (1995), foram
discutidos os problemas de ordem teórico-metodológicos presentes na perspectiva de
análise social no campo da saúde, para que fossem levantadas demandas de superação
de reducionismos historicamente presentes na perspectiva de análise social deste campo
no Brasil. Neste mesmo capítulo será discutida a importância da perspectiva
compreensiva como orientação para o desenvolvimento de uma analise social
apropriada ao campo da saúde.


Com uma visita ao Reassembling the Social do Latour (2005), para tratar da Teoria do
Ator Rede (TAR), foi discutido no terceiro capítulo como uma sociologia das
associações, com as noções de agência e de simetria, propõe uma objetivação que
encontra no relativismo a segurança necessária para acompanhar a dinâmica do campo
da saúde, reunindo metafísica empírica, metalinguagem e ampliando a noção de
agência, sem exagerar no valor dado à etnografia, tampouco à metafísica.
                                                                                                     2
As bases teórico metodológicas da Teoria do Ator Rede apresentam uma proteção
contra reducionismos e uma objetivação baseada em uma simetria entre o discurso do
ator e o do analista, instaurando um relativismo que é a base para aproximar: a) a saúde
enquanto subjetividade (verdade) situada no corpo e narrada com propriedade; b) saúde
enquanto objeto de análise, enquanto metalinguagem e b) a ampliação sobre a
consideração das agências envolvidas neste campo. Sobre solo do relativismo da TAR,
fica o desafio de proporcionar a segurança necessária ao tratamento científico do tema
saúde.


O campo da saúde é perpassado por diversas perspectivas de análise, tanto por ser uma
área que agrega uma multiplicidade de profissionais - com suas respectivas áreas de
atuação (Medicina, psicologia, pedagogia, ciências sociais, antropologia etc.) - quanto
por haver divergências dentro de uma mesma disciplina, no que diz respeito às
orientações teórico-metodológicas da produção de conhecimento. Discutir o
conhecimento científico produzido no campo da saúde, tendo em vista seus princípios,
meios e fins, é fundamental para que as verdades pressupostas e hegemônicas não criem
entraves ao desenvolvimento da prática científica, enquanto busca de um refinamento
constante entre representações e o fenômeno representado.


Levando em conta que o tema da saúde precisa ser tratado numa perspectiva ampla,
para além de determinismos biológicos ou tecnicistas, acredita-se ser fundamental a
inserção das ciências sociais para que sejam amenizados os reducionismos marcantes no
campo da saúde, tomando os devidos cuidados com os perigos de reducionismo
próprios das ciências sociais. No presente artigo será dado enfoque às teorias
sociológicas e às contribuições da epistemologia, para discutir a abordagem sociológica
no campo da saúde.


Tomando o devido cuidado com o uso de categorias a priori, inicialmente será feita
uma espécie de genealogia do conceito de saúde, para que melhor seja entendido o que
foi reunido para explicar cientificamente o fenômeno. Será discutido um levantamento
de divergências teórico-metodológicas na perspectiva de análise social e suas
implicações sobre o conhecimento produzido, no campo a ser estudado. Por fim, a partir
de considerações a respeito das lacunas e contribuições das teorias sociológicas que
serão levantadas neste trabalho, espera-se discutir a relevância da teoria do ator rede
enquanto orientação teórico-metodológica, para o campo da saúde.
                                                                                      3
Para melhor compreender algumas teorias sociais que serão abordadas dentro da análise
sociológica, além da discussão de caráter epistemológico, serão utilizadas referências
sobre a produção de conhecimento em ciências sociais e saúde no Brasil, especialmente
durante os anos 80.


Uma vez discutidas as teorias sociais que serão aqui levantadas, com suas
especificidades teórico-metodológicas e as lacunas, será possível estabelecer as bases
para se pensar uma teoria social que possa contribuir para a superação de problemas
contemporâneos com o estatuto de cientificidade, dos processos de produção de
conhecimento e do conhecimento enquanto produto.



O CONCEITO DE SAÚDE E O CAMPO CIENTÍFICO


Nesta breve consideração sobre a noção de campo, para discutir a produção de
conhecimento em ciências sociais, é proposta uma ampliação do olhar para que seja
possível articular a dimensão interna e externa da prática científica. A dimensão interna
estaria relacionada com a especificidade de cada ciência, no lançamento e tratamento de
seus problemas, ou seja, a lógica pela qual a ciência articula seus princípios, meios e
fins. A dimensão externa estaria relacionada com as condições sociais de articulação
política para o exercício da especificidade de cada ciência.


Longe de propor uma análise dicotômica para prática científica, considera-se estas duas
dimensões, pressupondo que elas estão articuladas, mas que se compreendidas em suas
especificidades, será possível entender o quanto a prática científica se constitui
enquanto luta política. Mencionar as contribuições do Bourdieu (1983) ao utilizar o
conceito de campo científico2, pode ajudar na compreensão do quão conflituoso, no
sentido de lutas por representação, é este campo, apontado pelo autor como um sistema
de relações objetivas em que se busca o monopólio da autoridade científica. Diante
disto a prática em ciência passa a ser entendida aqui enquanto interessada, onde as


2
    A estrutura do campo científico se define, a cada momento, pelo estado das relações de força entre os
protagonistas em luta, agentes ou instituições, isto é, pela estrutura da distribuição do capital específico,
resultado das lutas anteriores que se encontra objetivado nas instituições e nas disposições e que comanda
as estratégias e as chances objetivas dos diferentes agentes ou instituições. (...). (BOURDIEU: 1983., p.
133).
                                                                                                           4
determinações científicas e as determinações sociais, compõem o conjunto de forças
com as quais se vale a ciência.


Discutida a noção de campo, sem a pretensão de esgotar o assunto, visto que somente
serão levantados elementos básicos para entender a especificidade do campo da saúde, é
importante realizar uma análise conceitual do termo “saúde”, para que a abordagem não
parta do uso acrítico, da extensão de um pressuposto e para que seja possível estabelecer
relações entre os modos de compreender o conceito e os modos de se exercer a prática
científica e as intervenções em saúde.


O tema “saúde”, tão discutido na atualidade, é marcado historicamente por diferentes
tipos de entendimento sobre o que é a doença, como tratá-la e como evitá-la. Devido a
importância da ciência nas práticas de saúde, especialmente pelo exercício da medicina
científica, é importante comentar que no ocidente duas escolas de medicina se
destacaram e se divergiram, ambas, para dar conta do problema da doença como de
causa natural, ou seja, doença como um problema ligado às condições de vida na
natureza, diferenciando-se de outras formas de compreensão da doença enquanto
castigo, feitiço, ação demoníaca, enfim, formas de compreender a doença e a saúde
predominantes especialmente no séc XVII na Europa e em diversas outras épocas e
tradições. Esta busca por referências verificáveis empiricamente é a expressão da
racionalidade e do cientificismo que marcam a passagem do período das “trevas” para o
período das “luzes” a partir da qual o tratamento da saúde precisa ser empiricamente
verificável e tratável racionalmente.


Hipócrates e Galeno, ambos gregos, são reconhecidos pela história como personagens
importantes na defesa de que as causas da doença estão ligadas ao nosso estado
orgânico, ou seja, ao nosso estado de natureza. O primeiro aponta para a doença como
estado de desequilíbrio do funcionamento orgânico e que por isto é importante conhecer
as condições necessárias ao estabelecimento da saúde. O segundo, Galeno, aponta para
o fenômeno da doença, também como de ordem natural e dedica-se ao tratamento da
manifestação da doença, agindo sobre o desconforto de estar enfermo, aqui, recuperar a
saúde seria eliminar os efeitos da doença. Da compreensão de que a saúde é fruto do
funcionamento normal do sistema orgânico, nasce a escola vitalista de saúde,
conhecidas atualmente como Naturologia ou neo-hipocráticas. Da compreensão de que
a saúde é o alívio do sintoma, nasce a alopatia, base da medicina científica.


                                                                                       5
Acredita-se que, a partir de contribuições da epistemologia, seguir adiante com o
mapeamento das influentes concepções de saúde dentro deste campo, será uma tarefa
melhor executada com o apoio da Filosofia, através das contribuições do Canguilhem
(2005), visto que assim será possível levantar mais pressupostos que fundamentam os
discursos e práticas em saúde. Nos textos reunidos sobre o nome de Escritos sobre
Medicina, Canguilhem, aborda filosoficamente o conceito de saúde, realizando uma
revisão a partir de contribuições de filósofos e fisiologistas.


O primeiro conceito de saúde apresentado pelo autor, a explica enquanto estado em que
as funções orgânicas se realizariam silenciosamente3, ou insensivelmente, tendo a
doença como estado em que se faz necessário conhecer a verdade do corpo, tida sempre
como oculta. Aqui se inicia uma reflexão sobre a saúde como verdade do corpo, cujo
alcance é duvidoso do ponto de vista científico. Seria cientificamente possível medir,
verificar o estado de saúde?


Ao citar Kant4 o conceito de saúde vai ganhando um caráter não científico, pelo fato
desta ser por ele situada fora do campo do saber. Se considerarmos com Kant,
afirmando que o silêncio dos órgãos não necessariamente é a manifestação de uma
saúde, só através da doença seria revelado o estado até então oculto. Sendo
compreendida desta forma, não seria possível, portanto, um conceito científico de
saúde, tampouco uma ciência da saúde. Finalizando a retomada desta compreensão, o
conceito de saúde é apontado enquanto vulgar. Apresentando as contribuições de
Descartes como marcantes, considerando o fato dele ter apresentado uma concepção
mecanicista das funções orgânicas, Canguilhem ressalta a associação que o filósofo
estabelece entre verdade e saúde, na qual a primeira, assim como a segunda, uma vez
possuída, não mais seria objeto do pensamento.




3
    Sobre essa perspectiva, o autor aponta, dentre outras, para as contribuições de Diderot, quando este
afirmar que “ quando estamos bem, nenhuma parte do corpo nos informa sua existência; se alguma delas
nos adverte por meio da dor, é, com certeza, porque estamos mal; se fosse pelo meio do prazer, nem
sempre é certo que estejamos melhor”. (CANGUILHEM, 2005, p.36).

4
    (...) Quanto à saúde, diz ele [Kant], encontramo-nos em condições embaraçadoras: “Podemos nos sentir
bem de saúde, isto é, julgar a partir do sentimento de bem estar vital, mas nunca se pode saber se estamos
bem de saúde [...] Ausência do sentimento (de estar doente) não permite ao homem saber se está bem, a
não ser dizendo que vai bem em aparência.” (ibidem, p. 37).

                                                                                                        6
Em Nietzsche, assim como em Claude Bernard, a concepção de saúde é apresentada
enquanto manifestação de um vigor, de uma potência para absorver e vencer as
tendências mórbidas. Segundo Canguilhem no que diz respeito à manifestação da
saúde, o filósofo utiliza adjetivos como: boa-fé, completude, retidão, fiabilidade e
afirma a existência de uma razão do corpo5, superior em qualidade, em relação à razão
da sabedoria. A partir desta afirmação, reforça-se a idéia de que a apropriação e
explicação sobre o fenômeno da saúde serão aproximativos, tendo-a enquanto verdade
encerrada no corpo.


A partir de referencias da fisiologia, ainda tratando do tema da saúde enquanto
sabedoria ou razão do corpo, Canguilhem comenta sobre as contribuições do
fisiologista inglês Starling, cuja apresentação dos estudos não inclui o termo saúde. Pela
mesma exclusão conceitual, Kayser é citado por não apresentá-lo em seu dicionário de
fisiologia. Segundo Canguilhem, o tratamento científico em ambos os fisiologistas
produz, em relação a essa sabedoria do corpo, conceitos como: Homeostase, regulação
e stress, indicando possível recusa da cientificidade do conceito de saúde. Citando
Claude Bernard6, apesar do mesmo em algum momento utilizar a idéia do estado de
saúde, Canguilhem reforça o não tratamento científico do conceito em questão. Ainda
que focando cientificamente no modo de exercício de uma função orgânica, Starling é
lembrado por alertar que o uso do termo mecanismo não deveria ser levado
demasiadamente a sério. Aqui, Canguilhem encontra base para recusar a saúde como
efeito necessário de relação de tipo mecânico7, afirmando a impossibilidade de atribuir
a qualidade de saudável a um mecanismo, dado que este não poderia ocupar o lugar de
verdade do corpo vivo, visto que não haveria doença de um mecanismo, de uma
máquina.




5
    Canguilhem (Ibidem p. 39) cita Nietzsche: (...) “O corpo é uma grande razão, uma multidão de um só
sentimento, uma guerra em paz, um rebanho e um pastor.” Por fim: “Há mais razão em teu corpo que em
tua melhor sabedoria.”

6
    Canguilhem (Ibidem, p. 40) citando Claud Bernard: “Em fisiologia, não há senão condições próprias a
cada fenômeno que é preciso exatamente determinar, sem se perder em divagações sobre a vida, a morte,
a saúde e outras entidades da mesma espécie”.

7
    Recusando o tratamento da saúde enquanto qualidade de um mecanismo, Ganguilhem afirma que “A
saúde, verdade do corpo, não está referida a uma explicação por teoremas” (Ibidem, p. 40).


                                                                                                     7
De acordo com as observações do Canguilhem, a condição de vivo possibilita a
expressão da saúde do corpo, enquanto potencialidades e poderes que o constituem e
que possibilitam ou não uma resposta adaptativa na relação com o seu meio ambiente.
Prosseguindo nas considerações sobre o corpo, o autor aborda-o enquanto dado e
enquanto produto, sendo a saúde tanto um estado, quanto uma ordem em relação ao
corpo. Mas o que isso significa exatamente? Segundo a resposta dada por Canguilhem,
o corpo seria um dado enquanto padrão genético, onde estariam ocultos determinantes
sobre a verdade do corpo8, condicionado em sua presença no mundo. Considerar o
corpo enquanto produto é reconhecer as implicações que o modo de inserção em um
ambiente dado exerce sobre ele, modificando sua estrutura morfológica, num processo
que o autor nomeou de singularização de suas [do corpo] capacidades.


Sustentado sobre a consideração do corpo enquanto produto, o discurso da Higiene é
apontado como produzido pelos interesses sociopolítico-médicos para controlar a vida
dos indivíduos e produzir a saúde pública. Se considerarmos o conceito de saúde até
aqui enquanto de difícil definição do ponto de vista científico, o que significaria uma
saúde pública? Sem mais delongas, Canguilhem alerta para o efeito desta conceituação,
na medida em que ela oculta o sentido existencial de saúde para contabilizá-la,
abandonando a significação de verdade, para ganhar estatuto de facticidade. A
expansão do campo da administração da saúde a nível mundial desembocou, segundo o
autor, na criação da Organização Mundial de Saúde, que para defender seus interesses e
justificar sua intervenção, criou sua própria concepção de saúde9.


Reivindicando a idéia de saúde enquanto estado do corpo dado, o autor propõe
considerá-la enquanto segurança de vida, em qualquer potencialidade que garanta a sua
existência viva. Considerando que qualquer estado que mantenha a vida, expressa a
saúde enquanto segurança de existência, Canguilhem (Op. Cit. p. 43) afirma que o
estado de má saúde seria a restrição das margens de segurança orgânica, a limitação
do poder de tolerância e de compensação das agressões do meio ambiente e portanto,
da sua condição em vida. Sendo assim, saúde poderia ser compreendida como estado
em que, enquanto vivo, haveria a manutenção das margens de segurança para a

8
    Quanto a isto Ganguilhem (Ibidem, p.42) afirma que “A não verdade do corpo pode ser manifesta ou
latente”

9
    Estabelecendo relação entre a orientação e a intervenção da Organização Mundial de Saúde,
Canguilhem (Ibidem, p. 43) cita a idéia de saúde desta Organização: “A saúde é um estado de completo
bem-estar físico, moral e social, não consistindo somente na ausência de saúde ou de doença.”
                                                                                                  8
continuidade da existência. Seguindo com esta perspectiva de saúde enquanto segurança
de vida, a doença, segundo autor, citando Descartes, seria uma oportunidade para que o
homem, uma vez superando-a, torne-se mais válido.


Retomando a idéia de saúde enquanto expressão do corpo produzido, o autor a atribui a
este um duplo sentido: o de garantia contra o risco e o de audácia para corrê-lo,
situação em que seria possível ultrapassar capacidades iniciais, no desenvolvimento de
habilidades ainda não experimentadas, o que expressaria a potencia de expansão e de
dominação sobre o corpo. Dando um caráter de liberdade para a saúde, enquanto
possibilidade de experimentação, o autor critica a tentativa dos especialistas,
especialmente dos higienistas, em gerir uma saúde coletiva, ou pública, implicando em
controle sobre a expressão individual da saúde e sugere, para tal intervenção, o uso do
conceito de salubridade como mais conveniente que o de saúde.


Na tentativa de justificar a proposição que considera a saúde enquanto verdade do
corpo10, Canguilhem aponta para a impossibilidade de representá-lo em sua própria
constituição, ou em sua autenticidade de existência. Analisando criticamente11 a prática
médica, o autor questiona a posição de exegeta do profissional desta área, na relação
com o paciente, para que lhe seja também questionada a legitimidade da sua posição de
reparador. Justifica-se aqui a idéia de expropriação da saúde.


 Para melhor definir o sentido de saúde enquanto verdade do corpo, o autor levanta
algumas questões: primeiro, se como conseqüência de uma inspiração cartesiana, sobre
a noção de auto-gestão da saúde, deve-se estender a identificação para o preceito
cartesiano de usar da vida e das convenções comuns; segundo, se tal uso não estaria
vinculado a alguma tradição de naturalismo anti-racionalista e terceiro, se será através
da preconização da saúde selvagem, pelo retorno para a saúde fundadora, ou pelo
desenvolvimento de comportamentos sabiamente controlados que se chegará à verdade
do corpo. Aproximando-se do final das suas considerações sobre saúde enquanto

10
     Canguilhem (Ibidem, p. 44) busca “justificar a proposição de considerar a saúde como verdade do
corpo em situação de exercício, expansão originária de sua posição como unidade de vida, fundamento da
multiplicidade de seus órgãos próprios.” (...)

11
     Sobre a crítica dirigida por Canguilhem (Ibidem, p.45) à prática interpretativa e reparadora à qual se
propõe o médico, sobre a saúde de outrem, cito: “A definição de saúde que inclui a referência da vida
orgânica ao prazer e à dor experimentados como tais introduz sub-repticiamente o conceito de corpo
subjetivo na definição de um estado que o discurso médico acredita poder descrever na terceira pessoa.”
                                                                                                          9
conceito vulgar e questão filosófica, Canguilhem pontua que na ocupação com o corpo
subjetivo, é importante considerar a liberação do efeito repressivo da medicina e das
ciências que participam da sua aplicação.


Por fim, o autor sugere que a consideração da saúde enquanto verdade do corpo, no
sentido ontológico, deve abarcar o controle, a proteção da verdade no sentido lógico, a
ser desenvolvida na abordagem científica que permita conhecer as possibilidades do
corpo vivido. Encerrando esta discussão citando Merleau-ponty, Canguilhem justifica
ter feito da saúde uma questão filosófica pelo fato de que na filosofia, aquele que
questiona é, ele próprio posto em causa pela questão.


Os questionamentos feitos até aqui para considerar a saúde como verdade do corpo, por
fim, segundo o apelo do autor, não deve excluir sobre a busca da sua compreensão, o
exercício da razão, característico da produção científica. Resta conhecer o modo pelo
qual, no campo da saúde, as diferentes ciências e os diferentes cientistas, fazem uso do
estatuto de cientificidade na luta por suas representações e na imposição de sua
objetividade.


Considerando que neste artigo, busca-se estabelecer relação entre o campo da saúde e a
Teoria do Ator Rede como perspectiva de análise social, será dada a partir de agora
atenção especial às teoria sociais, com o objetivo de levantar referências sobre quais
destas teorias são influentes e quais os problemas levantados na contemporaneidade
quanto a essa abordagem no campo da saúde.




CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS SOBRE A PESQUISA, EM
CIÊNCIAS SOCIAIS EM SAÚDE.

Neste capítulo será discutido como as pesquisas em ciências sociais situam-se teórica e
metodologicamente dentro do campo da saúde, a partir das contribuições de Alves
(1995). Na introdução do seu artigo, o autor considera a perspectiva de análise, ou
“metateoria”, enquanto representação fundamentada em uma construção teórica, dentro
da qual são definidos os problemas e as soluções a serem dadas em sua aplicação na
pesquisa, marcando a distância entre os pressupostos e o referencial empírico, na
tentativa, em ciências sociais, de tratar por diversas perspectivas o fenômeno humano.




                                                                                     10
Do ponto de vista sociocultural, diferentes atribuições de sentido à natureza do social
estão presentes nos tratamentos do fenômeno da saúde e da doença. É sobre a relação
entre a abordagem teórico-metodológica e a existência de problemas no estatuto de
cientificidade que se dedica Alves.


O autor desdobra seu artigo em duas partes: primeiro trata dos fundamentos das
perspectivas de análise social, focando nas orientações utilizadas na construção da
objetivação; segundo, se propõe a aprofundar a perspectiva de análise dominante nas
pesquisas sociais em saúde, através da identificação de suas premissas e especificidades
metodológicas. Na conclusão de Alves, são levantadas questões relevantes ao presente
artigo, tanto no âmbito destas disciplinas da pesquisa social em saúde, quanto na teoria
social em geral.


Iniciando pelas considerações sobre a questão da objetivação nos estudos dos
fenômenos sociais, o autor apresenta a imagem de cientificidade como expressão de
uma idéia reguladora contextualizada historicamente, situada num dado momento de
aperfeiçoamento da prática científica. Discutindo sobre a imagem de cientificidade das
ciências sociais, o autor aponta para a dificuldade12 de se criar um paradigma que
estabelecesse consensualmente os princípios reguladores do conhecimento social.
Caracterizando essa dificuldade como uma especificidade das ciências sociais em
relação às outras, o autor aponta para: a) a falta de um corpo integrado de leis abstratas;
b) a natureza de sua linguagem e c) para o acordo intersubjetivo quanto aos métodos e
resultados da abordagem.


Apresentando primeiras divergências no campo teórico-metodológico Alves (Ibidem, p.
65) pontua a tensão existente entre as vertentes racionalistas e empiristas. A primeira,
ligada à racionalização do conhecimento e à desconfiança da percepção sensível e a
segunda, também caracterizada pelo autor como cautelosa com as categorias e
operações do pensamento. Tal dilema residiria na relação sujeito e objeto do
conhecimento, na qual seriam produzidas diferentes tentativas de dar conta de uma
objetivação do referencial empírico. O campo das ciências sociais é reconhecido pelo




12
     Nas ciências sócias a reflexão epistemológica não conseguiu até agora, formular uma imagem da
cientificidade que seja admitida por todos de maneira totalmente satisfatória. (ALVES, 1995 p. 64).


                                                                                                      11
autor enquanto constitutivo de domínios do saber, sustentado sobre uma variedade13 de
perspectivas epistemológicas e teórico-metodológicas, o que não tira destas ciências,
segundo o autor, nem as suas contribuições do ponto de vista teórico, nem o prestígio
diante das diversas instituições e grupos sociais.


Dentre os problemas ligados ao alcance da cientificidade, o autor propõe concentrar-se
nos processos lógicos de produção de conhecimento, focando em um aspecto desta
problemática: o processo de objetivação da pesquisa social. Ao explicar o que seria
esse processo14, o autor aponta para a presença da fundamentação e da adequação da
construção discursiva, como regulação constante sobre a abordagem do real.
Independente de qual seja a natureza da objetivação, importa aqui verificar o estado das
teorias, da metodologia e dos procedimentos técnicos de investigação. No que diz
respeito à análise do processo de objetivação, o autor propõe que sejam considerados: o
campo semântico e a formalização de conceitos e definições destinados à apreensão
racional de um dado objeto.


Considerar o campo semântico seria identificar no conhecimento produzido a respeito
de um referencial empírico, a significação reunida pelo pesquisador. Considerar a
formalização de conceitos e definições, seria identificar como se dá o processo de
redução dos fenômenos objetivados em idealizações e generalizações. Neste enfoque
discute-se sobre como esta explicação é formalizada e estruturada logicamente,
enquanto proposição analítica.


Na discussão sobre o problema da estruturação lógica das ciências sociais, geralmente
são apontadas dicotomias para firmar, de um lado a faticidade objetiva da sociedade
sobre o indivíduo e de outro, a força da subjetivação. Optar simplesmente por uma das
dimensões na objetivação do conhecimento implicaria na redução da abrangência e
adequação da abordagem sobre a dinâmica intrínseca do referencial empírico, visto que
por este caminho não é feita a opção pela simultaneidade e complementaridade destas
dimensões.

13
     Quanto a falta de consenso sobre as bases teórico-metodológicas em ciências sociais, o autor comenta
que (...) “isso não significa dizer que as pesquisas, desenvolvidas por essas ciências, sejam construídas
arbitrariamente e que não consigam aperfeiçoar métodos que regulem as condições de seu próprio
crescimento.” (...). (Ibidem, p. 65).

14
     A objetivação do conhecimento científico é a arrumação de uma rede conceitual que possa dar conta do
real, explorá-lo, expressá-lo de forma fundamentada e adequada. (Ibidem, p. 66).
                                                                                                      12
Para melhor abordar os fundamentos das associações lógicas presentes na dicotomia
apontada pelo autor, as teorias sociais são divididas em duas perspectivas de análise: A
holística, conhecida também como sistêmica e a compreensiva, ou atomística. A
primeira, enquanto produtora de macro análises em que o sujeito geralmente é
considerado enquanto sujeito ao determinismo do social, valoriza no conhecimento
produzido o aspecto sistêmico e conceitual, tendendo para uma abordagem explicativa
de análise social. A segunda situa-se na experiência primeira do sujeito, valorizando
uma abordagem compreensiva, dando importância aos processos de interpretação dos
fenômenos objetivados, com foco nas significações internas no comportamento dos
agentes sociais. Em sua investigação, Alves se dedica a observar como essas
perspectivas tendem a abordar a objetivação e como estabelecem a relação entre o
campo semântico e o conceitual na dinâmica da pesquisa social.


Considerando que a perspectiva predominante em saúde é a sistêmica, o autor dedica a
ela mais atenção, discutindo a perspectiva compreensiva simplesmente para estabelecer
uma relação de contraste. No processo de objetivação dos fenômenos sociais da
perspectiva sistêmica, valoriza-se a habilidade combinatória das unidades conceituais
expressa na explicação, ao passo em que na compreensiva, a objetivação dos fenômenos
sociais parte do princípio de que a investigação precisa fundamentar-se no ator social
enquanto elemento originário e específico. Sobre esta abordagem o autor afirma que o
campo semântico diz respeito tanto a um sentido, quanto a uma referência, e enquanto
compreensiva, atesta para a pré-existência do mundo empírico, tornando, portanto,
imprescindível ao empreendimento científico não se deter em pressuposições
preliminares sobre o que ainda será verificado. Dentro da perspectiva compreensiva, a
concepção de fenômeno social só adquire sentido a partir de sua contextualização,
expressa nas representações e práticas dos atores sociais.


O problema da perspectiva sistêmica quanto ao processo de objetivação, seria o
afastamento do referencial empírico como ponto de partida para a definição de
problemas e para a elaboração de questões. Sobre o campo empírico, são enxertadas
conclusões dedutivamente derivadas. Por outro lado, aparece a ameaça de uma suposta
irracionalidade associada à abordagem compreensiva de extremo empiricismo. Como
evitar o inconveniente de situar-se na dicotomia para dar conta de um processo de
objetivação? Alves propõe mediar a transição do subjetivo para o objetivo, e sugere a


                                                                                     13
concepção de tipo ideal15 para que a objetivação seja construída num teste empírico, no
qual a regulação e adequação das abstrações só ganhariam sentido enquanto referidas a
especificidades empíricas. Seguindo tal sugestão a prática científica pautar-se-ia na
relevância tanto da abordagem compreensiva quando da explicativa na construção da
teoria social e da cientificidade.


Tratando da perspectiva de análise social no campo da saúde o autor foca no contexto
brasileiro16, considerando que nele, a saúde enquanto objeto das ciências sociais passa a
ser tratada inicialmente entre os anos 60 e 70. No mapeamento das predominâncias
teórico-metodológicas que se sucederam a partir deste início da diversificação de
perspectivas, após a primeira predominância do estruturalismo e da Escola de Chicago
na década de 50, são citados como influentes o funcionalismo, o interacionismo
simbólico, a fenomenologia, a teoria da troca, da escolha racional e o marxismo, com
destaque para o status paradigmático alcançado pelas duas primeiras influências,
predominantes até os anos 50.


Após a década de 50, o marxismo predomina na orientação teórico-metodológica na
América Latina, assim como o pós-estruturalismo, geralmente referindo-se às
contribuições do Michel Foucault. É neste contexto de controvérsias que a saúde passa a
ser abordada enquanto objeto de pesquisa em Ciências Sociais no Brasil. Ao considerar
a realidade social enquanto configuração geral, em qualquer destas tendências corre-se o
risco de impor um modelo de abstração sobre os fenômenos a serem verificados,


15
     Sobre o uso do tipo ideal como mediação, sugerido por Alves, cito Weber : “Quanto mais se trata de
classificações de processos que se manifestam na realidade de uma forma maciça, tanto mais se trata de
conceitos genéricos. Pelo contrario, quanto mais se atribui uma forma conceitual aos elementos que
constituem o fundamento da significação cultural, específica das relações históricas complexas, tanto
mais o conceito, ou o sistema de conceitos adquirirá o caráter de tipo ideal. Por que a finalidade da
formação de conceitos de tipo ideal consiste sempre em tomar rigorosamente consciência não do que é
genérico mas, muito pelo contrário, do que é específico a fenômenos culturais.” (WEBER, 1979, p. 116)

16
     Em um nível macroscópico é possível identificar quatro ordens de fatores, entre outras, que se
articulam no momento da formação e posterior desenvolvimento dos estudos em saúde no Brasil: a) a
magnitude dos problemas médico-sociais e o processo de reformulação do sistema médico; b) a
formulação dos seus pesquisadores; c) as transformações teóricas e metodológicas das ciências sociais nas
grandes instituições internacionais de ensino e pesquisa, principalmente nos EUA; d) o enfoque histórico-
cultural na análise dos fenômenos sociais (como a teoria da dependência) na América Latina. (...)
(ALVES, 1995, p. 71)


                                                                                                      14
procedimento que implicaria em considerar os atores sociais do ponto de vista
substantivo, tipificando-os e classificando-os previamente, operação típica das teoria
sistêmicas17, que hipostasia a razão como única possibilidade de ordenar e explicar os
fenômenos sociais, esses, subordinados à apreensão intelectual.


Buscando a origem da teoria sistêmica, Alves a localiza nas ciências naturais,
justificando que a sua presença nas ciências sociais está associada ao fato desta, no
momento de sua definição, ter necessitado de uma legitimação e no campo científico,
para o alcance do estatuto de verdade sobre os frutos de sua objetivação no substratos
sociais18. Reconhecendo a complexidade de tal substrato, considerando-o enquanto
campo de possibilidades de significação, o autor (1995, p. 77) afirma que o fato
sociocultural, portanto, é antes de mais nada uma relação íntima de compenetração
entre o substrato e o sentido. Diante dos problemas19 com a teoria sistêmica, é proposta
uma abordagem que se desenvolva na intersubjetividade, em busca do significado no
contexto objetivo da vida cotidiana e das definições dos atores de sua situação.


Na conclusão do seu artigo, Alves retoma o fato de que na análise social do campo da
saúde no Brasil, predomina a abordagem sistêmica e que é importante se estabelecer os
princípios para o alcance de uma perspectiva de análise que possa integrar realidades
estruturais e as ações individuais, enquanto dimensões interdependentes do processos
de objetivação nas ciências sociais em saúde.


17
     Toda teoria sistêmica, embora guarde marcantes diferenças conceituais entre si, parte de um mesmo
princípio, que pode ser resumido nos seguintes itens: a) admite-se a existência de um todo a ser analisado;
b) este todo está composto de unidades que se configuram distintamente entre si; c) as unidades, contudo,
estão agregadas a outras, sendo mutuamente independentes; d) essa interdependência está regulada por
uma morfologia, uma estrutura. Assim, é pela forma em que se relacionam os componentes do sistema,
ou seja, pela estrutura do sistema, que se explica um determinado objeto de estudo. São teorias, portanto,
que pressupõem uma determinada codificação do sistema e a tarefa principal do pesquisador é decifrá-la.
(Ibidem, p. 74).


18
     (...) “Os substratos sociais constituem na realidade campos de possibilidades sobre as quais são
construídas significações, intencionalidades e valores e através das quais os indivíduos viabilizaram suas
ações e seus projetos específicos, mesmo que sejam contraditórios (Velho, 1994)” (Ibidem, p. 77).

19
     Considerar que a sociedade está em nossa experiência apenas como uma inferência e não como uma
observação é não reconhecer plenamente que os construtos, por mais elaborados que sejam, não
substituem o mundo das interações enquanto entidade real. Eles têm a capacidade de produzir imagens de
eventos, mas não são eles mesmos os próprios eventos. (ALVES, 1995: p. 81).
                                                                                                       15
A TEORIA DO ATOR REDE

Para testar a hipótese de que na perspectiva de análise social da Teoria do Ator Rede
encontram-se superações para problemas na objetivação em ciências sociais discutidos
anteriormente - tanto a respeito da teoria sistêmica, quanto da teoria holística presentes
no campo da saúde no Brasil - vejamos como nela pode-se realizar a integração da
realidade estrutural com as ações individuais e que outras contribuições são importantes
para se pensar a superação de dicotomias e reducionismos. Neste capítulo será feita uma
análise da TAR, de forma a caracterizar o seu processo de objetivação, identificando
seus princípios e finalidades. Para esta discussão serão fundamentais as contribuições de
Latour (1997 e 2005) e de Law (s.d.)


Considerando que a sociologia precisa despir-se de pressuposto que reduzem a
abrangência representativa dos fenômenos analisados, Latour (2005), caracteriza o fato
social enquanto um emaranhado de forças e interações, usando a categoria de sociologia
das associações, diferenciando-a da sociologia do social, cujo objeto seria fruto
geralmente de reducionismos (do indivíduo, do social, do inconsciente, do econômico
etc), marca da busca de uma legitimação científica inicial. Esta sociologia parte de um
rigor metodológico que recorta, sobre a amplitude das associações que definem o social,
um grupo de variáveis reunidas enquanto adequação a um modelo paradigmático.
Lembrando Kuhn20 é preciso ter cuidado com o efeito de pré-moldagem que a
orientação paradigmática pode exercer sobre uma objetivação, na qual o cientista
distanciar-se-ia do seu papel fundamental: compreender o mundo e ampliar a precisão e
o alcance da ordem que lhe foi imposta.


Latour (2005), realizando uma introdução à Teoria do Ator Rede, parte da controvérsia
a respeito do sentido de social21, colocando o cientista a um passo atrás de sua


20
     (...) Por que a realização científica, como um lugar de comprometimento profissional, é anterior aos
vários conceitos leis, teorias e pontos de vista que dela podem ser abstraídos? Em que sentido o
paradigma partilhado é uma unidade fundamental, para o estudo do desenvolvimento científico, uma
unidade que não pode ser totalmente reduzida a componentes atômicos lógicos que poderiam funcionar
em seu lugar? (KUHN, 2002, p.31).

21
   In most situations, we use ‘social’ to mean that which has already been assembled and acts as whole,
without being too picky on the precise nature of what has been gathered, bundled, and packaged together.
When we say that ‘something is social’ or ‘has a social dimension’, we mobilize one set of features that,
so to speak, march is step together, even though it might be composed of radically different types of
entities. (LATOUR, 2005 p. 43).
                                                                                                      16
intervenção para revisar a serviço de que substantivação ele dedica a sua investigação,
ao definir algo enquanto “social”, diante da heterogeneidade dos elementos que
compõem o referencial empírico. Apoiando-se no fenômeno social enquanto
complexidade de interações, a discussão sobre quem e o que participa deste fenômeno é
imprescindível para o autor, o que o faz levantar as seguintes questões: a) quem mais
age durante a nossa ação? b) quantos agentes estão presentes? c) por que somos todos
influenciados por forças que não são de nossos próprios feitos? Inicia-se assim a
discussão sobre a agência.


A questão da agência

Propondo que a ação seja compreendida enquanto um “nó”, enquanto algo fora do
controle da consciência, Latour cita Hegel ao usar a expressão other-taken, no sentido
de “tomada por outro”, para adjetivar a ação, atribuindo-lhe caráter de
imprevisibilidade, de mistério a ser desvendado empiricamente. A ação é então
reconhecida em sua complexidade, diversidade e heterogeneidade. O autor propõe que a
ação permaneça como surpresa, o que torna ainda mais importante não partir de
pressupostos a respeito, por exemplo, de determinismos sociais sobre a ação, da força
do indivíduo, ou do poder do inconsciente.


Se a ação é um nó, um mistério, nem a sociedade, nem a força do indivíduo podem
ocupar lugar determinante sobre ela, pois estas são apenas algumas dentre as agências
que configuram a situação. A noção de ator-rede exprime um atravessamento exercido
por outros elementos do arranjo da realidade, que muitas vezes o deslocaria de uma
livre imposição da vontade. Prestando atenção nestes “dirigentes” da ação, Latour
sugere que se torne produtiva novamente a intuição central das ciências sociais,
despindo-as dos reducionismos, para que então seja possível encarar a complexidade do
fenômeno social.


A noção de agência presente em Latour coloca sobre questão a noção de causalidade
apoiada em operações de redução, visto que segundo a TAR apresentar o movimento
das concatenações22 e mediações que explicariam um fenômeno enquanto social,


22
  which agencies are invoked? Which figurations are they endowed with? Through which mode of action
are they engaged? Are we talking about causes and their intermediaries or about a concatenation of
mediators? ANT is simply the social theory that has made the decision to follow the natives, no matter
which metaphysical imbroglios they lead us into-and they quickly do as we shall see now! (Ibidem, p.
62)

                                                                                                   17
aproximaria o conhecimento da amplitude de associações que constituem a massa de
realidade.

A simetria e a agência dos não humanos

Diferenciando-se    da    maioria    das   teorias   sociológicas   que    ocuparam-se
predominantemente sobre a questão de qual agência escolher, a sociologia da
associação procura compreender como cada uma delas exerce presença. Se afirma-se
alguma influência de um “poder”, ou da “sociedade” nesta perspectiva, isto seria não o
ponto de partida para explicar o fenômeno social, mais sim, a identificação destes
elementos enquanto parte de um processo verificado empiricamente, ao lado de outras
agências que se façam relevantes.

Propondo a diversificação e o aumento das agencias como forma de aproximar-se da
complexidade do fenômeno observado, Latour trata a definição de social enquanto
reunião de entidades. Para a TAR o “social” seria uma associação momentânea
caracterizada pela forma com que são arrumados os elementos que compõe a
especificidade do que está sendo representado enquanto social, dada a complexidade
mesma dos fenômenos objetivados.


O fato de que as diferentes análises sobre o mesmo fenômeno produzem singularidades
de conhecimentos não impede que através de uma reunião de abordagens, seja possível
identificar nas regularidades, o que seria representativo enquanto constância a respeito
de um determinado fenômeno observado. Na TAR as especificidades geradas nas
representações sobre o referencial empírico comprovam a existência de outras agências


Ao dissolver a noção de “social”, removendo bases pré-determinantes de seu
significado, Latour considera que as associações entre as agências são momentâneas e
que é importante trocar a predefinição de uma constância pela verificação empírica da
duração de interações ou de novas associações. Diante disto, fixar uma causalidade, um
determinante, seria aprisionar em uma constante uma agência pontual e disposta numa
rede de inter-ações que compõem um dado fenômeno enquanto social. Por este caminho
incorre-se em tautologias que, retendo uma agência (econômica, do poder, do indivíduo
etc) associam a explicação ao empírico “retirando-lhe” um sentido que é,
metodologicamente falando, muito mais a aplicação e reaplicação cíclica de operações
lógicas através da dedução.



                                                                                     18
Apelar para a extensão das conexões entre as agências na explicação de fenômenos
sociais é uma operação típica das teorias sistêmicas discutidas no capítulo anterior. Tal
extensão da durabilidade de algumas poucas agências para a definição de um fenômeno
enquanto social, é um passo que limita23 a identificação da diversidade de agências
presente no referencial empírico. Isso implica na exclusão e desconsideração de certos
tipos de agências, como é o caso de agências não humanas dentro do que se define
enquanto social. Em relação a presença de objetos24 não humanos na ação coletiva a ser
explicada enquanto social, estes não devem ser considerados a priori na TAR e a sua
apresentação enquanto participante deve ser uma constatação empírica.


Segundo Latour a ausência dos objetos em considerações sociológicas é um indício do
quanto a fixação de determinadas agências exclui questões básicas para o
empreendimento científico: quem e o que participam da ação. A divisão entre material e
social dificulta a compreensão de como uma ação dita ‘coletiva’ é possível, se
considera-se, segundo a TAR, que o que se dá é uma associação de diferentes tipos de
forças. O autor propõe o uso da palavra “coletivo” em substituição ao termo “social”
para possibilitar uma ampliação da consideração de agências. Se em uma sociologia do
social as agências reunidas atribuem a centralidade da participação humana, usar o
conceito de coletivo é criar a abertura para o exercício de uma sociologia das
associações, ou seja, para a consideração de que na ação dita social, estariam reunidas
influências diversas, inclusive a de objetos não humanos. Na TAR usar o conceito de
coletivo é uma forma de evitar confusões com o uso do termo social, associado a
explicações reducionistas de conexões humano-humano ou objeto-objeto.



23
     Os cientistas trabalham a partir de modelos adquiridos através da educação ou da literatura a que são
expostos posteriormente, muitas vezes sem conhecer ou precisar conhecer quais as características que
proporcionam o status de paradigma comunitário a esses modelos. Por atuarem assim, os cientistas não
necessitam de um conjunto completo de regras. A coerência da tradição de pesquisa da qual participam
não precisam nem mesmo implicar a existência de um corpo subjacente de regras e pressupostos, que
poderia ser revelado por investigações históricas ou filosóficas adicionais. (...) (KHUN, 2000, p. 70).

24
     (…) The main reason why objects had no chance to play any role before was not only due to the
definition of the social used by sociologists, but also to the very definition of actors and agencies most
often chosen. If action is limited a prior to what ‘intentional’ , ‘meaningful’ humans do it is hard to see
how a hammer, a basket, a door closer, a cat, a rug, a mug, a list, or a tag could act. They might exist in
the domain of ‘material’ ‘causal’ relations, but not in the ‘reflexive’ ‘symbolic’ domain of social relations
(…). (LATOUR, 2005, p. 71).


                                                                                                          19
Latour alerta para que a TAR não seja entendida enquanto proposta de simetria absurda
entre humanos e não humanos, visto que nesta teoria ser simétrico é simplesmente não
colocar a priori alguma assimetria entre a ação intencional humana e o mundo material
das relações causais. A simetria é parte da postura científica que valoriza a imersão no
referencial empírico para identificar e explicar como as forças que movem a ação
coletiva se manifestam, deixando evidência em diversos “suportes” que compõe uma
associação momentânea, uma fatia do social enquanto totalidade de forças.


Um estudo científico orientado pela da TAR precisa articular25 tanto a continuidade
quanto a descontinuidade entre os modos de ação. Neste sentido a aceitação de objetos
não humanos enquanto integrantes de uma associação (momento ou configuração do
social) se dá desde que esses se manifestem enquanto comensuráveis e que sejam
reconhecidos em sua incomensurabilidade fundamental, como proteção contra a
extensão dedutiva de forças cujo desdobramento empírico é imprevisível.


Mas como identificar a presença de objetos nos processos objetivados pela TAR?
Considerando que o movimento de forças expressa-se pelos elementos presentes na
ação coletiva, a identificação de objetos se dá num fenômeno social desde que este se
manifeste enquanto marcante, presente, relevante, enquanto relevo sobre a superfície
observada. A multiplicação de ocasiões em cuja visibilidade das força é momentânea
vai dando pistas para que o pesquisador exercite sua rapidez na compreensão do
movimento observado.


O estudo de inovações e controvérsias enquanto ponto de partida para a investigação
possibilita a consideração de objetos não humanos desde que estes se façam evidentes
no curso dos fatos observados, antes de deixarem de ter relevância para dar espaço a
novas associações, com possíveis novos objetos. O exercício do pesquisador
fundamentado pela TAR está centrado no mapeamento de mudanças na associação de
forças e de posições dos atores presentes. Nesta direção, considerar objetos, longe de ser
uma vaga para firmar um determinismo dos materiais sobre os humanos, é preencher a


25
     (…) We have to become able to follow the smooth continuity of heterogeneous entities and the
complete discontinuity between participants that, in the end, will always remain incommensurable. The
social fluid does not offer to the analyst a continuous and substantial existence, but rather puts up only a
provisional appearance much like a shower of physical particles in the brief instant it’s forced into
existence. You begin with assemblages that look vaguely familiar and you end up with completely
foreing ones. (…). (Ibidem, p. 77).
                                                                                                        20
lacuna deixada por considerações de uma sociologia do social que considera os objetos
uma extensão do determinismo do social. No momento em que um objeto deixa de ser
um intermediário para “saltar” para o lugar de mediador, como um texto, ou um
protocolo, a importância do objeto não pode ser negada.

A objetivação

A partir da TAR a sociedade é compreendida enquanto rede heterogênea, considerando
que ao observarmos um fenômeno dito social, há um feixe de influências que se
configuram em algo dado. Essa “massa” de realidade será ordenada e organizada pelo
diagnóstico científico, este mesmo, considerado por John Law (s.a.: p.2) enquanto
“engenharia heterogênea”, para caracterizar as variações no resultado desta
objetivação, ainda que sobre o mesmo referencial empírico. Na TAR, encontrar os
conflitos, os deslocamentos, as incertezas e as confusões no campo empírico é o ponto
de partida para a observação do fenômeno social reconhecido enquanto associação e
cujas especificidades dizem respeito tanto às configurações contextuais a serem
observadas e descritas, quanto à forma do tratamento dado no processo de objetivação.


O pesquisador orientado pela TAR precisa exercitar a ampliação26 do seu olhar,
seguindo no sentido contrário ao do exercício de redução causal e de forças, presente
em perspectivas de objetivação reducionistas e meramente explicativas. A linguagem do
analista desta perspectiva precisa ser um instrumento que o auxilie a estar atento à
metalinguagem própria dos atores, como uma consideração reflexiva a respeito do que
estes dizem. Como propõe Law (s.a), o cientista, na tentativa de dar conta do fenômeno
observado, fará uso de uma tradução contingente27. O mapeamento das controvérsias é
o caminho para encontrar o que Latour chama de metafísica empírica. Tal conceito é
atribuído à explicação própria atribuída pelos atores sociais a respeito dos fenômenos


26
     Here again, as soon as the decision is made to proceed in this direction, traces become innumerable and
no study will ever stop for lack of information on those controversies. Every single interview, narrative,
and commentary, no matter how trivial it appear, will provide the analyst with a bewildering array of
entities to account for the hows and whys of any course of action. Social scientists will fall asleep long
before actors stop deluging them with data. (Ibidem, p. 47)

27
     Assim, a análise da luta pelo ordenamento é central à teoria ator-rede. O objeto é explorar e descrever
processos locais de orquestração social, ordenamento segundo padrões, e resistência. Em resumo, o objeto
é explorar o processo freqüentemente chamado de tradução o qual gera efeitos de ordenamento tais como
dispositivos, agentes, instituições ou organizações. (LAW, s.d, p. 06)

                                                                                                         21
observados pelo pesquisador. A noção de simetria aqui é importante para explicar o
fato de que o pesquisador coloca-se, na perspectiva da TAR em igualdade de
condições28 de produzir explicações ao lado do ator que também produz a sua. Surge a
questão a respeito de como mapear a metafísica empírica.


Sem deixar de afirmar a dificuldade que é mapear uma infinidade de agências num
processo de objetivação na TAR, o autor acha cientificamente mais apropriado seguir
com a mobilidade dada por um deslocamento de estruturas de referência, como
segurança contra absolutismos e pontos de vista arbitrários a respeito do real. Apesar da
incerteza que marca a questão da agência, ao discutir sobre indicadores para a sua
identificação enquanto relevante para um dado fenômeno, é importante considerar: a) se
a agência faz alguma diferença, se altera o estado das coisas observadas, produzindo
transformações e deixando traços; b) se a agência, enquanto coisa, apresenta algum
contorno, alguma forma (ainda que vaga) que a defina e que possibilite representação;
c) atores engajam-se em críticas sobre outras agências, tratando-as eventualmente
enquanto: falsas, arcaicas, absurdas, irracionais artificiais ou ilusórias (LATOUR,
2005: p.56); d) atestando a produção de suas próprias teorias da ação, os atores
apresentam explicações próprias sobre como se dão os efeitos das agências.


Em relação ao engajamento dos atores ao criticarem a legitimidade de outras agências,
o que impossibilita uma escuta atenta às suas representações por parte do analista –
especialmente os cientistas sociais da sociologia crítica - é o fato de que estes,
freqüentemente, encaram os atores sociais enquanto ingênuos e acrítico. Na TAR o
pesquisador precisa atentar para não se prender a nenhuma explicação extensiva de um
fenômeno social, visto que nesse, caleidoscopicamente são produzidos acontecimentos
no qual os humanos e os não humanos compõem um movimento de posições, cujos
estados de associação precisam ser objetivados.




28
     (...) A acusação de relativismo ou de autocontradição só é pesada para aqueles que acham que a
verdade se enfraquece quando dela se faz uma construção ou um relato. Nós, que só buscamos os
materiais dessa construção e a natureza desses relatos, consideramo-nos em igualdade de condições com
aqueles que estudamos. Eles contam, nós contamos, eles experimentam, nós experimentamos, eles
constroem, nós construímos. As diferenças virão depois. Estaremos, portanto, tão atentos à elaboração de
nossos próprios relatos quanto aos relatos dos cientistas. É a reflexividade que esperamos para garantir a
nossa saúde. (LATOUR, 1997, p. 30)


                                                                                                        22
O campo de pesquisa segundo Latour, não pode estar aberto o suficiente para o
empreendimento da investigação se a priori é mantida a diferença entre a ação humana e
a causalidade material. A abertura deste campo depende também da consideração
levantada por Law (s.d.: p.3) de que ordem é um efeito gerado por meios heterogêneos,
como retirada da ameaça de reducionismos



CONSIDERAÕES FINAIS

Se afirmarmos que através da linguagem podemos atribuir sentido aos fenômenos, e
ainda mais, se consideramos, como na semiótica, que verdade é uma construção
discursiva, interessante seria verificar o alcance dos meios pelos quais se produz
conhecimento dentro da perspectiva sociológica, através de um estudo crítico de seus
pressupostos à luz de demandas contemporâneas de aperfeiçoamento da prática
científica.


Visto que historicamente predominou a perspectiva sistêmica de análise sociológica no
campo da saúde no Brasil, ao lado de uma extrema valorização do discurso nativo em
etnografias, percebe-se em discussões contemporâneas sobre a cientificidade na
perspectiva de análise social, a importância de superar dicotomias entre o valor dado de
um lado à metafísica empírica e de outro o valor da metalinguagem. A revisão tanto do
conceito de “saúde” quanto do conceito de “social”, é fundamental para que sejam
identificados que elementos são reunidos na explicação e quais as implicações de
determinadas definições.


Reconhecendo que o campo científico é um espaço de luta pela autoridade no qual
muitas vezes arbitrariedades são postuladas sobre o crivo da cientificidade, é importante
relembrar a discussão sobre a rejeição do conceito de saúde, aplicada a uma noção de
saúde pública, tratada no primeiro capítulo, visto que a intervenção sobre indivíduos
implica em uma questão política na qual a autoridade dos profissionais de saúde pode
incorrer em uma expropriação da saúde do outro. Não se tratando de um apelo à hiper
valorização das narrativas no campo da saúde, para oferecer a devida segurança contra
arbitrariedades na perspectiva de análise social, é fundamental verificar empiricamente
o que dizem os atores sociais em seus discursos subjetivos da saúde.


A segurança científica que propõe Canguilhem sobre o tratamento do conceito de saúde
não pode ser entendida enquanto uma orientação para o pesquisador, no sentido de
                                                                                      23
munição de pré-conceitos e pré-definições que melhor o guie para explicar, ou melhor,
para “aplicar” a sua metateoria. Tampouco a realização desta segurança em ciências
sociais deixa de incorrer em reduções de causalidades para a representação dos
fenômenos sociais observados. Se o conceito de saúde permanece apoiado em reduções,
a sua aplicação será conveniente a quem interessa a arrumação explicativa escolhida.


Atentar para o que se entende por saúde nos contextos objetivados com base na
perspectiva de análise social pode levar a controvérsias que ajudem o pesquisador a
mergulhar na complexidade das explicações apresentadas pelos atores, sobre o que é a
saúde e quais são os processos que a ela se referem. Se o papel do cientista é apresentar
evidências de algo dado e observado enquanto verdade, o conhecimento precisa valer-se
do campo empírico para nele encontrar sentido. A observação torna-se fundamental para
que se dê conta da aproximação entre a dimensão subjetiva e a objetiva, no tratamento
científico do referencial empírico do campo da saúde.


Recordando que na TAR há proteção contra a hiper valorização da metalinguagem e
contra a hiper valorização da metafísica empírica, a abordagem desta teoria parece
importante para se regular a cientificidade do conceito de saúde, protegendo-a de usos
arbitrários. Retomando a questão de Canguilhem a respeito da inexistência de uma
saúde pública, para a qual o mesmo propõe a substituição pelo termo salubridade
pública, uma pesquisa que a esse campo se dedique precisa considerar a dimensão
individual, social, assim como ampliar o olhar para compreender que controvérsias se
apresentam em um programa de ação social.


Pensando no projeto de proteção da compreensão de saúde contra usos arbitrários que
impliquem em processos de exclusão, manipulação e invasão, discutidos no segundo
capítulo, parece importante que a pesquisa no campo da saúde, especialmente em saúde
pública em um regime democrático, considere a metafísica empírica enquanto fonte de
informação autentica e interessante para a avaliação e o aperfeiçoamento da
administração pública, na aproximação simétrica entre os discursos interessados dos
atores envolvidos e as condições sobre as quais, também os seus feitos, se sustentam.


Considerando o problema da objetivação reducionista, tanto no paradigma explicativo
quanto no compreensivo discutidos por Alves (1995), o que Latour propõe não é uma
ruptura, mas sim, uma aproximação que preenche a lacuna apontada pelo primeiro
autor, sobre a necessidade de uma abordagem que reúna contribuições de ambas as
                                                                                        24
perspectivas. A explicação científica29 para a TAR é instrumento de arrumação-para-
representação das associações expressas nos e pelos fenômenos sociais, sobre os quais,
as forças em jogo não são consideradas à priori, mas, identificadas enquanto constatação
empírica, caso se apresentem, ou sejam percebidas enquanto agências sobre o
observado.


As bases teórico metodológicas da Teoria do Ator Rede apresentam uma armadura contra
reducionismos e uma objetivação baseada em uma simetria entre o discurso do ator e o do
analista, instaurando um relativismo que é a base para tratar a questão da saúde: a) enquanto
subjetividade (verdade) situada no corpo e narrada com propriedade; b) enquanto objeto de
análise - metalinguagem, b) a partir da extensão da lista de atores e agências envolvidos
nos processos sociais; c) pelo abandono da divisão artificial entre dimensão social e
técnica; d) tendo as controvérsia como ponto de partida par a investigação, mais seguro
que os a prioris; e e) reunindo teoria social, metalinguagem, reflexividade e os atores,
geralmente considerados enquanto meros informantes. Sobre solo do relativismo da TAR, fica o
desafio de proporcionar a segurança necessária ao tratamento científico do tema saúde.




29
     Discutindo sobre a aplicação da orientação teórico metodológica da TAR à etnografia de laboratório,
Latour (1997, p. 26) afirma que: “Nossa pesquisa tem por finalidade abrir um caminho diferente:
aproximar-se da ciência, contornar o discurso dos cientistas, familiarizar-se com a produção dos fatos e
depois voltar-se sobre si mesma, explicando o que fazem os pesquisadores, com uma metalinguagem que
não deixe nada a dever à linguagem que se quer analisar. Em resumo, trata-se de fazer o que fazem todos
os etnógrafos, e de aplicar à ciência a deontologia habitual às ciências humanas: familiarizar-se com um
campo, permanecendo independente dele e à distância.
                                                                                                     25
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALVES, Paulo César. A perspectiva de análise social no campo da saúde. In:
CANESQUI, Ana Maria (Org). Dilemas e desafios das ciências sociais na saúde
coletiva. Rio de Janeiro: HUCITEC, 1995. Pág. 63_82.

BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: Sociologia. ORTIZ, Renato (Org). 2ª ed.
São Paulo: Ática, 1983.

CANGUILHEM, Georges. A saúde: Conceito vulgar e questão filosófica. In: Escritos
sobre a Medicina. Tradução de RIBEIRO, Vera Avellar. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2005. Pág. 35_48. Coleção Fundamentos do Saber.

KUHN, Tomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2000.

LATOUR, Bruno. A etnografia das ciências. In: A vida de laboratório: a produção dos
fatos científicos. Tradução VIANNA, Ângela Ramalho. Rio de Janeiro: Relume
Dumaré, 1997. Pág. 9_34.

______. Reassembling the Social: an introduction to Actor-Network-Theory. New
York: Oxford University Press, 2005. Pág: 46_83.


 LAW, John. Notas sobre a teoria do ator-rede: ordenamento, estratégia, e
heterogeneidade. Tradução livre de MANSO, Fernando. Disponível em
http://sociologiadaciencia.files.wordpress.com/2007/09/notas-sobre-a-teoria-do-
ator-rede-ordenamento-estrategia-e-heterogeneidade.doc. Acesso em: 03 ago. 2008.


WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. In: Sociologia.
COHN, Gabriel (org.). Traduzido por COHN, Amélia. Col. Grandes cientistas sociais.
São Paulo: Ática, 1979. Pág. 79_127.




                                                                                     26

More Related Content

What's hot

A psicologia social como história gergen
A psicologia social como história   gergenA psicologia social como história   gergen
A psicologia social como história gergenGeisa Gomes
 
Projeto de extensão MANS
Projeto de extensão MANSProjeto de extensão MANS
Projeto de extensão MANSLorena Marques
 
Desenvolvimento histórico-epistemológico da Epidemiologia e do conceito de risco
Desenvolvimento histórico-epistemológico da Epidemiologia e do conceito de riscoDesenvolvimento histórico-epistemológico da Epidemiologia e do conceito de risco
Desenvolvimento histórico-epistemológico da Epidemiologia e do conceito de riscoDaniela Vicentini Albring
 
Fundamentos da Psicologia Social
Fundamentos da Psicologia SocialFundamentos da Psicologia Social
Fundamentos da Psicologia SocialMarcos Pereira
 
152 553-1-pb
152 553-1-pb152 553-1-pb
152 553-1-pbjsoeiro
 
Capacitação dos profissionais da rede: informação para implantação
Capacitação dos profissionais da rede: informação para implantaçãoCapacitação dos profissionais da rede: informação para implantação
Capacitação dos profissionais da rede: informação para implantaçãocomunidadedepraticas
 
1.fundamentos epistemológicos da medicina introdução
1.fundamentos epistemológicos da medicina   introdução1.fundamentos epistemológicos da medicina   introdução
1.fundamentos epistemológicos da medicina introduçãoLuiz-Salvador Miranda-Sa
 
(Alguns) quadros teóricos da psicologia
(Alguns) quadros teóricos da psicologia(Alguns) quadros teóricos da psicologia
(Alguns) quadros teóricos da psicologiaJaciany Soares Serafim
 
A bioética uma nova orientação
A bioética  uma nova orientaçãoA bioética  uma nova orientação
A bioética uma nova orientaçãoRoberta Cardoso
 
Escala para medir percepção de controle em idosos.ECOPSE
Escala para medir percepção de controle em idosos.ECOPSEEscala para medir percepção de controle em idosos.ECOPSE
Escala para medir percepção de controle em idosos.ECOPSEHilma Khoury
 
2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina - o conhecimento
2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento
2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina - o conhecimentoLuiz-Salvador Miranda-Sa
 
Utilizaçaoem pesq.qualitativa
Utilizaçaoem pesq.qualitativaUtilizaçaoem pesq.qualitativa
Utilizaçaoem pesq.qualitativaNatalia Santos
 
O papel da extensão nas ligas acadêmicas
O papel da extensão nas ligas acadêmicasO papel da extensão nas ligas acadêmicas
O papel da extensão nas ligas acadêmicasLívia Paula Calado
 

What's hot (20)

A psicologia social como história gergen
A psicologia social como história   gergenA psicologia social como história   gergen
A psicologia social como história gergen
 
Projeto de extensão MANS
Projeto de extensão MANSProjeto de extensão MANS
Projeto de extensão MANS
 
Dissertação reiki
Dissertação reikiDissertação reiki
Dissertação reiki
 
Desenvolvimento histórico-epistemológico da Epidemiologia e do conceito de risco
Desenvolvimento histórico-epistemológico da Epidemiologia e do conceito de riscoDesenvolvimento histórico-epistemológico da Epidemiologia e do conceito de risco
Desenvolvimento histórico-epistemológico da Epidemiologia e do conceito de risco
 
Fundamentos da Psicologia Social
Fundamentos da Psicologia SocialFundamentos da Psicologia Social
Fundamentos da Psicologia Social
 
152 553-1-pb
152 553-1-pb152 553-1-pb
152 553-1-pb
 
O psicólogo no sus
O psicólogo no susO psicólogo no sus
O psicólogo no sus
 
Bioetica
BioeticaBioetica
Bioetica
 
Capacitação dos profissionais da rede: informação para implantação
Capacitação dos profissionais da rede: informação para implantaçãoCapacitação dos profissionais da rede: informação para implantação
Capacitação dos profissionais da rede: informação para implantação
 
Artigo bioterra v16_n1_01
Artigo bioterra v16_n1_01Artigo bioterra v16_n1_01
Artigo bioterra v16_n1_01
 
Ética na pesquisa
Ética na pesquisaÉtica na pesquisa
Ética na pesquisa
 
1.fundamentos epistemológicos da medicina introdução
1.fundamentos epistemológicos da medicina   introdução1.fundamentos epistemológicos da medicina   introdução
1.fundamentos epistemológicos da medicina introdução
 
(Alguns) quadros teóricos da psicologia
(Alguns) quadros teóricos da psicologia(Alguns) quadros teóricos da psicologia
(Alguns) quadros teóricos da psicologia
 
Etica e Bioética
Etica e BioéticaEtica e Bioética
Etica e Bioética
 
A bioética uma nova orientação
A bioética  uma nova orientaçãoA bioética  uma nova orientação
A bioética uma nova orientação
 
Escala para medir percepção de controle em idosos.ECOPSE
Escala para medir percepção de controle em idosos.ECOPSEEscala para medir percepção de controle em idosos.ECOPSE
Escala para medir percepção de controle em idosos.ECOPSE
 
2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina - o conhecimento
2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina -  o conhecimento
2. Fundamentos Epistemológicos da Medicina - o conhecimento
 
Utilizaçaoem pesq.qualitativa
Utilizaçaoem pesq.qualitativaUtilizaçaoem pesq.qualitativa
Utilizaçaoem pesq.qualitativa
 
O papel da extensão nas ligas acadêmicas
O papel da extensão nas ligas acadêmicasO papel da extensão nas ligas acadêmicas
O papel da extensão nas ligas acadêmicas
 
Texto 4
Texto 4Texto 4
Texto 4
 

Similar to Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em ciências sociais em saúde por Canilo Carvalho

Análise artigo Antropologia Médica.ppt
Análise artigo Antropologia Médica.pptAnálise artigo Antropologia Médica.ppt
Análise artigo Antropologia Médica.pptnonnebio
 
Esporte ensino -saúde e políticas públicas
Esporte ensino -saúde e políticas públicasEsporte ensino -saúde e políticas públicas
Esporte ensino -saúde e políticas públicasmarcelosilveirazero1
 
Sociologia saude g2
Sociologia saude g2Sociologia saude g2
Sociologia saude g2RubyMuinde
 
Qualidade de vida, um debate necessário
Qualidade de vida, um debate necessárioQualidade de vida, um debate necessário
Qualidade de vida, um debate necessárioellen1066
 
MINAYO_M._C._S._Etica_das_Pesquisas_Qualitativa.pdf
MINAYO_M._C._S._Etica_das_Pesquisas_Qualitativa.pdfMINAYO_M._C._S._Etica_das_Pesquisas_Qualitativa.pdf
MINAYO_M._C._S._Etica_das_Pesquisas_Qualitativa.pdfCARLOSHENRIQUECARDOS21
 
Artigo 1 leitura
Artigo 1 leituraArtigo 1 leitura
Artigo 1 leituramadeixas1
 
Artigo determinantes de_saúde
Artigo determinantes de_saúdeArtigo determinantes de_saúde
Artigo determinantes de_saúdeJuanito Florentino
 
Machado, roberto danação da norma medicina social e constituição da psiquia...
Machado, roberto   danação da norma medicina social e constituição da psiquia...Machado, roberto   danação da norma medicina social e constituição da psiquia...
Machado, roberto danação da norma medicina social e constituição da psiquia...Dany Pereira
 
Psicologia e clinica cirurgica
Psicologia e clinica cirurgicaPsicologia e clinica cirurgica
Psicologia e clinica cirurgicaPsicologia_2015
 
Serviço social e a saude do trabalhador
Serviço social e a saude do trabalhadorServiço social e a saude do trabalhador
Serviço social e a saude do trabalhadorInês Paim Dos Santos
 
Abertura de um eixo reflexivo para a educação da saúde o ensino e o trabalho
Abertura de um eixo reflexivo para a educação da saúde o ensino e o trabalhoAbertura de um eixo reflexivo para a educação da saúde o ensino e o trabalho
Abertura de um eixo reflexivo para a educação da saúde o ensino e o trabalhoPaulo Marostica
 
Enpess 2012 blog
Enpess 2012   blogEnpess 2012   blog
Enpess 2012 blogneepssuerj
 
Enpess 2012 blog
Enpess 2012   blogEnpess 2012   blog
Enpess 2012 blogneepssuerj
 
Enpess 2012 blog
Enpess 2012   blogEnpess 2012   blog
Enpess 2012 blogneepssuerj
 
éTica e pesquisa médica
éTica e pesquisa médicaéTica e pesquisa médica
éTica e pesquisa médicaNikarovitch
 

Similar to Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em ciências sociais em saúde por Canilo Carvalho (20)

Humano demasiado humano
Humano demasiado humanoHumano demasiado humano
Humano demasiado humano
 
Análise artigo Antropologia Médica.ppt
Análise artigo Antropologia Médica.pptAnálise artigo Antropologia Médica.ppt
Análise artigo Antropologia Médica.ppt
 
Esporte ensino -saúde e políticas públicas
Esporte ensino -saúde e políticas públicasEsporte ensino -saúde e políticas públicas
Esporte ensino -saúde e políticas públicas
 
Sociologia saude g2
Sociologia saude g2Sociologia saude g2
Sociologia saude g2
 
Qualidade de vida, um debate necessário
Qualidade de vida, um debate necessárioQualidade de vida, um debate necessário
Qualidade de vida, um debate necessário
 
MINAYO_M._C._S._Etica_das_Pesquisas_Qualitativa.pdf
MINAYO_M._C._S._Etica_das_Pesquisas_Qualitativa.pdfMINAYO_M._C._S._Etica_das_Pesquisas_Qualitativa.pdf
MINAYO_M._C._S._Etica_das_Pesquisas_Qualitativa.pdf
 
Texto 3 determinantes sociais
Texto 3   determinantes sociaisTexto 3   determinantes sociais
Texto 3 determinantes sociais
 
Artigo 1 leitura
Artigo 1 leituraArtigo 1 leitura
Artigo 1 leitura
 
Artigo determinantes de_saúde
Artigo determinantes de_saúdeArtigo determinantes de_saúde
Artigo determinantes de_saúde
 
Machado, roberto danação da norma medicina social e constituição da psiquia...
Machado, roberto   danação da norma medicina social e constituição da psiquia...Machado, roberto   danação da norma medicina social e constituição da psiquia...
Machado, roberto danação da norma medicina social e constituição da psiquia...
 
Frossard2015
Frossard2015Frossard2015
Frossard2015
 
Psicologia e clinica cirurgica
Psicologia e clinica cirurgicaPsicologia e clinica cirurgica
Psicologia e clinica cirurgica
 
Metodologia
MetodologiaMetodologia
Metodologia
 
Serviço social e a saude do trabalhador
Serviço social e a saude do trabalhadorServiço social e a saude do trabalhador
Serviço social e a saude do trabalhador
 
Abertura de um eixo reflexivo para a educação da saúde o ensino e o trabalho
Abertura de um eixo reflexivo para a educação da saúde o ensino e o trabalhoAbertura de um eixo reflexivo para a educação da saúde o ensino e o trabalho
Abertura de um eixo reflexivo para a educação da saúde o ensino e o trabalho
 
5 dossiê ética na pesquisa rbs.pdf
5 dossiê ética na pesquisa rbs.pdf 5 dossiê ética na pesquisa rbs.pdf
5 dossiê ética na pesquisa rbs.pdf
 
Enpess 2012 blog
Enpess 2012   blogEnpess 2012   blog
Enpess 2012 blog
 
Enpess 2012 blog
Enpess 2012   blogEnpess 2012   blog
Enpess 2012 blog
 
Enpess 2012 blog
Enpess 2012   blogEnpess 2012   blog
Enpess 2012 blog
 
éTica e pesquisa médica
éTica e pesquisa médicaéTica e pesquisa médica
éTica e pesquisa médica
 

More from Danilo

Carvalho, danilo resenha cooperação e aprendizagem online_@
Carvalho, danilo resenha cooperação e aprendizagem online_@Carvalho, danilo resenha cooperação e aprendizagem online_@
Carvalho, danilo resenha cooperação e aprendizagem online_@Danilo
 
Aula 7. 15.04.11
Aula 7. 15.04.11Aula 7. 15.04.11
Aula 7. 15.04.11Danilo
 
Aula 5 -_01.04.2011.mediacao
Aula 5 -_01.04.2011.mediacaoAula 5 -_01.04.2011.mediacao
Aula 5 -_01.04.2011.mediacaoDanilo
 
Recuero raquel. comunidades_virtuais_-_uma_abordagem_teorica
Recuero raquel. comunidades_virtuais_-_uma_abordagem_teoricaRecuero raquel. comunidades_virtuais_-_uma_abordagem_teorica
Recuero raquel. comunidades_virtuais_-_uma_abordagem_teoricaDanilo
 
Aula 7. 15.04.11
Aula 7. 15.04.11Aula 7. 15.04.11
Aula 7. 15.04.11Danilo
 
Aula 6 14_04_11_cva
Aula 6 14_04_11_cvaAula 6 14_04_11_cva
Aula 6 14_04_11_cvaDanilo
 
Aula 5 -_01.04.2011.mediacao
Aula 5 -_01.04.2011.mediacaoAula 5 -_01.04.2011.mediacao
Aula 5 -_01.04.2011.mediacaoDanilo
 
Okada a. a_mediacao_pedagogica_e_a_construcao_de_ecologias_cognitivas
Okada a. a_mediacao_pedagogica_e_a_construcao_de_ecologias_cognitivasOkada a. a_mediacao_pedagogica_e_a_construcao_de_ecologias_cognitivas
Okada a. a_mediacao_pedagogica_e_a_construcao_de_ecologias_cognitivasDanilo
 
Currículo de danilo_carvalho
Currículo de danilo_carvalhoCurrículo de danilo_carvalho
Currículo de danilo_carvalhoDanilo
 
Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em cincias ...
Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em cincias ...Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em cincias ...
Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em cincias ...Danilo
 
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiária
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiáriaEducação patrimonial direitos deveres e regularização fundiária
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiáriaDanilo
 
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiária
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiáriaEducação patrimonial direitos deveres e regularização fundiária
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiáriaDanilo
 
Educação patrimonial conquista apropriação_gestão participativa
Educação patrimonial conquista apropriação_gestão participativaEducação patrimonial conquista apropriação_gestão participativa
Educação patrimonial conquista apropriação_gestão participativaDanilo
 
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011Danilo
 
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011Danilo
 
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011Danilo
 
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011Danilo
 
Combinaçao de alimentos por danilo carvalho
Combinaçao de alimentos por danilo carvalhoCombinaçao de alimentos por danilo carvalho
Combinaçao de alimentos por danilo carvalhoDanilo
 
Seminário inicial de Brotas de Macaúbas
Seminário inicial de Brotas de MacaúbasSeminário inicial de Brotas de Macaúbas
Seminário inicial de Brotas de MacaúbasDanilo
 
Parque eólico gerenciamento dos resíduos sólidos
Parque eólico   gerenciamento dos resíduos sólidosParque eólico   gerenciamento dos resíduos sólidos
Parque eólico gerenciamento dos resíduos sólidosDanilo
 

More from Danilo (20)

Carvalho, danilo resenha cooperação e aprendizagem online_@
Carvalho, danilo resenha cooperação e aprendizagem online_@Carvalho, danilo resenha cooperação e aprendizagem online_@
Carvalho, danilo resenha cooperação e aprendizagem online_@
 
Aula 7. 15.04.11
Aula 7. 15.04.11Aula 7. 15.04.11
Aula 7. 15.04.11
 
Aula 5 -_01.04.2011.mediacao
Aula 5 -_01.04.2011.mediacaoAula 5 -_01.04.2011.mediacao
Aula 5 -_01.04.2011.mediacao
 
Recuero raquel. comunidades_virtuais_-_uma_abordagem_teorica
Recuero raquel. comunidades_virtuais_-_uma_abordagem_teoricaRecuero raquel. comunidades_virtuais_-_uma_abordagem_teorica
Recuero raquel. comunidades_virtuais_-_uma_abordagem_teorica
 
Aula 7. 15.04.11
Aula 7. 15.04.11Aula 7. 15.04.11
Aula 7. 15.04.11
 
Aula 6 14_04_11_cva
Aula 6 14_04_11_cvaAula 6 14_04_11_cva
Aula 6 14_04_11_cva
 
Aula 5 -_01.04.2011.mediacao
Aula 5 -_01.04.2011.mediacaoAula 5 -_01.04.2011.mediacao
Aula 5 -_01.04.2011.mediacao
 
Okada a. a_mediacao_pedagogica_e_a_construcao_de_ecologias_cognitivas
Okada a. a_mediacao_pedagogica_e_a_construcao_de_ecologias_cognitivasOkada a. a_mediacao_pedagogica_e_a_construcao_de_ecologias_cognitivas
Okada a. a_mediacao_pedagogica_e_a_construcao_de_ecologias_cognitivas
 
Currículo de danilo_carvalho
Currículo de danilo_carvalhoCurrículo de danilo_carvalho
Currículo de danilo_carvalho
 
Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em cincias ...
Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em cincias ...Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em cincias ...
Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em cincias ...
 
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiária
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiáriaEducação patrimonial direitos deveres e regularização fundiária
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiária
 
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiária
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiáriaEducação patrimonial direitos deveres e regularização fundiária
Educação patrimonial direitos deveres e regularização fundiária
 
Educação patrimonial conquista apropriação_gestão participativa
Educação patrimonial conquista apropriação_gestão participativaEducação patrimonial conquista apropriação_gestão participativa
Educação patrimonial conquista apropriação_gestão participativa
 
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
 
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
 
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
 
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011Aula de avaliação 20' relações interpessoais   por danilo carvalho 2011
Aula de avaliação 20' relações interpessoais por danilo carvalho 2011
 
Combinaçao de alimentos por danilo carvalho
Combinaçao de alimentos por danilo carvalhoCombinaçao de alimentos por danilo carvalho
Combinaçao de alimentos por danilo carvalho
 
Seminário inicial de Brotas de Macaúbas
Seminário inicial de Brotas de MacaúbasSeminário inicial de Brotas de Macaúbas
Seminário inicial de Brotas de Macaúbas
 
Parque eólico gerenciamento dos resíduos sólidos
Parque eólico   gerenciamento dos resíduos sólidosParque eólico   gerenciamento dos resíduos sólidos
Parque eólico gerenciamento dos resíduos sólidos
 

Considerações sobre a tar e o problema da objetivação na pesquisa em ciências sociais em saúde por Canilo Carvalho

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - FFCH DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DANILO CARVALHO1 Considerações sobre a teoria do ator rede e o problema da objetivação na pesquisa em Ciências Sociais em Saúde. Trabalho publicado e apresentado oralmente no Seminário de Pós Graduação em Ciências Sociais do PPGCS da Universidade Federal da Bahia / UFBA 2008. Salvador – Bahia Novembro de 2008 1 Pedagogo – UFBA, Educador Ambiental, Mobilizador Social e Agente de Saúde. dankaba@gmail.com 1
  • 2. RESUMO Ao tratar de uma abordagem científica de análise social aplicada ao campo da saúde, é importante partir da discussão a respeito tanto do que se entende por “saúde”, quanto de quais são as condições através das quais essa noção é produzida, para que seja possível discutir suas implicações. O estudo crítico dos princípios, dos meios e dos fins da análise social possibilita melhores considerações sobre a natureza do conhecimento produzido em cada perspectiva sociológica, de modo a melhor auxiliar na identificação de lacunas e superações teórico- metodológicas presentes no campo de sua aplicação. Partindo de controvérsias a respeito do conceito de saúde e dos problemas teórico metodológicos presentes nas perspectivas de análise social, se discutiu a possibilidade de superação de lacunas historicamente presentes no campo da pesquisa em saúde, a partir da contribuições da Teoria do Ator Rede. INTRODUÇÃO Considerando a heterogeneidade de definições sobre o conceito de saúde, no primeiro capítulo, foi feita uma revisão deste a partir das contribuições do Canguilhem (2005) (Escritos sobre Medicina), concordando com o apelo do autor ao desenvolvimento de uma segurança a ser dada ao tratamento deste conceito através da cientificidade, como proteção contra usos arbitrários, abrindo caminho para uma abordagem que considere tanto a dimensão subjetiva quanto a objetiva na definição do conceito de saúde. No segundo capítulo, especialmente a partir das contribuições de Alves (1995), foram discutidos os problemas de ordem teórico-metodológicos presentes na perspectiva de análise social no campo da saúde, para que fossem levantadas demandas de superação de reducionismos historicamente presentes na perspectiva de análise social deste campo no Brasil. Neste mesmo capítulo será discutida a importância da perspectiva compreensiva como orientação para o desenvolvimento de uma analise social apropriada ao campo da saúde. Com uma visita ao Reassembling the Social do Latour (2005), para tratar da Teoria do Ator Rede (TAR), foi discutido no terceiro capítulo como uma sociologia das associações, com as noções de agência e de simetria, propõe uma objetivação que encontra no relativismo a segurança necessária para acompanhar a dinâmica do campo da saúde, reunindo metafísica empírica, metalinguagem e ampliando a noção de agência, sem exagerar no valor dado à etnografia, tampouco à metafísica. 2
  • 3. As bases teórico metodológicas da Teoria do Ator Rede apresentam uma proteção contra reducionismos e uma objetivação baseada em uma simetria entre o discurso do ator e o do analista, instaurando um relativismo que é a base para aproximar: a) a saúde enquanto subjetividade (verdade) situada no corpo e narrada com propriedade; b) saúde enquanto objeto de análise, enquanto metalinguagem e b) a ampliação sobre a consideração das agências envolvidas neste campo. Sobre solo do relativismo da TAR, fica o desafio de proporcionar a segurança necessária ao tratamento científico do tema saúde. O campo da saúde é perpassado por diversas perspectivas de análise, tanto por ser uma área que agrega uma multiplicidade de profissionais - com suas respectivas áreas de atuação (Medicina, psicologia, pedagogia, ciências sociais, antropologia etc.) - quanto por haver divergências dentro de uma mesma disciplina, no que diz respeito às orientações teórico-metodológicas da produção de conhecimento. Discutir o conhecimento científico produzido no campo da saúde, tendo em vista seus princípios, meios e fins, é fundamental para que as verdades pressupostas e hegemônicas não criem entraves ao desenvolvimento da prática científica, enquanto busca de um refinamento constante entre representações e o fenômeno representado. Levando em conta que o tema da saúde precisa ser tratado numa perspectiva ampla, para além de determinismos biológicos ou tecnicistas, acredita-se ser fundamental a inserção das ciências sociais para que sejam amenizados os reducionismos marcantes no campo da saúde, tomando os devidos cuidados com os perigos de reducionismo próprios das ciências sociais. No presente artigo será dado enfoque às teorias sociológicas e às contribuições da epistemologia, para discutir a abordagem sociológica no campo da saúde. Tomando o devido cuidado com o uso de categorias a priori, inicialmente será feita uma espécie de genealogia do conceito de saúde, para que melhor seja entendido o que foi reunido para explicar cientificamente o fenômeno. Será discutido um levantamento de divergências teórico-metodológicas na perspectiva de análise social e suas implicações sobre o conhecimento produzido, no campo a ser estudado. Por fim, a partir de considerações a respeito das lacunas e contribuições das teorias sociológicas que serão levantadas neste trabalho, espera-se discutir a relevância da teoria do ator rede enquanto orientação teórico-metodológica, para o campo da saúde. 3
  • 4. Para melhor compreender algumas teorias sociais que serão abordadas dentro da análise sociológica, além da discussão de caráter epistemológico, serão utilizadas referências sobre a produção de conhecimento em ciências sociais e saúde no Brasil, especialmente durante os anos 80. Uma vez discutidas as teorias sociais que serão aqui levantadas, com suas especificidades teórico-metodológicas e as lacunas, será possível estabelecer as bases para se pensar uma teoria social que possa contribuir para a superação de problemas contemporâneos com o estatuto de cientificidade, dos processos de produção de conhecimento e do conhecimento enquanto produto. O CONCEITO DE SAÚDE E O CAMPO CIENTÍFICO Nesta breve consideração sobre a noção de campo, para discutir a produção de conhecimento em ciências sociais, é proposta uma ampliação do olhar para que seja possível articular a dimensão interna e externa da prática científica. A dimensão interna estaria relacionada com a especificidade de cada ciência, no lançamento e tratamento de seus problemas, ou seja, a lógica pela qual a ciência articula seus princípios, meios e fins. A dimensão externa estaria relacionada com as condições sociais de articulação política para o exercício da especificidade de cada ciência. Longe de propor uma análise dicotômica para prática científica, considera-se estas duas dimensões, pressupondo que elas estão articuladas, mas que se compreendidas em suas especificidades, será possível entender o quanto a prática científica se constitui enquanto luta política. Mencionar as contribuições do Bourdieu (1983) ao utilizar o conceito de campo científico2, pode ajudar na compreensão do quão conflituoso, no sentido de lutas por representação, é este campo, apontado pelo autor como um sistema de relações objetivas em que se busca o monopólio da autoridade científica. Diante disto a prática em ciência passa a ser entendida aqui enquanto interessada, onde as 2 A estrutura do campo científico se define, a cada momento, pelo estado das relações de força entre os protagonistas em luta, agentes ou instituições, isto é, pela estrutura da distribuição do capital específico, resultado das lutas anteriores que se encontra objetivado nas instituições e nas disposições e que comanda as estratégias e as chances objetivas dos diferentes agentes ou instituições. (...). (BOURDIEU: 1983., p. 133). 4
  • 5. determinações científicas e as determinações sociais, compõem o conjunto de forças com as quais se vale a ciência. Discutida a noção de campo, sem a pretensão de esgotar o assunto, visto que somente serão levantados elementos básicos para entender a especificidade do campo da saúde, é importante realizar uma análise conceitual do termo “saúde”, para que a abordagem não parta do uso acrítico, da extensão de um pressuposto e para que seja possível estabelecer relações entre os modos de compreender o conceito e os modos de se exercer a prática científica e as intervenções em saúde. O tema “saúde”, tão discutido na atualidade, é marcado historicamente por diferentes tipos de entendimento sobre o que é a doença, como tratá-la e como evitá-la. Devido a importância da ciência nas práticas de saúde, especialmente pelo exercício da medicina científica, é importante comentar que no ocidente duas escolas de medicina se destacaram e se divergiram, ambas, para dar conta do problema da doença como de causa natural, ou seja, doença como um problema ligado às condições de vida na natureza, diferenciando-se de outras formas de compreensão da doença enquanto castigo, feitiço, ação demoníaca, enfim, formas de compreender a doença e a saúde predominantes especialmente no séc XVII na Europa e em diversas outras épocas e tradições. Esta busca por referências verificáveis empiricamente é a expressão da racionalidade e do cientificismo que marcam a passagem do período das “trevas” para o período das “luzes” a partir da qual o tratamento da saúde precisa ser empiricamente verificável e tratável racionalmente. Hipócrates e Galeno, ambos gregos, são reconhecidos pela história como personagens importantes na defesa de que as causas da doença estão ligadas ao nosso estado orgânico, ou seja, ao nosso estado de natureza. O primeiro aponta para a doença como estado de desequilíbrio do funcionamento orgânico e que por isto é importante conhecer as condições necessárias ao estabelecimento da saúde. O segundo, Galeno, aponta para o fenômeno da doença, também como de ordem natural e dedica-se ao tratamento da manifestação da doença, agindo sobre o desconforto de estar enfermo, aqui, recuperar a saúde seria eliminar os efeitos da doença. Da compreensão de que a saúde é fruto do funcionamento normal do sistema orgânico, nasce a escola vitalista de saúde, conhecidas atualmente como Naturologia ou neo-hipocráticas. Da compreensão de que a saúde é o alívio do sintoma, nasce a alopatia, base da medicina científica. 5
  • 6. Acredita-se que, a partir de contribuições da epistemologia, seguir adiante com o mapeamento das influentes concepções de saúde dentro deste campo, será uma tarefa melhor executada com o apoio da Filosofia, através das contribuições do Canguilhem (2005), visto que assim será possível levantar mais pressupostos que fundamentam os discursos e práticas em saúde. Nos textos reunidos sobre o nome de Escritos sobre Medicina, Canguilhem, aborda filosoficamente o conceito de saúde, realizando uma revisão a partir de contribuições de filósofos e fisiologistas. O primeiro conceito de saúde apresentado pelo autor, a explica enquanto estado em que as funções orgânicas se realizariam silenciosamente3, ou insensivelmente, tendo a doença como estado em que se faz necessário conhecer a verdade do corpo, tida sempre como oculta. Aqui se inicia uma reflexão sobre a saúde como verdade do corpo, cujo alcance é duvidoso do ponto de vista científico. Seria cientificamente possível medir, verificar o estado de saúde? Ao citar Kant4 o conceito de saúde vai ganhando um caráter não científico, pelo fato desta ser por ele situada fora do campo do saber. Se considerarmos com Kant, afirmando que o silêncio dos órgãos não necessariamente é a manifestação de uma saúde, só através da doença seria revelado o estado até então oculto. Sendo compreendida desta forma, não seria possível, portanto, um conceito científico de saúde, tampouco uma ciência da saúde. Finalizando a retomada desta compreensão, o conceito de saúde é apontado enquanto vulgar. Apresentando as contribuições de Descartes como marcantes, considerando o fato dele ter apresentado uma concepção mecanicista das funções orgânicas, Canguilhem ressalta a associação que o filósofo estabelece entre verdade e saúde, na qual a primeira, assim como a segunda, uma vez possuída, não mais seria objeto do pensamento. 3 Sobre essa perspectiva, o autor aponta, dentre outras, para as contribuições de Diderot, quando este afirmar que “ quando estamos bem, nenhuma parte do corpo nos informa sua existência; se alguma delas nos adverte por meio da dor, é, com certeza, porque estamos mal; se fosse pelo meio do prazer, nem sempre é certo que estejamos melhor”. (CANGUILHEM, 2005, p.36). 4 (...) Quanto à saúde, diz ele [Kant], encontramo-nos em condições embaraçadoras: “Podemos nos sentir bem de saúde, isto é, julgar a partir do sentimento de bem estar vital, mas nunca se pode saber se estamos bem de saúde [...] Ausência do sentimento (de estar doente) não permite ao homem saber se está bem, a não ser dizendo que vai bem em aparência.” (ibidem, p. 37). 6
  • 7. Em Nietzsche, assim como em Claude Bernard, a concepção de saúde é apresentada enquanto manifestação de um vigor, de uma potência para absorver e vencer as tendências mórbidas. Segundo Canguilhem no que diz respeito à manifestação da saúde, o filósofo utiliza adjetivos como: boa-fé, completude, retidão, fiabilidade e afirma a existência de uma razão do corpo5, superior em qualidade, em relação à razão da sabedoria. A partir desta afirmação, reforça-se a idéia de que a apropriação e explicação sobre o fenômeno da saúde serão aproximativos, tendo-a enquanto verdade encerrada no corpo. A partir de referencias da fisiologia, ainda tratando do tema da saúde enquanto sabedoria ou razão do corpo, Canguilhem comenta sobre as contribuições do fisiologista inglês Starling, cuja apresentação dos estudos não inclui o termo saúde. Pela mesma exclusão conceitual, Kayser é citado por não apresentá-lo em seu dicionário de fisiologia. Segundo Canguilhem, o tratamento científico em ambos os fisiologistas produz, em relação a essa sabedoria do corpo, conceitos como: Homeostase, regulação e stress, indicando possível recusa da cientificidade do conceito de saúde. Citando Claude Bernard6, apesar do mesmo em algum momento utilizar a idéia do estado de saúde, Canguilhem reforça o não tratamento científico do conceito em questão. Ainda que focando cientificamente no modo de exercício de uma função orgânica, Starling é lembrado por alertar que o uso do termo mecanismo não deveria ser levado demasiadamente a sério. Aqui, Canguilhem encontra base para recusar a saúde como efeito necessário de relação de tipo mecânico7, afirmando a impossibilidade de atribuir a qualidade de saudável a um mecanismo, dado que este não poderia ocupar o lugar de verdade do corpo vivo, visto que não haveria doença de um mecanismo, de uma máquina. 5 Canguilhem (Ibidem p. 39) cita Nietzsche: (...) “O corpo é uma grande razão, uma multidão de um só sentimento, uma guerra em paz, um rebanho e um pastor.” Por fim: “Há mais razão em teu corpo que em tua melhor sabedoria.” 6 Canguilhem (Ibidem, p. 40) citando Claud Bernard: “Em fisiologia, não há senão condições próprias a cada fenômeno que é preciso exatamente determinar, sem se perder em divagações sobre a vida, a morte, a saúde e outras entidades da mesma espécie”. 7 Recusando o tratamento da saúde enquanto qualidade de um mecanismo, Ganguilhem afirma que “A saúde, verdade do corpo, não está referida a uma explicação por teoremas” (Ibidem, p. 40). 7
  • 8. De acordo com as observações do Canguilhem, a condição de vivo possibilita a expressão da saúde do corpo, enquanto potencialidades e poderes que o constituem e que possibilitam ou não uma resposta adaptativa na relação com o seu meio ambiente. Prosseguindo nas considerações sobre o corpo, o autor aborda-o enquanto dado e enquanto produto, sendo a saúde tanto um estado, quanto uma ordem em relação ao corpo. Mas o que isso significa exatamente? Segundo a resposta dada por Canguilhem, o corpo seria um dado enquanto padrão genético, onde estariam ocultos determinantes sobre a verdade do corpo8, condicionado em sua presença no mundo. Considerar o corpo enquanto produto é reconhecer as implicações que o modo de inserção em um ambiente dado exerce sobre ele, modificando sua estrutura morfológica, num processo que o autor nomeou de singularização de suas [do corpo] capacidades. Sustentado sobre a consideração do corpo enquanto produto, o discurso da Higiene é apontado como produzido pelos interesses sociopolítico-médicos para controlar a vida dos indivíduos e produzir a saúde pública. Se considerarmos o conceito de saúde até aqui enquanto de difícil definição do ponto de vista científico, o que significaria uma saúde pública? Sem mais delongas, Canguilhem alerta para o efeito desta conceituação, na medida em que ela oculta o sentido existencial de saúde para contabilizá-la, abandonando a significação de verdade, para ganhar estatuto de facticidade. A expansão do campo da administração da saúde a nível mundial desembocou, segundo o autor, na criação da Organização Mundial de Saúde, que para defender seus interesses e justificar sua intervenção, criou sua própria concepção de saúde9. Reivindicando a idéia de saúde enquanto estado do corpo dado, o autor propõe considerá-la enquanto segurança de vida, em qualquer potencialidade que garanta a sua existência viva. Considerando que qualquer estado que mantenha a vida, expressa a saúde enquanto segurança de existência, Canguilhem (Op. Cit. p. 43) afirma que o estado de má saúde seria a restrição das margens de segurança orgânica, a limitação do poder de tolerância e de compensação das agressões do meio ambiente e portanto, da sua condição em vida. Sendo assim, saúde poderia ser compreendida como estado em que, enquanto vivo, haveria a manutenção das margens de segurança para a 8 Quanto a isto Ganguilhem (Ibidem, p.42) afirma que “A não verdade do corpo pode ser manifesta ou latente” 9 Estabelecendo relação entre a orientação e a intervenção da Organização Mundial de Saúde, Canguilhem (Ibidem, p. 43) cita a idéia de saúde desta Organização: “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, moral e social, não consistindo somente na ausência de saúde ou de doença.” 8
  • 9. continuidade da existência. Seguindo com esta perspectiva de saúde enquanto segurança de vida, a doença, segundo autor, citando Descartes, seria uma oportunidade para que o homem, uma vez superando-a, torne-se mais válido. Retomando a idéia de saúde enquanto expressão do corpo produzido, o autor a atribui a este um duplo sentido: o de garantia contra o risco e o de audácia para corrê-lo, situação em que seria possível ultrapassar capacidades iniciais, no desenvolvimento de habilidades ainda não experimentadas, o que expressaria a potencia de expansão e de dominação sobre o corpo. Dando um caráter de liberdade para a saúde, enquanto possibilidade de experimentação, o autor critica a tentativa dos especialistas, especialmente dos higienistas, em gerir uma saúde coletiva, ou pública, implicando em controle sobre a expressão individual da saúde e sugere, para tal intervenção, o uso do conceito de salubridade como mais conveniente que o de saúde. Na tentativa de justificar a proposição que considera a saúde enquanto verdade do corpo10, Canguilhem aponta para a impossibilidade de representá-lo em sua própria constituição, ou em sua autenticidade de existência. Analisando criticamente11 a prática médica, o autor questiona a posição de exegeta do profissional desta área, na relação com o paciente, para que lhe seja também questionada a legitimidade da sua posição de reparador. Justifica-se aqui a idéia de expropriação da saúde. Para melhor definir o sentido de saúde enquanto verdade do corpo, o autor levanta algumas questões: primeiro, se como conseqüência de uma inspiração cartesiana, sobre a noção de auto-gestão da saúde, deve-se estender a identificação para o preceito cartesiano de usar da vida e das convenções comuns; segundo, se tal uso não estaria vinculado a alguma tradição de naturalismo anti-racionalista e terceiro, se será através da preconização da saúde selvagem, pelo retorno para a saúde fundadora, ou pelo desenvolvimento de comportamentos sabiamente controlados que se chegará à verdade do corpo. Aproximando-se do final das suas considerações sobre saúde enquanto 10 Canguilhem (Ibidem, p. 44) busca “justificar a proposição de considerar a saúde como verdade do corpo em situação de exercício, expansão originária de sua posição como unidade de vida, fundamento da multiplicidade de seus órgãos próprios.” (...) 11 Sobre a crítica dirigida por Canguilhem (Ibidem, p.45) à prática interpretativa e reparadora à qual se propõe o médico, sobre a saúde de outrem, cito: “A definição de saúde que inclui a referência da vida orgânica ao prazer e à dor experimentados como tais introduz sub-repticiamente o conceito de corpo subjetivo na definição de um estado que o discurso médico acredita poder descrever na terceira pessoa.” 9
  • 10. conceito vulgar e questão filosófica, Canguilhem pontua que na ocupação com o corpo subjetivo, é importante considerar a liberação do efeito repressivo da medicina e das ciências que participam da sua aplicação. Por fim, o autor sugere que a consideração da saúde enquanto verdade do corpo, no sentido ontológico, deve abarcar o controle, a proteção da verdade no sentido lógico, a ser desenvolvida na abordagem científica que permita conhecer as possibilidades do corpo vivido. Encerrando esta discussão citando Merleau-ponty, Canguilhem justifica ter feito da saúde uma questão filosófica pelo fato de que na filosofia, aquele que questiona é, ele próprio posto em causa pela questão. Os questionamentos feitos até aqui para considerar a saúde como verdade do corpo, por fim, segundo o apelo do autor, não deve excluir sobre a busca da sua compreensão, o exercício da razão, característico da produção científica. Resta conhecer o modo pelo qual, no campo da saúde, as diferentes ciências e os diferentes cientistas, fazem uso do estatuto de cientificidade na luta por suas representações e na imposição de sua objetividade. Considerando que neste artigo, busca-se estabelecer relação entre o campo da saúde e a Teoria do Ator Rede como perspectiva de análise social, será dada a partir de agora atenção especial às teoria sociais, com o objetivo de levantar referências sobre quais destas teorias são influentes e quais os problemas levantados na contemporaneidade quanto a essa abordagem no campo da saúde. CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS SOBRE A PESQUISA, EM CIÊNCIAS SOCIAIS EM SAÚDE. Neste capítulo será discutido como as pesquisas em ciências sociais situam-se teórica e metodologicamente dentro do campo da saúde, a partir das contribuições de Alves (1995). Na introdução do seu artigo, o autor considera a perspectiva de análise, ou “metateoria”, enquanto representação fundamentada em uma construção teórica, dentro da qual são definidos os problemas e as soluções a serem dadas em sua aplicação na pesquisa, marcando a distância entre os pressupostos e o referencial empírico, na tentativa, em ciências sociais, de tratar por diversas perspectivas o fenômeno humano. 10
  • 11. Do ponto de vista sociocultural, diferentes atribuições de sentido à natureza do social estão presentes nos tratamentos do fenômeno da saúde e da doença. É sobre a relação entre a abordagem teórico-metodológica e a existência de problemas no estatuto de cientificidade que se dedica Alves. O autor desdobra seu artigo em duas partes: primeiro trata dos fundamentos das perspectivas de análise social, focando nas orientações utilizadas na construção da objetivação; segundo, se propõe a aprofundar a perspectiva de análise dominante nas pesquisas sociais em saúde, através da identificação de suas premissas e especificidades metodológicas. Na conclusão de Alves, são levantadas questões relevantes ao presente artigo, tanto no âmbito destas disciplinas da pesquisa social em saúde, quanto na teoria social em geral. Iniciando pelas considerações sobre a questão da objetivação nos estudos dos fenômenos sociais, o autor apresenta a imagem de cientificidade como expressão de uma idéia reguladora contextualizada historicamente, situada num dado momento de aperfeiçoamento da prática científica. Discutindo sobre a imagem de cientificidade das ciências sociais, o autor aponta para a dificuldade12 de se criar um paradigma que estabelecesse consensualmente os princípios reguladores do conhecimento social. Caracterizando essa dificuldade como uma especificidade das ciências sociais em relação às outras, o autor aponta para: a) a falta de um corpo integrado de leis abstratas; b) a natureza de sua linguagem e c) para o acordo intersubjetivo quanto aos métodos e resultados da abordagem. Apresentando primeiras divergências no campo teórico-metodológico Alves (Ibidem, p. 65) pontua a tensão existente entre as vertentes racionalistas e empiristas. A primeira, ligada à racionalização do conhecimento e à desconfiança da percepção sensível e a segunda, também caracterizada pelo autor como cautelosa com as categorias e operações do pensamento. Tal dilema residiria na relação sujeito e objeto do conhecimento, na qual seriam produzidas diferentes tentativas de dar conta de uma objetivação do referencial empírico. O campo das ciências sociais é reconhecido pelo 12 Nas ciências sócias a reflexão epistemológica não conseguiu até agora, formular uma imagem da cientificidade que seja admitida por todos de maneira totalmente satisfatória. (ALVES, 1995 p. 64). 11
  • 12. autor enquanto constitutivo de domínios do saber, sustentado sobre uma variedade13 de perspectivas epistemológicas e teórico-metodológicas, o que não tira destas ciências, segundo o autor, nem as suas contribuições do ponto de vista teórico, nem o prestígio diante das diversas instituições e grupos sociais. Dentre os problemas ligados ao alcance da cientificidade, o autor propõe concentrar-se nos processos lógicos de produção de conhecimento, focando em um aspecto desta problemática: o processo de objetivação da pesquisa social. Ao explicar o que seria esse processo14, o autor aponta para a presença da fundamentação e da adequação da construção discursiva, como regulação constante sobre a abordagem do real. Independente de qual seja a natureza da objetivação, importa aqui verificar o estado das teorias, da metodologia e dos procedimentos técnicos de investigação. No que diz respeito à análise do processo de objetivação, o autor propõe que sejam considerados: o campo semântico e a formalização de conceitos e definições destinados à apreensão racional de um dado objeto. Considerar o campo semântico seria identificar no conhecimento produzido a respeito de um referencial empírico, a significação reunida pelo pesquisador. Considerar a formalização de conceitos e definições, seria identificar como se dá o processo de redução dos fenômenos objetivados em idealizações e generalizações. Neste enfoque discute-se sobre como esta explicação é formalizada e estruturada logicamente, enquanto proposição analítica. Na discussão sobre o problema da estruturação lógica das ciências sociais, geralmente são apontadas dicotomias para firmar, de um lado a faticidade objetiva da sociedade sobre o indivíduo e de outro, a força da subjetivação. Optar simplesmente por uma das dimensões na objetivação do conhecimento implicaria na redução da abrangência e adequação da abordagem sobre a dinâmica intrínseca do referencial empírico, visto que por este caminho não é feita a opção pela simultaneidade e complementaridade destas dimensões. 13 Quanto a falta de consenso sobre as bases teórico-metodológicas em ciências sociais, o autor comenta que (...) “isso não significa dizer que as pesquisas, desenvolvidas por essas ciências, sejam construídas arbitrariamente e que não consigam aperfeiçoar métodos que regulem as condições de seu próprio crescimento.” (...). (Ibidem, p. 65). 14 A objetivação do conhecimento científico é a arrumação de uma rede conceitual que possa dar conta do real, explorá-lo, expressá-lo de forma fundamentada e adequada. (Ibidem, p. 66). 12
  • 13. Para melhor abordar os fundamentos das associações lógicas presentes na dicotomia apontada pelo autor, as teorias sociais são divididas em duas perspectivas de análise: A holística, conhecida também como sistêmica e a compreensiva, ou atomística. A primeira, enquanto produtora de macro análises em que o sujeito geralmente é considerado enquanto sujeito ao determinismo do social, valoriza no conhecimento produzido o aspecto sistêmico e conceitual, tendendo para uma abordagem explicativa de análise social. A segunda situa-se na experiência primeira do sujeito, valorizando uma abordagem compreensiva, dando importância aos processos de interpretação dos fenômenos objetivados, com foco nas significações internas no comportamento dos agentes sociais. Em sua investigação, Alves se dedica a observar como essas perspectivas tendem a abordar a objetivação e como estabelecem a relação entre o campo semântico e o conceitual na dinâmica da pesquisa social. Considerando que a perspectiva predominante em saúde é a sistêmica, o autor dedica a ela mais atenção, discutindo a perspectiva compreensiva simplesmente para estabelecer uma relação de contraste. No processo de objetivação dos fenômenos sociais da perspectiva sistêmica, valoriza-se a habilidade combinatória das unidades conceituais expressa na explicação, ao passo em que na compreensiva, a objetivação dos fenômenos sociais parte do princípio de que a investigação precisa fundamentar-se no ator social enquanto elemento originário e específico. Sobre esta abordagem o autor afirma que o campo semântico diz respeito tanto a um sentido, quanto a uma referência, e enquanto compreensiva, atesta para a pré-existência do mundo empírico, tornando, portanto, imprescindível ao empreendimento científico não se deter em pressuposições preliminares sobre o que ainda será verificado. Dentro da perspectiva compreensiva, a concepção de fenômeno social só adquire sentido a partir de sua contextualização, expressa nas representações e práticas dos atores sociais. O problema da perspectiva sistêmica quanto ao processo de objetivação, seria o afastamento do referencial empírico como ponto de partida para a definição de problemas e para a elaboração de questões. Sobre o campo empírico, são enxertadas conclusões dedutivamente derivadas. Por outro lado, aparece a ameaça de uma suposta irracionalidade associada à abordagem compreensiva de extremo empiricismo. Como evitar o inconveniente de situar-se na dicotomia para dar conta de um processo de objetivação? Alves propõe mediar a transição do subjetivo para o objetivo, e sugere a 13
  • 14. concepção de tipo ideal15 para que a objetivação seja construída num teste empírico, no qual a regulação e adequação das abstrações só ganhariam sentido enquanto referidas a especificidades empíricas. Seguindo tal sugestão a prática científica pautar-se-ia na relevância tanto da abordagem compreensiva quando da explicativa na construção da teoria social e da cientificidade. Tratando da perspectiva de análise social no campo da saúde o autor foca no contexto brasileiro16, considerando que nele, a saúde enquanto objeto das ciências sociais passa a ser tratada inicialmente entre os anos 60 e 70. No mapeamento das predominâncias teórico-metodológicas que se sucederam a partir deste início da diversificação de perspectivas, após a primeira predominância do estruturalismo e da Escola de Chicago na década de 50, são citados como influentes o funcionalismo, o interacionismo simbólico, a fenomenologia, a teoria da troca, da escolha racional e o marxismo, com destaque para o status paradigmático alcançado pelas duas primeiras influências, predominantes até os anos 50. Após a década de 50, o marxismo predomina na orientação teórico-metodológica na América Latina, assim como o pós-estruturalismo, geralmente referindo-se às contribuições do Michel Foucault. É neste contexto de controvérsias que a saúde passa a ser abordada enquanto objeto de pesquisa em Ciências Sociais no Brasil. Ao considerar a realidade social enquanto configuração geral, em qualquer destas tendências corre-se o risco de impor um modelo de abstração sobre os fenômenos a serem verificados, 15 Sobre o uso do tipo ideal como mediação, sugerido por Alves, cito Weber : “Quanto mais se trata de classificações de processos que se manifestam na realidade de uma forma maciça, tanto mais se trata de conceitos genéricos. Pelo contrario, quanto mais se atribui uma forma conceitual aos elementos que constituem o fundamento da significação cultural, específica das relações históricas complexas, tanto mais o conceito, ou o sistema de conceitos adquirirá o caráter de tipo ideal. Por que a finalidade da formação de conceitos de tipo ideal consiste sempre em tomar rigorosamente consciência não do que é genérico mas, muito pelo contrário, do que é específico a fenômenos culturais.” (WEBER, 1979, p. 116) 16 Em um nível macroscópico é possível identificar quatro ordens de fatores, entre outras, que se articulam no momento da formação e posterior desenvolvimento dos estudos em saúde no Brasil: a) a magnitude dos problemas médico-sociais e o processo de reformulação do sistema médico; b) a formulação dos seus pesquisadores; c) as transformações teóricas e metodológicas das ciências sociais nas grandes instituições internacionais de ensino e pesquisa, principalmente nos EUA; d) o enfoque histórico- cultural na análise dos fenômenos sociais (como a teoria da dependência) na América Latina. (...) (ALVES, 1995, p. 71) 14
  • 15. procedimento que implicaria em considerar os atores sociais do ponto de vista substantivo, tipificando-os e classificando-os previamente, operação típica das teoria sistêmicas17, que hipostasia a razão como única possibilidade de ordenar e explicar os fenômenos sociais, esses, subordinados à apreensão intelectual. Buscando a origem da teoria sistêmica, Alves a localiza nas ciências naturais, justificando que a sua presença nas ciências sociais está associada ao fato desta, no momento de sua definição, ter necessitado de uma legitimação e no campo científico, para o alcance do estatuto de verdade sobre os frutos de sua objetivação no substratos sociais18. Reconhecendo a complexidade de tal substrato, considerando-o enquanto campo de possibilidades de significação, o autor (1995, p. 77) afirma que o fato sociocultural, portanto, é antes de mais nada uma relação íntima de compenetração entre o substrato e o sentido. Diante dos problemas19 com a teoria sistêmica, é proposta uma abordagem que se desenvolva na intersubjetividade, em busca do significado no contexto objetivo da vida cotidiana e das definições dos atores de sua situação. Na conclusão do seu artigo, Alves retoma o fato de que na análise social do campo da saúde no Brasil, predomina a abordagem sistêmica e que é importante se estabelecer os princípios para o alcance de uma perspectiva de análise que possa integrar realidades estruturais e as ações individuais, enquanto dimensões interdependentes do processos de objetivação nas ciências sociais em saúde. 17 Toda teoria sistêmica, embora guarde marcantes diferenças conceituais entre si, parte de um mesmo princípio, que pode ser resumido nos seguintes itens: a) admite-se a existência de um todo a ser analisado; b) este todo está composto de unidades que se configuram distintamente entre si; c) as unidades, contudo, estão agregadas a outras, sendo mutuamente independentes; d) essa interdependência está regulada por uma morfologia, uma estrutura. Assim, é pela forma em que se relacionam os componentes do sistema, ou seja, pela estrutura do sistema, que se explica um determinado objeto de estudo. São teorias, portanto, que pressupõem uma determinada codificação do sistema e a tarefa principal do pesquisador é decifrá-la. (Ibidem, p. 74). 18 (...) “Os substratos sociais constituem na realidade campos de possibilidades sobre as quais são construídas significações, intencionalidades e valores e através das quais os indivíduos viabilizaram suas ações e seus projetos específicos, mesmo que sejam contraditórios (Velho, 1994)” (Ibidem, p. 77). 19 Considerar que a sociedade está em nossa experiência apenas como uma inferência e não como uma observação é não reconhecer plenamente que os construtos, por mais elaborados que sejam, não substituem o mundo das interações enquanto entidade real. Eles têm a capacidade de produzir imagens de eventos, mas não são eles mesmos os próprios eventos. (ALVES, 1995: p. 81). 15
  • 16. A TEORIA DO ATOR REDE Para testar a hipótese de que na perspectiva de análise social da Teoria do Ator Rede encontram-se superações para problemas na objetivação em ciências sociais discutidos anteriormente - tanto a respeito da teoria sistêmica, quanto da teoria holística presentes no campo da saúde no Brasil - vejamos como nela pode-se realizar a integração da realidade estrutural com as ações individuais e que outras contribuições são importantes para se pensar a superação de dicotomias e reducionismos. Neste capítulo será feita uma análise da TAR, de forma a caracterizar o seu processo de objetivação, identificando seus princípios e finalidades. Para esta discussão serão fundamentais as contribuições de Latour (1997 e 2005) e de Law (s.d.) Considerando que a sociologia precisa despir-se de pressuposto que reduzem a abrangência representativa dos fenômenos analisados, Latour (2005), caracteriza o fato social enquanto um emaranhado de forças e interações, usando a categoria de sociologia das associações, diferenciando-a da sociologia do social, cujo objeto seria fruto geralmente de reducionismos (do indivíduo, do social, do inconsciente, do econômico etc), marca da busca de uma legitimação científica inicial. Esta sociologia parte de um rigor metodológico que recorta, sobre a amplitude das associações que definem o social, um grupo de variáveis reunidas enquanto adequação a um modelo paradigmático. Lembrando Kuhn20 é preciso ter cuidado com o efeito de pré-moldagem que a orientação paradigmática pode exercer sobre uma objetivação, na qual o cientista distanciar-se-ia do seu papel fundamental: compreender o mundo e ampliar a precisão e o alcance da ordem que lhe foi imposta. Latour (2005), realizando uma introdução à Teoria do Ator Rede, parte da controvérsia a respeito do sentido de social21, colocando o cientista a um passo atrás de sua 20 (...) Por que a realização científica, como um lugar de comprometimento profissional, é anterior aos vários conceitos leis, teorias e pontos de vista que dela podem ser abstraídos? Em que sentido o paradigma partilhado é uma unidade fundamental, para o estudo do desenvolvimento científico, uma unidade que não pode ser totalmente reduzida a componentes atômicos lógicos que poderiam funcionar em seu lugar? (KUHN, 2002, p.31). 21 In most situations, we use ‘social’ to mean that which has already been assembled and acts as whole, without being too picky on the precise nature of what has been gathered, bundled, and packaged together. When we say that ‘something is social’ or ‘has a social dimension’, we mobilize one set of features that, so to speak, march is step together, even though it might be composed of radically different types of entities. (LATOUR, 2005 p. 43). 16
  • 17. intervenção para revisar a serviço de que substantivação ele dedica a sua investigação, ao definir algo enquanto “social”, diante da heterogeneidade dos elementos que compõem o referencial empírico. Apoiando-se no fenômeno social enquanto complexidade de interações, a discussão sobre quem e o que participa deste fenômeno é imprescindível para o autor, o que o faz levantar as seguintes questões: a) quem mais age durante a nossa ação? b) quantos agentes estão presentes? c) por que somos todos influenciados por forças que não são de nossos próprios feitos? Inicia-se assim a discussão sobre a agência. A questão da agência Propondo que a ação seja compreendida enquanto um “nó”, enquanto algo fora do controle da consciência, Latour cita Hegel ao usar a expressão other-taken, no sentido de “tomada por outro”, para adjetivar a ação, atribuindo-lhe caráter de imprevisibilidade, de mistério a ser desvendado empiricamente. A ação é então reconhecida em sua complexidade, diversidade e heterogeneidade. O autor propõe que a ação permaneça como surpresa, o que torna ainda mais importante não partir de pressupostos a respeito, por exemplo, de determinismos sociais sobre a ação, da força do indivíduo, ou do poder do inconsciente. Se a ação é um nó, um mistério, nem a sociedade, nem a força do indivíduo podem ocupar lugar determinante sobre ela, pois estas são apenas algumas dentre as agências que configuram a situação. A noção de ator-rede exprime um atravessamento exercido por outros elementos do arranjo da realidade, que muitas vezes o deslocaria de uma livre imposição da vontade. Prestando atenção nestes “dirigentes” da ação, Latour sugere que se torne produtiva novamente a intuição central das ciências sociais, despindo-as dos reducionismos, para que então seja possível encarar a complexidade do fenômeno social. A noção de agência presente em Latour coloca sobre questão a noção de causalidade apoiada em operações de redução, visto que segundo a TAR apresentar o movimento das concatenações22 e mediações que explicariam um fenômeno enquanto social, 22 which agencies are invoked? Which figurations are they endowed with? Through which mode of action are they engaged? Are we talking about causes and their intermediaries or about a concatenation of mediators? ANT is simply the social theory that has made the decision to follow the natives, no matter which metaphysical imbroglios they lead us into-and they quickly do as we shall see now! (Ibidem, p. 62) 17
  • 18. aproximaria o conhecimento da amplitude de associações que constituem a massa de realidade. A simetria e a agência dos não humanos Diferenciando-se da maioria das teorias sociológicas que ocuparam-se predominantemente sobre a questão de qual agência escolher, a sociologia da associação procura compreender como cada uma delas exerce presença. Se afirma-se alguma influência de um “poder”, ou da “sociedade” nesta perspectiva, isto seria não o ponto de partida para explicar o fenômeno social, mais sim, a identificação destes elementos enquanto parte de um processo verificado empiricamente, ao lado de outras agências que se façam relevantes. Propondo a diversificação e o aumento das agencias como forma de aproximar-se da complexidade do fenômeno observado, Latour trata a definição de social enquanto reunião de entidades. Para a TAR o “social” seria uma associação momentânea caracterizada pela forma com que são arrumados os elementos que compõe a especificidade do que está sendo representado enquanto social, dada a complexidade mesma dos fenômenos objetivados. O fato de que as diferentes análises sobre o mesmo fenômeno produzem singularidades de conhecimentos não impede que através de uma reunião de abordagens, seja possível identificar nas regularidades, o que seria representativo enquanto constância a respeito de um determinado fenômeno observado. Na TAR as especificidades geradas nas representações sobre o referencial empírico comprovam a existência de outras agências Ao dissolver a noção de “social”, removendo bases pré-determinantes de seu significado, Latour considera que as associações entre as agências são momentâneas e que é importante trocar a predefinição de uma constância pela verificação empírica da duração de interações ou de novas associações. Diante disto, fixar uma causalidade, um determinante, seria aprisionar em uma constante uma agência pontual e disposta numa rede de inter-ações que compõem um dado fenômeno enquanto social. Por este caminho incorre-se em tautologias que, retendo uma agência (econômica, do poder, do indivíduo etc) associam a explicação ao empírico “retirando-lhe” um sentido que é, metodologicamente falando, muito mais a aplicação e reaplicação cíclica de operações lógicas através da dedução. 18
  • 19. Apelar para a extensão das conexões entre as agências na explicação de fenômenos sociais é uma operação típica das teorias sistêmicas discutidas no capítulo anterior. Tal extensão da durabilidade de algumas poucas agências para a definição de um fenômeno enquanto social, é um passo que limita23 a identificação da diversidade de agências presente no referencial empírico. Isso implica na exclusão e desconsideração de certos tipos de agências, como é o caso de agências não humanas dentro do que se define enquanto social. Em relação a presença de objetos24 não humanos na ação coletiva a ser explicada enquanto social, estes não devem ser considerados a priori na TAR e a sua apresentação enquanto participante deve ser uma constatação empírica. Segundo Latour a ausência dos objetos em considerações sociológicas é um indício do quanto a fixação de determinadas agências exclui questões básicas para o empreendimento científico: quem e o que participam da ação. A divisão entre material e social dificulta a compreensão de como uma ação dita ‘coletiva’ é possível, se considera-se, segundo a TAR, que o que se dá é uma associação de diferentes tipos de forças. O autor propõe o uso da palavra “coletivo” em substituição ao termo “social” para possibilitar uma ampliação da consideração de agências. Se em uma sociologia do social as agências reunidas atribuem a centralidade da participação humana, usar o conceito de coletivo é criar a abertura para o exercício de uma sociologia das associações, ou seja, para a consideração de que na ação dita social, estariam reunidas influências diversas, inclusive a de objetos não humanos. Na TAR usar o conceito de coletivo é uma forma de evitar confusões com o uso do termo social, associado a explicações reducionistas de conexões humano-humano ou objeto-objeto. 23 Os cientistas trabalham a partir de modelos adquiridos através da educação ou da literatura a que são expostos posteriormente, muitas vezes sem conhecer ou precisar conhecer quais as características que proporcionam o status de paradigma comunitário a esses modelos. Por atuarem assim, os cientistas não necessitam de um conjunto completo de regras. A coerência da tradição de pesquisa da qual participam não precisam nem mesmo implicar a existência de um corpo subjacente de regras e pressupostos, que poderia ser revelado por investigações históricas ou filosóficas adicionais. (...) (KHUN, 2000, p. 70). 24 (…) The main reason why objects had no chance to play any role before was not only due to the definition of the social used by sociologists, but also to the very definition of actors and agencies most often chosen. If action is limited a prior to what ‘intentional’ , ‘meaningful’ humans do it is hard to see how a hammer, a basket, a door closer, a cat, a rug, a mug, a list, or a tag could act. They might exist in the domain of ‘material’ ‘causal’ relations, but not in the ‘reflexive’ ‘symbolic’ domain of social relations (…). (LATOUR, 2005, p. 71). 19
  • 20. Latour alerta para que a TAR não seja entendida enquanto proposta de simetria absurda entre humanos e não humanos, visto que nesta teoria ser simétrico é simplesmente não colocar a priori alguma assimetria entre a ação intencional humana e o mundo material das relações causais. A simetria é parte da postura científica que valoriza a imersão no referencial empírico para identificar e explicar como as forças que movem a ação coletiva se manifestam, deixando evidência em diversos “suportes” que compõe uma associação momentânea, uma fatia do social enquanto totalidade de forças. Um estudo científico orientado pela da TAR precisa articular25 tanto a continuidade quanto a descontinuidade entre os modos de ação. Neste sentido a aceitação de objetos não humanos enquanto integrantes de uma associação (momento ou configuração do social) se dá desde que esses se manifestem enquanto comensuráveis e que sejam reconhecidos em sua incomensurabilidade fundamental, como proteção contra a extensão dedutiva de forças cujo desdobramento empírico é imprevisível. Mas como identificar a presença de objetos nos processos objetivados pela TAR? Considerando que o movimento de forças expressa-se pelos elementos presentes na ação coletiva, a identificação de objetos se dá num fenômeno social desde que este se manifeste enquanto marcante, presente, relevante, enquanto relevo sobre a superfície observada. A multiplicação de ocasiões em cuja visibilidade das força é momentânea vai dando pistas para que o pesquisador exercite sua rapidez na compreensão do movimento observado. O estudo de inovações e controvérsias enquanto ponto de partida para a investigação possibilita a consideração de objetos não humanos desde que estes se façam evidentes no curso dos fatos observados, antes de deixarem de ter relevância para dar espaço a novas associações, com possíveis novos objetos. O exercício do pesquisador fundamentado pela TAR está centrado no mapeamento de mudanças na associação de forças e de posições dos atores presentes. Nesta direção, considerar objetos, longe de ser uma vaga para firmar um determinismo dos materiais sobre os humanos, é preencher a 25 (…) We have to become able to follow the smooth continuity of heterogeneous entities and the complete discontinuity between participants that, in the end, will always remain incommensurable. The social fluid does not offer to the analyst a continuous and substantial existence, but rather puts up only a provisional appearance much like a shower of physical particles in the brief instant it’s forced into existence. You begin with assemblages that look vaguely familiar and you end up with completely foreing ones. (…). (Ibidem, p. 77). 20
  • 21. lacuna deixada por considerações de uma sociologia do social que considera os objetos uma extensão do determinismo do social. No momento em que um objeto deixa de ser um intermediário para “saltar” para o lugar de mediador, como um texto, ou um protocolo, a importância do objeto não pode ser negada. A objetivação A partir da TAR a sociedade é compreendida enquanto rede heterogênea, considerando que ao observarmos um fenômeno dito social, há um feixe de influências que se configuram em algo dado. Essa “massa” de realidade será ordenada e organizada pelo diagnóstico científico, este mesmo, considerado por John Law (s.a.: p.2) enquanto “engenharia heterogênea”, para caracterizar as variações no resultado desta objetivação, ainda que sobre o mesmo referencial empírico. Na TAR, encontrar os conflitos, os deslocamentos, as incertezas e as confusões no campo empírico é o ponto de partida para a observação do fenômeno social reconhecido enquanto associação e cujas especificidades dizem respeito tanto às configurações contextuais a serem observadas e descritas, quanto à forma do tratamento dado no processo de objetivação. O pesquisador orientado pela TAR precisa exercitar a ampliação26 do seu olhar, seguindo no sentido contrário ao do exercício de redução causal e de forças, presente em perspectivas de objetivação reducionistas e meramente explicativas. A linguagem do analista desta perspectiva precisa ser um instrumento que o auxilie a estar atento à metalinguagem própria dos atores, como uma consideração reflexiva a respeito do que estes dizem. Como propõe Law (s.a), o cientista, na tentativa de dar conta do fenômeno observado, fará uso de uma tradução contingente27. O mapeamento das controvérsias é o caminho para encontrar o que Latour chama de metafísica empírica. Tal conceito é atribuído à explicação própria atribuída pelos atores sociais a respeito dos fenômenos 26 Here again, as soon as the decision is made to proceed in this direction, traces become innumerable and no study will ever stop for lack of information on those controversies. Every single interview, narrative, and commentary, no matter how trivial it appear, will provide the analyst with a bewildering array of entities to account for the hows and whys of any course of action. Social scientists will fall asleep long before actors stop deluging them with data. (Ibidem, p. 47) 27 Assim, a análise da luta pelo ordenamento é central à teoria ator-rede. O objeto é explorar e descrever processos locais de orquestração social, ordenamento segundo padrões, e resistência. Em resumo, o objeto é explorar o processo freqüentemente chamado de tradução o qual gera efeitos de ordenamento tais como dispositivos, agentes, instituições ou organizações. (LAW, s.d, p. 06) 21
  • 22. observados pelo pesquisador. A noção de simetria aqui é importante para explicar o fato de que o pesquisador coloca-se, na perspectiva da TAR em igualdade de condições28 de produzir explicações ao lado do ator que também produz a sua. Surge a questão a respeito de como mapear a metafísica empírica. Sem deixar de afirmar a dificuldade que é mapear uma infinidade de agências num processo de objetivação na TAR, o autor acha cientificamente mais apropriado seguir com a mobilidade dada por um deslocamento de estruturas de referência, como segurança contra absolutismos e pontos de vista arbitrários a respeito do real. Apesar da incerteza que marca a questão da agência, ao discutir sobre indicadores para a sua identificação enquanto relevante para um dado fenômeno, é importante considerar: a) se a agência faz alguma diferença, se altera o estado das coisas observadas, produzindo transformações e deixando traços; b) se a agência, enquanto coisa, apresenta algum contorno, alguma forma (ainda que vaga) que a defina e que possibilite representação; c) atores engajam-se em críticas sobre outras agências, tratando-as eventualmente enquanto: falsas, arcaicas, absurdas, irracionais artificiais ou ilusórias (LATOUR, 2005: p.56); d) atestando a produção de suas próprias teorias da ação, os atores apresentam explicações próprias sobre como se dão os efeitos das agências. Em relação ao engajamento dos atores ao criticarem a legitimidade de outras agências, o que impossibilita uma escuta atenta às suas representações por parte do analista – especialmente os cientistas sociais da sociologia crítica - é o fato de que estes, freqüentemente, encaram os atores sociais enquanto ingênuos e acrítico. Na TAR o pesquisador precisa atentar para não se prender a nenhuma explicação extensiva de um fenômeno social, visto que nesse, caleidoscopicamente são produzidos acontecimentos no qual os humanos e os não humanos compõem um movimento de posições, cujos estados de associação precisam ser objetivados. 28 (...) A acusação de relativismo ou de autocontradição só é pesada para aqueles que acham que a verdade se enfraquece quando dela se faz uma construção ou um relato. Nós, que só buscamos os materiais dessa construção e a natureza desses relatos, consideramo-nos em igualdade de condições com aqueles que estudamos. Eles contam, nós contamos, eles experimentam, nós experimentamos, eles constroem, nós construímos. As diferenças virão depois. Estaremos, portanto, tão atentos à elaboração de nossos próprios relatos quanto aos relatos dos cientistas. É a reflexividade que esperamos para garantir a nossa saúde. (LATOUR, 1997, p. 30) 22
  • 23. O campo de pesquisa segundo Latour, não pode estar aberto o suficiente para o empreendimento da investigação se a priori é mantida a diferença entre a ação humana e a causalidade material. A abertura deste campo depende também da consideração levantada por Law (s.d.: p.3) de que ordem é um efeito gerado por meios heterogêneos, como retirada da ameaça de reducionismos CONSIDERAÕES FINAIS Se afirmarmos que através da linguagem podemos atribuir sentido aos fenômenos, e ainda mais, se consideramos, como na semiótica, que verdade é uma construção discursiva, interessante seria verificar o alcance dos meios pelos quais se produz conhecimento dentro da perspectiva sociológica, através de um estudo crítico de seus pressupostos à luz de demandas contemporâneas de aperfeiçoamento da prática científica. Visto que historicamente predominou a perspectiva sistêmica de análise sociológica no campo da saúde no Brasil, ao lado de uma extrema valorização do discurso nativo em etnografias, percebe-se em discussões contemporâneas sobre a cientificidade na perspectiva de análise social, a importância de superar dicotomias entre o valor dado de um lado à metafísica empírica e de outro o valor da metalinguagem. A revisão tanto do conceito de “saúde” quanto do conceito de “social”, é fundamental para que sejam identificados que elementos são reunidos na explicação e quais as implicações de determinadas definições. Reconhecendo que o campo científico é um espaço de luta pela autoridade no qual muitas vezes arbitrariedades são postuladas sobre o crivo da cientificidade, é importante relembrar a discussão sobre a rejeição do conceito de saúde, aplicada a uma noção de saúde pública, tratada no primeiro capítulo, visto que a intervenção sobre indivíduos implica em uma questão política na qual a autoridade dos profissionais de saúde pode incorrer em uma expropriação da saúde do outro. Não se tratando de um apelo à hiper valorização das narrativas no campo da saúde, para oferecer a devida segurança contra arbitrariedades na perspectiva de análise social, é fundamental verificar empiricamente o que dizem os atores sociais em seus discursos subjetivos da saúde. A segurança científica que propõe Canguilhem sobre o tratamento do conceito de saúde não pode ser entendida enquanto uma orientação para o pesquisador, no sentido de 23
  • 24. munição de pré-conceitos e pré-definições que melhor o guie para explicar, ou melhor, para “aplicar” a sua metateoria. Tampouco a realização desta segurança em ciências sociais deixa de incorrer em reduções de causalidades para a representação dos fenômenos sociais observados. Se o conceito de saúde permanece apoiado em reduções, a sua aplicação será conveniente a quem interessa a arrumação explicativa escolhida. Atentar para o que se entende por saúde nos contextos objetivados com base na perspectiva de análise social pode levar a controvérsias que ajudem o pesquisador a mergulhar na complexidade das explicações apresentadas pelos atores, sobre o que é a saúde e quais são os processos que a ela se referem. Se o papel do cientista é apresentar evidências de algo dado e observado enquanto verdade, o conhecimento precisa valer-se do campo empírico para nele encontrar sentido. A observação torna-se fundamental para que se dê conta da aproximação entre a dimensão subjetiva e a objetiva, no tratamento científico do referencial empírico do campo da saúde. Recordando que na TAR há proteção contra a hiper valorização da metalinguagem e contra a hiper valorização da metafísica empírica, a abordagem desta teoria parece importante para se regular a cientificidade do conceito de saúde, protegendo-a de usos arbitrários. Retomando a questão de Canguilhem a respeito da inexistência de uma saúde pública, para a qual o mesmo propõe a substituição pelo termo salubridade pública, uma pesquisa que a esse campo se dedique precisa considerar a dimensão individual, social, assim como ampliar o olhar para compreender que controvérsias se apresentam em um programa de ação social. Pensando no projeto de proteção da compreensão de saúde contra usos arbitrários que impliquem em processos de exclusão, manipulação e invasão, discutidos no segundo capítulo, parece importante que a pesquisa no campo da saúde, especialmente em saúde pública em um regime democrático, considere a metafísica empírica enquanto fonte de informação autentica e interessante para a avaliação e o aperfeiçoamento da administração pública, na aproximação simétrica entre os discursos interessados dos atores envolvidos e as condições sobre as quais, também os seus feitos, se sustentam. Considerando o problema da objetivação reducionista, tanto no paradigma explicativo quanto no compreensivo discutidos por Alves (1995), o que Latour propõe não é uma ruptura, mas sim, uma aproximação que preenche a lacuna apontada pelo primeiro autor, sobre a necessidade de uma abordagem que reúna contribuições de ambas as 24
  • 25. perspectivas. A explicação científica29 para a TAR é instrumento de arrumação-para- representação das associações expressas nos e pelos fenômenos sociais, sobre os quais, as forças em jogo não são consideradas à priori, mas, identificadas enquanto constatação empírica, caso se apresentem, ou sejam percebidas enquanto agências sobre o observado. As bases teórico metodológicas da Teoria do Ator Rede apresentam uma armadura contra reducionismos e uma objetivação baseada em uma simetria entre o discurso do ator e o do analista, instaurando um relativismo que é a base para tratar a questão da saúde: a) enquanto subjetividade (verdade) situada no corpo e narrada com propriedade; b) enquanto objeto de análise - metalinguagem, b) a partir da extensão da lista de atores e agências envolvidos nos processos sociais; c) pelo abandono da divisão artificial entre dimensão social e técnica; d) tendo as controvérsia como ponto de partida par a investigação, mais seguro que os a prioris; e e) reunindo teoria social, metalinguagem, reflexividade e os atores, geralmente considerados enquanto meros informantes. Sobre solo do relativismo da TAR, fica o desafio de proporcionar a segurança necessária ao tratamento científico do tema saúde. 29 Discutindo sobre a aplicação da orientação teórico metodológica da TAR à etnografia de laboratório, Latour (1997, p. 26) afirma que: “Nossa pesquisa tem por finalidade abrir um caminho diferente: aproximar-se da ciência, contornar o discurso dos cientistas, familiarizar-se com a produção dos fatos e depois voltar-se sobre si mesma, explicando o que fazem os pesquisadores, com uma metalinguagem que não deixe nada a dever à linguagem que se quer analisar. Em resumo, trata-se de fazer o que fazem todos os etnógrafos, e de aplicar à ciência a deontologia habitual às ciências humanas: familiarizar-se com um campo, permanecendo independente dele e à distância. 25
  • 26. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ALVES, Paulo César. A perspectiva de análise social no campo da saúde. In: CANESQUI, Ana Maria (Org). Dilemas e desafios das ciências sociais na saúde coletiva. Rio de Janeiro: HUCITEC, 1995. Pág. 63_82. BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: Sociologia. ORTIZ, Renato (Org). 2ª ed. São Paulo: Ática, 1983. CANGUILHEM, Georges. A saúde: Conceito vulgar e questão filosófica. In: Escritos sobre a Medicina. Tradução de RIBEIRO, Vera Avellar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. Pág. 35_48. Coleção Fundamentos do Saber. KUHN, Tomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2000. LATOUR, Bruno. A etnografia das ciências. In: A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Tradução VIANNA, Ângela Ramalho. Rio de Janeiro: Relume Dumaré, 1997. Pág. 9_34. ______. Reassembling the Social: an introduction to Actor-Network-Theory. New York: Oxford University Press, 2005. Pág: 46_83. LAW, John. Notas sobre a teoria do ator-rede: ordenamento, estratégia, e heterogeneidade. Tradução livre de MANSO, Fernando. Disponível em http://sociologiadaciencia.files.wordpress.com/2007/09/notas-sobre-a-teoria-do- ator-rede-ordenamento-estrategia-e-heterogeneidade.doc. Acesso em: 03 ago. 2008. WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. In: Sociologia. COHN, Gabriel (org.). Traduzido por COHN, Amélia. Col. Grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1979. Pág. 79_127. 26