O documento discute a importância do memorial artístico na formação de professores de arte. O memorial permite que os estudantes reflitam sobre suas experiências de vida com arte e como isso se relaciona com a história do ensino de arte. Ao compartilharem seus memoriais, os estudantes podem identificar práticas comuns e discutir como usar a arte de forma mais conectada à realidade dos alunos.
O Teatro na Educação Artigo- Claudineia da Silva Barbosa
Entrelaçando memórias, arte e história da educação
1. Comunicação
MEMÓRIAS E MEMORIAIS: ENTRELAÇANDO A HISTÓRIA DO ENSINO DE
ARTE À HISTÓRIA DE NOSSAS VIDAS
ALBUQUERQUE, Ana Paula Trindade de1
Palavras-chave:
Memorial artístico, História da arte, Metodologia e prática do ensino
Resumo: A história do ensino de arte tem fundamental importância para a formação de professores
de arte. É a partir da historicidade que podemos compreender as transformações das práticas
pedagógicas artísticas, e observar as variadas concepções de ensino na área. Partindo da chegada
da missão francesa aos dias atuais, passando pela Escolinha de Arte no Brasil e PCNs, coloca-se
como desafio na disciplina Metodologia e Prática do Ensino I – FACED/UFBA, a reflexão da arte na
vida do estudante e a elaboração de um memorial artístico. Este memorial se caracteriza como um
produto, uma obra de arte, que traduz a vida do estudante, seus professores de arte durante toda a
sua vida escolar, o contato com a arte através de outras pessoas fora da escola, enfim, o que mais
lembrarem acerca do tema. Na apresentação do memorial na sala de aula, começamos a
compreender a educação em arte e suas peculiaridades considerando o tempo de vida de cada um.
Refletimos sobre as diversas práticas das atividades artísticas, as linguagens encontradas em sala.
Pensamos sobre o uso de arte na escola, o que vai servir para impulsionar a discussão acerca das
aulas de arte nos dias atuais. Entrelaçamos assim, a história das nossas vidas, nossas lembranças,
com a história da arte e entendemos que somos sujeitos ativos de uma parte da história da educação
e entendemos que a prática pedagógica a vir a ser acaba mais a madurecida nesse processo.
INTRODUÇÃO
“Viver é seguir um fio de vida tramado com outros muitos fios
simultâneos que se tornam ‘visíveis' nas ressonâncias e nos
interstícios de cada trajetória.” (KREMER. 2003, p.221).
Numa sala de aula da Faculdade de Educação da UFBA, estudantes do curso
de Licenciatura em Desenho e Plástica se preparam para apresentar as
considerações acerca da arte na sua vida. Entre letras imagens, tridimensional e
bidimensional, textos ou objetos artísticos juntam-se a oralidade para contar histórias
individuais e únicas, que se confundem com a grande história do mundo.
Assim é uma das avaliações da disciplina, que tem no memorial artístico a
oportunidade de re-construir a história de cada um puxando fios para a discussão da
história da arte-educação, suas metodologias, teorias, práticas. Comum
1
Licenciada em Desenho e Plástica – UFBA; Mestra em Educação – UFBA; Professora Substituta
FACED/UFBA - Universidade Federal da Bahia
2. entendermos que fazíamos muita coisa parecida, entender quais as práticas se
repetem até hoje, refletir sobre elas e sua importância para o desenvolvimento
criativo da criança e do jovem e o adulto. O memorial na formação do educador se
projeta como um objeto para possíveis reflexões acerca das teorias e práticas
educativas, arte-educativas. O memorial trabalha com o exercício de entender suas
pegadas, voltar a elas, e a partir delas traçar caminhos a seguir.
MEMORIAL E MEMÓRIAS
Memorial, como o próprio nome insinua, é a prática de contar as suas
próprias memórias, caracterizada por uma escrita reflexiva, atrelada à dimensão
individual e coletiva. Como coloca Passeggi:
“(...) ao reconstituir a sua história, o narrador tece, continuadamente,
passado e futuro, observa-se em transformação e reinventa o presente, na
tentativa de compreender o que está sendo e fazendo em/da sua vida. O
memorial dá acesso à sua historicidade, a crença e valores simbólicos,
reguladores de sua ação e interação no mundo” (PASSEGGI. 2007, p. 35).
O narrador está no centro da história e entende a sua importância nas
relações sociais tecidas ao longo de sua existência. A produção do conhecimento a
partir da própria experiência é característica marcante do memorial. O compartilhar
das experiências de vida a partir dos relatos, também é outro fator importante pois
envolve o apreender do mundo da perspectiva não só do relato da própria vida, mas
também com o relato das experiências de vida do outro, construindo uma dinâmica
de trocas, divergências e convergências no fio da história.
Partindo para oi ponto de vista histórico, a autora anuncia que o memorial
passa a fazer parte do dia-a-dia acadêmico em 1980, com a institucionalização do
mesmo para concursos públicos de professores, e em 1990, o memorial passa a ser
oficializado como trabalho de Conclusão de Curso – TCC. Entendemos assim que
devagar há um movimento de aproximação da experiência cotidiana com o
conhecimento científico. Essa dinâmica parece alertar para a importância de trazer a
vida para dentro da ciência, vida que, apesar de toda tentativa de separação e
pureza na área científica, nunca foi separada desta. Somos a nossa história e o que
fazemos em todas as horas está intimamente ligada a todos os campos da vida, seja
pessoal ou profissional, uma relação dialética que constitui a nossa formação.
3. O MEMORIAL ARTISTICO
O ensino não pode estar afastado do fazer, afinal, na sala de aula,
educadores estão ensinando não só o olhar estético ao objeto artístico, mas o
produzir objeto artístico. Em vista disso, a importância do educador saber fazer,
entender as técnicas, vê-se também artista, é importante para o enriquecimento das
aulas de arte.
Entendendo o arte-educador no âmbito do fazer arte, vislumbramos que um
elemento necessário para o memorial artístico é o entendimento que a realidade e o
imaginário da sociedade são permeados de signos, e o homem dentro de seu
contexto social vive dentro de significados e significantes que variam de cultura para
cultura formando uma rede de peculiaridades intrínsecas na sua vida homo socius, o
mundo é conhecido e reconhecido através dos signos, como aponta Izidoro Blikstein
(1985) “o signo seria, afinal, algo que substitui ou representa as coisas, isto é, a
realidade”(p.25). A sociedade cria seus símbolos numa forma de normatizar a vida
do conjunto e estes ganham significações diferentes, dependentes de cada cultura.
A realidade simbólica é necessária ao homem, para a compreensão do tempo e do
espaço, sem essa abstração seria difícil perceber o mundo como é percebido e
então a sociedade em que ele “vive e se constitui como ser humano não é mais do
que um complexo sistema de sistemas de signos” (ECO, 1973, p.11), um grande
jogo semiótico necessário à sobrevivência.
É então que vemos que o artista lança mão de signos e significações e retrata
a vida através da dança, do teatro, literatura, música, artes visuais, ou seja, ele lança
mão dos códigos sociais e o transpõe para um código artístico que tem sua variação
nas múltiplas linguagens da arte. Ele brinca e manipula o jogo semiótico da vida,
criando desdobramentos simbólicos dos elementos constitutivos do nosso cotidiano.
O memorial artístico é então, a tradução da vida do estudante numa elemento
simbólico e que se constitui como ‘obra de arte’.
Assim, o estudante de licenciatura em desenho e plástica, a partir do
exercício do fazer o memorial artístico, acaba por ampliar e combinar sentimentos,
experimentando novas modalidades do sentir. Isso proporciona novas formas de
compreensão da (sua) realidade. Durte Jr. (1988) quando fala dos fatores
pedagógicos da arte, diz que essa proporciona o sentimento do mundo vivente, o
4. indivíduo inserido e vivenciando o seu tempo, a sua época, a sua cultura através da
experiência artística. Com o memorial artístico, que tem como viés a experiência
estética, artística e pedagógica, tem-se a oportunidade de viver a
contemporaneidade plena e absoluta, comum a todos e, ao mesmo tempo única a
cada ser, tem-se a oportunidade de “compreender as transformações operadas no
seu modo de sentir e entender a vida ao longo da história” (p.109). Os
entrelaçamentos das histórias aos poucos, no decorrer das aulas, vai aparecendo
nos relatos, nas atividades, como um novelo em que se vai puxando as linhas.
TRABALHANDO COM MEMORIAIS NA DISCIPLINA DE METODOLOGIA E
PRÁTICA DO ENSINO OU ENTRELAÇANDO LEMBRANÇAS E HISTÓRIAS
Rejane Coutinho (2002) traz uma discussão sobre a história dos cursos de
licenciatura em arte no Brasil, seus desdobramentos, suas concepções, das
licenciaturas curtas e polivalentes que não tiveram bons êxitos, as licenciaturas
específicas em cada linguagem da arte. A partir da análise histórica, ela vai explicitar
que “os cursos de formação de professores de Arte devem encarar o desafio de
propiciar aos seus alunos uma imersão na linguagem artística e ao mesmo tempo
uma reflexão crítica e contextual das questões relativas aos conhecimentos
implicados no processo”(p.156). Vejo que essa tarefa traz à tona a historicidade,
pois a análise da arte, sua prática, seu ensino, sua apreciação, ou seja, todos os
seus aspectos estão imersos ao contexto sócio-histórico e cultural, fora dele, nem a
técnica sobrevive.
É visto que a formação de educadores deve contemplar também a formação
de vida, e entendendo a importância de se delinear o contexto histórico da arte-
educação nas aulas da disciplina, o exercício de conceber um memorial artístico que
venha entrelaçar reflexões acerca da vida as teorias do ensino de arte, é também
uma maneira de trazer essa história para a realidade do estudante. Este é um dos
primeiros trabalhos da disciplina metodologia e prática do ensino de desenho e
plástica I e o memorial artístico não só é apresentado com a história de cada um e a
sua concepção é compartilhada em sala de aula, ou seja, cada estudante traz o seu
objeto-memorial e narra a sua história, evidenciando os traços mais marcantes que o
levou a optar pelo ensino de arte.
5. Dessa forma o processo de ensino e aprendizagem passa a ser um espaço
colaborativo e vivencial, onde as experiências são contempladas e assumidas como
peças de um grande quebra-cabeça. É um momento muito rico onde percebemos
práticas em comum que foram importantes para o ingresso no curso de arte, por
exemplo, observamos que as revistas em quadrinhos e os desenhos animados eram
freqüentes no universo de todos e muito começaram a desenhar a partir da
reprodução desses. Outro ponto que observamos é a lembrança do desenho
mimeografado e o dia de arte livre, onde eles podiam fazer o que tivesse vontade.
Refletimos que essa prática foi e é constante nos primeiros anos da escola. Na
adolescência, o artesanato ou o desenho geométrico aparecem em muitas
lembranças. Mas o certo é que poucos foram influenciados pela arte que
experimentaram na escola, poucos tiveram professoras que os estimularam a fazer
arte. Por que será?
A arte que os levou à Escola de Belas Artes foi, na maioria das vezes,
experiências que eles tiveram fora da escola, tivemos exemplo de depoimentos
acerca de algum parente que pintava, foi a partir da aprendizagem de elementos de
artesanato em revistas, com amigos. E, como já coloquei, as revistas e os desenhos
animados. Tudo isso nos leva a refletir sobre a importância de uma aula de arte
pautada na experiência de vida do indivíduo, nos elementos de seu mundo
cotidiano, para que não tenhamos aulas que não participem da realidade do aluno.
Não cabe mais, nas aulas de arte na escola, práticas desconexas e desconectadas.
Hoje, o entendimento de que as aulas devem ter uma tessitura, que os fios devem
ser tecidos continuadamente, ou seja, as aulas devem ter uma seqüência e um
porque, e não mais um desenho geométrico sem utilidade, ou um desenho livre até
mesmo da criatividade. Entendendo isso na perspectiva do que já foi colocado por
Frange (1995), é preciso dizer que:
“[...] precisamos de “outras” escolas, abertas para vidas e espaços tempos
de fazer, pensar discutir, sonhar, construir nossas formas “imagizadas”,
espaços nos quais realmente se faça arte. Prefiro e proponho que os
artistas, com “todas as suas incoerências e anarquismos”, ocupem os
espaços educacionais e culturais, permitindo que a Arte seja feita e
vivenciada, ligada à vida e aos desejos de cada um.” (FRANGE. 1995,
p.226)
O memorial é ponto de partida para as discussões em torno da formação do
educador, a partir dele, temos as visitas a centros de arte, pesquisas em escolas,
6. leitura e discussões de textos, o semestre segue por entre os fios puxados e tecidos
de experiências individuais e coletivas, passando assim, do passado para o presente
numa tentativa de criar reflexões para a prática dos estudantes de licenciatura que
serão futuros educadores de arte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BARBOSA, Ana Mãe. (Org.) Inquietações e mudanças no ensino da arte. São
Paulo: Cortez, 2002
BLIKSTEIN, Izidoro. Kaspar Hauser ou A fabricação da realidade. São Paulo:
Cultrix, 2ª Ed, 1985.
DUARTE JR, J. F. Fundamentos estéticos da educação. 2ª Ed. Campinas:
Papirus, 1988.
ECO, Umberto. Segno. Lisboa: Presença, 1997
FRANGE, Lucimar Bello Pereira. Por que se esconde a violeta? 1º Edição. São
Paulo: ANNABLUME Editora, 1995.
KREMER, Nair. Deslocamentos: Experiência de Arte-educação na Periferia de São
Paulo. São Paulo: EDUSP, 2003.
PASSEGGI, Maria da Conceição. Memorial de formação: entre a lógica da avaliação
e a lógica da (auto) formação. In. Revista Presente. Nº 57, Ano 15, nº 2. Salvador:
CEAP. 2007