Este documento contém as razões do veto integral do prefeito de Vila Velha ao Autógrafo de Lei no 3.403/2015, que propunha a obrigatoriedade da identificação do consumidor na compra avulsa de combustíveis. O veto ocorreu porque a matéria constitui objeto da competência normativa da União Federal, tratando-se de assunto estranho ao interesse local e violando o pacto federativo.
1. PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Deus seja louvado”
1
Vila Velha, ES, 29 de junho de 2015.
MENSAGEM DE VETO Nº 016/2015
Senhor Presidente,
Senhores Vereadores,
Dirijo-me a Vossas Excelências para encaminhar as razões da aposição do
VETO INTEGRAL ao Autógrafo de Lei nº 3.403/2015.
Atenciosamente,
RODNEY ROCHA MIRANDA
Prefeito Municipal
2. PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Deus seja louvado”
2
Vila Velha, ES, 29 de junho de 2015.
RAZÕES DO VETO
Assunto: Veto Integral do Autógrafo de Lei nº 3.403/2015.
Senhor Presidente,
Senhores Vereadores,
Comunicamos a essa egrégia Câmara nossa decisão de apor VETO
INTEGRAL ao Autógrafo de Lei acima enunciado que “Dispõe sobre a
obrigatoriedade da exigência de apresentação de documento de identificação dos
consumidores que adquirirem combustível avulso nos postos de combustíveis
instalados no Município de Vila Velha, e dá outras providências”.
A matéria teve a iniciativa de membro do Poder Legislativo e foi levada à
Procuradoria Geral do Município PGM, de cuja análise se extrai que o presente
projeto de lei não se reveste das condições de constitucionalidade e legalidade, pelas
razões que passamos a discorrer:
“II – PARECER
O Autógrafo de Lei nº 3.403/2015 ato complexo, submetido ao controle
primário da constitucionalidade por meio do Chefe do Poder Executivo, nos
termos do art. 40, caput, e § 1º da Lei Orgânica do Município, não pode ser
sancionado, pois, se verifica a violação do pacto federativo, à vista de a
matéria do projeto de lei constituir objeto da competência normativa da
União Federal, excluída, portanto da competência do Município.
O preâmbulo do autógrafo não traz o fundamento legal da norma a ser
produzida, por omitir a regra de competência (fundada nas constituições da
República e do Estado, e na Lei Orgânica) que fixam os fundamentos da sua
legitimidade, existência e validade.
Ao tratar da venda, fora do tanque de combustível -, a proposição, além de
exigir a identificação do consumidor, dispõe, materialmente, sobre o
recipiente transportável, “mediante acondicionamento em recipientes
plásticos ou similares”.
Não existe nas Constituições da República [art. 30, incisos I a IX] e do
Estado [art. 28, incisos I a X] a atribuição de competência ao Município
para legislar sobre os padrões dos recipientes utilizados na comercialização
de combustíveis.
3. PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Deus seja louvado”
3
Ademais disso, assim, o fazendo, o projeto contraria disciplina legal,
emanada da União Federal e da Agência Nacional do Petróleo, competente
para isso.
III – FUNDAMENTAÇÃO
O Autógrafo de Lei nº 3.403/2015 contém matéria estranha ao interesse
local, sendo, neste particular, portanto, insuscetível de regulação pelo
Município.
Toda a indústria do Petróleo, inclusive a comercialização dos seus derivados
e biocombustíveis são objeto do Monopólio da União, com cláusula de
iniciativa reservada ao Presidente da República, consoante art. 84, II e III,
c/c arts. 177 e 238, da Constituição da República.
A simples imposição do dever de identificar o consumidor, no caso da
compra avulsa de combustíveis, não é em si uma inconstitucionalidade
material. Há uma diferença fundamental entre estabelecer normas de
comércio de combustíveis a varejo, fora do tanque de combustível, e obrigar
o estabelecimento fornecedor a identificar o consumidor: aquelas são da
competência da União, este é do Município, porque traduz, tão-somente, a
ordenação de uma atividade urbana, que é identificar a pessoa que, com
risco potencial de acidentes e danos, circulará pelas vias do Município
portando combustível.
Ante à atividade sujeita à regulamentação federal ou estadual, deve o
Município respeitar essa regulamentação superior e se curvar à exigência
de recipientes transportáveis de combustíveis, que atendam à norma técnica
e homologação pelo INMETRO.
III.1 - INCONSTITUCIONALIDADE – OFENSA AO PACTO
FEDERATIVO
A inconstitucionalidade da proposição decorre da violação do pacto
federativo, ante à usurpação de competência da União, detentora do
monopólio da indústria do petróleo, consoante a competência do ente
federativo, decorrente dos arts. 18; 22, IV; 23, I; 29, 31; art. 60, § 4º, I; art.
61, §1º, II, “b” 177 e 238, da Constituição da República, que adotou normas
de observação obrigatória pelo Município:
Encontro fundamento nas seguintes diposições da Constituição da
República:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)
IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
4. PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Deus seja louvado”
4
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições
democráticas e conservar o patrimônio público;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
V - produção e consumo;
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com
o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da
Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos
nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes
preceitos:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; (...)
............................................................................................................................
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir: (...) III - a separação dos Poderes;
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer
membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do
Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal
Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos
cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...)
II - disponham sobre: (...)
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e
orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
(Grifo)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
I – nomear e exonerar os Ministros de Estado;
II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da
administração federal;
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta
Constituição;
(...)
Art. 177. Constituem monopólio da União:
I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes
das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de
derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte,
por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de
qualquer origem;
(...)
§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a
realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas
as condições estabelecidas em lei. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 9, de 1995) (Grifo)
5. PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Deus seja louvado”
5
§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 9, de 1995)
I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o
território nacional; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995)
(Grifo)
Art. 238. A lei ordenará a venda e revenda de combustíveis de petróleo,
álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas
renováveis, respeitados os princípios desta Constituição. (Grifo)
A União disciplinou a Metrologia Legal por meio da Lei nº 9.933, de
20.12.1999, (CONMETRO e INMETRO), e exigência de que todos os bens
comercializados no Brasil, sujeitos a regulamentação técnica, devam atender
os regulamentos técnicos em vigor (art. 1º) e que os regulamentos técnicos
deverão considerar, quando couber, o conteúdo das normas técnicas
adotadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (art. 1º, § 2º).
Editou, ainda, a LEI Nº 9.478, de 6.8.1997, que dispõe sobre a política
nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o
conselho nacional de política energética e a agência nacional do petróleo
(ANP), além de outras providências.
O Decreto Nº 2.455, de 14.1.1998, atribuiu à Agência Nacional do Petróleo
a regulação das atividades da indústria do Petróleo; fiscalizar as atividades,
a distribuição e revenda de derivados de petróleo e álcool combustível; a
prevenção e repressão de condutas violadoras da legislação pertinente, dos
contratos e das autorizações.
Na sequência veio a NORMA BRASILEIRA ABNT NBR 15594-1 com os
parâmetros para o Armazenamento de líquidos inflamáveis e combustíveis
veiculares, exigindo recipientes homologados pelo INMETRO.
Fechando o ciclo do controle da venda avulsa de combustíveis, a ANP
adotou a RESOLUÇÃO Nº 41, DE 5.11.2013, dispondo que no exercício das
atividades de revenda varejista de combustíveis automotivos, deverão ser
observadas, além do disposto nesta Resolução e nas legislações vigentes no
âmbito federal, estadual e municipal1
, as normas da ABNT e as normas do
INMETRO.2
Este parecer encontra lastro em orientações juriprudenciais, conforme
ementas seguintes:
Em matéria de direito do consumidor, cabe à União editar leis de caráter
geral, cabendo aos estados-membros editar leis que atendam suas
peculiaridades. Inexistindo lei federal, os Estados exerce competência
1
Leia-se aqui legislação do interesse local, como o Código de Posturas e condições de localização,
licenciamento e funcionamento das atividades econômicas, para a expedição do Alvará.
2
Disponível na internet:
http://nxt.anp.gov.br/NXT/gateway.dll/leg/resolucoes_anp/2013/novembro/ranp%2041%20-%202013.xml]
6. PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Deus seja louvado”
6
suplementar, editando tanto as normas gerais quanto as específicas. ( Ação
Direta de inconstitucionalidade nº 3.645 – Diário da Justiça – 1º/9/2006)
“A competência do Estado para instituir regras de efetiva proteção aos
consumidores nasce-lhe do art. 24, V e VIII, c/c o § 2º (...). Cumpre ao
Estado legislar concorrentemente, de forma específica, adaptando as normas
gerais de ‘produção e consumo’ e de comercialização de combustíveis.”
(ADI 1.980, voto do rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 16-4-2009,
Plenário, DJE de 7-8-2009.) No mesmo sentido: ADI 2.832, rel. min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 7-5-2008, Plenário, DJE de 20-6-2008.
"Comercialização de produtos por meio de vasilhames, recipientes ou
embalagens reutilizáveis. Gás liquefeito de petróleo engarrafado (GLP).
Diretrizes relativas à requalificação dos botijões. (...) O texto normativo
questionado contém diretrizes relativamao disposto no art. 170, V, da CB. O
texto normativo estadual dispõe sobre matéria da competência concorrente
entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal." (ADI 2.359, rel.
min. Eros Grau, julgamento em 27-9-2006, Plenário, DJ de 7-12-2006.) No
mesmo sentido: ADI 2.818, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 9-5-2013,
Plenário, DJE de 1º-8-2013.”
Estas, Senhor Presidente, Senhores Vereadores, as razões que nos levam a
concluir pelo Veto Integral do Autógrafo de Lei sob comento, com fundamento no
poder conferido pelo § 1º, do art. 40, da Lei Orgânica Municipal, e que ora
submetemos à elevada apreciação dos Senhores Membros dessa Colenda Casa
Legislativa.
Atenciosamente,
RODNEY ROCHA MIRANDA
Prefeito Municipal