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O Dia em que a
Polícia parou!
4ª Edição - Janeio de 2013
Preço deste exemplar: R$ 5,00
Capa e Diagramação: Edgard Nogueira Cherubino Júnior
O Dia em que a
Polícia parou!
A Verdadeira história da greve da
polícia mineira que parou o Brasil
Júlio Cesar Gomes
CABO JÚLIO
Os recursos obtidos com a venda desta obra, serão
destinados integral e exclusivamente ao Instituto
de Ação Social Projeto Restaurando Vidas.
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra,
por qualquer meio eletrônico, inclusive por
processo xerográfico, sem permissão expressa
do autor (Lei nº 9.610, de 19/02/1998).
Todos os direitos desta publicação reservado a:
Agência: 1632-2
Conta Corrente: 12009-x
MG 040 KM 27,5
Bairro Quinta das Jangadas
Sarzedo - Minas Gerais
CEP.: 32400-000
www.blogdocabojulio.blogspot.com
jullioo@uol.com.br
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS ................................................................................................. 7
INTRODUÇÃO (CABO JÚLIO)......... .......................................................................................8
O SONHO E A PAIXÃO PELA FARDA .............................................................................. 9
A REALIDADE NOS QUARTÉIS .................................................................................. 11
FALTA DINHEIRO ................................................................................................. 12
CABO JÚLIO ....................................................................................................... 13
O COMANDO É ALERTADO ...................................................................................... 14
AUMENTO ÀS ESCONDIDAS ..................................................................................... 15
BOATOS ............................................................................................................ 16
SAI O REAJUSTE ................................................................................................... 16
CÃO BANGUELO .................................................................................................. 17
EXPLICAR O INEXPLICÁVEL ...................................................................................... 17
SUICÍDIO ........................................................................................................... 18
VIVENDO NO BANHEIRO ......................................................................................... 18
GOVERNO NÃO TEM DEFINIÇÃO SOBRE SALÁRIOS ........................................................... 19
ESTOPIM ........................................................................................................... 20
IOGURTE ............................................................................................................ 21
GUERRA DE NERVOS ............................................................................................. 21
COMEÇA A GREVE ................................................................................................ 24
FOGO ............................................................................................................... 25
DESPREZO E VAIAS ............................................................................................... 26
A GREVE SE ESPALHA ............................................................................................ 28
NASCE UM LÍDER ................................................................................................ 29
AH! EU TÔ É DURO! ............................................................................................. 29
APOIO DA POPULAÇÃO .......................................................................................... 33
COMISSÃO DEFINE REIVINDICAÇÕES ÀS PRESSAS ............................................................ 35
CANCELADA A ORDEM DE CONFRONTO ....................................................................... 36
PRIMEIRA REUNIÃO DE NEGOCIAÇÃO ......................................................................... 37
ABRAÇO DO PIRULITO ........................................................................................... 37
COMANDO-GERAL RECEBE OS PRAÇAS ........................................................................ 39
GOVERNO FAZ PRONUNCIAMENTO ............................................................................. 39
SARGENTO TENTA SUICÍDIO ..................................................................................... 43
PRIMEIRA ASSEMBLÉIA .......................................................................................... 44
INTERIOR ........................................................................................................... 45
TÁTICA DO SILÊNCIO ............................................................................................. 47
RECRUTAS DE PRONTIDÃO ....................................................................................... 47
AS NEGOCIAÇÕES ................................................................................................ 48
6
GUERRA SUJA ..................................................................................................... 49
O AMARELINHO .................................................................................................. 50
A AMEAÇA DO SECRETÁRIO .................................................................................... 51
A FORÇA LEGISTA (FORLEG) .................................................................................... 52
TROCA DE COMANDO NO BPCHOQUE ........................................................................ 53
MAIS GUERRA SUJA ............................................................................................. 54
AS AMEAÇAS ..................................................................................................... 55
A GRANDE ASSEMBLÉIA ......................................................................................... 55
PRISÃO POR TELEFONE ........................................................................................... 57
POLÍCIA UNIDA JAMAIS SERÁ VENCIDA ....................................................................... 58
POLÍCIA CONTRA POLÍCIA ....................................................................................... 60
TIROTEIO ........................................................................................................... 61
GOVERNO CHAMA EXÉRCITO ................................................................................... 65
BARRICADAS NO QUARTEL CENTRAL GERAL .................................................................. 68
REABERTAS AS NEGOCIAÇÕES .................................................................................. 69
ORDENS E CONTRA-ORDENS .................................................................................... 69
CABO VALÉRIO EM ESTADO CRÍTICO .......................................................................... 70
O DIA SEGUINTE .................................................................................................. 71
GOVERNADOR FAZ PRONUNCIAMENTO ........................................................................ 72
FALA O EXÉRCITO ................................................................................................ 73
OS LAUDOS CONTRADITÓRIOS .................................................................................. 74
SAI O ACORDO .................................................................................................... 75
NOVA ASSEMBLÉIA É CANCELADA ............................................................................. 77
TOLERÂNCIA ...................................................................................................... 79
SUSPEITO SE APRESENTA ......................................................................................... 80
VÍTIMA, HERÓI, OU MÁRTIR, O CABO VALÉRIO É ENTERRADO EM CLIMA DE EMOÇÃO .............. 81
INQUÉRITOS POLICIAIS MILITARES (IPMS) ................................................................. 82
PERÍCIAS E DEPOIMENTOS SE CONTRADIZEM ................................................................ 83
LAUDO DUVIDOSO INOCENTA CORONEL ...................................................................... 84
OFICIAIS INSATISFEITOS .......................................................................................... 85
MOVIMENTO ESTOURA NO PAÍS ............................................................................... 86
COMANDO AFASTA CABO JÚLIO PARA LONGE DA TROPA ................................................... 90
PARANÓIA - DE OLHO NA MARACUTAIA ..................................................................... 92
CONTINUAM OS IPMS .......................................................................................... 93
EXPULSOS .......................................................................................................... 94
JULGAMENTO ...................................................................................................... 95
DEPOIMENTO DO COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS ...................... 97
CORONEL JOSÉ GUILHERME DO COUTO ...................................................................... 105
TRECHOS DE DEPOIMENTOS DE OFICIAIS NO CONSELHO DE DISCIPLINA DO CABO JULIO ............ 112
CONCLUSÃO ..................................................................................................... 114
7
Agradecimentos
A Deus, que me inspirou a escrever este livro para contar a verdadeira
história do movimento que mudou os rumos da Polícia Militar de Minas Gerais.
Aos meus colegas de Corporação que me protegeram quando sofria
ameaças de morte, e que me confiaram a difícil tarefa de representá-los.
Ao pastor Raul Lima Neto (pos mortem) meu amigo e companheiro de
Ministério que foi o vaso de Deus para abençoar a minha vida.
Ao meu amigo Doutor Carlos Pimenta, advogado incansável em defesa
do praças, que não mediu esforços para me defender.
A amiga Paula Rangel, jornalista brilhante, minha companheira nesta obra,
que não mediu esforços em pesquisar e colher depoimentos para que este livro
pudesse detalher ao povo mineiro e ao povo brasileiro os bastidores daqueles
momentos; para que a verdadeira história viesse a tona.
8
Introdução
Este livro tem a finalidade de esclarecer ao povo brasileiro o que realmente
aconteceu durante o movimento inédito dos praças da Polícia Militar do Estado
de Minas Gerais, que iniciou em 13 de junho de 1997.
Foram quase cinco anos de pesquisa, busca de depoimentos. Você agora
conhecerá os bastidores do movimento que mudou a história da conservadora
Polícia de Minas Gerais.
Vários boatos aconteceram: premeditação, ideologia política, infiltração
da esquerda, incitação sindical, etc. Mas não é verdade, ele não foi planejado
ou idealizado, pois se assim o fosse, o serviço de informações da PM (P2),
certamente o abafaria. O que aconteceu foi uma explosão natural e espontânea
de uma classe esquecida e massacrada.
A sociedade não conhecia sua Polícia Militar. Neste livro, procuramos
repassar para o leitor uma radiografia real de sua Polícia. Quando o cidadão
liga 190 (emergência) e solicita um policial para resolver seu problema, não
imagina que o funcionário solicitado para resolver a situação na qual se
encontra tem muito mais problemas que ele. Quem é pago para proteger está
totalmente desprotegido. Suicídios, alcoolismo, separações familiares e
endividamento são problemas comuns na vida de um policial.
Procurei contar todos os detalhes do acontecido, detalhes que, muitos
praças que participaram do movimento, não sabem. Procuramos detalhar os
bastidores das negociações, as ameaças, o desespero e as pressões. O descrito
neste livro contém um depoimento fiel à realidade dos quartéis e à situação em
que se encontram nossos irmãos da Polícia Civil.
A Polícia Militar e a Polícia Civil de Minas Gerais são e sempre serão as
melhores do Brasil. Apesar de tudo, somos o patrimônio do povo mineiro.
Agora você conhecerá aqueles que, mesmo com o sacrifício da própria
vida, são vocacionados para a difícil missão de protegerem o cidadão, e, muitas
vezes, estarem totalmente desprotegidos.
9
O sonho e a paixão pela farda
Nasci em 19 de maio de 1970, no Hospital Belo Horizonte, bairro
Cachoeirinha, região norte de Belo Horizonte. Meu pai, um pernambucano da
cidade de Caruaru, e minha mãe, mineira da cidade de Coluna, Zona da Mata,
interior de Minas Gerais.
Desde criança, sonhei em ser um militar. Aos sete anos de idade, sempre
que visitava meus dois tios, ambos da Polícia Militar do Estado de Minas
Gerais, antes mesmo de pedir a benção, minhas palavras eram: Tio, me dê a
roupa de Polícia.
Aos onze anos de idade comecei a trabalhar, fazia de tudo, vendia picolés,
refrigerantes, trabalhava como balconista, mas por necessidade e não por
vocação. O sonho de ser militar continuava aceso. A cada ano que passava a
ansiedade de vestir uma farda aumentava mais. Após completar dezesseis anos
e terminar o segundo grau, formando-me como técnico em contabilidade, surgiu
minha primeira oportunidade, a Marinha do Brasil. Disputando uma vaga na
proporção de, aproximadamente, 50:1 (cinqüenta por um), passei no concurso
para o Corpo de Fuzileiros Navais, tropa de elite da Marinha. As etapas
seguintes não foram diferentes, passei em todas. Mas, faltando uma semana
para o ingresso, a decepção aconteceu. No último exame de saúde, ao passar
pela junta médica, fui reprovado porque apresentava micoses na pele,
decorrentes de um banho de piscina. O sonho começou a desmoronar. Entre
lágrimas, já pensava no que fazer para realizar meu grande sonho. Com uma
semana, as micoses já estavam curadas e estava pronto para uma nova tentativa.
Foi então que veio a decisão: Vou ser um soldado da Policial Militar.
Ainda sem qualquer informação a respeito de como ingressar na Corporação,
procurei o 5° Batalhão, no bairro Gameleira, na capital, quartel onde meus tios
trabalhavam, para me informar a respeito de como fazer para me tornar um
soldado. Mas o destino já estava selado. Ao entrar no quartel, vi uma
placa: SEJA UM POLICIAL MILITAR. INSCRIÇÕES ABERTAS.
Informei-me do que era necessário para fazer a inscrição e eu preenchia
todos os requisitos. As provas não foram difíceis e em pouco tempo já
estava realizando o sonho. No primeiro dia do mês de dezembro de 1988,
10
incorporava-me naquela unidade.
Formei no mês de julho do ano seguinte, e, após um ano como soldado,
estava cursando o Curso de Formação de Cabos. Ouvia falar muito em histórias
de cabos importantes. Foi uma satisfação muito grande quando, em 1990,
coloquei em minha farda as duas divisas de cabo.
Cabo Júlio em frente ao Batalhão de Choque
11
A realidade nos quartéis
Em outubro de 95, o Coronel aposentado, Dirceu Brás, publica um artigo
no jornal Estado de Minas intitulado Crise de fome da PM, enfatizando a
situação de dificuldade salarial da tropa. Neste artigo, afirma que o Comando
da PM não reivindicava melhores salários e condições de trabalho para a tropa
porque os coronéis do alto comando tinham rendimentos equivalentes aos de
secretário de Estado. Segundo o Coronel, esses salários eram recebidos pelo
comandante-geral, chefe do Estado Maior e chefe do gabinete militar. Era o
salário cala-boca. O artigo desperta polêmica na opinião pública e entre os
praças da Corporação.
Em outubro de 96, é divulgado por um grupo de militares da PMMG, que
se autodenominou Policiais Sofredores, um documento apócrifo, com
revelações sobre a penúria dos policiais militares. A primeira revelação: o índice
de criminalidade em Minas Gerais estaria aumentando, o que contestava as
estatísticas divulgadas na imprensa pelo Comando da PM. O documento
questiona ainda a própria credibilidade da Corporação, afirmando que o
Comando da PM estaria manipulando as estatísticas. Nesse documento, que
chegou às redações entregue pessoalmente por praças da PM, os autores
afirmam que o sistema de policiamento comunitário, implantado recentemente,
seria uma forma proposta pelo Comando para reduzir o policiamento ostensivo
nas ruas por falta de condições operacionais. Ainda de acordo com o
documento, só 40% do orçamento da Corporação havia sido repassado pelo
Governo no ano de 96.
12
Falta dinheiro
A PM está sem recursos para sua manutenção e para sustentar um
contigente de 45 mil homens da ativa e 12 mil reformados. Fornecedores apelam
à imprensa para conseguir receber por serviços prestados ou produtos
vendidos, principalmente fornecedores do setor de alimentação, que alegam
estarem com os pagamentos atrasados em até dois anos. Vários comerciantes
afirmam que foram obrigados a fechar as portas de seus estabelecimentos
porque não receberam o pagamento pelos serviços prestados. O Comando
admite a crise, atribuída ao difícil momento econômico por que passam o
Estado e o País.
As viaturas, quebradas nas oficinas dos Batalhões, são mostradas pela
TV Bandeirantes. Ambulâncias, Rotams, motos, patrulhas de trânsito se
amontoam nas oficinas e não há verba para reposição de peças ou dos carros.
O jornal Estado de Minas publica os contracheques dos praças, com salários
baixíssimos, sem identificação dos donos.
Em outubro de 96, o chefe do gabinete militar do Governo, Coronel
Hamilton Brunelli, é convidado a depor na Assembléia Legislativa. É
questionado sobre o porquê do não pagamento aos PMs do adicional de
periculosidade, de acordo com a Constituição Federal, que determina o
pagamento deste adicional para as atividades penosas, insalubres ou perigosas.
Ele afirma que o benefício não poderia ser estendido a todos porque só os
policiais de atividades operacionais e não os de função administrativa teriam
direito ao benefício, o que ameaçaria o princípio da isonomia salarial da
Corporação. Este benefício significaria um acréscimo de 40% nos salários. Até
hoje, os policiais militares e civis não recebem este benefício.
13
Cabo Júlio
Eu trabalhava na Rotam (Rondas Tático Metropolitanas), atuava no Plano
de Repressão de Assaltos a Bancos (Praban), um grupo tático especial, formado
por 24 PMs, que receberam treinamento específico para coibir e agir nas
ocorrências de assaltos nas agências bancárias. Fazem parte do Praban: cinco
Rotams e quatro Motos-Rotams, que circulam na região central.
Já existia, na época, uma insatisfação salarial que não era manifestada.
Conversávamos sobre a situação difícil dos companheiros, um procurando
ajudar o outro, pelo menos emocionalmente. A grande maioria dos PMs, 90% ,
tinha até dois empregos, além do emprego na Corporação. O policial saía de
manhã para o bico, trabalhando em serviços de segurança ou de entrega, dentre
outros, e a noite seguia para o seu plantão na Polícia.
O policial passava a metade da outra noite no terceiro emprego, de acordo
com a escala da PM e isso criava problemas familiares, pois era cobrado por
sua ausência em casa, discutia com a mulher, batia nos filhos, etc. Ao mesmo
tempo, este policial precisava do outro emprego para sobreviver e não tinha
como resolver este problema. Os PMs evitavam recorrer ao serviço de apoio
psicológico porque o psicólogo era oficial e havia o temor de que os problemas
chegassem ao conhecimento do Comando.
Muitos policiais procuram refúgio no álcool – 30% da tropa, segundo
minhas estimativas pessoais. Há casos de policiais que vão trabalhar com
sintomas de embriaguez e são punidos com penas de prisão variando de um a
trinta dias. O quarto problema é o mais grave: o suicídio. Para se ter uma idéia
da dimensão deste problema, a estatística de suicídio no mundo é de uma
pessoa para cada 100 mil, na PM é de um para cada 10 mil. O temor do
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar impedia qualquer manifestação.
14
O comando é alertado
No dia 14 de março de 97, o comandante de policiamento da Capital,
Coronel José Guilherme do Couto, envia um memorando oficial (n. 046.1/97,
do 8° CRPM) a todos os comandantes de unidades operacionais, recomendando
a criação de listagens com históricos de militares que se encontram em situação
de extrema penúria financeira, ou algum tipo de desajuste conjugal, social e/
ou emocional.
No dia 15 de abril, um mês depois, a lista está pronta. O comandante de
policiamento da Capital encaminha ofício (n° 235.1/97) ao chefe do Estado-
Maior, anexando a lista com os históricos dos praças nesta situação, segundo
o levantamento feito pelos comandantes das unidades. Um documento pesado,
que alerta sobre a situação real nos quartéis.
Um mês antes da crise na PM, maio de 97, o comandante-geral, Coronel
Antônio Carlos dos Santos participa de uma reunião com os comandantes, em
Contagem, onde é comunicado de que a situação da tropa era de penúria
salarial, com militares morando em barracos de lona, endividados e,
consequentemente, do aumento dos casos de suicídio. O comandante-geral
desafia os oficiais presentes (comandantes do Batalhão de Choque, 1° BPM,
5° BPM, 13° BPM, 16° BPM, 18° BPM , 22° BPM, Regimento de Cavalaria
Alferes Tiradentes, Batalhão de Missões Especiais, Batalhão de Trânsito,
Batalhão de Bombeiros Militares e Batalhão de Guardas) a provarem que existe
defasagem salarial na Corporação. O comandante sugere ainda que se usem
indicadores econômicos para isto.
Suicida-se um soldado do
13° Batalhão, acusado de ter roubado
uma lata de leite em pó.
Ele é preso, levado sob escolta para casa para pegar o fardamento. O
suicídio acontece dentro do quarto dele, quando ele dá um tiro na cabeça na
frente da mulher e dos filhos. Segundo a assessoria do CPC (Comando de
Policiamento da Capital), o suicídio foi provocado por motivos pessoais.
15
Aumento às escondidas
Outros motivos aumentam a insatisfação. 0 13° salário é parcelado em
três vezes. Está proibida a conversão das férias-prêmio em dinheiro, há cortes
de convênios na área médica e o Governo decreta um aumento da contribuição
para o Instituto de Previdência dos Servidores da PM de 10 para 13%, na mesma
época. Os policiais permanecem calados, mas sofrem com a falta de
reconhecimento e de valorização pessoal e profissional. A moral está baixa na
tropa.
O Governo cria o PDV (Programa de Desligamento Voluntário), mas a
Policial não pode entrar. Poderia haver uma correria dos praças que já tinham
mais tempo de serviço e nenhuma expectativa de melhora de vida.
Em maio de 97, a Associação dos Delegados da Polícia Civil de MG
conquista, no Supremo Tribunal Federal, o direito à equiparação salarial com os
procuradores de Justiça. Durante uma festa, onde estavam presentes delegados
e oficiais da PM, o assunto é comentado pelos delegados. O comandante de
policiamento da Capital, Coronel José Guilherme do Couto, fica então sabendo
do aumento e que os delegados iriam receber a primeira das três parcelas.
No outro dia pela manhã, o Coronel José Guilherme do Couto, comandante
de policiamento da Capital (CPC) se encontra com o chefe do Estado Maior,
Coronel Herberth Magalhães, que se indigna com a notícia. Os dois vão até o
comandante-geral levar a situação. Os coronéis querem o mesmo aumento, por
um acordo de equiparação salarial entre as duas forças feito com o Governo
do Estado.
O Alto Comando da PM começa então a se mobilizar para pleitear, junto
ao Governo do Estado, a extensão deste aumento para os oficiais. Várias
reuniões que estavam fora da agenda oficial do governador acontecem nesta
época no Palácio da Liberdade, com representantes do Alto Comando.
O secretário de administração, Cláudio Mourão, é convocado pelo
governador a apresentar um estudo sobre a viabilidade e a forma de se conceder
o aumento. Segundo pessoas presentes nesta reunião, o secretário afirma: É
impossível aumentar de imediato os salários das duas corporações,
governador. Só dentro de dois meses poderíamos dar o aumento para a PM.
16
O Coronel Herberth Magalhães não aceita a resposta do secretário: Não
posso esperar nem mais uma hora, secretário. É inaceitável que um coronel
ganhe menos que um delegado.
O governador Eduardo Azeredo consulta os coronéis: Seria possível dar
um aumento apenas para os oficiais sem provocar reações na tropa?
A resposta foi enfática:
“Pode dar o aumento, governador,
nós seguramos a tropa”.
Boatos
Começam a circular boatos na tropa. Um dos boatos dava conta de que
o governador não gostava da PM. Dizia-se que um filho dele teria atirado cerveja
no rosto de um soldado, que estava na geral do estádio Mineirão num dia de
jogo.
Também circula a história da punição de um policial do 22° BPM que,
num posto de gasolina da avenida Nossa Senhora do Carmo, aborda o filho
do governador e diz: Fala para o seu pai dar um aumento para a gente. O
comentário do militar chega ao conhecimento do Comando, que o pune com a
transferência para o interior. Estas histórias circulam rapidamente na tropa.
Sai o reajuste
Através do Decreto Estadual n. 38.818, de 3 de junho, o governador
concede reajuste para 4 mil oficiais da PM, que variam entre 10,6 e 22%. Os
salários são equiparados aos dos delegados da Polícia Civil.
As entidades dos Praças haviam tentado uma audiência com o
governador no final de maio, mas o governador não os recebe.
O gabinete alega que o
governador só conversa
com coronéis e não com praças.
17
As entidades estudam a possibilidade de entrar com ação na Justiça
contra o aumento exclusivo para oficiais. Houve inversão de prioridades, dizem
os diretores das entidades.
O comandante de policiamento da Capital (CPC), Coronel José Guilherme
do Couto, declara aos integrantes das entidades que os praças também vão
receber aumento por gratificações de cursos e o Governo estaria estudando
uma maneira para que o aumento fosse estendido também aos policiais civis,
que não têm gratificações de cursos. Em entrevista, ele afirma:
“Entendo a insatisfação dos praças manifestada pelos seus representantes
das Entidades, mas espero que haja compreensão e um voto de confiança na
negociação do comandante-geral com o governador Eduardo Azeredo”.
Cão Banguelo
Na segunda semana de junho, quando das comemorações do aniversário
da 5a
Cia. de Cães do BPChoque, o Coronel do CPC, José Guilherme do Couto,
fazendo uso da palavra em discurso para a tropa compara o adestramento de
um cão e o de um policial.
A expressão usada pelo coronel foi
um cão banguelo e desdentado
consegue fazer seu serviço, assim
como um policial adestrado,
apesar das dificuldades.
Este comentário foi feito para uma tropa formada, de aproximadamente
200 policiais, e logo se estendeu para o Batalhão de Choque, criando uma
revolta entre os choqueanos (policiais do Batalhão de Choque).
Explicar o inexplicável
Apesar do silêncio do Comando, vaza para a imprensa a informação de
que só os oficiais da PM receberiam o aumento exclusivo, mas as informações
eram contraditórias quanto aos valores. O que surpreende é a informação de
que o dinheiro já estava depositado. O comandante do CPC, Coronel José
18
Guilherme do Couto, bastante constrangido, convoca os jornalistas no início
da noite ao Quartel Central Geral (QCG) para explicar o aumento, que seria na
verdade uma equiparação ao salário conquistado na Justiça pelos delegados e
contesta os índices que vinham sendo divulgados pela imprensa, de que o
aumento era superior a 30%. Segundo o comandante, o aumento era escalonado
e os oficiais subalternos e intermediários (tenentes e capitães) receberiam mais
(22%). Os oficiais superiores receberiam menos. O aumento variava entre 10 e
22% e seria pago em três parcelas. A primeira parcela já havia sido paga. O
coronel afirma ainda que o aumento para os praças dependeria da aprovação
do projeto de lei que o Governo enviaria para a Assembléia nos próximos dias.
Com o aumento, o salário inicial dos oficiais subalternos (2o
tenente) passaria
para R$ 1.500,00. O soldo inicial de um soldado era de R$ 332,00.
Suicídio
O soldado Leonardo Paulo de Souza (20) comete suicídio com um tiro
na boca, no dia 5 de junho, dentro do alojamento do 22° Batalhão, no bairro
Santa Lúcia, zona sul de Belo Horizonte. Ele estava sendo acusado de furtar
um carro. A Assessoria de Comunicação do CPC informa que era o sexto
suicídio cometido por um PM na Grande BH no decorrer do ano.
Na avaliação da PM, de acordo com a Assessoria:
“Os suicídios estão dentro de um patamar normal e não significam
desespero com uma situação financeira difícil. A maioria dos suicídios é
devida à situação pessoal e emocional das vítimas.”
Vivendo no banheiro
Um flagrante é registrado pela imprensa devido ao inusitado. Três policiais
militares estão vivendo num banheiro do Fórum Laffayette, num espaço de
pouco mais de 4m2
. Esta situação já durava dois anos, sem que ninguém
tomasse providências. Apenas funcionários do Fórum tinham conhecimento
da moradia dos três policiais. Os PMs dormem em pedaços de espuma no
chão. Suas mulheres e filhos moram no interior. O salário médio destes praças
é de R$ 250,00. Um deles busca marmita toda semana em Barbacena, onde vive
a mulher, e a comida, que dá para uma semana, é guardada no refrigerador da
copa do 2° Tribunal de Justiça.
19
No dia 7 de junho, depois que a notícia sai nos jornais, os PMs são
transferidos para um quarto de despejo no próprio Fórum e ganham beliches
para dormir, abandonando os colchões de espuma. O Comando informa que
está estudando a situação deles.
Governo não tem definição
sobre salários
O Governo envia à Assembléia Legislativa um projeto de lei, em regime
de urgência urgentíssima, solicitando autorização para conceder reajustes
diferenciados ao funcionalismo por decreto.
O secretário estadual de Administração, Cláudio Mourão, afirma que ainda
não há definição sobre o percentual para o reajuste salarial do funcionalismo
público. Mourão diz que por enquanto, o Governo aguarda a aprovação da
Assembléia Legislativa para promover, via decreto, reajustes que não atingirão
todos os 452.297 servidores. A prioridade são as polícias Civil e Militar.
20
Estopim
No dia 6 de junho de 97, uma sexta-feira, o cabo Glendyson Hércules de
Moura Costa (31), do 16° BPM, é baleado com cinco tiros, durante perseguição
a assaltantes que tentaram roubar uma casa lotérica no bairro Floresta, na região
leste. O cabo é atingido no pescoço, peito e barriga. Um dos tiros perfura o
pulmão. Ele é levado em estado grave para o HPS (Hospital de Pronto-Socorro
João XXIII), onde os parentes dão entrevistas à imprensa, revoltados com a
situação do militar. A irmã, Gleise de Moura (29), declara:
“Os praças da PM são colocados
como escudo na frente dos bandidos e
quem recebe aumento salarial
são os oficiais.”
A mãe do cabo Glendyson, Maria Evangelista Moura Costa (59), diz
que o filho vivia em situação de miséria.
“Com seis anos de PM, ele recebe R$ 340,00. Nós da família temos
que ajudá-lo a manter sua mulher e suas duas filhas. E o pior, é que
se ele tivesse matado o bandido, estaria hoje preso no quartel, sujeito
a cometer suicídio diante das pressões dos seus superiores, como vem
acontecendo na PM”.
O comandante-geral faz uma declaração sobre o aumento de salário dos
oficiais:
“Não há distinção entre as funções dos oficiais e dos praças. Realmente
temos lutado para melhorar o salário dos praças, o Governo quer estender o
reajuste também às categorias mais baixas da Polícia Civil e isto somente será
feito junto com os praças da PM, para haver equiparação salarial entre as
corporações”.
No dia 8 de junho, depois de passar por várias cirurgias, o cabo Glendyson
é transferido para o CTI, em estado gravíssimo. Ele não resiste aos ferimentos
e morre no dia 11 de junho, às 23h45. O enterro é marcado para o dia seguinte
no cemitério da Paz, em frente ao BPChoque, no bairro Caiçara.
21
Iogurte
Os coronéis se reúnem, comentam a situação de hostilidade e uma
declaração do comandante da APM (Academia de Polícia Militar), Coronel
Edgar Eleutério, chega aos ouvidos da tropa. Ele diz que é favorável à
concessão do aumento para os oficiais, porque acredita que eles consigam
segurar a tropa. O coronel afirma:
“Antes de entrar para a PM, o
soldado comia arroz e feijão; depois
de ingressar na PM, já pode comer
arroz, feijão e carne. E agora ainda
está querendo comer iogurte”.
O comandante-geral ainda defende que os salários não estão
defasados e garante que o Governo vai estender o reajuste aos praças,
mas precisa encontrar uma maneira de não quebrar a isonomia com a
Polícia Civil.
Guerra de nervos
Os praças iniciam uma greve branca. Muitos fazem corpo mole no
atendimento de ocorrências. Eles distribuem cartas informando à imprensa que
estão deixando de atender ocorrências, ou fingindo que não as vêem.
A greve fria ou guerra de nervos é denunciada pela população. A
psicóloga Marisa Escaldas (28), disse que acionou uma Radiopatrulha para
solicitar providências no furto do carro de sua irmã e os militares se recusaram
a atendê-la. Eles responderam que não tiveram aumento de salário, só os
oficiais, e não iriam fazer a ocorrência e nem tentar localizar o carro, declara
ela.
O Comando da PM nega a greve fria. Uma das cartas que chega às
redações diz:
“Estamos vivendo momentos difíceis com os míseros salários recebidos
atualmente e que estão desestabilizando a vida do policial militar, ocasionando
problemas familiares e pessoais, como suicídio nos quartéis e participação em
crimes”.
22
Segundo o Comando da PM:
“A carta é expressão de pessoas desajustadas ao se manifestarem.
Qualquer manifestação somente irá prejudicar a situação, uma vez que o
governador pretende estender o reajuste também às categorias mais baixas das
Polícias Civil e Militar”.
O enterro do cabo Glendyson atrasa por causa da demora da liberação
do corpo e da chegada de oficiais. A viúva, mãe de duas crianças protesta:
“Não entendo esta demora. Se fosse um oficial, já teria havido o enterro.
Nos informaram que o corpo chegaria as 9 horas, depois mudaram para o meio-
dia”.
Ela conta detalhes da vida do marido:
“Ele tinha um soldo de R$ 340,00 e
para complementar esta renda
trabalhava como segurança de uma
cantina. Todo soldado e cabo da PM
têm que fazer bico, senão a família
morre de fome”.
Soldados da PM carregam caixão com o corpo do cabo Glendyson Costa
23
Um PM à paisana comenta:
“Somos os PMs mais mal pagos do Brasil e não podemos falar porque o
regimento interno proíbe qualquer manifestação”.
O comandante-geral não está presente ao enterro. O clima é de tensão e
hostilidade contra os oficiais.
Durante o enterro, quinze praças presentes anunciam à imprensa que iria
acontecer uma revolta porque a morte do companheiro é a gota d’água na
insatisfação dos policiais com os baixos salários.
“A revolta é iminente. Não podemos nos expor muito porque há muitos
oficiais aqui, inclusive à paisana”.
Os praças dizem que o comandante-geral é diretamente responsável pela
negociação dos salários com o Governo e se consideram traídos pelo aumento
exclusivo. Eles falam em greve, mas ainda com receio de punição.
Colegas do cabo Glendyson dão entrevistas aos jornalistas depois do
enterro, sem dar nomes. Eles reclamam dos salários baixos, do não pagamento
da gratificação de risco de vida e comparam os salários dos praças da PM de
Minas Gerais aos de outros estados, como o Distrito Federal e o Espírito Santo,
onde o salário inicial de soldado é de R$ 1.000,00, segundo os praças.
Outras reclamações: os salários já baixos têm muitos descontos dos
empréstimos feitos por eles, os equipamentos de trabalho estão ultrapassados.
Um deles afirma:
“Enquanto os marginais usam pistolas semi-automáticas, como o
assassino do cabo Glendyson, nós temos que trabalhar com armas calibre 38,
com mais de dez anos de uso. Temos sorte quando elas funcionam”.
O CPC, Coronel José Guilherme do Couto, é pressionado pelos jornalistas
a comentar a insatisfação e a possibilidade de um movimento de praças na PM
e responde:
“Apoiamos qualquer luta pelos direitos dos policiais, desde que
ocorra dentro dos regulamentos e seja mantida a disciplina. Também
acho que um soldado deveria ganhar R$ 1.000,00, mas o Estado não
tem como pagar”.
O coronel comenta ainda a questão do armamento:
“É praxe que a Polícia de todo o País só use arma calibre 38 que
possibilita maior pontaria, mas os bandidos realmente têm armas mais
poderosas”.
24
Começa a greve
Na hora do almoço, o clima é de revolta no Batalhão de Choque, o batalhão
de elite, que tem um efetivo de mil policiais e um salário médio de R$ 320,00.
Os policiais consideram que o aumento salarial dos oficiais significa que os
praças e suboficiais foram abandonados pelos próprios comandantes. Na
chamada de 13hs., os policiais não entram em forma, ficam parados no pátio
do quartel, de braços cruzados, e se recusam a se deslocarem nas viaturas
para o centro da cidade, onde formariam o reforço do policiamento na região.
A imprensa começa a chegar, por causa dos telefonemas dos praças alertando
sobre o movimento. Alguns policiais falam em voz baixa para os jornalistas
que eles decidiram entrar em greve por causa dos baixos salários.
O comandante da 3a
companhia de Polícia de Choque, capitão Carlos,
anuncia ao subcomandante do Batalhão de Choque, major Renato Vieira, que
a tropa se nega a entrar em forma. O subcomandante reclama com o capitão
Carlos e designa um outro oficial, o capitão Valdeir, para deslocar-se até o
pátio e colocar a tropa em forma. O capitão Valdeir segue para o pátio e após
várias tentativas retorna de cabeça baixa e informa ao major que também não
havia conseguido.
“Achei que estava acontecendo algo estranho, surpreendente, e continuei
trabalhando, passando a observar a situação, mas ainda sem participar. Via o
nervosismo dos oficiais, que nunca tinham enfrentado uma situação semelhante.
O medo estava estampado nos rostos deles. Aqueles oficiais mais temidos pela
tropa, os chamados carrascos, eram os que tinham mais medo. Escondiam-se
em seus gabinetes, evitando sair ao pátio do batalhão. Fui conversar com
outros PMs, que diziam Nós não vamos descer para as ruas. Chega de salário
de fome”, declara Cabo Júlio.
O SubCmt Major Renato Vieira, que era considerado truculento e lixo
(termo militar para atribuir alguém que é desumano) se trancou em seu gabinete.
25
Fogo
Dentro do alojamento dos cabos e soldados, começa sair uma densa
fumaça, que chama a atenção de todos. O nervosismo entre os oficiais aumenta.
Alguns colchões são queimados no interior do alojamento. O major e alguns
capitães correm para todos os lados demonstrando desespero, o fogo aumenta,
começa o corre-corre, todos os oficiais se mobilizam com baldes na mão para
apagar o fogo. Os colchões são arrastados para fora do alojamento. Os oficiais
percebem que a tropa não está brincando e que pode surgir uma revolta.
Em uma tentativa de pressionar a tropa, em tom de desespero, o major
Renato diz para os oficiais:
“Não coloquem a mão em nada, vamos acionar a perícia para tirar as
impressões digitais e descobrir quem fez isso”. (Ele se esqueceu que está no
Brasil, e que isso só acontece nos filmes de TV).
Os PMs não se intimidam e afirmam:
“Essa ameaça não nos assusta. Já rompemos o elo principal: acabamos
de rasgar o RDPM”.
Do cemitério, os repórteres avistam a fumaça e correm para a porta do
Batalhão de Choque. A tropa, numa tentativa de demonstrar a situação de
revolta, cruza os braços no pátio, para alegria dos fotógrafos e cinegrafistas,
que já chegavam às dezenas ao Batalhão.
O comandante do Batalhão manda um assessor informar à imprensa que
tinha acontecido um curto-circuito na fiação elétrica. Ninguém acredita. Os
policiais riem. O comandante resolve fazer uma declaração à imprensa e acaba
por admitir um clima de insatisfação generalizada.
“Os baixos salários e a inadimplência com os compromissos financeiros
estão realmente deixando os policiais aloprados, mas a situação está sob
controle”.
O comandante admite então que a queima de colchões pode ter sido um
ato criminoso. “Pode ter sido ação de uma pessoa desajustada, em função
dos baixos salários e da morte de um colega”.
26
Desprezo e vaias
O comandante do CPC, Coronel José Guilherme do Couto, chega
instantes depois com a fisionomia preocupada, e não fala com a imprensa. Ele
se reúne primeiro com os oficiais e depois chama a tropa para uma reunião no
auditório do batalhão. Ninguém vai para o auditório. Ele espera 20 minutos,
apenas na presença dos oficiais. O coronel deixa o auditório e segue para a
viatura que irá levá-lo de volta ao QCG. No caminho, a viatura passa pelo pátio
e cerca de cem praças vaiam. O coronel deixa o prédio e é cercado pelos
jornalistas, mas se recusa a dar entrevista. Ele apenas diz: Não tem mais jeito,
eu tentei.
A tarde toda permanece o impasse. Os policiais não saem e começam a
tomar coragem para declarar aos jornalistas que estão em greve. Alguns vão
até à esquina do quartel para gravar entrevistas numa rua erma atrás do
cemitério. Eles estão com os rostos cobertos por gorros, blusas e cachecóis,
emprestados pelos próprios jornalistas. Denunciam desmandos, regalias dos
oficiais, falam sobre a revolta com os baixos salários e o aumento exclusivo
que foi dado aos oficiais. Uma das denúncias mais graves feitas neste primeiro
dia da greve é a de que policiais militares estariam recebendo dinheiro de
traficantes para fazerem vista grossa no caso de batidas policiais nos morros.
Segundo a denúncia, os policiais que moravam em favelas, vizinhos aos
próprios marginais, aceitavam propina e recebiam mais de R$ 3.000,00 por mês
de traficantes. Um dos policiais diz que enquanto ele trabalha o mês inteiro
para ganhar pouco mais de R$ 300,00, um menino de 12 anos que vende crack
na favela Sumaré, ganha até R$ 150,00 por dia. Diz que a proximidade entre um
traficante e um policial é bem curta.
Quantas foram as vezes que o policial
sai de casa deixando o aluguel atrasado,
a luz cortada, sem nenhum alimento e
no momento da prisão o traficante
oferece R$ 500,00? O coração começa
a bater forte. Vem logo ao pensamento
que com aquele dinheiro pode colocar a vida
em ordem, mas o senso de responsabilidade
fala mais alto para quem é um profissional
honesto e consciente. Infelizmente,
nem todos são assim.
27
Um policial do BPChoque diz:
“A cabeça de um policial do Batalhão de Choque está valendo R$ 5.000,00
na favela da Pedreira Prado Lopes. Como é que a gente trabalha assim?”.
Quanto mais as horas passam, mais policiais querem falar, denunciar, mas
ainda com medo de possíveis represálias. Eles fazem outras denúncias.
“Sabemos de várias maracutaias de oficiais. No 1° BBM, os bombeiros
foram obrigados a assinar nota fiscal onde um par de meias estava orçado em
R$ 57,00. Em vez da farda anual a que têm direito, os bombeiros só receberam
este ano duas camisetas, um calção e dois pares de meia, com preços
superfaturados”.
O fardamento é de responsabilidade da empresa Citeral, que funciona
dentro do 5o
BPM, no bairro da Gameleira, região oeste. O Comando nega as
denúncias.
Essa empresa tem exclusivo monopólio para vender fardas para a PM,
por isso põe o preço que quer. Dizem que paga comissão para os coronéis
para que não permitam que outra empresa também entre nesse mercado. Para
se ter idéia, no Distrito Federal o efetivo é cinco vezes menor, mas existem 10
empresas que vendem fardamento.
PMs do Batalhão de Choque cruzam os braços
28
A greve se espalha
Começam a chegar informações de movimentos em outros quartéis. No
22° BPM (bairro Santa Lúcia, região sul), vários colchões são queimados. No
1° BPM (bairro Santa Efigênia, região leste), os policiais fazem um buzinaço
nas viaturas na hora de sairem do quartel. No 16° BPM, (bairro Santa Tereza,
região leste), o quarto turno atrasa quatro horas o seu lançamento (saída para
rua) e os policiais jogam as armas no chão. No 1° BBM (Batalhão de Bombeiros
Militares), a rede de rádio transmite o protesto, chamando os policiais para
uma mobilização geral. Um dos diálogos ouvidos:
– O coronel pediu aumento para nós?
– Não é o coronel quem dá aumento. É aquele prechão do governador,
que já falou que não tem aumento para nós. (risos) Então põe o coronel na
escuta aí. Vamos pedir o aumento para ele!
Os telefonemas chovem nas redações, policiais dizendo que a greve iria
se alastrar por todo o Estado. No BPChoque, os policiais distribuem bilhetes
aos jornalistas assumindo a responsabilidade pelo incêndio. Um dos bilhetes
diz:
“Estamos passando fome. Moramos em favelas e às vezes chegamos a
pensar em suicídio. Não recebemos nenhum apoio do Alto Comando da PM.
Queimamos os colchões porque nossa vontade é botar fogo em nossos salários
de miséria. Como não podemos, colocamos fogo nos colchões”.
Os policiais tinham receio de que, no caso de alguma unidade parar, o
Batalhão de Choque ser chamado para reprimir os próprios policiais, já que era
uma tropa especializada na repressão a movimentos grevistas. Com a explosão
do movimento no Batalhão de Choque, os policiais das outras unidades se
encorajaram e o movimento se espalhou como uma onda. Neste dia, não havia
líderes. A situação só não ficou pior porque o comandante do BPChoque era
uma pessoa querida e respeitada pelos choqueanos.
Às 19:30hs., chegam ao BPChoque integrantes da Associação de
Subtenentes e Sargentos e do Centro Social de Cabos e Soldados que haviam
sido convocados pelo comandante-geral para tentarem conversar e
convencerem a tropa a retornar às atividades normais. Os representantes destas
entidades alertam a tropa para o que poderia ocorrer: possíveis punições e até
exclusões. Eles também estão um pouco perdidos, até pelo ineditismo do
movimento, tentando responder às inúmeras perguntas e questionamentos das
praças. Esta reunião dura cerca de uma hora, sem a presença de nenhum oficial.
29
Nasce um líder
Nesta reunião, comecei a despontar como líder, porque tive tranqüilidade
e objetividade para encaminhar as principais dúvidas da tropa. Mas não houve
escolha de representantes do movimento, até porque não estava definida
nenhuma reunião de negociação com o Governo – achávamos isto impensável
– e não se cogitava ainda em fazer passeatas.
Não houve mais chamadas neste dia. Fica decidido que todas as
companhias se fariam presentes no outro dia, acumulando no dia 13 todo o
efetivo do BPChoque, até quem não estava de serviço, como os policiais em
folga ou em férias.
Deixamos o batalhão, que ficou apenas com o 4° turno Rotam, que estava
de plantão. Todos foram para casa. Nesta noite, em casa, pensava sobre o que
tinha acontecido, mas não tinha a menor idéia da dimensão que o movimento
iria tomar. Estava tranqüilo, mas ansioso para saber o que aconteceria diante
de uma situação tão nova, sem saber como seria o dia seguinte. A repercussão
ainda era pequena, não se sabia que haveria um grande movimento.
O Comando da PM se reúne à noite e o secretário da Casa Civil Agostinho
Patrus participa da reunião. O Comando redige nota oficial, que é publicada
nos jornais no dia seguinte:
“Foi apurado que 60 praças se mantiveram em posição de manifestação
no BPChoque. Isso, dentro de um efetivo de 42 mil homens da Corporação no
Estado, sendo 10 mil na Grande BH. Foi solicitado um reforço de policiamento
para suprir a ausência desses praças, o que foi de pronto atendido, mantendo
dessa forma o policiamento na Capital mineira”.
AH! Eu tô é duro!
No outro dia, cheguei cedo ao BPChoque, por volta de 7hs. Soube que o
turno da noite fora normal. Dezenas de policiais de todas as companhias
estavam lá. Os policiais de folga ficaram sabendo do movimento e se dirigiram
espontaneamente ao quartel, inclusive os licenciados e os que estavam de
férias, que também foram para o quartel.
Não há ainda liderança e os policiais continuam reunidos no pátio, sem
saberem o que fazer. Não há chamada. Os oficiais não andam no pátio, só ficam
reunidos com o comandante, tenente-coronel Cançado. Eu fui trabalhar no
30
computador na companhia ROTAM, numa sala que ficava de frente para o pátio.
Os PMs ligam para a imprensa e pedem apoio. De repente começa uma
gritaria, que vira um coro: Vamos para a rua!. Os praças de outras unidades
ligam para o BPChoque para confirmar as informações da paralisação que estão
sendo veiculadas pela imprensa e anunciam que vão aderir. Para espanto de
todos, o BPChoque vai para a rua. São 150 homens no início.
Acompanhei o movimento. A passeata não tinha direcionamento, era um
sentimento de cidadania, como se estivéssemos nos libertando de uma prisão,
de um regulamento arcaico. O grito de liberdade que estava preso há 222 anos
na garganta finalmente ecoara. Não tínhamos ainda nenhuma reivindicação,
mas estávamos nos sentindo livres.
A passeata segue pela avenida Américo Vespúcio, em direção a avenida
Antônio Carlos, acesso da região norte para o centro. A passeata engrossa, já
são 500 policiais participando.
Não sabíamos bem qual era o nosso objetivo, se iríamos até à Praça
Sete, no centro de Belo Horizonte, ou se chegaríamos até o QCG na Praça
da Liberdade, onde também fica o Palácio da Liberdade, sede do Governo
estadual. Eu tentava organizar a passeata, pedindo que os policiais só
ficassem numa pista para liberar o trânsito, e foi nesta hora que muitos me
viram como líder, inclusive colegas de patente superior a minha, como
População aplaude a passeata dos policiais
31
sargentos, que me perguntavam o que fazer, se deviam ou não tirar as
plaquetas de identificação e os bonés. Passamos pelo Departamento de
Investigações, da Polícia Civil, e chamamos os policiais civis para
participar. Alguns desceram. Incitei o pessoal a prosseguir para evitar
provocações em frente ao DI. Seguimos pela avenida.
Na altura do viaduto da Lagoinha, quase no centro, o tenente-coronel
Cançado se posta de braços abertos na frente da tropa. Ele afirma que o
comandante-geral ordenou que fosse dada voz de prisão a todos que estavam
na manifestação. Se prender um, isso vai virar uma guerra, respondem os
manifestantes. A passeata desvia-se dele e os PMs continuam a caminhar.
Outros comandantes de batalhão, o tenente-coronel Rúbio Paulino,
do 22° BPM e o tenente-coronel Severo, do Batalhão de Missões Especiais
acompanham o comandante do BPChoque, que segue o tempo todo ao
lado da passeata.
Eles acompanhavam a passeata, pela lateral, em solidariedade ao tenente-
coronel Cançado. Gritávamos: Polícia unida jamais será vencida!, ou então
o famoso Ah, eu tô é duro!
A passeata continua até a Praça Sete, sem incidentes. No caminho, uma
tropa da 6ª Companhia do 1° BPM, com cerca de 50 policiais, se junta ao
movimento, além de outros policiais que estavam de serviço nas ruas por onde
a passeata passava. Vinte policiais do BPTran e cinco batedores acompanham
a passeata, coordenando o trânsito. Os bombeiros também aderem à passeata.
Chegando à Praça Sete, os oficiais continuam a fazer apelos para que o pessoal
volte para os quartéis e não fizesse greve nas ruas. Eles diziam que isto iria
acabar com a Polícia Militar.
32
Um integrante da CUT/MG, com uma bandeira vermelha, tenta participar
da passeata e é retirado pelos policiais. Ele insiste em ficar na avenida e os
policiais rasgam a bandeira. O sindicalista desiste, vendo que os policiais o
recebem com animosidade.
Policiais de outras unidades, como os de trânsito, são levados a participar
do movimento, com o chamado dos manifestantes, muitos até contra a vontade.
Não tínhamos rumo, nem reivindicações, nem programação, nada. A idéia
agora era seguir para a Praça da Liberdade, demonstrar para o governador que
a Polícia estava passando fome. Demonstrar como? Através de uma
concentração em frente ao Palácio da Liberdade. Iríamos ficar em silêncio, não
tínhamos idéia do que fazer.”
Policiais fazem passeata pela Av. Amazonas
33
Apoio da população
Por onde a passeata passa, a população aplaude, inclusive em prédios
públicos, como a Prefeitura de Belo Horizonte, secretarias, bancos, lojas,
prédios residenciais. Alguns jogam papel picado. Alguns manifestam
abertamente o seu apoio, como o taxista Silvano dos Reis, que diz: Eles estão
mais do que certos!
Em frente ao Detran (Departamento Estadual de Trânsito), na avenida
João Pinheiro, os PMs chamam os policiais civis a aderirem. Eles gritam: De
camarote não, a luta é aqui no chão... Nas janelas do prédio vários aplaudem,
alguns descem para acompanhar o movimento.
Andamos 12 km e estávamos cansados, mas com total disposição para
continuar o movimento. No final da subida da avenida João Pinheiro, os
coronéis verificaram que eu liderava o pessoal na organização da passeata e
me pediram que não deixasse a manifestação passar pela alameda da praça da
Liberdade. Eles diziam que a PM nunca deixou nenhuma classe de trabalhadores
em manifestação passar por lá, e não seriam os próprios PMs a passarem no
local em manifestação. Naquele momento não era mais uma ordem, era um
pedido, que não foi atendido. Passamos pela alameda e chegamos ao Palácio
da Liberdade”.
Chega a hora de negociar, para espanto dos próprios manifestantes.
Não pensávamos que isto aconteceria. Tínhamos que reivindicar algo e
tentar negociar, mas não sabíamos o que queríamos e o que iríamos fazer. Esta
falta de rumo foi devida à própria espontaneidade e ineditismo do protesto.
Não tínhamos nenhum elemento nem condição objetiva para negociar, caso
nos chamássemos para uma reunião.
Em frente ao Palácio da Liberdade, os manifestantes, que já eram 1.500,
engrossados pelas novas adesões durante o caminho, inclusive com grande
número de reformados (aposentados da PM), cantam o Hino Nacional, virados
de costas para a sede do Governo. Eles fazem também uma oração, em
homenagem ao PM que morreu baleado por assaltantes, o cabo Glendyson.
Depois, os manifestantes queimam contracheques.
34
Policiais sentam-se no chão em frente ao Palácio da Liberdade,
sede do governo mineiro
Policiais queimam o contra-cheque
35
Comissão define reivindicações
às pressas
Dois oficiais, a mando do comandante de policiamento da Capital,
comunicam que aguardam a formação de uma Comissão dos praças para
negociar. Esta Comissão passa a ser formada pelos integrantes das entidades
representativas (Centro Social de Cabos e Soldados e Associação de
Subtenentes e Sargentos), além de três policiais do BPChoque, escolhidos
pelos companheiros porque tinham maior capacidade de liderança. Eu fui um
dos escolhidos, numa pequena assembléia.
Só neste momento definimos a pauta de reivindicações: o piso salarial
de R$ 800,00, promoção por tempo de serviço – dez anos – e não apenas por
concursos internos, revisão imediata do RDPM (Regulamento Disciplinar da
Polícia Militar) e do EPPM (Estatuto de Pessoal da Polícia Militar), que são
baseados nos regulamentos de Exército. Queríamos também a não punição aos
manifestantes e uma política habitacional que atendesse especialmente os
cabos e soldados.
Nove representantes dos praças integram a Comissão, que seguiu para
o Palácio para negociar.
Foi um sentimento de poder
inusitado. Como é que um cabo ou
um sargento poderiam negociar
representando mais de 55 mil policiais?
Nunca imaginei passar por um
momento assim.
Logo que a Comissão entra, é recebida pelo chefe do Gabinete Militar do
Governo, cel. Hamilton Brunelli. Quando a Comissão entra no Palácio, a tropa
desloca-se para a frente do Quartel Central Geral, onde funciona o Copom –
Centro de Operações da Polícia Militar, o Comando-Geral, e outras unidades
administrativas da PM. A tropa fica concentrada em frente ao prédio do QCG,
próxima às escadarias.
36
Cancelada a ordem de confronto
O chefe da Cedec – Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, Coronel
Custódio Diniz, ordena que se postasse em frente ao prédio uma tropa de
cadetes, que estava de prontidão dentro do Palácio dos Despachos, anexo
ao Palácio da Liberdade. Um tenente-coronel discute com o chefe da Cedec,
com medo de um confronto entre os manifestantes e os cadetes. Ele diz:
Comandante, não faça esta loucura. Se esta tropa for colocada aqui, isto
vai virar uma guerra. O comandante de policiamento da Capital pede
autorização para uma contra-ordem para recolher a tropa. O chefe da Cedec
desiste e a ordem é cancelada. A tropa que estava de prontidão tinha cerca
de 50 cadetes enquanto que os manifestantes já eram mais de 2.000.
O fato inédito em 222 anos de Polícia Militar pegou todos de surpresa. O
Coronel Diniz havia passado toda a madrugada distribuindo cobertores, umas
das funções exercidas pelos agentes da Cedec. Ao amanhecer diante das
informações de que poderia haver problemas, foi forçado a ficar no Palácio
dos Despachos. Não sabia o que fazer, o aprendizado na Academia não o havia
ensinado a lidar com uma situação como essa. Era uma situação inovadora.
Nunca se esperava que fosse acontecer.
Ao mesmo tempo que há mobilização de cadetes da PM, as Forças
Armadas também já estão de prontidão. Na 4ª Divisão de Exército (DE), a Polícia
do Exército está mobilizada dentro do quartel e se fosse necessário, sairia às
ruas.
37
Primeira reunião de negociação
Comissão conversa com Coronel Hamilton Brunelli. Ele demonstra,
durante a conversa, eterno amor pelo militarismo. O coronel usa expressões
como: Depois desta, o que será da Polícia Militar?; a PM vai acabar
amanhã!; ou isto não poderia acontecer nunca!. Ninguém se intimida. Lá em
baixo, começam sonoras vaias. Corremos à janela e vimos o comandante do CPC
sendo vaiado pelos manifestantes. O Coronel Brunelli se desespera e diz: O que
é isto? Agora é que acabou mesmo a Polícia Militar!
Eu respondi: Não fomos nós que procuramos isso, coronel. Nossa
situação é crítica. Por que concederam aumento só aos oficiais e deixaram os
praças em situação de miséria ?
O secretário da Casa Civil, Agostinho Patrus, que é capitão médico
reformado da Polícia Militar, chega para coordenar a reunião em nome do Governo.
Ele demonstra superioridade no trato com os praças. O secretário recebe as
reivindicações e diz que não negocia com a Polícia na rua. A Comissão promete
tentar tirar a tropa das ruas, mas com a garantia de haver negociação.
Abraço do Pirulito
Depois da reunião, que dura cerca de uma hora, os líderes se reúnem
com os manifestantes e marcam uma assembléia para o dia seguinte, sábado.
Eles resolvem deixar a Praça da Liberdade em passeata. Os PMs gritam os
jargões e a expressão de cidadania é total. Nos prédios das secretarias, as
pessoas ainda aplaudem a passagem dos policiais. Na avenida Afonso Pena,
alguns P-2 (policiamento secreto), infiltram-se na passeata. Um deles tem uma
câmera e filma os integrantes do movimento. Aos gritos de traidor, os praças
tomam a filmadora, que é quebrada no chão. Ele é expulso a pontapés e sai
correndo para não apanhar.
A passeata segue em direção à Praça Sete, mas os líderes são chamados
38
para uma reunião no Comando-Geral. Os manifestantes já são 2.500 e continuam
o protesto, abraçando o monumento do Pirulito. Quatro seguranças
particulares do governador, policiais militares da ativa, de terno e gravata, aderem
ao protesto. Um deles diz: Fazemos parte da tropa, apenas temos fardas
diferentes.
Todos sentam-se no chão. O protesto é encerrado rapidamente porque
existe uma preocupação de desimpedir o trânsito e não provocar transtornos
para continuar com o apoio da população. Os repórteres entrevistam as pessoas
na Praça Sete.
A maioria da população apoiava o nosso movimento. Existia uma grande
consciência de que a greve era por melhores salários. Muitas pessoas aplaudiam
com entusiasmo, como uma dona-de-casa que manifestou apoio e carinho pelos
policiais. Eles merecem ganhar mais e serem valorizados, disse ela.
Abraços no pirulito na Praça Sete, Centro de Belo horizonte
39
Comando-geral recebe os praças
Logo após o retorno dos policiais aos quartéis, a Comissão retorna para
uma nova reunião, desta vez no QCG com o Comando da Corporação. Além
do comandante-geral, Coronel Antônio Carlos dos Santos, participam o chefe
do Estado-Maior, Coronel Herberth Magalhães, o comandante de policiamento
da Capital, Coronel José Guilherme do Couto e o chefe da DPS – Diretoria de
Promoção Social, cel. Pedro Seixas. A reunião começa tensa. O comandante-
geral demonstra nervosismo.
O tempo todo ele tentava explicar o inexplicável. Culpava os oficiais de
unidades de não terem conseguido explicar para a tropa o aumento dos oficiais,
usando a expressão: a explicação não chegou à ponta da linha.
O comandante promete avaliar todas as reivindicações e garante que o
Governo já havia enviado à Assembléia Legislativa o pedido para
autorização de reajuste setorizado. Ele promete ainda conceder todas as
reivindicações que fossem da competência do Comando da Corporação.
O comandante diz ainda que reconhecia que o RDPM estava ultrapassado
e que já estava sendo feito um estudo, por um grupo de oficiais, para a revisão
do regulamento.
Governo faz pronunciamento
O governador Eduardo Azeredo está de viagem marcada para a Europa,
mas a viagem é adiada por causa da crise. Na noite de 13 de junho, o governador
faz um pronunciamento oficial.
“Como governador, venho prestar informações sobre os acontecimentos
na PM: os delegados da Polícia Civil ganharam na Justiça equiparação com
os procuradores do Estado, com reajuste de cerca de 11%, que foi repassado
aos oficiais da PM, em virtude de legislação específica. Reconhecendo ser
justa a extensão do aumento dos praças, enviei na última segunda-feira
projeto de lei solicitando, com urgência, autorização da Assembléia
Legislativa para ter meios de corrigir distorções nos menores salários do
40
funcionalismo”.
O governador fala também sobre as dificuldades com a folha de
pagamento: a arrecadação mensal é de R$ 450 milhões e R$ 350 milhões vão
para a folha de pagamento, representando 77% das despesas.
“A população aprendeu a admirar e a confiar nos bons serviços prestados
pela PM, reconhecida como a melhor do Brasil. O Governo espera que
permaneça a normalidade. É fundamental que prevaleçam o direito, a lei, a
ordem e a tranqüilidade da população”.
Apesar da declaração do governador, não há legislação, específica ou
não, sobre a isonomia automática entre os salários dos coronéis da PM e dos
delegados da Polícia Civil. A isonomia é fruto de um acordo de cavalheiros,
reivindicado pelos coronéis ao Governo e que foi implantado desde o Governo
Newton Cardoso, em 1989, depois da promulgação da Constituição Estadual.
O objetivo é evitar rixas e criar clima de igual respeito e reconhecimento entre
os comandos das duas Corporações.
Na avaliação do governador, a manifestação dos PMs é restrita a uma
pequena parte da Corporação. “A situação está bem administrada pelo
secretário da Casa Civil e pelo comandante-geral da PM”, afirma o
governador. Já o secretário Agostinho Patrus fica irritado quando é perguntado
pelos jornalistas se o Governo havia perdido o controle da PM:
“Solicito à imprensa que possa transmitir a realidade dos fatos. Uma
pergunta como esta vai trazer intranqüilidade”.
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Cabo Júlio discursa aos manifestantes na Praça Sete pouco antes do confronto na Pça da Liberdade
42
Cabo Júlio fala aos manifestantes na Praça Sete
43
Sargento tenta suicídio
Um sargento de 38 anos, dezoito anos de serviço, com seis filhos e salário
de R$ 360,00 é internado no HPS depois de ingerir um vidro de formicida e
cinqüenta cápsulas de Lexotan. Com a vida salva pelos médicos, o PM dá
entrevista, mas pede que seu nome não seja divulgado.
“Estava desesperado. Meu aluguel, de
R$ 120,00, está atrasado há dois meses.
Minha família vive de favores.
Não tive apoio psicológico.
Quando soube do aumento dos oficiais,
me senti revoltado:
eles só olham o bolso deles”.
O chefe da sala de imprensa, major Jefferson Oliveira, comenta:
“Se todo PM que se julgasse desesperado pelos baixos salários fosse
tentar suicídio, teríamos um extermínio na Corporação”.
O comandante de policiamento da Capital afirma:
“Reconheço que o salário é baixo, mas isto não é motivo para se matar.
Se este fosse o motivo, a maioria da população brasileira já teria se matado”.
O comandante do 1o
BPM, tenente-coronel Antônio Luiz, admite que os
policiais são mal remunerados:
“O salário reivindicado é justo. É inconcebível que um policial receba
apenas R$ 330,00”.
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Primeira assembléia
No dia seguinte à passeata, realizamos assembléia no Clube de Cabos e
Soldados. Cerca de 2.000 PMs participam, muitos acompanhados da mulher e
filhos. Para chegar ao clube, no bairro da Gameleira, região oeste de Belo
Horizonte, caminhavam dos batalhões em minipasseatas, fardados, e ainda
gritando os jargões da primeira passeata. A imprensa registra a presença de
policiais de várias unidades, Corpo de Bombeiros, Cavalaria, Hospital Militar,
Polícia Feminina, e até do Quartel Central Geral.
Os PMs apresentam um balanço da greve nos batalhões. Os policiais da
Companhia de Bombeiros do Aeroporto da Pampulha garantem que as
operações de abastecimento de aviões estavam sendo realizadas sem segurança
por causa da greve. Um policial do 22° BPM disse que o Comando tinha
ordenado que ninguém deveria participar da assembléia, sob risco de punições.
Os praças do 22° BPM dizem que não estavam dispostos a trabalhar a troco
de nada. Não vamos arriscar a vida por essa miséria que a gente ganha. Um
45
casal de policiais, com o filho pequeno, exibe o contracheque com o salário
conjunto: pouco mais de R$ 800,00. Todos mostram os contracheques para
darem exemplos da situação salarial. Neste dia, os policiais já não tinham medo
de mostrarem a cara e dizerem o nome ao dar entrevistas.
O Coronel Pedro Seixas, morrendo de medo, diretor de Promoção Social,
em trajes civis e escondido em uma das salas do clube, acompanha a assembléia.
A Comissão sabe da presença dele no local, mas não tinha como impedir porque
o clube pertence à DPS.
Orientei a Comissão, e nos reunimos para discutir como seria o
encaminhamento da assembléia. A nossa missão foi a de apresentar as propostas
oferecidas pelo Governo e decidir um prazo para o atendimento das
reivindicações. Meia hora depois nos dirigimos ao palanque e pedimos a
presença de todos.
Começa a assembléia, tumultuada. Eu tive dificuldades de fazer os
encaminhamentos, pelo clima dos grevistas e pela inexperiência. Depois de duas
horas de debates, decidimos manter o piso de R$ 800,00 para os soldados, a
revisão do Estatuto e do Regulamento Disciplinar, a não-punição aos grevistas,
além da promoção por tempo de serviço e a criação de uma política habitacional
voltada para os praças. Mais difícil é definir o prazo para que o Governo dê
uma resposta. A Comissão propõe trinta dias, mas os participantes não aceitam.
Inicialmente, não queriam dar nenhum prazo, permanecendo em greve até o
atendimento das reivindicações. Depois, querem um prazo máximo de cinco
dias. Ao final, chegam a um consenso de dez dias. Outra assembléia é marcada
para o dia 24 de junho, no mesmo local. Os líderes pedem que todos voltem
aos quartéis, sem tumulto ou passeatas.
Interior
Em Montes Claros, no norte do Estado, PMs também fazem declarações
de protesto. Um policial sem se identificar diz:
“Se o reajuste concedido aos
oficiais e delegados não for estendido
aos praças, a adesão ao movimento será
generalizada no Estado. Estamos só
esperando a orientação do
Cabo Júlio em Belo Horizonte”.
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Recebia telefonemas de várias partes do Estado, querendo participar do
movimento e acompanhar as negociações. Já se manifestam praças dos
batalhões de Ipatinga, Manhuaçú, Juiz de Fora, Barbacena, Governador
Valadares, Uberlândia, entre outros.
A orientação para os praças do interior é aguardar até à véspera do dia
24, quando deverão ser organizadas as caravanas para Belo Horizonte para
participar da assembléia no Clube de Cabos e Soldados.
Em Juiz de Fora, na zona da Mata, um PM faz um protesto isolado. O
sargento William da Silva Peçanha (30), do Serviço de Patrulha de Trânsito,
desce da moto em um dos pontos mais movimentados da avenida Rio Branco,
no centro, coloca o revólver e o cinturão no chão e grita palavras de ordem
contra os baixos salários. A manifestação do sargento dura sete minutos até a
chegada de uma viatura do 2° BPM, que o retira do local. Ele é levado para a
Clínica São Domingos, onde é submetido a uma avaliação de suas condições
psicológicas. O comandante regional de Juiz de Fora, Coronel Elvino de
Oliveira, diz que vai aguardar a avaliação médica do sargento, antes de estudar
a abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM).
Em Governador Valadares, policiais fazem duas passeatas. São 150 do 6°
BPM e do 1° CRPM, além de policiais civis, que caminham pelas ruas do centro.
Os policiais não usam fardas durante o protesto, também queimam
contracheques, assim como os manifestantes de Belo Horizonte.
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Tática do silêncio
Durante todo o sábado, o Alto Comando fica reunido com todos os
coronéis da Capital. A reunião começa ao mesmo tempo que a assembléia dos
praças, às 10h e só termina às 17h30. Os coronéis discutem a crise deflagrada
pela greve inédita na Corporação.
Poucas informações chegam à imprensa. O Comando adota a tática do
silêncio. A ausência de informações aumenta as especulações. Enquanto os
coronéis e oficiais não se pronunciam, os praças têm todo acesso à imprensa
e conseguem veicular informações do seu interesse.
Recrutas de prontidão
No dia da assembléia, todos os recrutas são convocados pelo Comando
e ficam de prontidão em suas unidades e na Academia. A orientação é que
eles podem ter que assumir o policiamento na Capital, se persistir o movimento
dos grevistas.
No 16° BPM, no bairro Santa Tereza, região leste, os recrutas comentam
entusiasmados a possibilidade de ir para as ruas, mesmo antes de completar
sua formação. Os jornalistas questionam nos quartéis qual a viabilidade de um
sistema de segurança feito por recrutas. A resposta de alguns comandantes é
que os recrutas estão plenamente capacitados porque se formarão em breve.
Os recrutas da PM têm uma formação de nove meses, onde recebem
treinamento e aprendizado sobre matérias como relações públicas e humanas,
noções básicas de direito, legislação interna, regulamento disciplinar, instrução
militar básica e noções de primeiros socorros. No oitavo mês, os recrutas
passam por um período de estágio, onde são acompanhados por policiais já
formados, que repassam, no dia-a-dia das ruas, informações para o seu
aprimoramento.
48
As negociações
Enquanto corre o prazo dado pelas praças ao Governo, continuam as
reuniões de negociação. O governador envia à Assembléia Legislativa o
anteprojeto que permite a concessão de aumentos diferenciados a setores do
funcionalismo público e viaja para a Europa, com atraso de dois dias. Os líderes
são chamados para várias reuniões com o comandante-geral e com o chefe do
Estado-Maior para discutirem as mudanças no Estatuto e no Regulamento.
No dia 17 de junho, o comandante-geral da PM, Coronel Antônio Carlos
dos Santos, divulga uma nota sobre A Questão Salarial da PM e o Momento
Atual, criticando o comportamento que ele considera emocional e sensitivo
dos manifestantes e justificando o reajuste salarial diferenciado. De acordo com
o comandante, o Governo manteria a equivalência entre os delegados e oficiais,
estendendo depois os mesmos índices para os praças, depois da aprovação
da Assembléia Legislativa. O comandante diz ainda que os policiais devem ter
tranqüilidade e confiança na instituição.
No dia 18 de junho, acontece mais uma rodada de negociações, no Palácio
dos Despachos, com a participação dos secretários da Casa Civil e
Comunicação Social, Agostinho Patrus, da Fazenda, João Heraldo Lima, de
Recursos Humanos e Administração, Cláudio Mourão, da Habitação, Sílvio
Mitre, o comandante-geral da PM, Coronel Antônio Carlos dos Santos, o chefe
do Gabinete Militar, Coronel Hamilton Brunelli, o presidente da Cohab –
Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais, Reginaldo Arcouri, o
presidente da União dos Reformados, Coronel Décio Pereira da Silva, o
presidente do Clube dos Oficiais, Coronel Edvaldo Piccinini e os
representantes dos praças. A principal discussão é sobre o piso de R$ 800,00
que não é aceito pelo Governo. Segundo o secretário da Casa Civil:
“Este piso significaria um aumento de 90% para os praças, o que o
Governo não tem como bancar. O reajuste é impossível porque alguns praças
poderiam ficar com salários superiores aos dos oficiais”.
O secretário não fala em índices para o aumento.
49
“Estamos estudando este percentual de reajuste com base nas
repercussões que ocorrerão dentro da própria PM. Se dermos o aumento para
os soldados, isto vai influenciar os soldos de cabos, sargentos, subtenentes
2o
tenentes, etc. Por causa disto não podemos divulgar um índice levianamente”.
Pela primeira vez, o comandante-geral admite que os participantes do
movimento podem ser punidos. O Coronel Antônio Carlos dos Santos disse
que:
“Todos os fatos serão apurados e o meio de investigação será através
de IPM (Inquérito Policial Militar). Os fatos são graves e tomaremos decisões
a respeito após as investigações”.
Guerra suja
O Comando da Polícia começa a trabalhar nos bastidores para destruir o
movimento.
Depois desta reunião, fui procurado, em minha casa, por um oficial que
me perguntou o que eu queria para sair do movimento. Ele dava a entender
que queria me subornar. Segundo ele, o Comando considerava que a minha
saída poderia enfraquecer ou até acabar com o movimento, como se eu fosse
o causador da revolta. Este oficial me perguntava: O que você aspira, o que
você quer, cabo Júlio? Minha resposta era fatídica: dignidade para o policial.
De repente eu disse: o senhor tem dois minutos para sair de minha casa.
Ameacei chamar a imprensa. Ele saiu imediatamente.
Os diretores da Associação de Subtenentes e Sargentos se reúnem no final
da tarde para avaliar a situação nos quartéis de Belo Horizonte e interior. Os 45
diretores consideram a situação explosiva e acreditam que se o Governo não
der o aumento esperado a paralisação será geral. Caravanas estão se preparando
no interior para comparecer à assembléia em Belo Horizonte.
No dia 20 de junho, os deputados aprovam o projeto do Governo.
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O amarelinho
Neste mesmo dia, o assessor de imprensa do Comando-Geral entrega aos
líderes dos praças o anteprojeto de revisão do Estatuto e do Regulamento, e
propõe um prazo de 30 dias para que eles apresentem sugestões. A proposta
é aceita. A Comissão adianta a principal mudança desejada: o fim da pena
privativa de liberdade. “O amarelinho” só mudou cinco anos depois.
Qualquer praça, por decisão do seu comandante, pode ser punido com a
prisão no quartel de até treze dias, a critério do comandante, e ainda que não
haja motivação clara. Isto é motivo de revolta de muitos policiais.
O Regulamento Disciplinar, chamado Amarelinho é analisado pela
imprensa. Alguns artigos do regulamento chamam a atenção pelo que têm de
arcaico. Exemplos: os praças têm que pedir permissão para casar enquanto que
ao oficial basta apenas comunicar. É proibido recorrer à Justiça sobre qualquer
direito individual. Até o tipo de guarda-chuva usado pelo policial é definido
pelo regulamento. A falta de um botão na farda ou um bigode maior que o
permitido pode levar à prisão do policial. Enquanto um cidadão comum só pode
ser preso mediante flagrância ou ordem judicial, o policial militar pode ser preso
pela simples vontade do comandante. É proibido ao policial contrair dívidas
superiores à sua capacidade de pagamento, ao mesmo tempo em que ele é
obrigado a sustentar condignamente sua família.
É comum a presença de credores dentro dos batalhões. O interessante é
que o Estado é um dos maiores devedores das praças. A PM não paga seus
fornecedores mas pune um policial quando ele atrasa os pagamentos de suas
dívidas.
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A ameaça do secretário
O Comando informa ainda que estuda convênios com a Secretaria Estadual
de Habitação para financiamento de moradias específicas aos policiais.
Outro convênio em estudos, com a Fundação Roberto Marinho, permitiria
a abertura de salas de aula nos quartéis, para os policiais que quisessem
estudar.
No dia 21, o governador volta da Europa e anuncia um abono de R$ 102,00
para policiais civis e militares. O secretário da Casa Civil, Agostinho Patrus,
afirma que é o valor máximo que o Governo chegará. Numa das reuniões, que
acontece no Palácio dos Despachos, com a presença do comandante-geral, o
secretário aponta o dedo em tom de ameaça para o meu rosto e diz:
“O Governo não vai agir sob
pressão, nem que cinco mil, dez mil
ou quarenta mil policiais armados
estejam nas ruas.”
A ameaça é gravada pelo repórter cinematográfico Mário, da TV Minas,
que estava na sala fazendo imagens. A informação circula entre a imprensa.
Depois, em entrevista coletiva, o secretário desmente o clima de hostilidade
na reunião e acusa a imprensa de ter feito gravações indevidas.
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A Força Legalista (Forleg)
O Comando cria a Força Legalista (Forleg), formada por tropas do interior,
alunos da Academia e alguns policiais da Capital, que eram procurados por
oficiais para participarem da Força. Eles recebem a promessa de condecorações
e promoções a graduação imediata caso aceitem.
Os líderes rejeitam o abono e mantêm a reivindicação inicial de R$ 800,00
de piso.
Neste mesmo dia são destituídos os comandantes de Policiamento da
Capital, Coronel José Guilherme do Couto, e do Estado Maior, Coronel
Herberth Magalhães.
No dia 22 de junho, novos chefes assumem os postos no Comando de
Policiamento da Capital e no Estado Maior. O comandante-geral convoca
imediatamente a Comissão e apresenta os novos comandantes, o Coronel Edgar
Eleutério Cardoso que assume o CPC e o Coronel Osvaldo Miranda da Silva,
a chefia do Estado Maior. Nesta reunião com a Comissão representativa, o novo
chefe do Estado-Maior assume uma postura de linha-dura, dizendo que não
vai tolerar indisciplina e cumprimenta um a um os integrantes da Comissão,
com um forte aperto de mão e olhar ameaçador.
O comandante-geral informa que o abono de R$ 102,00, que elevaria o
salário para R$ 517,00, seria o valor máximo que o Governo chegaria. A partir
deste momento, segundo ele, estão encerradas as negociações em torno dos
salários. Ele ordena à Comissão que levasse o valor à tropa como um ponto
final para o impasse.
Eu disse ao comandante que cumpriria a ordem, levando este valor
aos praças, mas já adiantei que era quase impossível a aceitação deste
salário pela tropa.
O chefe do Estado-Maior diz então que confiava na Comissão e que o
problema era meu.
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Troca de comando no BPChoque
Troca de comando também no Batalhão de Choque. Cai o tenente-coronel
Carlos Roberto Cançado e assume o tenente-coronel Maurício dos Santos.
A missão dos novos comandantes, considerados linha-duras: conter o
movimento dos praças que a esta altura já se alastrou por todo o Estado e por
outras capitais brasileiras. Toda a cúpula da PM passa o final de semana
reunida, traçando estratégias com os comandantes de batalhões para esvaziar
a próxima assembléia marcada para a terça-feira.
Para os praças, é indiferente a nomeação de qualquer um dos coronéis.
Queremos uma nova postura por parte do Comando e salário no bolso. Nomes
não interessam.
Os telefonemas do interior para o meu telefone celular não param. Vários
ônibus já se deslocam para a Capital. As unidades do interior enviam
representantes e prometem acatar as decisões da assembléia.
Os comandantes deixam para informar na véspera da assembléia que está
proibida a participação de policiais que estiverem em serviço. Também proíbem
o uso de armas e de fardas. Os policiais que quiserem participar terão que ir à
paisana, por ordem dos comandantes.
Nos quartéis, os PMs continuam a denunciar represálias. Segundo as
denúncias, estão recebendo ameaças dos comandantes de que serão presos
se comparecerem à assembléia. Ao mesmo tempo, PMs do interior formam
caravanas para chegar à Belo Horizonte no dia 24. Os líderes acreditam que
mais de 3 mil policiais vão comparecer à assembléia.
No dia 23 de junho, véspera da assembléia, o Boletim-Geral da Polícia
Militar informa que a Comissão de negociação dos praças terá caráter
permanente. A Comissão terá o papel de intermediar as discussões entre o
comando e os praças. A nomeação oficial da comissão e sua aceitação pelo
Comando tem o objetivo de evitar a quebra de hierarquia na Corporação. De
acordo com a designação oficial da Comissão pelo comandante-geral:
“Eles estão autorizados a manter contatos com a Chefia do Estado-Maior,
para representar os interesses dos praças da Corporação sobre políticas de
recursos humanos e de promoção social”.
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Mais guerra suja
O CFAP – Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças é
transformado em um grande cartório onde os alunos dos cursos de formação
e aperfeiçoamento de sargentos são dispensados. Caso houvesse prisões em
flagrante, dos manifestantes, eles seriam levados para lá para prestarem
depoimento.
Os praças do 13° BPM enviam uma carta às Comissões de Direitos
Humanos da Câmara Municipal e da Assembléia Legislativa pedindo que
visitem os quartéis e verifiquem as condições das cadeias onde eles ficam
trancados por qualquer motivo.
Na véspera da assembléia, cartas apócrifas circulam entre os PMs, com
supostas críticas aos integrantes da Comissão e desmobilizando a assembléia.
Uma carta de um suposto soldado arrependido, de codinome Pedrão, pede
aos policiais que não façam mais movimentos de rua e voltem a trabalhar sem
baderna. Ele se diz arrependido dos crimes que cometeu ao participar da greve
e da passeata.
As cartas tinham o objetivo de desmobilizar a assembléia. Elas foram
preparadas, por ordem do Comando, como se os autores fossem praças
arrependidos de terem participado do movimento. Mas houve um grave erro.
A linguagem usada não era de
praças e sim de oficiais. Colocaram
erros de português grosseiros.
Dois dias antes delas começarem a aparecer, eu já tinha conhecimento
de que seriam usadas no interior dos quartéis porque tinha informantes dentro
das reuniões do Alto Comando, assim como eles tinham informantes entre os
praças. Garanto que as informações são fidedignas porque me foram passadas
por pessoas insatisfeitos com os rumos definidos e decisões tomadas pelo
próprio comandante-geral. É fato de conhecimento geral entre praças e oficiais
que existe uma rixa muito forte entre os coronéis pela disputa de poder. Alertei
os integrantes da Comissão sobre essas cartas apócrifas para que já
estivéssemos preparados.
55
As ameaças
Além das cartas estávamos recebendo ameaças de morte ou de seqüestro.
No meu caso, foi feita uma ligação para um vizinho, quando uma pessoa, se
identificando como amiga, pediu o endereço da escola de minha filha, afirmando
que a buscaria, a meu pedido. O vizinho, desconfiado, disse que chamaria minha
mulher para dar o endereço. A pessoa desligou imediatamente. Minha filha
tinha um ano e três meses, na época, e não estava na escola. Recebi ainda
vários telefonemas de madrugada, com ameaças de morte. Em um destes
telefonemas, a pessoa disse que na véspera da assembléia, no dia 23, haveria
uma invasão em minha casa. Tive que tirar minha filha de casa e enviá-la para
um lugar escondido no interior. Em qualquer lugar por onde andava, era seguido
por oficiais do serviço secreto da Polícia Militar, a famosa P/2. Essa vigilância
acontecia 24 horas por dia. Seguiam meus passos a todo momento.
O Governo afirma que estão encerradas as negociações com os policiais.
O abono de R$ 102,00 é a última proposta.
A grande assembléia
Chega o dia 24 de junho. Todas as atenções estão voltadas para o Clube
de Cabos e Soldados onde os policiais já começam a se concentrar para a
assembléia. Começam a chegar policiais dos quartéis do interior e da Capital.
A ordem do Comando de que não poderiam participar policiais fardados ou
em serviço é desobedecida. Boatos de uma possível invasão do Exército no
clube começam a correr. Os ânimos se exaltam. Os bombeiros do 2° BBM e os
policiais do 18° BPM de Contagem chegam em passeata e são saudados pelos
colegas.
O Coronel Seixas comparece novamente, permanecendo em trajes civis e
escondido. Vários P-2 estão infiltrados na assembléia por ordem do Comando.
Muitos, apesar de terem recebido ordens do Comando, participam como agentes
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duplos. O que eles fazem, na verdade, é levar informações do Comando para
os praças. Até alguns oficiais da P-2 repassam informações ultra-secretas aos
líderes dos praças, como a confecção das cartas apócrifas e a ordem para
grampear telefones, que partiu do Exército. Os líderes do movimento continuam
sendo seguidos 24 horas por dia. As fichas funcionais dos líderes estão sendo
analisadas na sede da PM-2, a chamada Fazendinha, por causa de sua
localização, escondida em um local ermo dentro do 5° BPM. Ao contrário da
P-2, que é o serviço secreto dos batalhões, a PM-2 é o serviço secreto de toda
a Polícia Militar e tem a função de fiscalizar e observar todos os policiais,
inclusive oficiais. Os agentes foram treinados no extinto SNI (Serviço Nacional
de Informações).
A assembléia começa tensa. Mais de três mil policiais estão na sede do
clube. Não há tropa de repressão visível nas proximidades, mas os praças estão
atentos a todas as informações e mantêm vigilância na região e nas portarias.
O Coronel reformado William da
Costa Baía, ex-comandante do
BPChoque, tenta entrar no clube e
toma uma vaia logo na escadaria.
Sai fora! Gritam os policiais.
Subi no palanque e passei as informações dos resultados das negociações
com o Governo, as vitórias conquistadas e a decisão do Governo de bater o
martelo e fechar as negociações em torno do abono de R$ 102,00 o que dava
um piso de R$ 517,00. Por unanimidade, os policiais rejeitam a proposta e
começam a gritar: Prá fora, prá rua!. A muito custo, consegui segurar os
policiais por 10 minutos, para tentar reabrir as negociações
57
Prisão por telefone
Telefonei para o chefe do Estado-Maior, Coronel Miranda e comuniquei
a decisão da assembléia.
– Coronel, pelo amor de Deus, tente reabrir as negociações com o
Governo. Os praças não aceitam o abono e vão para as ruas.
Em desespero, o Coronel responde:
– Segure este pessoal aí, não brinque com a lei. Vocês não podem ir para
a rua de jeito nenhum.
–Nós já estamos indo, não há como segurar-nos.
–Então você está preso em flagrante!
–Tudo bem, mas isto não vai adiantar. Eles estão indo, e eu vou
junto.
Procurei não comunicar à assembléia que estava preso em flagrante por
telefone, temendo uma revolta generalizada. Eu me desloquei ao palanque e
consegui fazer os policiais retornarem ao clube.
Pedi calma e os informei dos perigos que poderiam acontecer a partir desta
segunda passeata, como perseguições, retaliações e prisões. Pedi ainda que
eles guardassem as armas dentro da farda e não as expusessem em momento
algum. Mas a decisão de sair para as ruas já estava tomada e os policiais
começaram a deixar o clube em passeata.
Em frente ao 5° Batalhão e ao Batalhão de Trânsito a passeata pára e os
policiais chamam os colegas para que aderissem ao movimento. Cerca de 3.500
policiais seguiam pela avenida Amazonas. Alguns policiais que sabem das
ameaças de morte insistem comigo para que coloque o colete à prova de balas,
esquecido dentro do meu carro, estacionado em frente ao clube. Um sargento
volta de moto ao clube para buscar o colete.
Toca o meu celular.
Era o Coronel me desprendendo. Desta vez, ele não ordenou, e sim, me
pediu, que a gente tentasse não deixar que a tropa seguisse até o Palácio
da Liberdade. A praça já estava cercada pela Forleg nessa hora, mas eu
ainda não sabia.
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Polícia unida jamais será
vencida
No cruzamento com a avenida Barbacena chegam os policiais civis, que
também tinham realizado assembléia no mesmo dia e decidido aderir à greve. O
encontro entre os policiais das duas Corporações acontece em tom de emoção,
com gritos de saudação, abraços, e até choro de alguns policiais. O grito de
Polícia unida jamais será vencida! ecoa pela avenida. Seis mil pessoas, entre
policiais, parentes, aposentados e simpatizantes se dirigem para a Praça Sete,
coração de Belo Horizonte.
Os policiais apitam e carregam faixas com os dizeres:
Queremos salário e não esmola.
Queremos respeito pelos nossos direitos constitucionais; a Associação
dos Delegados apoia irrestritamente o movimento dos policiais; chega de
divisão, queremos a unificação das polícias já e Somos por uma Polícia única.
Os policiais gritam:
Greve! Greve!
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Na Praça Sete, acontece uma nova assembléia, tumultuadíssima. A maioria
dos policiais quer seguir para a Praça da Liberdade. Os líderes tentam encerrar
o protesto, mas não conseguem. Representantes dos policiais civis são
chamados para subirem e falarem, ajudando a conter os ânimos. Os líderes dos
praças também falam, mas os manifestantes querem seguir em frente. Os líderes
não têm outra opção senão acompanhar a passeata. Às pressas, o Sindicato
dos Trabalhadores da Construção Civil cede um carro de som para que as
lideranças possam coordenar o protesto. Este mesmo carro de som já foi
apreendido várias vezes por policiais militares durante as greves dos
operários.
Por volta de 14hs., os repórteres são informados pelas redações que a
Praça da Liberdade estava cercada por uma tropa também de PMs.
Alguns sindicalistas da CUT chegam com as bandeiras vermelhas, já na
subida da avenida João Pinheiro. Os policiais rasgam as bandeiras e só não
agridem os sindicalistas por minha interferência. Os policiais se recusam a dar
conotação ideológica ou política no movimento.
Na subida da avenida João Pinheiro, tomei conhecimento de que havia
uma tropa repressora cercando a Praça da Liberdade. Pedi a dois policiais da
manifestação que fossem rapidamente ao QCG e implorassem ao comandante
daquela tropa para retirá-la. Os policiais foram orientados a lembrar ao
comandante que na primeira passeata, no dia 13, não havia tropa repressora e
tudo correu tranqüilamente. Eu temia um confronto. Os policiais foram correndo
na frente e retornaram com a resposta: o Comando afirmara que todas as
medidas necessárias já tinham sido tomadas e que não retiraria a tropa.
Em frente ao Detran a passeata parou e chamamos os policiais civis para
engrossarem o movimento. Desta vez, dezenas de policiais deixam o prédio do
Detran e acompanham a passeata.
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Polícia contra polícia
A passeata chega à Praça da Liberdade. Logo no início do contorno da
praça dá para avistar a tropa de repressão, com policiais de capacetes brancos,
de choque, armados, postados ao longo do Palácio da Liberdade e do prédio
do QCG. Outra tropa, dentro dos jardins do palácio, usa capacetes pretos,
conhecidos como formigões. Uma terceira tropa vem correndo, em formação
de choque, para fortalecer o cordão de isolamento. Quinhentos cadetes e
policiais do interior integram a Forleg, ou tropa da legalidade, como foi
denominada pelo Comando. Os manifestantes são mais de 6 mil.
Eu desci do carro de som e pedi calma aos manifestantes. Pedi que o
protesto fosse encerrado e que os policiais voltassem. A passeata continua a
avançar. Na esquina com avenida Bias Fortes, acontece o primeiro incidente
entre os policiais dos dois lados. Começa um empurra-empurra, ombro a ombro.
A tropa de repressão representa um desafio para os policiais que estão
Manifestantes chegam à Praça da Liberdade e encontram a Força Legalista
61
protestando. O tumulto aumenta e os policiais avançam sobre a Forleg, que
tem que recuar. Quando a situação se agrava, o comandante de policiamento
da Capital, Coronel Edgar Eleutério, que está no Comando da Forleg, em frente
ao Palácio da Liberdade, é puxado pelo braço pelo comandante do 1° BPM,
tenente-coronel Antônio Luiz, e sai do local.
Cadetes e oficiais arrancam os galões, que são jogados no chão. Eles se
misturam aos manifestantes. A Forleg recua correndo para a frente do QCG. O
tumulto aumenta. O jornalistas estão no meio da confusão. Algumas pessoas
conseguem atravessar a barricada para entrar no prédio, mas a maioria fica retida
nas escadas. Os oficiais estão à frente da Forleg, impassíveis. No Comando
da Forleg está o novo comandante de Policiamento da Capital, Edgar Eleutério
Cardoso, que se posta em frente à escada.
Alguns integrantes da Forleg arrancam as braçadeiras brancas de
identificação da tropa e, desesperados, passam para o lado dos manifestantes,
dizendo que estavam ali obrigados e não queriam o confronto. Dentro do prédio
do QCG, todos os andares estão ocupados por oficiais, portando armas de
grosso calibre (fuzis, escopetas e metralhadoras). No alto do prédio,
atiradores de elite estão em posição de tiro, com as armas apontadas para
os manifestantes.
Tiroteio
Vários policiais, civis, praças e oficiais, estão com armas na mão. O
tumulto é generalizado. Começam os tiros. O cabo Valério de Oliveira, que
está com os manifestantes, ao meu lado, no alto da mureta, pede calma.
O cabo Valério está exatamente ao
meu lado, sobre a mureta e em
poucos segundos, nós trocamos de
lugar, e ele ficou um pouco à minha
frente, ligeiramente abaixado, com o
rosto virado para a direita, ainda
pedindo calma aos colegas.
62
Estendi braços para a frente, sinalizando para conter a multidão, que quer
invadir o QCG. O cabo Valério vê as armas, vira-se para a fotógrafa Isa Nigri
e alerta: Cuidado, tem pessoas armadas aqui. Segundos depois, acontece o
primeiro tiro, e outro logo em seguida. Ele é atingido na cabeça pelo segundo
tiro e cai desfalecido. A fotógrafa registra a cena. Cinegrafistas também
conseguem captar o instante em que o militar foi atingido.
Acontecem outros disparos depois de 20 segundos, o que provoca
correria e debandada geral. Enquanto isto, o cabo Valério é socorrido por um
grupo de praças e oficiais, em meio à gritaria e confusão. Ele é levado para
dentro do prédio. Do lado de fora, policiais e jornalistas deitam-se no chão.
Novos disparos são ouvidos. No total, oito tiros são disparados.
Vários colegas afirmam que o
coronel. Eleutério atirou.
Um deles é o cabo Fernando, do 18° BPM:
“Eu vi o cabo caindo e o coronel
trocando a arma com um cadete, ele
com a arma que atirou na mão.”
Policiais deitam-se no chão depois que começam os tiros
63
A Forleg recua para a portaria principal do QCG. Os manifestantes cercam
o prédio. O cabo Valério é colocado numa viatura na garagem do QCG e levado
para o Hospital João XXIII, onde é internado em coma profundo.
Depois dos tiros, vêm as pedras, atiradas de todas as direções, até de
dentro do prédio. Uma delas atinge o vidro da Sala de Imprensa, provocando
pânico nas policiais femininas, que correm para o banheiro. Uma oficial médica
pede socorro à mãe pelo telefone celular. As funcionárias da limpeza deixam o
prédio pela janela.
O Coronel Eleutério foge pelo fosso que dá acesso à garagem. Uma
viatura cheia de armamento pesado deixa o prédio em alta velocidade e é
perseguida pelos policiais, que pensavam estar dentro dela o Coronel Eleutério.
A situação se acalma.
Fui cercado por policiais que me protegiam, inclusive usando tenerê
(máscaras que cobrem todo o rosto, deixando de fora apenas os olhos), subi
no carro de som e voltei a pedir calma, que se concentrassem calmamente para
esperar, pois a Comissão seria recebida pelo comandante-geral.
Quem atirou, atirou para me matar,
pois o Cabo Valério não fazia parte
da comissão. Atiraram na cabeça.
Cabo Valério baleado na cabeça
64
Força legalista se posiciona à frente do prédio do comando da PMMG
Eu era o único dos seis mil policiais
que estava de coletes. Ele trocou de
lugar comigo cerca de cinco
segundos antes do tiro.
65
Governo chama exército
O governador Eduardo Azeredo é alertado por assessores que a
situação estava crítica. Ele foge do palácio de carro, pelos fundos, e vai
para o Palácio das Mangabeiras, residência oficial do Governo, no outro
extremo da cidade. Azeredo liga para o vice-presidente Marco Maciel
pedindo que o Exército fosse mobilizado para garantir a ordem. O vice-
presidente Marco Maciel ordena ao ministro do Exército, Zenildo de
Lucena, que mobilize as tropas federais, através da 4ª Divisão de Exército,
sediada em Belo Horizonte. A ordem do ministro é que as tropas do Exército
garantam a segurança pessoal do governador e dos prédios públicos, como
os Palácios dos Despachos, da Liberdade e Mangabeiras.
Fui chamado com a Comissão para uma reunião com o comandante-
geral. Dez coronéis da ativa e o Coronel reformado Picinini, o juiz militar
aposentado Forreaux e um promotor, também participam da reunião. Assim
Soldados do Exército entram pelos fundos no Palácio da Liberdade
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Livro 4ª edição

  • 1.
  • 2. O Dia em que a Polícia parou! 4ª Edição - Janeio de 2013 Preço deste exemplar: R$ 5,00
  • 3. Capa e Diagramação: Edgard Nogueira Cherubino Júnior
  • 4. O Dia em que a Polícia parou! A Verdadeira história da greve da polícia mineira que parou o Brasil Júlio Cesar Gomes CABO JÚLIO
  • 5. Os recursos obtidos com a venda desta obra, serão destinados integral e exclusivamente ao Instituto de Ação Social Projeto Restaurando Vidas. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico, inclusive por processo xerográfico, sem permissão expressa do autor (Lei nº 9.610, de 19/02/1998). Todos os direitos desta publicação reservado a: Agência: 1632-2 Conta Corrente: 12009-x MG 040 KM 27,5 Bairro Quinta das Jangadas Sarzedo - Minas Gerais CEP.: 32400-000 www.blogdocabojulio.blogspot.com jullioo@uol.com.br
  • 6. ÍNDICE AGRADECIMENTOS ................................................................................................. 7 INTRODUÇÃO (CABO JÚLIO)......... .......................................................................................8 O SONHO E A PAIXÃO PELA FARDA .............................................................................. 9 A REALIDADE NOS QUARTÉIS .................................................................................. 11 FALTA DINHEIRO ................................................................................................. 12 CABO JÚLIO ....................................................................................................... 13 O COMANDO É ALERTADO ...................................................................................... 14 AUMENTO ÀS ESCONDIDAS ..................................................................................... 15 BOATOS ............................................................................................................ 16 SAI O REAJUSTE ................................................................................................... 16 CÃO BANGUELO .................................................................................................. 17 EXPLICAR O INEXPLICÁVEL ...................................................................................... 17 SUICÍDIO ........................................................................................................... 18 VIVENDO NO BANHEIRO ......................................................................................... 18 GOVERNO NÃO TEM DEFINIÇÃO SOBRE SALÁRIOS ........................................................... 19 ESTOPIM ........................................................................................................... 20 IOGURTE ............................................................................................................ 21 GUERRA DE NERVOS ............................................................................................. 21 COMEÇA A GREVE ................................................................................................ 24 FOGO ............................................................................................................... 25 DESPREZO E VAIAS ............................................................................................... 26 A GREVE SE ESPALHA ............................................................................................ 28 NASCE UM LÍDER ................................................................................................ 29 AH! EU TÔ É DURO! ............................................................................................. 29 APOIO DA POPULAÇÃO .......................................................................................... 33 COMISSÃO DEFINE REIVINDICAÇÕES ÀS PRESSAS ............................................................ 35 CANCELADA A ORDEM DE CONFRONTO ....................................................................... 36 PRIMEIRA REUNIÃO DE NEGOCIAÇÃO ......................................................................... 37 ABRAÇO DO PIRULITO ........................................................................................... 37 COMANDO-GERAL RECEBE OS PRAÇAS ........................................................................ 39 GOVERNO FAZ PRONUNCIAMENTO ............................................................................. 39 SARGENTO TENTA SUICÍDIO ..................................................................................... 43 PRIMEIRA ASSEMBLÉIA .......................................................................................... 44 INTERIOR ........................................................................................................... 45 TÁTICA DO SILÊNCIO ............................................................................................. 47 RECRUTAS DE PRONTIDÃO ....................................................................................... 47 AS NEGOCIAÇÕES ................................................................................................ 48
  • 7. 6 GUERRA SUJA ..................................................................................................... 49 O AMARELINHO .................................................................................................. 50 A AMEAÇA DO SECRETÁRIO .................................................................................... 51 A FORÇA LEGISTA (FORLEG) .................................................................................... 52 TROCA DE COMANDO NO BPCHOQUE ........................................................................ 53 MAIS GUERRA SUJA ............................................................................................. 54 AS AMEAÇAS ..................................................................................................... 55 A GRANDE ASSEMBLÉIA ......................................................................................... 55 PRISÃO POR TELEFONE ........................................................................................... 57 POLÍCIA UNIDA JAMAIS SERÁ VENCIDA ....................................................................... 58 POLÍCIA CONTRA POLÍCIA ....................................................................................... 60 TIROTEIO ........................................................................................................... 61 GOVERNO CHAMA EXÉRCITO ................................................................................... 65 BARRICADAS NO QUARTEL CENTRAL GERAL .................................................................. 68 REABERTAS AS NEGOCIAÇÕES .................................................................................. 69 ORDENS E CONTRA-ORDENS .................................................................................... 69 CABO VALÉRIO EM ESTADO CRÍTICO .......................................................................... 70 O DIA SEGUINTE .................................................................................................. 71 GOVERNADOR FAZ PRONUNCIAMENTO ........................................................................ 72 FALA O EXÉRCITO ................................................................................................ 73 OS LAUDOS CONTRADITÓRIOS .................................................................................. 74 SAI O ACORDO .................................................................................................... 75 NOVA ASSEMBLÉIA É CANCELADA ............................................................................. 77 TOLERÂNCIA ...................................................................................................... 79 SUSPEITO SE APRESENTA ......................................................................................... 80 VÍTIMA, HERÓI, OU MÁRTIR, O CABO VALÉRIO É ENTERRADO EM CLIMA DE EMOÇÃO .............. 81 INQUÉRITOS POLICIAIS MILITARES (IPMS) ................................................................. 82 PERÍCIAS E DEPOIMENTOS SE CONTRADIZEM ................................................................ 83 LAUDO DUVIDOSO INOCENTA CORONEL ...................................................................... 84 OFICIAIS INSATISFEITOS .......................................................................................... 85 MOVIMENTO ESTOURA NO PAÍS ............................................................................... 86 COMANDO AFASTA CABO JÚLIO PARA LONGE DA TROPA ................................................... 90 PARANÓIA - DE OLHO NA MARACUTAIA ..................................................................... 92 CONTINUAM OS IPMS .......................................................................................... 93 EXPULSOS .......................................................................................................... 94 JULGAMENTO ...................................................................................................... 95 DEPOIMENTO DO COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS ...................... 97 CORONEL JOSÉ GUILHERME DO COUTO ...................................................................... 105 TRECHOS DE DEPOIMENTOS DE OFICIAIS NO CONSELHO DE DISCIPLINA DO CABO JULIO ............ 112 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 114
  • 8. 7 Agradecimentos A Deus, que me inspirou a escrever este livro para contar a verdadeira história do movimento que mudou os rumos da Polícia Militar de Minas Gerais. Aos meus colegas de Corporação que me protegeram quando sofria ameaças de morte, e que me confiaram a difícil tarefa de representá-los. Ao pastor Raul Lima Neto (pos mortem) meu amigo e companheiro de Ministério que foi o vaso de Deus para abençoar a minha vida. Ao meu amigo Doutor Carlos Pimenta, advogado incansável em defesa do praças, que não mediu esforços para me defender. A amiga Paula Rangel, jornalista brilhante, minha companheira nesta obra, que não mediu esforços em pesquisar e colher depoimentos para que este livro pudesse detalher ao povo mineiro e ao povo brasileiro os bastidores daqueles momentos; para que a verdadeira história viesse a tona.
  • 9. 8 Introdução Este livro tem a finalidade de esclarecer ao povo brasileiro o que realmente aconteceu durante o movimento inédito dos praças da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, que iniciou em 13 de junho de 1997. Foram quase cinco anos de pesquisa, busca de depoimentos. Você agora conhecerá os bastidores do movimento que mudou a história da conservadora Polícia de Minas Gerais. Vários boatos aconteceram: premeditação, ideologia política, infiltração da esquerda, incitação sindical, etc. Mas não é verdade, ele não foi planejado ou idealizado, pois se assim o fosse, o serviço de informações da PM (P2), certamente o abafaria. O que aconteceu foi uma explosão natural e espontânea de uma classe esquecida e massacrada. A sociedade não conhecia sua Polícia Militar. Neste livro, procuramos repassar para o leitor uma radiografia real de sua Polícia. Quando o cidadão liga 190 (emergência) e solicita um policial para resolver seu problema, não imagina que o funcionário solicitado para resolver a situação na qual se encontra tem muito mais problemas que ele. Quem é pago para proteger está totalmente desprotegido. Suicídios, alcoolismo, separações familiares e endividamento são problemas comuns na vida de um policial. Procurei contar todos os detalhes do acontecido, detalhes que, muitos praças que participaram do movimento, não sabem. Procuramos detalhar os bastidores das negociações, as ameaças, o desespero e as pressões. O descrito neste livro contém um depoimento fiel à realidade dos quartéis e à situação em que se encontram nossos irmãos da Polícia Civil. A Polícia Militar e a Polícia Civil de Minas Gerais são e sempre serão as melhores do Brasil. Apesar de tudo, somos o patrimônio do povo mineiro. Agora você conhecerá aqueles que, mesmo com o sacrifício da própria vida, são vocacionados para a difícil missão de protegerem o cidadão, e, muitas vezes, estarem totalmente desprotegidos.
  • 10. 9 O sonho e a paixão pela farda Nasci em 19 de maio de 1970, no Hospital Belo Horizonte, bairro Cachoeirinha, região norte de Belo Horizonte. Meu pai, um pernambucano da cidade de Caruaru, e minha mãe, mineira da cidade de Coluna, Zona da Mata, interior de Minas Gerais. Desde criança, sonhei em ser um militar. Aos sete anos de idade, sempre que visitava meus dois tios, ambos da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, antes mesmo de pedir a benção, minhas palavras eram: Tio, me dê a roupa de Polícia. Aos onze anos de idade comecei a trabalhar, fazia de tudo, vendia picolés, refrigerantes, trabalhava como balconista, mas por necessidade e não por vocação. O sonho de ser militar continuava aceso. A cada ano que passava a ansiedade de vestir uma farda aumentava mais. Após completar dezesseis anos e terminar o segundo grau, formando-me como técnico em contabilidade, surgiu minha primeira oportunidade, a Marinha do Brasil. Disputando uma vaga na proporção de, aproximadamente, 50:1 (cinqüenta por um), passei no concurso para o Corpo de Fuzileiros Navais, tropa de elite da Marinha. As etapas seguintes não foram diferentes, passei em todas. Mas, faltando uma semana para o ingresso, a decepção aconteceu. No último exame de saúde, ao passar pela junta médica, fui reprovado porque apresentava micoses na pele, decorrentes de um banho de piscina. O sonho começou a desmoronar. Entre lágrimas, já pensava no que fazer para realizar meu grande sonho. Com uma semana, as micoses já estavam curadas e estava pronto para uma nova tentativa. Foi então que veio a decisão: Vou ser um soldado da Policial Militar. Ainda sem qualquer informação a respeito de como ingressar na Corporação, procurei o 5° Batalhão, no bairro Gameleira, na capital, quartel onde meus tios trabalhavam, para me informar a respeito de como fazer para me tornar um soldado. Mas o destino já estava selado. Ao entrar no quartel, vi uma placa: SEJA UM POLICIAL MILITAR. INSCRIÇÕES ABERTAS. Informei-me do que era necessário para fazer a inscrição e eu preenchia todos os requisitos. As provas não foram difíceis e em pouco tempo já estava realizando o sonho. No primeiro dia do mês de dezembro de 1988,
  • 11. 10 incorporava-me naquela unidade. Formei no mês de julho do ano seguinte, e, após um ano como soldado, estava cursando o Curso de Formação de Cabos. Ouvia falar muito em histórias de cabos importantes. Foi uma satisfação muito grande quando, em 1990, coloquei em minha farda as duas divisas de cabo. Cabo Júlio em frente ao Batalhão de Choque
  • 12. 11 A realidade nos quartéis Em outubro de 95, o Coronel aposentado, Dirceu Brás, publica um artigo no jornal Estado de Minas intitulado Crise de fome da PM, enfatizando a situação de dificuldade salarial da tropa. Neste artigo, afirma que o Comando da PM não reivindicava melhores salários e condições de trabalho para a tropa porque os coronéis do alto comando tinham rendimentos equivalentes aos de secretário de Estado. Segundo o Coronel, esses salários eram recebidos pelo comandante-geral, chefe do Estado Maior e chefe do gabinete militar. Era o salário cala-boca. O artigo desperta polêmica na opinião pública e entre os praças da Corporação. Em outubro de 96, é divulgado por um grupo de militares da PMMG, que se autodenominou Policiais Sofredores, um documento apócrifo, com revelações sobre a penúria dos policiais militares. A primeira revelação: o índice de criminalidade em Minas Gerais estaria aumentando, o que contestava as estatísticas divulgadas na imprensa pelo Comando da PM. O documento questiona ainda a própria credibilidade da Corporação, afirmando que o Comando da PM estaria manipulando as estatísticas. Nesse documento, que chegou às redações entregue pessoalmente por praças da PM, os autores afirmam que o sistema de policiamento comunitário, implantado recentemente, seria uma forma proposta pelo Comando para reduzir o policiamento ostensivo nas ruas por falta de condições operacionais. Ainda de acordo com o documento, só 40% do orçamento da Corporação havia sido repassado pelo Governo no ano de 96.
  • 13. 12 Falta dinheiro A PM está sem recursos para sua manutenção e para sustentar um contigente de 45 mil homens da ativa e 12 mil reformados. Fornecedores apelam à imprensa para conseguir receber por serviços prestados ou produtos vendidos, principalmente fornecedores do setor de alimentação, que alegam estarem com os pagamentos atrasados em até dois anos. Vários comerciantes afirmam que foram obrigados a fechar as portas de seus estabelecimentos porque não receberam o pagamento pelos serviços prestados. O Comando admite a crise, atribuída ao difícil momento econômico por que passam o Estado e o País. As viaturas, quebradas nas oficinas dos Batalhões, são mostradas pela TV Bandeirantes. Ambulâncias, Rotams, motos, patrulhas de trânsito se amontoam nas oficinas e não há verba para reposição de peças ou dos carros. O jornal Estado de Minas publica os contracheques dos praças, com salários baixíssimos, sem identificação dos donos. Em outubro de 96, o chefe do gabinete militar do Governo, Coronel Hamilton Brunelli, é convidado a depor na Assembléia Legislativa. É questionado sobre o porquê do não pagamento aos PMs do adicional de periculosidade, de acordo com a Constituição Federal, que determina o pagamento deste adicional para as atividades penosas, insalubres ou perigosas. Ele afirma que o benefício não poderia ser estendido a todos porque só os policiais de atividades operacionais e não os de função administrativa teriam direito ao benefício, o que ameaçaria o princípio da isonomia salarial da Corporação. Este benefício significaria um acréscimo de 40% nos salários. Até hoje, os policiais militares e civis não recebem este benefício.
  • 14. 13 Cabo Júlio Eu trabalhava na Rotam (Rondas Tático Metropolitanas), atuava no Plano de Repressão de Assaltos a Bancos (Praban), um grupo tático especial, formado por 24 PMs, que receberam treinamento específico para coibir e agir nas ocorrências de assaltos nas agências bancárias. Fazem parte do Praban: cinco Rotams e quatro Motos-Rotams, que circulam na região central. Já existia, na época, uma insatisfação salarial que não era manifestada. Conversávamos sobre a situação difícil dos companheiros, um procurando ajudar o outro, pelo menos emocionalmente. A grande maioria dos PMs, 90% , tinha até dois empregos, além do emprego na Corporação. O policial saía de manhã para o bico, trabalhando em serviços de segurança ou de entrega, dentre outros, e a noite seguia para o seu plantão na Polícia. O policial passava a metade da outra noite no terceiro emprego, de acordo com a escala da PM e isso criava problemas familiares, pois era cobrado por sua ausência em casa, discutia com a mulher, batia nos filhos, etc. Ao mesmo tempo, este policial precisava do outro emprego para sobreviver e não tinha como resolver este problema. Os PMs evitavam recorrer ao serviço de apoio psicológico porque o psicólogo era oficial e havia o temor de que os problemas chegassem ao conhecimento do Comando. Muitos policiais procuram refúgio no álcool – 30% da tropa, segundo minhas estimativas pessoais. Há casos de policiais que vão trabalhar com sintomas de embriaguez e são punidos com penas de prisão variando de um a trinta dias. O quarto problema é o mais grave: o suicídio. Para se ter uma idéia da dimensão deste problema, a estatística de suicídio no mundo é de uma pessoa para cada 100 mil, na PM é de um para cada 10 mil. O temor do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar impedia qualquer manifestação.
  • 15. 14 O comando é alertado No dia 14 de março de 97, o comandante de policiamento da Capital, Coronel José Guilherme do Couto, envia um memorando oficial (n. 046.1/97, do 8° CRPM) a todos os comandantes de unidades operacionais, recomendando a criação de listagens com históricos de militares que se encontram em situação de extrema penúria financeira, ou algum tipo de desajuste conjugal, social e/ ou emocional. No dia 15 de abril, um mês depois, a lista está pronta. O comandante de policiamento da Capital encaminha ofício (n° 235.1/97) ao chefe do Estado- Maior, anexando a lista com os históricos dos praças nesta situação, segundo o levantamento feito pelos comandantes das unidades. Um documento pesado, que alerta sobre a situação real nos quartéis. Um mês antes da crise na PM, maio de 97, o comandante-geral, Coronel Antônio Carlos dos Santos participa de uma reunião com os comandantes, em Contagem, onde é comunicado de que a situação da tropa era de penúria salarial, com militares morando em barracos de lona, endividados e, consequentemente, do aumento dos casos de suicídio. O comandante-geral desafia os oficiais presentes (comandantes do Batalhão de Choque, 1° BPM, 5° BPM, 13° BPM, 16° BPM, 18° BPM , 22° BPM, Regimento de Cavalaria Alferes Tiradentes, Batalhão de Missões Especiais, Batalhão de Trânsito, Batalhão de Bombeiros Militares e Batalhão de Guardas) a provarem que existe defasagem salarial na Corporação. O comandante sugere ainda que se usem indicadores econômicos para isto. Suicida-se um soldado do 13° Batalhão, acusado de ter roubado uma lata de leite em pó. Ele é preso, levado sob escolta para casa para pegar o fardamento. O suicídio acontece dentro do quarto dele, quando ele dá um tiro na cabeça na frente da mulher e dos filhos. Segundo a assessoria do CPC (Comando de Policiamento da Capital), o suicídio foi provocado por motivos pessoais.
  • 16. 15 Aumento às escondidas Outros motivos aumentam a insatisfação. 0 13° salário é parcelado em três vezes. Está proibida a conversão das férias-prêmio em dinheiro, há cortes de convênios na área médica e o Governo decreta um aumento da contribuição para o Instituto de Previdência dos Servidores da PM de 10 para 13%, na mesma época. Os policiais permanecem calados, mas sofrem com a falta de reconhecimento e de valorização pessoal e profissional. A moral está baixa na tropa. O Governo cria o PDV (Programa de Desligamento Voluntário), mas a Policial não pode entrar. Poderia haver uma correria dos praças que já tinham mais tempo de serviço e nenhuma expectativa de melhora de vida. Em maio de 97, a Associação dos Delegados da Polícia Civil de MG conquista, no Supremo Tribunal Federal, o direito à equiparação salarial com os procuradores de Justiça. Durante uma festa, onde estavam presentes delegados e oficiais da PM, o assunto é comentado pelos delegados. O comandante de policiamento da Capital, Coronel José Guilherme do Couto, fica então sabendo do aumento e que os delegados iriam receber a primeira das três parcelas. No outro dia pela manhã, o Coronel José Guilherme do Couto, comandante de policiamento da Capital (CPC) se encontra com o chefe do Estado Maior, Coronel Herberth Magalhães, que se indigna com a notícia. Os dois vão até o comandante-geral levar a situação. Os coronéis querem o mesmo aumento, por um acordo de equiparação salarial entre as duas forças feito com o Governo do Estado. O Alto Comando da PM começa então a se mobilizar para pleitear, junto ao Governo do Estado, a extensão deste aumento para os oficiais. Várias reuniões que estavam fora da agenda oficial do governador acontecem nesta época no Palácio da Liberdade, com representantes do Alto Comando. O secretário de administração, Cláudio Mourão, é convocado pelo governador a apresentar um estudo sobre a viabilidade e a forma de se conceder o aumento. Segundo pessoas presentes nesta reunião, o secretário afirma: É impossível aumentar de imediato os salários das duas corporações, governador. Só dentro de dois meses poderíamos dar o aumento para a PM.
  • 17. 16 O Coronel Herberth Magalhães não aceita a resposta do secretário: Não posso esperar nem mais uma hora, secretário. É inaceitável que um coronel ganhe menos que um delegado. O governador Eduardo Azeredo consulta os coronéis: Seria possível dar um aumento apenas para os oficiais sem provocar reações na tropa? A resposta foi enfática: “Pode dar o aumento, governador, nós seguramos a tropa”. Boatos Começam a circular boatos na tropa. Um dos boatos dava conta de que o governador não gostava da PM. Dizia-se que um filho dele teria atirado cerveja no rosto de um soldado, que estava na geral do estádio Mineirão num dia de jogo. Também circula a história da punição de um policial do 22° BPM que, num posto de gasolina da avenida Nossa Senhora do Carmo, aborda o filho do governador e diz: Fala para o seu pai dar um aumento para a gente. O comentário do militar chega ao conhecimento do Comando, que o pune com a transferência para o interior. Estas histórias circulam rapidamente na tropa. Sai o reajuste Através do Decreto Estadual n. 38.818, de 3 de junho, o governador concede reajuste para 4 mil oficiais da PM, que variam entre 10,6 e 22%. Os salários são equiparados aos dos delegados da Polícia Civil. As entidades dos Praças haviam tentado uma audiência com o governador no final de maio, mas o governador não os recebe. O gabinete alega que o governador só conversa com coronéis e não com praças.
  • 18. 17 As entidades estudam a possibilidade de entrar com ação na Justiça contra o aumento exclusivo para oficiais. Houve inversão de prioridades, dizem os diretores das entidades. O comandante de policiamento da Capital (CPC), Coronel José Guilherme do Couto, declara aos integrantes das entidades que os praças também vão receber aumento por gratificações de cursos e o Governo estaria estudando uma maneira para que o aumento fosse estendido também aos policiais civis, que não têm gratificações de cursos. Em entrevista, ele afirma: “Entendo a insatisfação dos praças manifestada pelos seus representantes das Entidades, mas espero que haja compreensão e um voto de confiança na negociação do comandante-geral com o governador Eduardo Azeredo”. Cão Banguelo Na segunda semana de junho, quando das comemorações do aniversário da 5a Cia. de Cães do BPChoque, o Coronel do CPC, José Guilherme do Couto, fazendo uso da palavra em discurso para a tropa compara o adestramento de um cão e o de um policial. A expressão usada pelo coronel foi um cão banguelo e desdentado consegue fazer seu serviço, assim como um policial adestrado, apesar das dificuldades. Este comentário foi feito para uma tropa formada, de aproximadamente 200 policiais, e logo se estendeu para o Batalhão de Choque, criando uma revolta entre os choqueanos (policiais do Batalhão de Choque). Explicar o inexplicável Apesar do silêncio do Comando, vaza para a imprensa a informação de que só os oficiais da PM receberiam o aumento exclusivo, mas as informações eram contraditórias quanto aos valores. O que surpreende é a informação de que o dinheiro já estava depositado. O comandante do CPC, Coronel José
  • 19. 18 Guilherme do Couto, bastante constrangido, convoca os jornalistas no início da noite ao Quartel Central Geral (QCG) para explicar o aumento, que seria na verdade uma equiparação ao salário conquistado na Justiça pelos delegados e contesta os índices que vinham sendo divulgados pela imprensa, de que o aumento era superior a 30%. Segundo o comandante, o aumento era escalonado e os oficiais subalternos e intermediários (tenentes e capitães) receberiam mais (22%). Os oficiais superiores receberiam menos. O aumento variava entre 10 e 22% e seria pago em três parcelas. A primeira parcela já havia sido paga. O coronel afirma ainda que o aumento para os praças dependeria da aprovação do projeto de lei que o Governo enviaria para a Assembléia nos próximos dias. Com o aumento, o salário inicial dos oficiais subalternos (2o tenente) passaria para R$ 1.500,00. O soldo inicial de um soldado era de R$ 332,00. Suicídio O soldado Leonardo Paulo de Souza (20) comete suicídio com um tiro na boca, no dia 5 de junho, dentro do alojamento do 22° Batalhão, no bairro Santa Lúcia, zona sul de Belo Horizonte. Ele estava sendo acusado de furtar um carro. A Assessoria de Comunicação do CPC informa que era o sexto suicídio cometido por um PM na Grande BH no decorrer do ano. Na avaliação da PM, de acordo com a Assessoria: “Os suicídios estão dentro de um patamar normal e não significam desespero com uma situação financeira difícil. A maioria dos suicídios é devida à situação pessoal e emocional das vítimas.” Vivendo no banheiro Um flagrante é registrado pela imprensa devido ao inusitado. Três policiais militares estão vivendo num banheiro do Fórum Laffayette, num espaço de pouco mais de 4m2 . Esta situação já durava dois anos, sem que ninguém tomasse providências. Apenas funcionários do Fórum tinham conhecimento da moradia dos três policiais. Os PMs dormem em pedaços de espuma no chão. Suas mulheres e filhos moram no interior. O salário médio destes praças é de R$ 250,00. Um deles busca marmita toda semana em Barbacena, onde vive a mulher, e a comida, que dá para uma semana, é guardada no refrigerador da copa do 2° Tribunal de Justiça.
  • 20. 19 No dia 7 de junho, depois que a notícia sai nos jornais, os PMs são transferidos para um quarto de despejo no próprio Fórum e ganham beliches para dormir, abandonando os colchões de espuma. O Comando informa que está estudando a situação deles. Governo não tem definição sobre salários O Governo envia à Assembléia Legislativa um projeto de lei, em regime de urgência urgentíssima, solicitando autorização para conceder reajustes diferenciados ao funcionalismo por decreto. O secretário estadual de Administração, Cláudio Mourão, afirma que ainda não há definição sobre o percentual para o reajuste salarial do funcionalismo público. Mourão diz que por enquanto, o Governo aguarda a aprovação da Assembléia Legislativa para promover, via decreto, reajustes que não atingirão todos os 452.297 servidores. A prioridade são as polícias Civil e Militar.
  • 21. 20 Estopim No dia 6 de junho de 97, uma sexta-feira, o cabo Glendyson Hércules de Moura Costa (31), do 16° BPM, é baleado com cinco tiros, durante perseguição a assaltantes que tentaram roubar uma casa lotérica no bairro Floresta, na região leste. O cabo é atingido no pescoço, peito e barriga. Um dos tiros perfura o pulmão. Ele é levado em estado grave para o HPS (Hospital de Pronto-Socorro João XXIII), onde os parentes dão entrevistas à imprensa, revoltados com a situação do militar. A irmã, Gleise de Moura (29), declara: “Os praças da PM são colocados como escudo na frente dos bandidos e quem recebe aumento salarial são os oficiais.” A mãe do cabo Glendyson, Maria Evangelista Moura Costa (59), diz que o filho vivia em situação de miséria. “Com seis anos de PM, ele recebe R$ 340,00. Nós da família temos que ajudá-lo a manter sua mulher e suas duas filhas. E o pior, é que se ele tivesse matado o bandido, estaria hoje preso no quartel, sujeito a cometer suicídio diante das pressões dos seus superiores, como vem acontecendo na PM”. O comandante-geral faz uma declaração sobre o aumento de salário dos oficiais: “Não há distinção entre as funções dos oficiais e dos praças. Realmente temos lutado para melhorar o salário dos praças, o Governo quer estender o reajuste também às categorias mais baixas da Polícia Civil e isto somente será feito junto com os praças da PM, para haver equiparação salarial entre as corporações”. No dia 8 de junho, depois de passar por várias cirurgias, o cabo Glendyson é transferido para o CTI, em estado gravíssimo. Ele não resiste aos ferimentos e morre no dia 11 de junho, às 23h45. O enterro é marcado para o dia seguinte no cemitério da Paz, em frente ao BPChoque, no bairro Caiçara.
  • 22. 21 Iogurte Os coronéis se reúnem, comentam a situação de hostilidade e uma declaração do comandante da APM (Academia de Polícia Militar), Coronel Edgar Eleutério, chega aos ouvidos da tropa. Ele diz que é favorável à concessão do aumento para os oficiais, porque acredita que eles consigam segurar a tropa. O coronel afirma: “Antes de entrar para a PM, o soldado comia arroz e feijão; depois de ingressar na PM, já pode comer arroz, feijão e carne. E agora ainda está querendo comer iogurte”. O comandante-geral ainda defende que os salários não estão defasados e garante que o Governo vai estender o reajuste aos praças, mas precisa encontrar uma maneira de não quebrar a isonomia com a Polícia Civil. Guerra de nervos Os praças iniciam uma greve branca. Muitos fazem corpo mole no atendimento de ocorrências. Eles distribuem cartas informando à imprensa que estão deixando de atender ocorrências, ou fingindo que não as vêem. A greve fria ou guerra de nervos é denunciada pela população. A psicóloga Marisa Escaldas (28), disse que acionou uma Radiopatrulha para solicitar providências no furto do carro de sua irmã e os militares se recusaram a atendê-la. Eles responderam que não tiveram aumento de salário, só os oficiais, e não iriam fazer a ocorrência e nem tentar localizar o carro, declara ela. O Comando da PM nega a greve fria. Uma das cartas que chega às redações diz: “Estamos vivendo momentos difíceis com os míseros salários recebidos atualmente e que estão desestabilizando a vida do policial militar, ocasionando problemas familiares e pessoais, como suicídio nos quartéis e participação em crimes”.
  • 23. 22 Segundo o Comando da PM: “A carta é expressão de pessoas desajustadas ao se manifestarem. Qualquer manifestação somente irá prejudicar a situação, uma vez que o governador pretende estender o reajuste também às categorias mais baixas das Polícias Civil e Militar”. O enterro do cabo Glendyson atrasa por causa da demora da liberação do corpo e da chegada de oficiais. A viúva, mãe de duas crianças protesta: “Não entendo esta demora. Se fosse um oficial, já teria havido o enterro. Nos informaram que o corpo chegaria as 9 horas, depois mudaram para o meio- dia”. Ela conta detalhes da vida do marido: “Ele tinha um soldo de R$ 340,00 e para complementar esta renda trabalhava como segurança de uma cantina. Todo soldado e cabo da PM têm que fazer bico, senão a família morre de fome”. Soldados da PM carregam caixão com o corpo do cabo Glendyson Costa
  • 24. 23 Um PM à paisana comenta: “Somos os PMs mais mal pagos do Brasil e não podemos falar porque o regimento interno proíbe qualquer manifestação”. O comandante-geral não está presente ao enterro. O clima é de tensão e hostilidade contra os oficiais. Durante o enterro, quinze praças presentes anunciam à imprensa que iria acontecer uma revolta porque a morte do companheiro é a gota d’água na insatisfação dos policiais com os baixos salários. “A revolta é iminente. Não podemos nos expor muito porque há muitos oficiais aqui, inclusive à paisana”. Os praças dizem que o comandante-geral é diretamente responsável pela negociação dos salários com o Governo e se consideram traídos pelo aumento exclusivo. Eles falam em greve, mas ainda com receio de punição. Colegas do cabo Glendyson dão entrevistas aos jornalistas depois do enterro, sem dar nomes. Eles reclamam dos salários baixos, do não pagamento da gratificação de risco de vida e comparam os salários dos praças da PM de Minas Gerais aos de outros estados, como o Distrito Federal e o Espírito Santo, onde o salário inicial de soldado é de R$ 1.000,00, segundo os praças. Outras reclamações: os salários já baixos têm muitos descontos dos empréstimos feitos por eles, os equipamentos de trabalho estão ultrapassados. Um deles afirma: “Enquanto os marginais usam pistolas semi-automáticas, como o assassino do cabo Glendyson, nós temos que trabalhar com armas calibre 38, com mais de dez anos de uso. Temos sorte quando elas funcionam”. O CPC, Coronel José Guilherme do Couto, é pressionado pelos jornalistas a comentar a insatisfação e a possibilidade de um movimento de praças na PM e responde: “Apoiamos qualquer luta pelos direitos dos policiais, desde que ocorra dentro dos regulamentos e seja mantida a disciplina. Também acho que um soldado deveria ganhar R$ 1.000,00, mas o Estado não tem como pagar”. O coronel comenta ainda a questão do armamento: “É praxe que a Polícia de todo o País só use arma calibre 38 que possibilita maior pontaria, mas os bandidos realmente têm armas mais poderosas”.
  • 25. 24 Começa a greve Na hora do almoço, o clima é de revolta no Batalhão de Choque, o batalhão de elite, que tem um efetivo de mil policiais e um salário médio de R$ 320,00. Os policiais consideram que o aumento salarial dos oficiais significa que os praças e suboficiais foram abandonados pelos próprios comandantes. Na chamada de 13hs., os policiais não entram em forma, ficam parados no pátio do quartel, de braços cruzados, e se recusam a se deslocarem nas viaturas para o centro da cidade, onde formariam o reforço do policiamento na região. A imprensa começa a chegar, por causa dos telefonemas dos praças alertando sobre o movimento. Alguns policiais falam em voz baixa para os jornalistas que eles decidiram entrar em greve por causa dos baixos salários. O comandante da 3a companhia de Polícia de Choque, capitão Carlos, anuncia ao subcomandante do Batalhão de Choque, major Renato Vieira, que a tropa se nega a entrar em forma. O subcomandante reclama com o capitão Carlos e designa um outro oficial, o capitão Valdeir, para deslocar-se até o pátio e colocar a tropa em forma. O capitão Valdeir segue para o pátio e após várias tentativas retorna de cabeça baixa e informa ao major que também não havia conseguido. “Achei que estava acontecendo algo estranho, surpreendente, e continuei trabalhando, passando a observar a situação, mas ainda sem participar. Via o nervosismo dos oficiais, que nunca tinham enfrentado uma situação semelhante. O medo estava estampado nos rostos deles. Aqueles oficiais mais temidos pela tropa, os chamados carrascos, eram os que tinham mais medo. Escondiam-se em seus gabinetes, evitando sair ao pátio do batalhão. Fui conversar com outros PMs, que diziam Nós não vamos descer para as ruas. Chega de salário de fome”, declara Cabo Júlio. O SubCmt Major Renato Vieira, que era considerado truculento e lixo (termo militar para atribuir alguém que é desumano) se trancou em seu gabinete.
  • 26. 25 Fogo Dentro do alojamento dos cabos e soldados, começa sair uma densa fumaça, que chama a atenção de todos. O nervosismo entre os oficiais aumenta. Alguns colchões são queimados no interior do alojamento. O major e alguns capitães correm para todos os lados demonstrando desespero, o fogo aumenta, começa o corre-corre, todos os oficiais se mobilizam com baldes na mão para apagar o fogo. Os colchões são arrastados para fora do alojamento. Os oficiais percebem que a tropa não está brincando e que pode surgir uma revolta. Em uma tentativa de pressionar a tropa, em tom de desespero, o major Renato diz para os oficiais: “Não coloquem a mão em nada, vamos acionar a perícia para tirar as impressões digitais e descobrir quem fez isso”. (Ele se esqueceu que está no Brasil, e que isso só acontece nos filmes de TV). Os PMs não se intimidam e afirmam: “Essa ameaça não nos assusta. Já rompemos o elo principal: acabamos de rasgar o RDPM”. Do cemitério, os repórteres avistam a fumaça e correm para a porta do Batalhão de Choque. A tropa, numa tentativa de demonstrar a situação de revolta, cruza os braços no pátio, para alegria dos fotógrafos e cinegrafistas, que já chegavam às dezenas ao Batalhão. O comandante do Batalhão manda um assessor informar à imprensa que tinha acontecido um curto-circuito na fiação elétrica. Ninguém acredita. Os policiais riem. O comandante resolve fazer uma declaração à imprensa e acaba por admitir um clima de insatisfação generalizada. “Os baixos salários e a inadimplência com os compromissos financeiros estão realmente deixando os policiais aloprados, mas a situação está sob controle”. O comandante admite então que a queima de colchões pode ter sido um ato criminoso. “Pode ter sido ação de uma pessoa desajustada, em função dos baixos salários e da morte de um colega”.
  • 27. 26 Desprezo e vaias O comandante do CPC, Coronel José Guilherme do Couto, chega instantes depois com a fisionomia preocupada, e não fala com a imprensa. Ele se reúne primeiro com os oficiais e depois chama a tropa para uma reunião no auditório do batalhão. Ninguém vai para o auditório. Ele espera 20 minutos, apenas na presença dos oficiais. O coronel deixa o auditório e segue para a viatura que irá levá-lo de volta ao QCG. No caminho, a viatura passa pelo pátio e cerca de cem praças vaiam. O coronel deixa o prédio e é cercado pelos jornalistas, mas se recusa a dar entrevista. Ele apenas diz: Não tem mais jeito, eu tentei. A tarde toda permanece o impasse. Os policiais não saem e começam a tomar coragem para declarar aos jornalistas que estão em greve. Alguns vão até à esquina do quartel para gravar entrevistas numa rua erma atrás do cemitério. Eles estão com os rostos cobertos por gorros, blusas e cachecóis, emprestados pelos próprios jornalistas. Denunciam desmandos, regalias dos oficiais, falam sobre a revolta com os baixos salários e o aumento exclusivo que foi dado aos oficiais. Uma das denúncias mais graves feitas neste primeiro dia da greve é a de que policiais militares estariam recebendo dinheiro de traficantes para fazerem vista grossa no caso de batidas policiais nos morros. Segundo a denúncia, os policiais que moravam em favelas, vizinhos aos próprios marginais, aceitavam propina e recebiam mais de R$ 3.000,00 por mês de traficantes. Um dos policiais diz que enquanto ele trabalha o mês inteiro para ganhar pouco mais de R$ 300,00, um menino de 12 anos que vende crack na favela Sumaré, ganha até R$ 150,00 por dia. Diz que a proximidade entre um traficante e um policial é bem curta. Quantas foram as vezes que o policial sai de casa deixando o aluguel atrasado, a luz cortada, sem nenhum alimento e no momento da prisão o traficante oferece R$ 500,00? O coração começa a bater forte. Vem logo ao pensamento que com aquele dinheiro pode colocar a vida em ordem, mas o senso de responsabilidade fala mais alto para quem é um profissional honesto e consciente. Infelizmente, nem todos são assim.
  • 28. 27 Um policial do BPChoque diz: “A cabeça de um policial do Batalhão de Choque está valendo R$ 5.000,00 na favela da Pedreira Prado Lopes. Como é que a gente trabalha assim?”. Quanto mais as horas passam, mais policiais querem falar, denunciar, mas ainda com medo de possíveis represálias. Eles fazem outras denúncias. “Sabemos de várias maracutaias de oficiais. No 1° BBM, os bombeiros foram obrigados a assinar nota fiscal onde um par de meias estava orçado em R$ 57,00. Em vez da farda anual a que têm direito, os bombeiros só receberam este ano duas camisetas, um calção e dois pares de meia, com preços superfaturados”. O fardamento é de responsabilidade da empresa Citeral, que funciona dentro do 5o BPM, no bairro da Gameleira, região oeste. O Comando nega as denúncias. Essa empresa tem exclusivo monopólio para vender fardas para a PM, por isso põe o preço que quer. Dizem que paga comissão para os coronéis para que não permitam que outra empresa também entre nesse mercado. Para se ter idéia, no Distrito Federal o efetivo é cinco vezes menor, mas existem 10 empresas que vendem fardamento. PMs do Batalhão de Choque cruzam os braços
  • 29. 28 A greve se espalha Começam a chegar informações de movimentos em outros quartéis. No 22° BPM (bairro Santa Lúcia, região sul), vários colchões são queimados. No 1° BPM (bairro Santa Efigênia, região leste), os policiais fazem um buzinaço nas viaturas na hora de sairem do quartel. No 16° BPM, (bairro Santa Tereza, região leste), o quarto turno atrasa quatro horas o seu lançamento (saída para rua) e os policiais jogam as armas no chão. No 1° BBM (Batalhão de Bombeiros Militares), a rede de rádio transmite o protesto, chamando os policiais para uma mobilização geral. Um dos diálogos ouvidos: – O coronel pediu aumento para nós? – Não é o coronel quem dá aumento. É aquele prechão do governador, que já falou que não tem aumento para nós. (risos) Então põe o coronel na escuta aí. Vamos pedir o aumento para ele! Os telefonemas chovem nas redações, policiais dizendo que a greve iria se alastrar por todo o Estado. No BPChoque, os policiais distribuem bilhetes aos jornalistas assumindo a responsabilidade pelo incêndio. Um dos bilhetes diz: “Estamos passando fome. Moramos em favelas e às vezes chegamos a pensar em suicídio. Não recebemos nenhum apoio do Alto Comando da PM. Queimamos os colchões porque nossa vontade é botar fogo em nossos salários de miséria. Como não podemos, colocamos fogo nos colchões”. Os policiais tinham receio de que, no caso de alguma unidade parar, o Batalhão de Choque ser chamado para reprimir os próprios policiais, já que era uma tropa especializada na repressão a movimentos grevistas. Com a explosão do movimento no Batalhão de Choque, os policiais das outras unidades se encorajaram e o movimento se espalhou como uma onda. Neste dia, não havia líderes. A situação só não ficou pior porque o comandante do BPChoque era uma pessoa querida e respeitada pelos choqueanos. Às 19:30hs., chegam ao BPChoque integrantes da Associação de Subtenentes e Sargentos e do Centro Social de Cabos e Soldados que haviam sido convocados pelo comandante-geral para tentarem conversar e convencerem a tropa a retornar às atividades normais. Os representantes destas entidades alertam a tropa para o que poderia ocorrer: possíveis punições e até exclusões. Eles também estão um pouco perdidos, até pelo ineditismo do movimento, tentando responder às inúmeras perguntas e questionamentos das praças. Esta reunião dura cerca de uma hora, sem a presença de nenhum oficial.
  • 30. 29 Nasce um líder Nesta reunião, comecei a despontar como líder, porque tive tranqüilidade e objetividade para encaminhar as principais dúvidas da tropa. Mas não houve escolha de representantes do movimento, até porque não estava definida nenhuma reunião de negociação com o Governo – achávamos isto impensável – e não se cogitava ainda em fazer passeatas. Não houve mais chamadas neste dia. Fica decidido que todas as companhias se fariam presentes no outro dia, acumulando no dia 13 todo o efetivo do BPChoque, até quem não estava de serviço, como os policiais em folga ou em férias. Deixamos o batalhão, que ficou apenas com o 4° turno Rotam, que estava de plantão. Todos foram para casa. Nesta noite, em casa, pensava sobre o que tinha acontecido, mas não tinha a menor idéia da dimensão que o movimento iria tomar. Estava tranqüilo, mas ansioso para saber o que aconteceria diante de uma situação tão nova, sem saber como seria o dia seguinte. A repercussão ainda era pequena, não se sabia que haveria um grande movimento. O Comando da PM se reúne à noite e o secretário da Casa Civil Agostinho Patrus participa da reunião. O Comando redige nota oficial, que é publicada nos jornais no dia seguinte: “Foi apurado que 60 praças se mantiveram em posição de manifestação no BPChoque. Isso, dentro de um efetivo de 42 mil homens da Corporação no Estado, sendo 10 mil na Grande BH. Foi solicitado um reforço de policiamento para suprir a ausência desses praças, o que foi de pronto atendido, mantendo dessa forma o policiamento na Capital mineira”. AH! Eu tô é duro! No outro dia, cheguei cedo ao BPChoque, por volta de 7hs. Soube que o turno da noite fora normal. Dezenas de policiais de todas as companhias estavam lá. Os policiais de folga ficaram sabendo do movimento e se dirigiram espontaneamente ao quartel, inclusive os licenciados e os que estavam de férias, que também foram para o quartel. Não há ainda liderança e os policiais continuam reunidos no pátio, sem saberem o que fazer. Não há chamada. Os oficiais não andam no pátio, só ficam reunidos com o comandante, tenente-coronel Cançado. Eu fui trabalhar no
  • 31. 30 computador na companhia ROTAM, numa sala que ficava de frente para o pátio. Os PMs ligam para a imprensa e pedem apoio. De repente começa uma gritaria, que vira um coro: Vamos para a rua!. Os praças de outras unidades ligam para o BPChoque para confirmar as informações da paralisação que estão sendo veiculadas pela imprensa e anunciam que vão aderir. Para espanto de todos, o BPChoque vai para a rua. São 150 homens no início. Acompanhei o movimento. A passeata não tinha direcionamento, era um sentimento de cidadania, como se estivéssemos nos libertando de uma prisão, de um regulamento arcaico. O grito de liberdade que estava preso há 222 anos na garganta finalmente ecoara. Não tínhamos ainda nenhuma reivindicação, mas estávamos nos sentindo livres. A passeata segue pela avenida Américo Vespúcio, em direção a avenida Antônio Carlos, acesso da região norte para o centro. A passeata engrossa, já são 500 policiais participando. Não sabíamos bem qual era o nosso objetivo, se iríamos até à Praça Sete, no centro de Belo Horizonte, ou se chegaríamos até o QCG na Praça da Liberdade, onde também fica o Palácio da Liberdade, sede do Governo estadual. Eu tentava organizar a passeata, pedindo que os policiais só ficassem numa pista para liberar o trânsito, e foi nesta hora que muitos me viram como líder, inclusive colegas de patente superior a minha, como População aplaude a passeata dos policiais
  • 32. 31 sargentos, que me perguntavam o que fazer, se deviam ou não tirar as plaquetas de identificação e os bonés. Passamos pelo Departamento de Investigações, da Polícia Civil, e chamamos os policiais civis para participar. Alguns desceram. Incitei o pessoal a prosseguir para evitar provocações em frente ao DI. Seguimos pela avenida. Na altura do viaduto da Lagoinha, quase no centro, o tenente-coronel Cançado se posta de braços abertos na frente da tropa. Ele afirma que o comandante-geral ordenou que fosse dada voz de prisão a todos que estavam na manifestação. Se prender um, isso vai virar uma guerra, respondem os manifestantes. A passeata desvia-se dele e os PMs continuam a caminhar. Outros comandantes de batalhão, o tenente-coronel Rúbio Paulino, do 22° BPM e o tenente-coronel Severo, do Batalhão de Missões Especiais acompanham o comandante do BPChoque, que segue o tempo todo ao lado da passeata. Eles acompanhavam a passeata, pela lateral, em solidariedade ao tenente- coronel Cançado. Gritávamos: Polícia unida jamais será vencida!, ou então o famoso Ah, eu tô é duro! A passeata continua até a Praça Sete, sem incidentes. No caminho, uma tropa da 6ª Companhia do 1° BPM, com cerca de 50 policiais, se junta ao movimento, além de outros policiais que estavam de serviço nas ruas por onde a passeata passava. Vinte policiais do BPTran e cinco batedores acompanham a passeata, coordenando o trânsito. Os bombeiros também aderem à passeata. Chegando à Praça Sete, os oficiais continuam a fazer apelos para que o pessoal volte para os quartéis e não fizesse greve nas ruas. Eles diziam que isto iria acabar com a Polícia Militar.
  • 33. 32 Um integrante da CUT/MG, com uma bandeira vermelha, tenta participar da passeata e é retirado pelos policiais. Ele insiste em ficar na avenida e os policiais rasgam a bandeira. O sindicalista desiste, vendo que os policiais o recebem com animosidade. Policiais de outras unidades, como os de trânsito, são levados a participar do movimento, com o chamado dos manifestantes, muitos até contra a vontade. Não tínhamos rumo, nem reivindicações, nem programação, nada. A idéia agora era seguir para a Praça da Liberdade, demonstrar para o governador que a Polícia estava passando fome. Demonstrar como? Através de uma concentração em frente ao Palácio da Liberdade. Iríamos ficar em silêncio, não tínhamos idéia do que fazer.” Policiais fazem passeata pela Av. Amazonas
  • 34. 33 Apoio da população Por onde a passeata passa, a população aplaude, inclusive em prédios públicos, como a Prefeitura de Belo Horizonte, secretarias, bancos, lojas, prédios residenciais. Alguns jogam papel picado. Alguns manifestam abertamente o seu apoio, como o taxista Silvano dos Reis, que diz: Eles estão mais do que certos! Em frente ao Detran (Departamento Estadual de Trânsito), na avenida João Pinheiro, os PMs chamam os policiais civis a aderirem. Eles gritam: De camarote não, a luta é aqui no chão... Nas janelas do prédio vários aplaudem, alguns descem para acompanhar o movimento. Andamos 12 km e estávamos cansados, mas com total disposição para continuar o movimento. No final da subida da avenida João Pinheiro, os coronéis verificaram que eu liderava o pessoal na organização da passeata e me pediram que não deixasse a manifestação passar pela alameda da praça da Liberdade. Eles diziam que a PM nunca deixou nenhuma classe de trabalhadores em manifestação passar por lá, e não seriam os próprios PMs a passarem no local em manifestação. Naquele momento não era mais uma ordem, era um pedido, que não foi atendido. Passamos pela alameda e chegamos ao Palácio da Liberdade”. Chega a hora de negociar, para espanto dos próprios manifestantes. Não pensávamos que isto aconteceria. Tínhamos que reivindicar algo e tentar negociar, mas não sabíamos o que queríamos e o que iríamos fazer. Esta falta de rumo foi devida à própria espontaneidade e ineditismo do protesto. Não tínhamos nenhum elemento nem condição objetiva para negociar, caso nos chamássemos para uma reunião. Em frente ao Palácio da Liberdade, os manifestantes, que já eram 1.500, engrossados pelas novas adesões durante o caminho, inclusive com grande número de reformados (aposentados da PM), cantam o Hino Nacional, virados de costas para a sede do Governo. Eles fazem também uma oração, em homenagem ao PM que morreu baleado por assaltantes, o cabo Glendyson. Depois, os manifestantes queimam contracheques.
  • 35. 34 Policiais sentam-se no chão em frente ao Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro Policiais queimam o contra-cheque
  • 36. 35 Comissão define reivindicações às pressas Dois oficiais, a mando do comandante de policiamento da Capital, comunicam que aguardam a formação de uma Comissão dos praças para negociar. Esta Comissão passa a ser formada pelos integrantes das entidades representativas (Centro Social de Cabos e Soldados e Associação de Subtenentes e Sargentos), além de três policiais do BPChoque, escolhidos pelos companheiros porque tinham maior capacidade de liderança. Eu fui um dos escolhidos, numa pequena assembléia. Só neste momento definimos a pauta de reivindicações: o piso salarial de R$ 800,00, promoção por tempo de serviço – dez anos – e não apenas por concursos internos, revisão imediata do RDPM (Regulamento Disciplinar da Polícia Militar) e do EPPM (Estatuto de Pessoal da Polícia Militar), que são baseados nos regulamentos de Exército. Queríamos também a não punição aos manifestantes e uma política habitacional que atendesse especialmente os cabos e soldados. Nove representantes dos praças integram a Comissão, que seguiu para o Palácio para negociar. Foi um sentimento de poder inusitado. Como é que um cabo ou um sargento poderiam negociar representando mais de 55 mil policiais? Nunca imaginei passar por um momento assim. Logo que a Comissão entra, é recebida pelo chefe do Gabinete Militar do Governo, cel. Hamilton Brunelli. Quando a Comissão entra no Palácio, a tropa desloca-se para a frente do Quartel Central Geral, onde funciona o Copom – Centro de Operações da Polícia Militar, o Comando-Geral, e outras unidades administrativas da PM. A tropa fica concentrada em frente ao prédio do QCG, próxima às escadarias.
  • 37. 36 Cancelada a ordem de confronto O chefe da Cedec – Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, Coronel Custódio Diniz, ordena que se postasse em frente ao prédio uma tropa de cadetes, que estava de prontidão dentro do Palácio dos Despachos, anexo ao Palácio da Liberdade. Um tenente-coronel discute com o chefe da Cedec, com medo de um confronto entre os manifestantes e os cadetes. Ele diz: Comandante, não faça esta loucura. Se esta tropa for colocada aqui, isto vai virar uma guerra. O comandante de policiamento da Capital pede autorização para uma contra-ordem para recolher a tropa. O chefe da Cedec desiste e a ordem é cancelada. A tropa que estava de prontidão tinha cerca de 50 cadetes enquanto que os manifestantes já eram mais de 2.000. O fato inédito em 222 anos de Polícia Militar pegou todos de surpresa. O Coronel Diniz havia passado toda a madrugada distribuindo cobertores, umas das funções exercidas pelos agentes da Cedec. Ao amanhecer diante das informações de que poderia haver problemas, foi forçado a ficar no Palácio dos Despachos. Não sabia o que fazer, o aprendizado na Academia não o havia ensinado a lidar com uma situação como essa. Era uma situação inovadora. Nunca se esperava que fosse acontecer. Ao mesmo tempo que há mobilização de cadetes da PM, as Forças Armadas também já estão de prontidão. Na 4ª Divisão de Exército (DE), a Polícia do Exército está mobilizada dentro do quartel e se fosse necessário, sairia às ruas.
  • 38. 37 Primeira reunião de negociação Comissão conversa com Coronel Hamilton Brunelli. Ele demonstra, durante a conversa, eterno amor pelo militarismo. O coronel usa expressões como: Depois desta, o que será da Polícia Militar?; a PM vai acabar amanhã!; ou isto não poderia acontecer nunca!. Ninguém se intimida. Lá em baixo, começam sonoras vaias. Corremos à janela e vimos o comandante do CPC sendo vaiado pelos manifestantes. O Coronel Brunelli se desespera e diz: O que é isto? Agora é que acabou mesmo a Polícia Militar! Eu respondi: Não fomos nós que procuramos isso, coronel. Nossa situação é crítica. Por que concederam aumento só aos oficiais e deixaram os praças em situação de miséria ? O secretário da Casa Civil, Agostinho Patrus, que é capitão médico reformado da Polícia Militar, chega para coordenar a reunião em nome do Governo. Ele demonstra superioridade no trato com os praças. O secretário recebe as reivindicações e diz que não negocia com a Polícia na rua. A Comissão promete tentar tirar a tropa das ruas, mas com a garantia de haver negociação. Abraço do Pirulito Depois da reunião, que dura cerca de uma hora, os líderes se reúnem com os manifestantes e marcam uma assembléia para o dia seguinte, sábado. Eles resolvem deixar a Praça da Liberdade em passeata. Os PMs gritam os jargões e a expressão de cidadania é total. Nos prédios das secretarias, as pessoas ainda aplaudem a passagem dos policiais. Na avenida Afonso Pena, alguns P-2 (policiamento secreto), infiltram-se na passeata. Um deles tem uma câmera e filma os integrantes do movimento. Aos gritos de traidor, os praças tomam a filmadora, que é quebrada no chão. Ele é expulso a pontapés e sai correndo para não apanhar. A passeata segue em direção à Praça Sete, mas os líderes são chamados
  • 39. 38 para uma reunião no Comando-Geral. Os manifestantes já são 2.500 e continuam o protesto, abraçando o monumento do Pirulito. Quatro seguranças particulares do governador, policiais militares da ativa, de terno e gravata, aderem ao protesto. Um deles diz: Fazemos parte da tropa, apenas temos fardas diferentes. Todos sentam-se no chão. O protesto é encerrado rapidamente porque existe uma preocupação de desimpedir o trânsito e não provocar transtornos para continuar com o apoio da população. Os repórteres entrevistam as pessoas na Praça Sete. A maioria da população apoiava o nosso movimento. Existia uma grande consciência de que a greve era por melhores salários. Muitas pessoas aplaudiam com entusiasmo, como uma dona-de-casa que manifestou apoio e carinho pelos policiais. Eles merecem ganhar mais e serem valorizados, disse ela. Abraços no pirulito na Praça Sete, Centro de Belo horizonte
  • 40. 39 Comando-geral recebe os praças Logo após o retorno dos policiais aos quartéis, a Comissão retorna para uma nova reunião, desta vez no QCG com o Comando da Corporação. Além do comandante-geral, Coronel Antônio Carlos dos Santos, participam o chefe do Estado-Maior, Coronel Herberth Magalhães, o comandante de policiamento da Capital, Coronel José Guilherme do Couto e o chefe da DPS – Diretoria de Promoção Social, cel. Pedro Seixas. A reunião começa tensa. O comandante- geral demonstra nervosismo. O tempo todo ele tentava explicar o inexplicável. Culpava os oficiais de unidades de não terem conseguido explicar para a tropa o aumento dos oficiais, usando a expressão: a explicação não chegou à ponta da linha. O comandante promete avaliar todas as reivindicações e garante que o Governo já havia enviado à Assembléia Legislativa o pedido para autorização de reajuste setorizado. Ele promete ainda conceder todas as reivindicações que fossem da competência do Comando da Corporação. O comandante diz ainda que reconhecia que o RDPM estava ultrapassado e que já estava sendo feito um estudo, por um grupo de oficiais, para a revisão do regulamento. Governo faz pronunciamento O governador Eduardo Azeredo está de viagem marcada para a Europa, mas a viagem é adiada por causa da crise. Na noite de 13 de junho, o governador faz um pronunciamento oficial. “Como governador, venho prestar informações sobre os acontecimentos na PM: os delegados da Polícia Civil ganharam na Justiça equiparação com os procuradores do Estado, com reajuste de cerca de 11%, que foi repassado aos oficiais da PM, em virtude de legislação específica. Reconhecendo ser justa a extensão do aumento dos praças, enviei na última segunda-feira projeto de lei solicitando, com urgência, autorização da Assembléia Legislativa para ter meios de corrigir distorções nos menores salários do
  • 41. 40 funcionalismo”. O governador fala também sobre as dificuldades com a folha de pagamento: a arrecadação mensal é de R$ 450 milhões e R$ 350 milhões vão para a folha de pagamento, representando 77% das despesas. “A população aprendeu a admirar e a confiar nos bons serviços prestados pela PM, reconhecida como a melhor do Brasil. O Governo espera que permaneça a normalidade. É fundamental que prevaleçam o direito, a lei, a ordem e a tranqüilidade da população”. Apesar da declaração do governador, não há legislação, específica ou não, sobre a isonomia automática entre os salários dos coronéis da PM e dos delegados da Polícia Civil. A isonomia é fruto de um acordo de cavalheiros, reivindicado pelos coronéis ao Governo e que foi implantado desde o Governo Newton Cardoso, em 1989, depois da promulgação da Constituição Estadual. O objetivo é evitar rixas e criar clima de igual respeito e reconhecimento entre os comandos das duas Corporações. Na avaliação do governador, a manifestação dos PMs é restrita a uma pequena parte da Corporação. “A situação está bem administrada pelo secretário da Casa Civil e pelo comandante-geral da PM”, afirma o governador. Já o secretário Agostinho Patrus fica irritado quando é perguntado pelos jornalistas se o Governo havia perdido o controle da PM: “Solicito à imprensa que possa transmitir a realidade dos fatos. Uma pergunta como esta vai trazer intranqüilidade”.
  • 42. 41 Cabo Júlio discursa aos manifestantes na Praça Sete pouco antes do confronto na Pça da Liberdade
  • 43. 42 Cabo Júlio fala aos manifestantes na Praça Sete
  • 44. 43 Sargento tenta suicídio Um sargento de 38 anos, dezoito anos de serviço, com seis filhos e salário de R$ 360,00 é internado no HPS depois de ingerir um vidro de formicida e cinqüenta cápsulas de Lexotan. Com a vida salva pelos médicos, o PM dá entrevista, mas pede que seu nome não seja divulgado. “Estava desesperado. Meu aluguel, de R$ 120,00, está atrasado há dois meses. Minha família vive de favores. Não tive apoio psicológico. Quando soube do aumento dos oficiais, me senti revoltado: eles só olham o bolso deles”. O chefe da sala de imprensa, major Jefferson Oliveira, comenta: “Se todo PM que se julgasse desesperado pelos baixos salários fosse tentar suicídio, teríamos um extermínio na Corporação”. O comandante de policiamento da Capital afirma: “Reconheço que o salário é baixo, mas isto não é motivo para se matar. Se este fosse o motivo, a maioria da população brasileira já teria se matado”. O comandante do 1o BPM, tenente-coronel Antônio Luiz, admite que os policiais são mal remunerados: “O salário reivindicado é justo. É inconcebível que um policial receba apenas R$ 330,00”.
  • 45. 44 Primeira assembléia No dia seguinte à passeata, realizamos assembléia no Clube de Cabos e Soldados. Cerca de 2.000 PMs participam, muitos acompanhados da mulher e filhos. Para chegar ao clube, no bairro da Gameleira, região oeste de Belo Horizonte, caminhavam dos batalhões em minipasseatas, fardados, e ainda gritando os jargões da primeira passeata. A imprensa registra a presença de policiais de várias unidades, Corpo de Bombeiros, Cavalaria, Hospital Militar, Polícia Feminina, e até do Quartel Central Geral. Os PMs apresentam um balanço da greve nos batalhões. Os policiais da Companhia de Bombeiros do Aeroporto da Pampulha garantem que as operações de abastecimento de aviões estavam sendo realizadas sem segurança por causa da greve. Um policial do 22° BPM disse que o Comando tinha ordenado que ninguém deveria participar da assembléia, sob risco de punições. Os praças do 22° BPM dizem que não estavam dispostos a trabalhar a troco de nada. Não vamos arriscar a vida por essa miséria que a gente ganha. Um
  • 46. 45 casal de policiais, com o filho pequeno, exibe o contracheque com o salário conjunto: pouco mais de R$ 800,00. Todos mostram os contracheques para darem exemplos da situação salarial. Neste dia, os policiais já não tinham medo de mostrarem a cara e dizerem o nome ao dar entrevistas. O Coronel Pedro Seixas, morrendo de medo, diretor de Promoção Social, em trajes civis e escondido em uma das salas do clube, acompanha a assembléia. A Comissão sabe da presença dele no local, mas não tinha como impedir porque o clube pertence à DPS. Orientei a Comissão, e nos reunimos para discutir como seria o encaminhamento da assembléia. A nossa missão foi a de apresentar as propostas oferecidas pelo Governo e decidir um prazo para o atendimento das reivindicações. Meia hora depois nos dirigimos ao palanque e pedimos a presença de todos. Começa a assembléia, tumultuada. Eu tive dificuldades de fazer os encaminhamentos, pelo clima dos grevistas e pela inexperiência. Depois de duas horas de debates, decidimos manter o piso de R$ 800,00 para os soldados, a revisão do Estatuto e do Regulamento Disciplinar, a não-punição aos grevistas, além da promoção por tempo de serviço e a criação de uma política habitacional voltada para os praças. Mais difícil é definir o prazo para que o Governo dê uma resposta. A Comissão propõe trinta dias, mas os participantes não aceitam. Inicialmente, não queriam dar nenhum prazo, permanecendo em greve até o atendimento das reivindicações. Depois, querem um prazo máximo de cinco dias. Ao final, chegam a um consenso de dez dias. Outra assembléia é marcada para o dia 24 de junho, no mesmo local. Os líderes pedem que todos voltem aos quartéis, sem tumulto ou passeatas. Interior Em Montes Claros, no norte do Estado, PMs também fazem declarações de protesto. Um policial sem se identificar diz: “Se o reajuste concedido aos oficiais e delegados não for estendido aos praças, a adesão ao movimento será generalizada no Estado. Estamos só esperando a orientação do Cabo Júlio em Belo Horizonte”.
  • 47. 46 Recebia telefonemas de várias partes do Estado, querendo participar do movimento e acompanhar as negociações. Já se manifestam praças dos batalhões de Ipatinga, Manhuaçú, Juiz de Fora, Barbacena, Governador Valadares, Uberlândia, entre outros. A orientação para os praças do interior é aguardar até à véspera do dia 24, quando deverão ser organizadas as caravanas para Belo Horizonte para participar da assembléia no Clube de Cabos e Soldados. Em Juiz de Fora, na zona da Mata, um PM faz um protesto isolado. O sargento William da Silva Peçanha (30), do Serviço de Patrulha de Trânsito, desce da moto em um dos pontos mais movimentados da avenida Rio Branco, no centro, coloca o revólver e o cinturão no chão e grita palavras de ordem contra os baixos salários. A manifestação do sargento dura sete minutos até a chegada de uma viatura do 2° BPM, que o retira do local. Ele é levado para a Clínica São Domingos, onde é submetido a uma avaliação de suas condições psicológicas. O comandante regional de Juiz de Fora, Coronel Elvino de Oliveira, diz que vai aguardar a avaliação médica do sargento, antes de estudar a abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM). Em Governador Valadares, policiais fazem duas passeatas. São 150 do 6° BPM e do 1° CRPM, além de policiais civis, que caminham pelas ruas do centro. Os policiais não usam fardas durante o protesto, também queimam contracheques, assim como os manifestantes de Belo Horizonte.
  • 48. 47 Tática do silêncio Durante todo o sábado, o Alto Comando fica reunido com todos os coronéis da Capital. A reunião começa ao mesmo tempo que a assembléia dos praças, às 10h e só termina às 17h30. Os coronéis discutem a crise deflagrada pela greve inédita na Corporação. Poucas informações chegam à imprensa. O Comando adota a tática do silêncio. A ausência de informações aumenta as especulações. Enquanto os coronéis e oficiais não se pronunciam, os praças têm todo acesso à imprensa e conseguem veicular informações do seu interesse. Recrutas de prontidão No dia da assembléia, todos os recrutas são convocados pelo Comando e ficam de prontidão em suas unidades e na Academia. A orientação é que eles podem ter que assumir o policiamento na Capital, se persistir o movimento dos grevistas. No 16° BPM, no bairro Santa Tereza, região leste, os recrutas comentam entusiasmados a possibilidade de ir para as ruas, mesmo antes de completar sua formação. Os jornalistas questionam nos quartéis qual a viabilidade de um sistema de segurança feito por recrutas. A resposta de alguns comandantes é que os recrutas estão plenamente capacitados porque se formarão em breve. Os recrutas da PM têm uma formação de nove meses, onde recebem treinamento e aprendizado sobre matérias como relações públicas e humanas, noções básicas de direito, legislação interna, regulamento disciplinar, instrução militar básica e noções de primeiros socorros. No oitavo mês, os recrutas passam por um período de estágio, onde são acompanhados por policiais já formados, que repassam, no dia-a-dia das ruas, informações para o seu aprimoramento.
  • 49. 48 As negociações Enquanto corre o prazo dado pelas praças ao Governo, continuam as reuniões de negociação. O governador envia à Assembléia Legislativa o anteprojeto que permite a concessão de aumentos diferenciados a setores do funcionalismo público e viaja para a Europa, com atraso de dois dias. Os líderes são chamados para várias reuniões com o comandante-geral e com o chefe do Estado-Maior para discutirem as mudanças no Estatuto e no Regulamento. No dia 17 de junho, o comandante-geral da PM, Coronel Antônio Carlos dos Santos, divulga uma nota sobre A Questão Salarial da PM e o Momento Atual, criticando o comportamento que ele considera emocional e sensitivo dos manifestantes e justificando o reajuste salarial diferenciado. De acordo com o comandante, o Governo manteria a equivalência entre os delegados e oficiais, estendendo depois os mesmos índices para os praças, depois da aprovação da Assembléia Legislativa. O comandante diz ainda que os policiais devem ter tranqüilidade e confiança na instituição. No dia 18 de junho, acontece mais uma rodada de negociações, no Palácio dos Despachos, com a participação dos secretários da Casa Civil e Comunicação Social, Agostinho Patrus, da Fazenda, João Heraldo Lima, de Recursos Humanos e Administração, Cláudio Mourão, da Habitação, Sílvio Mitre, o comandante-geral da PM, Coronel Antônio Carlos dos Santos, o chefe do Gabinete Militar, Coronel Hamilton Brunelli, o presidente da Cohab – Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais, Reginaldo Arcouri, o presidente da União dos Reformados, Coronel Décio Pereira da Silva, o presidente do Clube dos Oficiais, Coronel Edvaldo Piccinini e os representantes dos praças. A principal discussão é sobre o piso de R$ 800,00 que não é aceito pelo Governo. Segundo o secretário da Casa Civil: “Este piso significaria um aumento de 90% para os praças, o que o Governo não tem como bancar. O reajuste é impossível porque alguns praças poderiam ficar com salários superiores aos dos oficiais”. O secretário não fala em índices para o aumento.
  • 50. 49 “Estamos estudando este percentual de reajuste com base nas repercussões que ocorrerão dentro da própria PM. Se dermos o aumento para os soldados, isto vai influenciar os soldos de cabos, sargentos, subtenentes 2o tenentes, etc. Por causa disto não podemos divulgar um índice levianamente”. Pela primeira vez, o comandante-geral admite que os participantes do movimento podem ser punidos. O Coronel Antônio Carlos dos Santos disse que: “Todos os fatos serão apurados e o meio de investigação será através de IPM (Inquérito Policial Militar). Os fatos são graves e tomaremos decisões a respeito após as investigações”. Guerra suja O Comando da Polícia começa a trabalhar nos bastidores para destruir o movimento. Depois desta reunião, fui procurado, em minha casa, por um oficial que me perguntou o que eu queria para sair do movimento. Ele dava a entender que queria me subornar. Segundo ele, o Comando considerava que a minha saída poderia enfraquecer ou até acabar com o movimento, como se eu fosse o causador da revolta. Este oficial me perguntava: O que você aspira, o que você quer, cabo Júlio? Minha resposta era fatídica: dignidade para o policial. De repente eu disse: o senhor tem dois minutos para sair de minha casa. Ameacei chamar a imprensa. Ele saiu imediatamente. Os diretores da Associação de Subtenentes e Sargentos se reúnem no final da tarde para avaliar a situação nos quartéis de Belo Horizonte e interior. Os 45 diretores consideram a situação explosiva e acreditam que se o Governo não der o aumento esperado a paralisação será geral. Caravanas estão se preparando no interior para comparecer à assembléia em Belo Horizonte. No dia 20 de junho, os deputados aprovam o projeto do Governo.
  • 51. 50 O amarelinho Neste mesmo dia, o assessor de imprensa do Comando-Geral entrega aos líderes dos praças o anteprojeto de revisão do Estatuto e do Regulamento, e propõe um prazo de 30 dias para que eles apresentem sugestões. A proposta é aceita. A Comissão adianta a principal mudança desejada: o fim da pena privativa de liberdade. “O amarelinho” só mudou cinco anos depois. Qualquer praça, por decisão do seu comandante, pode ser punido com a prisão no quartel de até treze dias, a critério do comandante, e ainda que não haja motivação clara. Isto é motivo de revolta de muitos policiais. O Regulamento Disciplinar, chamado Amarelinho é analisado pela imprensa. Alguns artigos do regulamento chamam a atenção pelo que têm de arcaico. Exemplos: os praças têm que pedir permissão para casar enquanto que ao oficial basta apenas comunicar. É proibido recorrer à Justiça sobre qualquer direito individual. Até o tipo de guarda-chuva usado pelo policial é definido pelo regulamento. A falta de um botão na farda ou um bigode maior que o permitido pode levar à prisão do policial. Enquanto um cidadão comum só pode ser preso mediante flagrância ou ordem judicial, o policial militar pode ser preso pela simples vontade do comandante. É proibido ao policial contrair dívidas superiores à sua capacidade de pagamento, ao mesmo tempo em que ele é obrigado a sustentar condignamente sua família. É comum a presença de credores dentro dos batalhões. O interessante é que o Estado é um dos maiores devedores das praças. A PM não paga seus fornecedores mas pune um policial quando ele atrasa os pagamentos de suas dívidas.
  • 52. 51 A ameaça do secretário O Comando informa ainda que estuda convênios com a Secretaria Estadual de Habitação para financiamento de moradias específicas aos policiais. Outro convênio em estudos, com a Fundação Roberto Marinho, permitiria a abertura de salas de aula nos quartéis, para os policiais que quisessem estudar. No dia 21, o governador volta da Europa e anuncia um abono de R$ 102,00 para policiais civis e militares. O secretário da Casa Civil, Agostinho Patrus, afirma que é o valor máximo que o Governo chegará. Numa das reuniões, que acontece no Palácio dos Despachos, com a presença do comandante-geral, o secretário aponta o dedo em tom de ameaça para o meu rosto e diz: “O Governo não vai agir sob pressão, nem que cinco mil, dez mil ou quarenta mil policiais armados estejam nas ruas.” A ameaça é gravada pelo repórter cinematográfico Mário, da TV Minas, que estava na sala fazendo imagens. A informação circula entre a imprensa. Depois, em entrevista coletiva, o secretário desmente o clima de hostilidade na reunião e acusa a imprensa de ter feito gravações indevidas.
  • 53. 52 A Força Legalista (Forleg) O Comando cria a Força Legalista (Forleg), formada por tropas do interior, alunos da Academia e alguns policiais da Capital, que eram procurados por oficiais para participarem da Força. Eles recebem a promessa de condecorações e promoções a graduação imediata caso aceitem. Os líderes rejeitam o abono e mantêm a reivindicação inicial de R$ 800,00 de piso. Neste mesmo dia são destituídos os comandantes de Policiamento da Capital, Coronel José Guilherme do Couto, e do Estado Maior, Coronel Herberth Magalhães. No dia 22 de junho, novos chefes assumem os postos no Comando de Policiamento da Capital e no Estado Maior. O comandante-geral convoca imediatamente a Comissão e apresenta os novos comandantes, o Coronel Edgar Eleutério Cardoso que assume o CPC e o Coronel Osvaldo Miranda da Silva, a chefia do Estado Maior. Nesta reunião com a Comissão representativa, o novo chefe do Estado-Maior assume uma postura de linha-dura, dizendo que não vai tolerar indisciplina e cumprimenta um a um os integrantes da Comissão, com um forte aperto de mão e olhar ameaçador. O comandante-geral informa que o abono de R$ 102,00, que elevaria o salário para R$ 517,00, seria o valor máximo que o Governo chegaria. A partir deste momento, segundo ele, estão encerradas as negociações em torno dos salários. Ele ordena à Comissão que levasse o valor à tropa como um ponto final para o impasse. Eu disse ao comandante que cumpriria a ordem, levando este valor aos praças, mas já adiantei que era quase impossível a aceitação deste salário pela tropa. O chefe do Estado-Maior diz então que confiava na Comissão e que o problema era meu.
  • 54. 53 Troca de comando no BPChoque Troca de comando também no Batalhão de Choque. Cai o tenente-coronel Carlos Roberto Cançado e assume o tenente-coronel Maurício dos Santos. A missão dos novos comandantes, considerados linha-duras: conter o movimento dos praças que a esta altura já se alastrou por todo o Estado e por outras capitais brasileiras. Toda a cúpula da PM passa o final de semana reunida, traçando estratégias com os comandantes de batalhões para esvaziar a próxima assembléia marcada para a terça-feira. Para os praças, é indiferente a nomeação de qualquer um dos coronéis. Queremos uma nova postura por parte do Comando e salário no bolso. Nomes não interessam. Os telefonemas do interior para o meu telefone celular não param. Vários ônibus já se deslocam para a Capital. As unidades do interior enviam representantes e prometem acatar as decisões da assembléia. Os comandantes deixam para informar na véspera da assembléia que está proibida a participação de policiais que estiverem em serviço. Também proíbem o uso de armas e de fardas. Os policiais que quiserem participar terão que ir à paisana, por ordem dos comandantes. Nos quartéis, os PMs continuam a denunciar represálias. Segundo as denúncias, estão recebendo ameaças dos comandantes de que serão presos se comparecerem à assembléia. Ao mesmo tempo, PMs do interior formam caravanas para chegar à Belo Horizonte no dia 24. Os líderes acreditam que mais de 3 mil policiais vão comparecer à assembléia. No dia 23 de junho, véspera da assembléia, o Boletim-Geral da Polícia Militar informa que a Comissão de negociação dos praças terá caráter permanente. A Comissão terá o papel de intermediar as discussões entre o comando e os praças. A nomeação oficial da comissão e sua aceitação pelo Comando tem o objetivo de evitar a quebra de hierarquia na Corporação. De acordo com a designação oficial da Comissão pelo comandante-geral: “Eles estão autorizados a manter contatos com a Chefia do Estado-Maior, para representar os interesses dos praças da Corporação sobre políticas de recursos humanos e de promoção social”.
  • 55. 54 Mais guerra suja O CFAP – Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças é transformado em um grande cartório onde os alunos dos cursos de formação e aperfeiçoamento de sargentos são dispensados. Caso houvesse prisões em flagrante, dos manifestantes, eles seriam levados para lá para prestarem depoimento. Os praças do 13° BPM enviam uma carta às Comissões de Direitos Humanos da Câmara Municipal e da Assembléia Legislativa pedindo que visitem os quartéis e verifiquem as condições das cadeias onde eles ficam trancados por qualquer motivo. Na véspera da assembléia, cartas apócrifas circulam entre os PMs, com supostas críticas aos integrantes da Comissão e desmobilizando a assembléia. Uma carta de um suposto soldado arrependido, de codinome Pedrão, pede aos policiais que não façam mais movimentos de rua e voltem a trabalhar sem baderna. Ele se diz arrependido dos crimes que cometeu ao participar da greve e da passeata. As cartas tinham o objetivo de desmobilizar a assembléia. Elas foram preparadas, por ordem do Comando, como se os autores fossem praças arrependidos de terem participado do movimento. Mas houve um grave erro. A linguagem usada não era de praças e sim de oficiais. Colocaram erros de português grosseiros. Dois dias antes delas começarem a aparecer, eu já tinha conhecimento de que seriam usadas no interior dos quartéis porque tinha informantes dentro das reuniões do Alto Comando, assim como eles tinham informantes entre os praças. Garanto que as informações são fidedignas porque me foram passadas por pessoas insatisfeitos com os rumos definidos e decisões tomadas pelo próprio comandante-geral. É fato de conhecimento geral entre praças e oficiais que existe uma rixa muito forte entre os coronéis pela disputa de poder. Alertei os integrantes da Comissão sobre essas cartas apócrifas para que já estivéssemos preparados.
  • 56. 55 As ameaças Além das cartas estávamos recebendo ameaças de morte ou de seqüestro. No meu caso, foi feita uma ligação para um vizinho, quando uma pessoa, se identificando como amiga, pediu o endereço da escola de minha filha, afirmando que a buscaria, a meu pedido. O vizinho, desconfiado, disse que chamaria minha mulher para dar o endereço. A pessoa desligou imediatamente. Minha filha tinha um ano e três meses, na época, e não estava na escola. Recebi ainda vários telefonemas de madrugada, com ameaças de morte. Em um destes telefonemas, a pessoa disse que na véspera da assembléia, no dia 23, haveria uma invasão em minha casa. Tive que tirar minha filha de casa e enviá-la para um lugar escondido no interior. Em qualquer lugar por onde andava, era seguido por oficiais do serviço secreto da Polícia Militar, a famosa P/2. Essa vigilância acontecia 24 horas por dia. Seguiam meus passos a todo momento. O Governo afirma que estão encerradas as negociações com os policiais. O abono de R$ 102,00 é a última proposta. A grande assembléia Chega o dia 24 de junho. Todas as atenções estão voltadas para o Clube de Cabos e Soldados onde os policiais já começam a se concentrar para a assembléia. Começam a chegar policiais dos quartéis do interior e da Capital. A ordem do Comando de que não poderiam participar policiais fardados ou em serviço é desobedecida. Boatos de uma possível invasão do Exército no clube começam a correr. Os ânimos se exaltam. Os bombeiros do 2° BBM e os policiais do 18° BPM de Contagem chegam em passeata e são saudados pelos colegas. O Coronel Seixas comparece novamente, permanecendo em trajes civis e escondido. Vários P-2 estão infiltrados na assembléia por ordem do Comando. Muitos, apesar de terem recebido ordens do Comando, participam como agentes
  • 57. 56 duplos. O que eles fazem, na verdade, é levar informações do Comando para os praças. Até alguns oficiais da P-2 repassam informações ultra-secretas aos líderes dos praças, como a confecção das cartas apócrifas e a ordem para grampear telefones, que partiu do Exército. Os líderes do movimento continuam sendo seguidos 24 horas por dia. As fichas funcionais dos líderes estão sendo analisadas na sede da PM-2, a chamada Fazendinha, por causa de sua localização, escondida em um local ermo dentro do 5° BPM. Ao contrário da P-2, que é o serviço secreto dos batalhões, a PM-2 é o serviço secreto de toda a Polícia Militar e tem a função de fiscalizar e observar todos os policiais, inclusive oficiais. Os agentes foram treinados no extinto SNI (Serviço Nacional de Informações). A assembléia começa tensa. Mais de três mil policiais estão na sede do clube. Não há tropa de repressão visível nas proximidades, mas os praças estão atentos a todas as informações e mantêm vigilância na região e nas portarias. O Coronel reformado William da Costa Baía, ex-comandante do BPChoque, tenta entrar no clube e toma uma vaia logo na escadaria. Sai fora! Gritam os policiais. Subi no palanque e passei as informações dos resultados das negociações com o Governo, as vitórias conquistadas e a decisão do Governo de bater o martelo e fechar as negociações em torno do abono de R$ 102,00 o que dava um piso de R$ 517,00. Por unanimidade, os policiais rejeitam a proposta e começam a gritar: Prá fora, prá rua!. A muito custo, consegui segurar os policiais por 10 minutos, para tentar reabrir as negociações
  • 58. 57 Prisão por telefone Telefonei para o chefe do Estado-Maior, Coronel Miranda e comuniquei a decisão da assembléia. – Coronel, pelo amor de Deus, tente reabrir as negociações com o Governo. Os praças não aceitam o abono e vão para as ruas. Em desespero, o Coronel responde: – Segure este pessoal aí, não brinque com a lei. Vocês não podem ir para a rua de jeito nenhum. –Nós já estamos indo, não há como segurar-nos. –Então você está preso em flagrante! –Tudo bem, mas isto não vai adiantar. Eles estão indo, e eu vou junto. Procurei não comunicar à assembléia que estava preso em flagrante por telefone, temendo uma revolta generalizada. Eu me desloquei ao palanque e consegui fazer os policiais retornarem ao clube. Pedi calma e os informei dos perigos que poderiam acontecer a partir desta segunda passeata, como perseguições, retaliações e prisões. Pedi ainda que eles guardassem as armas dentro da farda e não as expusessem em momento algum. Mas a decisão de sair para as ruas já estava tomada e os policiais começaram a deixar o clube em passeata. Em frente ao 5° Batalhão e ao Batalhão de Trânsito a passeata pára e os policiais chamam os colegas para que aderissem ao movimento. Cerca de 3.500 policiais seguiam pela avenida Amazonas. Alguns policiais que sabem das ameaças de morte insistem comigo para que coloque o colete à prova de balas, esquecido dentro do meu carro, estacionado em frente ao clube. Um sargento volta de moto ao clube para buscar o colete. Toca o meu celular. Era o Coronel me desprendendo. Desta vez, ele não ordenou, e sim, me pediu, que a gente tentasse não deixar que a tropa seguisse até o Palácio da Liberdade. A praça já estava cercada pela Forleg nessa hora, mas eu ainda não sabia.
  • 59. 58 Polícia unida jamais será vencida No cruzamento com a avenida Barbacena chegam os policiais civis, que também tinham realizado assembléia no mesmo dia e decidido aderir à greve. O encontro entre os policiais das duas Corporações acontece em tom de emoção, com gritos de saudação, abraços, e até choro de alguns policiais. O grito de Polícia unida jamais será vencida! ecoa pela avenida. Seis mil pessoas, entre policiais, parentes, aposentados e simpatizantes se dirigem para a Praça Sete, coração de Belo Horizonte. Os policiais apitam e carregam faixas com os dizeres: Queremos salário e não esmola. Queremos respeito pelos nossos direitos constitucionais; a Associação dos Delegados apoia irrestritamente o movimento dos policiais; chega de divisão, queremos a unificação das polícias já e Somos por uma Polícia única. Os policiais gritam: Greve! Greve!
  • 60. 59 Na Praça Sete, acontece uma nova assembléia, tumultuadíssima. A maioria dos policiais quer seguir para a Praça da Liberdade. Os líderes tentam encerrar o protesto, mas não conseguem. Representantes dos policiais civis são chamados para subirem e falarem, ajudando a conter os ânimos. Os líderes dos praças também falam, mas os manifestantes querem seguir em frente. Os líderes não têm outra opção senão acompanhar a passeata. Às pressas, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil cede um carro de som para que as lideranças possam coordenar o protesto. Este mesmo carro de som já foi apreendido várias vezes por policiais militares durante as greves dos operários. Por volta de 14hs., os repórteres são informados pelas redações que a Praça da Liberdade estava cercada por uma tropa também de PMs. Alguns sindicalistas da CUT chegam com as bandeiras vermelhas, já na subida da avenida João Pinheiro. Os policiais rasgam as bandeiras e só não agridem os sindicalistas por minha interferência. Os policiais se recusam a dar conotação ideológica ou política no movimento. Na subida da avenida João Pinheiro, tomei conhecimento de que havia uma tropa repressora cercando a Praça da Liberdade. Pedi a dois policiais da manifestação que fossem rapidamente ao QCG e implorassem ao comandante daquela tropa para retirá-la. Os policiais foram orientados a lembrar ao comandante que na primeira passeata, no dia 13, não havia tropa repressora e tudo correu tranqüilamente. Eu temia um confronto. Os policiais foram correndo na frente e retornaram com a resposta: o Comando afirmara que todas as medidas necessárias já tinham sido tomadas e que não retiraria a tropa. Em frente ao Detran a passeata parou e chamamos os policiais civis para engrossarem o movimento. Desta vez, dezenas de policiais deixam o prédio do Detran e acompanham a passeata.
  • 61. 60 Polícia contra polícia A passeata chega à Praça da Liberdade. Logo no início do contorno da praça dá para avistar a tropa de repressão, com policiais de capacetes brancos, de choque, armados, postados ao longo do Palácio da Liberdade e do prédio do QCG. Outra tropa, dentro dos jardins do palácio, usa capacetes pretos, conhecidos como formigões. Uma terceira tropa vem correndo, em formação de choque, para fortalecer o cordão de isolamento. Quinhentos cadetes e policiais do interior integram a Forleg, ou tropa da legalidade, como foi denominada pelo Comando. Os manifestantes são mais de 6 mil. Eu desci do carro de som e pedi calma aos manifestantes. Pedi que o protesto fosse encerrado e que os policiais voltassem. A passeata continua a avançar. Na esquina com avenida Bias Fortes, acontece o primeiro incidente entre os policiais dos dois lados. Começa um empurra-empurra, ombro a ombro. A tropa de repressão representa um desafio para os policiais que estão Manifestantes chegam à Praça da Liberdade e encontram a Força Legalista
  • 62. 61 protestando. O tumulto aumenta e os policiais avançam sobre a Forleg, que tem que recuar. Quando a situação se agrava, o comandante de policiamento da Capital, Coronel Edgar Eleutério, que está no Comando da Forleg, em frente ao Palácio da Liberdade, é puxado pelo braço pelo comandante do 1° BPM, tenente-coronel Antônio Luiz, e sai do local. Cadetes e oficiais arrancam os galões, que são jogados no chão. Eles se misturam aos manifestantes. A Forleg recua correndo para a frente do QCG. O tumulto aumenta. O jornalistas estão no meio da confusão. Algumas pessoas conseguem atravessar a barricada para entrar no prédio, mas a maioria fica retida nas escadas. Os oficiais estão à frente da Forleg, impassíveis. No Comando da Forleg está o novo comandante de Policiamento da Capital, Edgar Eleutério Cardoso, que se posta em frente à escada. Alguns integrantes da Forleg arrancam as braçadeiras brancas de identificação da tropa e, desesperados, passam para o lado dos manifestantes, dizendo que estavam ali obrigados e não queriam o confronto. Dentro do prédio do QCG, todos os andares estão ocupados por oficiais, portando armas de grosso calibre (fuzis, escopetas e metralhadoras). No alto do prédio, atiradores de elite estão em posição de tiro, com as armas apontadas para os manifestantes. Tiroteio Vários policiais, civis, praças e oficiais, estão com armas na mão. O tumulto é generalizado. Começam os tiros. O cabo Valério de Oliveira, que está com os manifestantes, ao meu lado, no alto da mureta, pede calma. O cabo Valério está exatamente ao meu lado, sobre a mureta e em poucos segundos, nós trocamos de lugar, e ele ficou um pouco à minha frente, ligeiramente abaixado, com o rosto virado para a direita, ainda pedindo calma aos colegas.
  • 63. 62 Estendi braços para a frente, sinalizando para conter a multidão, que quer invadir o QCG. O cabo Valério vê as armas, vira-se para a fotógrafa Isa Nigri e alerta: Cuidado, tem pessoas armadas aqui. Segundos depois, acontece o primeiro tiro, e outro logo em seguida. Ele é atingido na cabeça pelo segundo tiro e cai desfalecido. A fotógrafa registra a cena. Cinegrafistas também conseguem captar o instante em que o militar foi atingido. Acontecem outros disparos depois de 20 segundos, o que provoca correria e debandada geral. Enquanto isto, o cabo Valério é socorrido por um grupo de praças e oficiais, em meio à gritaria e confusão. Ele é levado para dentro do prédio. Do lado de fora, policiais e jornalistas deitam-se no chão. Novos disparos são ouvidos. No total, oito tiros são disparados. Vários colegas afirmam que o coronel. Eleutério atirou. Um deles é o cabo Fernando, do 18° BPM: “Eu vi o cabo caindo e o coronel trocando a arma com um cadete, ele com a arma que atirou na mão.” Policiais deitam-se no chão depois que começam os tiros
  • 64. 63 A Forleg recua para a portaria principal do QCG. Os manifestantes cercam o prédio. O cabo Valério é colocado numa viatura na garagem do QCG e levado para o Hospital João XXIII, onde é internado em coma profundo. Depois dos tiros, vêm as pedras, atiradas de todas as direções, até de dentro do prédio. Uma delas atinge o vidro da Sala de Imprensa, provocando pânico nas policiais femininas, que correm para o banheiro. Uma oficial médica pede socorro à mãe pelo telefone celular. As funcionárias da limpeza deixam o prédio pela janela. O Coronel Eleutério foge pelo fosso que dá acesso à garagem. Uma viatura cheia de armamento pesado deixa o prédio em alta velocidade e é perseguida pelos policiais, que pensavam estar dentro dela o Coronel Eleutério. A situação se acalma. Fui cercado por policiais que me protegiam, inclusive usando tenerê (máscaras que cobrem todo o rosto, deixando de fora apenas os olhos), subi no carro de som e voltei a pedir calma, que se concentrassem calmamente para esperar, pois a Comissão seria recebida pelo comandante-geral. Quem atirou, atirou para me matar, pois o Cabo Valério não fazia parte da comissão. Atiraram na cabeça. Cabo Valério baleado na cabeça
  • 65. 64 Força legalista se posiciona à frente do prédio do comando da PMMG Eu era o único dos seis mil policiais que estava de coletes. Ele trocou de lugar comigo cerca de cinco segundos antes do tiro.
  • 66. 65 Governo chama exército O governador Eduardo Azeredo é alertado por assessores que a situação estava crítica. Ele foge do palácio de carro, pelos fundos, e vai para o Palácio das Mangabeiras, residência oficial do Governo, no outro extremo da cidade. Azeredo liga para o vice-presidente Marco Maciel pedindo que o Exército fosse mobilizado para garantir a ordem. O vice- presidente Marco Maciel ordena ao ministro do Exército, Zenildo de Lucena, que mobilize as tropas federais, através da 4ª Divisão de Exército, sediada em Belo Horizonte. A ordem do ministro é que as tropas do Exército garantam a segurança pessoal do governador e dos prédios públicos, como os Palácios dos Despachos, da Liberdade e Mangabeiras. Fui chamado com a Comissão para uma reunião com o comandante- geral. Dez coronéis da ativa e o Coronel reformado Picinini, o juiz militar aposentado Forreaux e um promotor, também participam da reunião. Assim Soldados do Exército entram pelos fundos no Palácio da Liberdade