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Belo Horizonte, Julho de 2012
A Prática do cuidado na relação clínica
entre o Acupunturista e o cliente
Bruno Pereira Vieira Cuiabano
Artigo de conclusão de curso de pós-graduação em Acupuntura-Faculdade INCISA-IMAM
Av.brasil 248 sala 401
Bairro Santa Efigênia - Belo Horizonte - Minas Gerais CEP 30140-900
Email: bruno.cuia@gmail.com
Telefone: (31) 9939-4243
A Prática do cuidado na relação clinica entre o Acupunturista e o cliente
Bruno Pereira Vieira Cuiabano
RESUMO
Este artigo relaciona o conceito “Eu-Tu e Eu-Isso” de Martin Buber com os termos
Empatia, Presença e Congruência no fazer de um profissional de saúde, no caso o
Acupunturista. O artigo tem como objetivo refletir que atitudes do profissional de saúde,
consigo e com seus clientes, que levam em consideração as ferramentas filosóficas
Empatia, Presença e Congruência, geram uma relação de cuidado e norteiam uma prática
mais humana e ética. A realização dessa investigação foi elaborada a partir de pesquisa
bibliográfica, levantamento de informações através da leitura de livros, artigos, teses,
dissertações e sites de internet. O tratamento dos dados se deu de forma analítica e
descritiva
Palavras-chave: Acupuntura, Martin Buber, Eu-Tu e Eu-Isso, Empatia, Presença,
Congruência
The Practice of care in clinical relation between Acupunturist and client
Bruno Pereira Vieira Cuiabano
ABSTRACT
This artigle related the concept I-Thou and I-It of Martin Buber with the therms
Empathy, Presence, e Congruence in pratical doing of a hearing care professional, in case
the acupunturist. The article have the objetive to reflect that hearing care profissional
atitudes, whithin himself and with his clients, whitch takes in consideration the filosofical
tools Empathy, Presence and Congruence, generates care relashionships and “put north” in
a more human and ethical practice. The acomplishment of this scientific inquiry was
elaborated from a bibliographical research, information aimed throught the reading of
books, articles, thesis, dissertacion and websites. The processing of the data they gave out
analythical and descriptive.
Keys-word: Acupunture, Martin Buber, I-Thou and I-It, Empathy, Presence, Congruence
1 - Introdução
De acordo com Ayres (2004) atendimentos clínicos em que os pacientes são
levados em consideração e escutados integralmente pelo profissional de saúde, são mais
favorecidos em seu restabelecimento. As práticas contemporâneas de cuidado à saúde tem
passado por uma crise. Frequentes reclamações têm sido feitas em relação à
desumanização nos tratamentos feitos por profissionais na área da saúde, o que inclui o
Acupunturista. Em vários casos, o trato com pacientes tem se dado de maneira
padronizada, buscando apenas seus sintomas, sem levar em consideração suas subjetivas
queixas e histórias de vida.
O conhecimento da Medicina Tradicional Chinesa e especificamente a Acupuntura
têm encontrado certo espaço no modo de vida, nas crenças e ideologias ocidentais. Com
um pouco mais de um século, leste e oeste tem se encontrado em consequência de uma
troca mais constante de produtos e bens de consumo. O aumento da tecnologia de
transporte de pessoas e informações tem iniciado uma nova realidade: a abertura de
fronteiras e uma curiosidade cada vez maior entre pessoas desses dois “mundos”. Dessa
maneira, as práticas na área de saúde no ocidente tem se tornado cada vez mais híbridas.
Nota-se um diálogo mais amplo sobre as possíveis relações entre os dois conhecimentos.
Silva Júnior (2007) alega que a configuração no Brasil e em vários países do mundo
de um modelo hegemônico no trato com a prestação de saúde tem se dado de maneira
vertiginosa. Esse modelo tem como base o predomínio no uso das tecnologias que
dependem do uso de equipamentos e diagnósticos em detrimento da relação com o cliente
e seus respectivos sofrimentos. O desenvolvimento científico da ênfase a uma investigação
cada vez mais verticalizada do conhecimento a partir de uma escolha metodológica que
pretende chegar ao todo a partir do pedaço, da parte, do fragmento. Dessa maneira, o
conhecimento da realidade humana e suas práticas no atendimento clínico acabam por se
tornar defasados. Para Buber (1967, p164), “a realidade decisiva é o terapeuta e não os
métodos. Sem métodos se é um diletante. Sou a favor dos métodos, mas apenas para usá-
los, não para acreditar neles”.
Para Ayres (2004), recentes pesquisas têm correlacionado saberes e estratégias com
objetivo de suprir as limitações desse modelo. Ferraz da Silva (2007) diz que para a
milenar cultura Chinesa existe uma conexão intrínseca entre homem e seu ambiente, o
microcosmo e o macrocosmo. A Medicina Tradicional Chinesa é baseada em conceitos de
unidade e integralidade do ser e do universo.
Segundo Nogueira Perez (1993), existem alguns princípios básicos para qualquer
tratamento dentro do paradigma oriental, dentre eles os mais importantes são as afirmações
de que existe uma energia que é fonte integradora e reguladora de toda forma físico-
química e que não é privativa dos seres vivos. Outro princípio se evidencia no pressuposto
de que o sintoma é sempre individual e representa o padrão de desequilíbrio específico de
uma pessoa.
Nogueira Perez (1993) ainda coloca o princípio de que a doença não tem um nome
e sim que é um estado de desequilíbrio energético que pode se manifestar por uma carência
ou por um excesso, acrescenta que o desequilíbrio energético vai seguir com uma
sintomatologia perfeitamente definida, de cujo conhecimento dependerá o êxito do
tratamento e da prevenção e finalmente define que o homem é um ser bipolar alternante, e
como toda manifestação do universo, esta alternância de uma maneira harmônica vai
permitir a vibração, o movimento, a mutação permanente e contínua, enfim: a vida.
Conceitos como Mente, Espírito, Alma, Emoções e Sentimentos também podem ser
entendidos a partir de uma referência energética. O Qi circula pelo organismo e o homem
realiza a sua função de transformador de energia.
A busca por unir o paradigma ocidental e o oriental em torno de um fazer clínico
humano e ético se torna algo indispensável. O tratamento por Acupuntura não dispensa o
Acupunturista, ele é peça chave tanto na aplicação da técnica própria da Acupuntura,
quanto na busca por uma melhor compreensão do cliente como um todo e não somente de
seus sintomas.
Uma investigação apurada do devir humano, das suas carências e necessidades
requerem habilidades que transbordam as habilidades puramente técnicas da área. Baseado
na hipótese de que a terapêutica se faz entre duas pessoas que precisam se comunicar e se
entender. O cliente, em qualquer lugar do mundo, precisa confiar na pessoa do terapeuta,
para que se sinta seguro no tratamento, e então obtenha melhor resultado em sua cura ou
melhora.
O artigo, a partir de análise bibliográfica, visa então entender como seria a busca
por um ideal de escuta e atenção que pode ocorrer entre Acupunturista e cliente. Conceitos
como Empatia, Presença e Congruência, muito revisitados por diversos autores da
psicologia e filosofia, são, nesse artigo, relacionados com o Conceito de Eu-Tu, Eu-Isso de
Martin Buber, autor que buscava em seus pensamentos e no seu fazer, o equilíbrio entre
método, técnica e intuição.
2 – Metodologia
O presente artigo se baseia num procedimento de investigação teórica e revisão de
conceitos através de estudo bibliográfico. Para tanto foi realizado criteriosa pesquisa em
livros, artigos, teses, dissertações e sites da internet relacionados ao tema proposto. Textos
clássicos da MTC (Medicina Tradicional Chinesa) e teóricos da psicologia humanista e
fenomenológica foram correlacionados a fim de discutir o tema proposto.
A coleta e a revisão dos conceitos citados utilizou em parte a técnica de
investigação cientifica do levantamento bibliográfico baseado nas palavras-chaves:
Acupuntura, yin-yang, Qi, Teoria dos Cinco Elementos, Martin Buber, Eu-Tu, Eu-Isso,
empatia, presença, congruência. A apresentação e discussão dos conceitos se deu através
da analise e interpretação destes.
3 – Revisão de literatura
Introdução a Medicina Tradicional Chinesa e Acupuntura
Conforme Yamamura (2001), a MTC se constitui através de uma base filosófica
milenar e tem um vasto campo de conhecimento voltado ao estudo de fatores que geram
saúde e doença. Muitos de seus métodos e pensamentos ainda não foram completamente
explicados pela lógica ocidental. O paradigma chinês sempre deu importância ao estudo
das formas de prevenção e gerou diversas técnicas como a Acupuntura, Ventosaterapia,
Moxabustão, etc.
Para Yamamura (2001), a Acupuntura, uma das técnicas que fazem parte do corpo
da MTC, baseia-se na idéia de que estímulos causados pela inserção de agulhas geram
movimentação do “Qi” pelos canais de energia, reequilibrando os excessos e vazios
energéticos em determinadas regiões ou órgãos. Esses estímulos agem sobre o sistema
nervoso central e autônomo provocando reações tais como analgesia, hipoalgesia, hiper ou
hipofunção de estruturas orgânicas.
Conforme o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo – CRF SP
(2010, p. 6), "(...) a Acupuntura possui a finalidade de restaurar, promover e equilibrar as
funções energéticas dos tecidos e órgãos, melhorando a circulação sanguínea,
aumentando a imunidade, e trazendo bem-estar físico e mental".
A Medicina Tradicional Chinesa e a Acupuntura tomam como base a existência de
uma estrutura energética. A doença, por sua vez, é sempre uma desorganização da energia
funcional que controla e dinamiza os órgãos. Maciocia (2007), define que a teoria geral da
medicina chinesa sustenta-se em três pilares: teoria do Qi, teoria do Yin-Yang e Teoria dos
Cinco Elementos.
O Qi
Segundo Maciocia (2006), o corpo tem padrões naturais de energia que circulam
por canais denominados meridianos. A fisiologia humana é baseada na transformação do
Qi. É considerado simultaneamente material e imaterial, e tem capacidade de se manifestar
de diferentes formas, dependendo apenas de sua tendência para Yin ou Yang. Em
condensação tem natureza Yin e quando se move tem natureza Yang.
Yin/Yang
Para Wen (2006), yin/yang são forças complementares que compõem tudo que
existe, do equilíbrio dinâmico entre elas surge todo movimento e mutação. Yang é o
princípio ativo, diurno, luminoso, quente. Yin o princípio passivo, noturno, escuro, frio.
Esses princípios estão implícitos em toda e qualquer manifestação. Não há qualquer
hierarquia entre Yin e Yang. Assim, referir-se a yang como positivo apenas indica que ele
é positivo quando comparado com Yin. Os opostos complementam-se e toda vez que cada
uma das forças atinge seu ponto extremo, manifesta dentro de si a semente de seu oposto
Teoria dos Cinco Elementos
Ainda segundo Wen (2006), a teoria dos cinco elementos ocupa um lugar importante
na Medicina Chinesa e baseia-se nas propriedades dos cinco elementos – madeira, fogo,
terra, metal, água – todos eles elementos da natureza, sendo suas características
relacionadas com a fisiologia dos órgãos e vísceras. A relação entre os elementos baseia-se
em dois aspectos que se apóiam mutuamente para propiciar harmonia: os ciclos de Geração
e de Dominância ou Controle.
O ciclo de Geração envolve o processo de produzir, crescer e promover. Madeira gera
fogo, fogo gera terra, terra gera metal, metal gera água e água gera madeira. No ciclo de
Dominância que envolve o processo de combate, restrição e controle, madeira controla
terra, terra controla água, água controla fogo, fogo controla metal e o metal controla
madeira.
As relações de geração e dominância asseguram o equilíbrio entre os elementos e a
normalidade de seus processos no corpo humano. O desequilíbrio na relação entre alguma
delas irá repercutir no sistema inteiro.
Introdução ao Eu-Tu e Eu-Isso de Martin Buber
Segundo Ayres (2004), importantes avanços na ciência da saúde não se
concretizarão com a descoberta de novas técnicas. Algo mais tem sido desejado, os
avanços da saúde precisam estar baseados na relação, no encontro. A civilização moderna,
tecnocrática tem valorizado radicalmente a realidade do individuo em detrimento dos
grupos e coletivos. Precisamos repensar novamente a prática da saúde a partir da esfera do
campo social e do campo relacional tanto como a singularidade.
Considerando Hycner (1995), a existência humana em seu nível mais fundamental é
inerentemente relacional. O modelo individualista de pessoa, no caso o que estamos
vivenciando hoje nas suas diversas formas e matizes, pressupõe a existência de indivíduos
como “entidades” separadas e considera o relacional como fenômeno secundário. Essas
instâncias precisam ser entendidas como dialógicas e dialéticas.
A relação Eu-Tu de Martin Buber é uma atitude de genuíno interesse na pessoa com
quem estamos interagindo. Valorizar sua alteridade significa reconhecer sua singularidade
e separação do outro. Sou diferente de você, mas temos uma relação humana subjacente
que nos liga. Na relação Eu-Tu a pessoa é um fim em si mesma, reconhecemos que somos
uma parte dessa pessoa. Isso começa quando voltamos nosso ser para o de nosso parceiro,
ou seja, quando existe empatia na relação.
“Embora nenhum médico possa prescindir de uma tipologia, ele
sabe que em algum momento a pessoa incomparável do paciente
irá se defrontar com a pessoa incomparável do médico; tanto
quanto possível, ele põe de lado sua tipologia e aceita esse algo
imprevisível que acontece entre terapeuta e paciente” (Buber
1967, p 164)
A relação Eu-Isso ocorre quando uma pessoa é essencialmente um objeto para nós,
utilizado como meio para um fim específico. Não é a atitude Eu-Isso que está errada, ela é
um aspecto necessário na vida humana, no entanto sua predominância tem sido
esmagadora. A ênfase excessiva no conhecimento técnico e no materialismo tem relação
direta com a preponderância na atitude Eu-Isso. Existe um perigo real de que cada “Tu”
acabe se transformando num “Isso” e que não consigamos reconhecer como é limitador e
cruel essa realidade
Os termos Eu-Tu e Eu-Isso indicam a natureza recíproca de nossa orientação
relacional. Eles criam o contexto para a atitude com a qual os outros se aproximam. Uma
abertura genuína para com os outros tende a evocar uma resposta recíproca. Se, pelo
contrario, os outros se sentem tratados como objetos por nós, provavelmente irão se
aproximar com intenções e defesas. A atitude com que me aproximo do outro é também a
atitude com que me aproximo de mim mesmo. Se valorizo o outro, isso reflete minha
própria auto-valorização. Pensando dessa maneira, quando trato o outro como objeto,
acabo me tratando como objeto, por conseguinte. Para Buber (1965a, p 204) “do lado de lá
do subjetivo, do lado de cá do objetivo, na vereda estreita onde Eu e Tu nos encontramos,
aí fica o reino do Entre”.
Buber faz algumas distinções entre dialogo genuíno, diálogo técnico e monólogo
disfarçado de diálogo: “Há diálogo genuíno -não importa se falado ou silencioso- quando
cada um dos participantes realmente tem em mente o outro ou os outros, em seu ser
presente e único e se voltam para eles com a intenção de estabelecer uma relação viva e
mútua entre ambos” (Buber 1968, p19).
Essa pessoa única e particular é considerada como o foco exclusivo de sua atenção
e isso é retribuído pela outra pessoa. O desejo é encontrar aquela pessoa como pessoa. Em
momentos como este não se tem reservas sobre estar aberto para o outro. Nessa descrição
verifica-se o contraste com a relação Eu-Isso na qual o diálogo técnico é uma forma. Para
Buber (1965a, p19), “há o diálogo técnico provocado exclusivamente pela necessidade do
entendimento objetivo”. Aqui o foco está no entendimento objetivo, mais do que na
pessoa. Não há nada de errado nisso, desde que não seja a única forma de uma pessoa
interagir com outra.
Introdução aos Conceitos de Empatia, Presença e Congruência
Empatia
“O retorno é ação do Tao
A suavidade é a função do Tao (...)” (Tse, 1983, p 99)
A empatia ocorre quando uma pessoa “Sem negligenciar nenhum aspecto da
realidade percebida em sua atividade ao mesmo tempo vive o evento comum aos dois a
partir do ponto de vista do outro”. (Buber, 1965a, p97)
A entrada no mundo do outro e percepção a partir da perspectiva dele, acontece
quando voltamos nossa existência para o outro, uma tentativa intensa de viver a
experiência da outra pessoa tanto quanto a sua própria.
Buber assinala em seus trabalhos que o psicoterapeuta, assim como o educador e os
pais, precisa praticar o que ele chama de “inclusão”, conceito muito próximo da empatia,
que ele entende como mais amplo, uma entrada mais radical no mundo do outro. Ele está
se referindo a “um impulso audacioso – que exige uma mobilização muito intensa do
próprio ser – para dentro da vida do outro.”
De acordo com Hycner (1995), a empatia é um movimento de ir e vir. Sendo
impossível e infrutífero manter incessantemente a postura empática. O sentimento de
“companheirismo” dá força ao desejo do terapeuta de empatizar, no entanto, o terapeuta
também precisa estar centrado em si mesmo. Buber encoraja o terapeuta a ir além do
óbvio, do “visível” e focalizar a “alma” da pessoa, o cerne do seu ser – em vez de ser
afastado desse foco pela patologia.
“(...) todas as coisas têm uma mesma origem
E dela as contemplamos a retornar
Todas as coisas emanam florescentes
E cada uma delas retorna à sua origem
Regressar ao seu princípio é repousar
Repousar é encontrar novo destino (...)” (Tse, 1983, p.49)
Presença
O Conceito de presença perpassa toda a filosofia da Medicina Tradicional Chinesa,
aparece na literatura do Tao e principalmente nos poemas metafóricos de Tse.
“(...)Mas o Sábio favorece o ventre, e não o olho
Assim rechaça este e persiste naquele” (Tse,1983, p41)
Como diz Hycner (1995), a presença é dimensão do ser que quando percebida e
vivenciada remete a um fazer honesto e ancorado em princípios e na ética. Requer o
“esforço” do terapeuta para estar tão totalmente presente quanto possível na situação
clínica, uma percepção muito sofisticada e demanda astúcia profissional para encontrar a
disposição desejável de ser sempre surpreendido pelo momento de “agora”, pelo que “é”, e
ainda assim, manter a sua posição. Isso significa estar, a cada momento, com qualquer
coisa que emerja. Se não me surpreendo pelo menos uma vez durante uma sessão isso
indica que estou dessintonizado.
Hycner (1995) ainda ressalta que a presença não pode ser técnica. Ela é o
reconhecimento do mistério e da permeabilidade de nossa existência, a percepção do “aqui
– agora”. De forma alguma a presença pode ser descrita como o simples estar junto
fisicamente. Embora o estar junto físico seja, certamente a preliminar para o sentido de
presença.
Trata-se de “reverenciar o cotidiano” a que Buber se refere, ou seja, é o
reconhecimento do “agora eterno”, da dimensão espiritual de cada momento, não importa
quão aparentemente mundano ele possa ser. Estar totalmente presente já é reverenciar. Isso
salienta nossa ligação com o ser gerando uma prática clínica
espiritual/meditativa/acolhedora. Nos Poemas de Tse (1983, p53) podemos encontrar
estrofes que fazem referência a essa dimensão espiritual: “O que carece de fé, não poderá
exigir fé dos demais.”
Buber sugere que o terapeuta precisa desenvolver a habilidade aparentemente
contraditória, de manter uma “presença-distanciada”. Ambos os aspectos são essenciais
para a compreensão das experiências subjetivas desse outro ser humano. Esse pensamento
também emerge na filosofia de Tse (Tse, 1983, p83).
“Quem conhece a outrem, é ilustrado
Quem conhece a si mesmo, é sábio
O que conquista a outrem, tem força muscular
O que conquista a si mesmo, é poderoso
Quem sabe contentar-se, é rico
Quem obra firme em seu propósito, tem caráter
O que não perde sua interioridade, resiste
O que morre, mas não perece, possui a vida eterna”.
Congruência
Para Hycner, congruência entre ser, estar e fazer no terapeuta implica uma busca de
entendimento dos próprios passos, um caminho de disciplina e sabedoria. Convívio
positivo com as mudanças. Acontece com a consciência de que somos nossos problemas,
eles não são externos e estranhos a nossa realidade. Tse aponta essa consideração de
Hycner em seu poema: “(...) O que te faz mais infeliz, ganhar ou perder?
Por isso, aquele que deseja demasiado, demasiado consome(...) ” (Tse,1983, p107)
Em um sentido, temos que nos identificar completamente com nossas questões,
apesar delas nos incomodar ou nos impossibilitar. Percebê-las como parte de nós mesmos
dá início a um processo de integração do que estava dissociado. Precisamos de um diálogo
com essa instância “problemática” dentro de nós, paralelamente, isso abre um diálogo com
os outros. Um poema de Tse retrata esta luta eterna com nossas questões contraditórias.
Para Tse, trata-se de lidar com o nosso “inimigo”.
“(...) Não há pior mal que subestimar a força do inimigo
Atacando com ligeira começa-se a perder
Assim, na batalha, o exército que menosprezar o contrário, perderá. (Tse, 1983, p157)
À medida que nos abrimos para aquelas partes que não reconhecemos, podemos
aceitar nossa fragilidade humana e sermos mais compassivos com a fragilidade e a
vulnerabilidade dos outros. Isso nos permite retirar nossas “projeções” sobre os outros e
verdadeiramente encontrá-los, “não projeção com projeção”, mas pessoa com pessoa.
“(...)Logo, o homem bom é mestre do homem mau
E o mau é a lição do bom
E quem não honra seu mestre
Nem ama a lição,
Ainda que erudito, parecerá néscio
Nisto enraíza-se o segredo do Essencial” (Tse,1983, p71)
4 – Discussão: a contribuição dos conceitos citados para a prática do Acupunturista
Lidar com o outro basicamente requer a transcendência de nossa individualidade, o
senso de identidade que normalmente conhecemos. O paradoxo primordial é a tensão
sempre presente entre as dimensões subjetiva e objetiva no atendimento clínico dentro da
área da saúde. O processo de cura requer e até mesmo exige um grande envolvimento
pessoal por parte do profissional de saúde, ao mesmo tempo ele também precisa manter a
objetividade apropriada.
Há muito conhecimento a ser aprendido, a fim de desenvolver a disciplina e a
objetividade necessárias para facilitar o tratamento clínico da Acupuntura. Esse
conhecimento precisa estar sempre fundamentado na experiência subjetiva do paciente e
do terapeuta. O terapeuta precisa ter conhecimentos aprofundados sobre sua prática, os
seres humanos em geral; no entanto, precisa sempre se esforçar para apreciar
profundamente a experiência única da pessoa a sua frente.
Faz muita diferença como o Acupunturista aborda sua profissão, qual o espectro a
ser visto de uma realidade ou da outra. O objetivo é que o terapeuta integre as duas
dimensões no seu fazer. A negligência de um resulta num desserviço ao paciente.
Não é por acaso que os seres humanos raramente experienciem o lado do outro.
Isso requer um senso muito apurado do próprio “centro” e flexibilidade existencial. O
medo da perda de si gera resistência e defesa em empatizar. É necessário congruência que
gera empatia e por conseqüência empatia que também gera congruência.
A personalidade do Acupunturista é um dos instrumentos que será utilizado no seu
fazer clínico. O “instrumento” precisa ser mantido “afinado” para responder aos ritmos
constantemente mutáveis do encontro humano. No processo de cura a inteireza e
disponibilidade são cruciais.
A auto-análise para o terapeuta é certamente necessária. De forma alguma ela
garante o desenvolvimento filosófico e pessoal, e a maturidade requerida para se empenhar
uma profissão complexa como a do Acupunturista. São necessárias uma atitude e visão de
mundo que reconheçam as qualidades opostas exigidas no fazer clínico e o esforço de
integrá-las, sabendo que estará sempre aquém do exigido e, ainda assim, aceitando seus
próprios limites.
Para poder entrar no mundo do cliente o Acupunturista deve, em primeiro lugar,
estar completamente “presente” para o cliente. Não deve ser apenas amigável, mas deve
estar disposto a efetivamente contribuir com sua própria personalidade para o encontro.
Pré-julgar é cortar a emergência de novas possibilidades.
O Acupunturista precisa aceitar a ambiguidade e a natureza contínua e inacabada de
sua disciplina e da existência humana. Ele é solicitado a responder a vasta extensão das
experiências humanas. Isso requer abertura, flexibilidade substancial e um talento artístico
de mestre.
5 - Conclusão
O presente artigo coloca em discussão a necessidade de humanização nas relações
terapêuticas baseada em seus efeitos positivos e numa ética das relações humanas e
profissionais. Essa realidade tem sido corroborada por outros trabalhos recentes. Uma
atitude relacional do profissional de saúde, no caso o Acupunturista com seu cliente se dá
levando em conta sua empatia, presença e congruência de seu ser e de seu fazer. Essa
prática gera um movimento de escuta de si e do outro mais apurada e a procura do não
julgamento e um sentimento de segurança e confiança, que se perpassa entre os presentes
através do respeito pelas individualidades. Essas qualidades ao fazerem parte de um
profissional são base para que se dê uma sincronia positiva. Um grande passo em direção
ao equilíbrio buscado pelo cliente quando procura ajuda.
6 - Referência Bibliográfica
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  • 1. Belo Horizonte, Julho de 2012 A Prática do cuidado na relação clínica entre o Acupunturista e o cliente Bruno Pereira Vieira Cuiabano Artigo de conclusão de curso de pós-graduação em Acupuntura-Faculdade INCISA-IMAM Av.brasil 248 sala 401 Bairro Santa Efigênia - Belo Horizonte - Minas Gerais CEP 30140-900 Email: bruno.cuia@gmail.com Telefone: (31) 9939-4243
  • 2. A Prática do cuidado na relação clinica entre o Acupunturista e o cliente Bruno Pereira Vieira Cuiabano RESUMO Este artigo relaciona o conceito “Eu-Tu e Eu-Isso” de Martin Buber com os termos Empatia, Presença e Congruência no fazer de um profissional de saúde, no caso o Acupunturista. O artigo tem como objetivo refletir que atitudes do profissional de saúde, consigo e com seus clientes, que levam em consideração as ferramentas filosóficas Empatia, Presença e Congruência, geram uma relação de cuidado e norteiam uma prática mais humana e ética. A realização dessa investigação foi elaborada a partir de pesquisa bibliográfica, levantamento de informações através da leitura de livros, artigos, teses, dissertações e sites de internet. O tratamento dos dados se deu de forma analítica e descritiva Palavras-chave: Acupuntura, Martin Buber, Eu-Tu e Eu-Isso, Empatia, Presença, Congruência The Practice of care in clinical relation between Acupunturist and client Bruno Pereira Vieira Cuiabano ABSTRACT This artigle related the concept I-Thou and I-It of Martin Buber with the therms Empathy, Presence, e Congruence in pratical doing of a hearing care professional, in case the acupunturist. The article have the objetive to reflect that hearing care profissional atitudes, whithin himself and with his clients, whitch takes in consideration the filosofical tools Empathy, Presence and Congruence, generates care relashionships and “put north” in a more human and ethical practice. The acomplishment of this scientific inquiry was elaborated from a bibliographical research, information aimed throught the reading of books, articles, thesis, dissertacion and websites. The processing of the data they gave out analythical and descriptive. Keys-word: Acupunture, Martin Buber, I-Thou and I-It, Empathy, Presence, Congruence
  • 3. 1 - Introdução De acordo com Ayres (2004) atendimentos clínicos em que os pacientes são levados em consideração e escutados integralmente pelo profissional de saúde, são mais favorecidos em seu restabelecimento. As práticas contemporâneas de cuidado à saúde tem passado por uma crise. Frequentes reclamações têm sido feitas em relação à desumanização nos tratamentos feitos por profissionais na área da saúde, o que inclui o Acupunturista. Em vários casos, o trato com pacientes tem se dado de maneira padronizada, buscando apenas seus sintomas, sem levar em consideração suas subjetivas queixas e histórias de vida. O conhecimento da Medicina Tradicional Chinesa e especificamente a Acupuntura têm encontrado certo espaço no modo de vida, nas crenças e ideologias ocidentais. Com um pouco mais de um século, leste e oeste tem se encontrado em consequência de uma troca mais constante de produtos e bens de consumo. O aumento da tecnologia de transporte de pessoas e informações tem iniciado uma nova realidade: a abertura de fronteiras e uma curiosidade cada vez maior entre pessoas desses dois “mundos”. Dessa maneira, as práticas na área de saúde no ocidente tem se tornado cada vez mais híbridas. Nota-se um diálogo mais amplo sobre as possíveis relações entre os dois conhecimentos. Silva Júnior (2007) alega que a configuração no Brasil e em vários países do mundo de um modelo hegemônico no trato com a prestação de saúde tem se dado de maneira vertiginosa. Esse modelo tem como base o predomínio no uso das tecnologias que dependem do uso de equipamentos e diagnósticos em detrimento da relação com o cliente e seus respectivos sofrimentos. O desenvolvimento científico da ênfase a uma investigação cada vez mais verticalizada do conhecimento a partir de uma escolha metodológica que pretende chegar ao todo a partir do pedaço, da parte, do fragmento. Dessa maneira, o
  • 4. conhecimento da realidade humana e suas práticas no atendimento clínico acabam por se tornar defasados. Para Buber (1967, p164), “a realidade decisiva é o terapeuta e não os métodos. Sem métodos se é um diletante. Sou a favor dos métodos, mas apenas para usá- los, não para acreditar neles”. Para Ayres (2004), recentes pesquisas têm correlacionado saberes e estratégias com objetivo de suprir as limitações desse modelo. Ferraz da Silva (2007) diz que para a milenar cultura Chinesa existe uma conexão intrínseca entre homem e seu ambiente, o microcosmo e o macrocosmo. A Medicina Tradicional Chinesa é baseada em conceitos de unidade e integralidade do ser e do universo. Segundo Nogueira Perez (1993), existem alguns princípios básicos para qualquer tratamento dentro do paradigma oriental, dentre eles os mais importantes são as afirmações de que existe uma energia que é fonte integradora e reguladora de toda forma físico- química e que não é privativa dos seres vivos. Outro princípio se evidencia no pressuposto de que o sintoma é sempre individual e representa o padrão de desequilíbrio específico de uma pessoa. Nogueira Perez (1993) ainda coloca o princípio de que a doença não tem um nome e sim que é um estado de desequilíbrio energético que pode se manifestar por uma carência ou por um excesso, acrescenta que o desequilíbrio energético vai seguir com uma sintomatologia perfeitamente definida, de cujo conhecimento dependerá o êxito do tratamento e da prevenção e finalmente define que o homem é um ser bipolar alternante, e como toda manifestação do universo, esta alternância de uma maneira harmônica vai permitir a vibração, o movimento, a mutação permanente e contínua, enfim: a vida.
  • 5. Conceitos como Mente, Espírito, Alma, Emoções e Sentimentos também podem ser entendidos a partir de uma referência energética. O Qi circula pelo organismo e o homem realiza a sua função de transformador de energia. A busca por unir o paradigma ocidental e o oriental em torno de um fazer clínico humano e ético se torna algo indispensável. O tratamento por Acupuntura não dispensa o Acupunturista, ele é peça chave tanto na aplicação da técnica própria da Acupuntura, quanto na busca por uma melhor compreensão do cliente como um todo e não somente de seus sintomas. Uma investigação apurada do devir humano, das suas carências e necessidades requerem habilidades que transbordam as habilidades puramente técnicas da área. Baseado na hipótese de que a terapêutica se faz entre duas pessoas que precisam se comunicar e se entender. O cliente, em qualquer lugar do mundo, precisa confiar na pessoa do terapeuta, para que se sinta seguro no tratamento, e então obtenha melhor resultado em sua cura ou melhora. O artigo, a partir de análise bibliográfica, visa então entender como seria a busca por um ideal de escuta e atenção que pode ocorrer entre Acupunturista e cliente. Conceitos como Empatia, Presença e Congruência, muito revisitados por diversos autores da psicologia e filosofia, são, nesse artigo, relacionados com o Conceito de Eu-Tu, Eu-Isso de Martin Buber, autor que buscava em seus pensamentos e no seu fazer, o equilíbrio entre método, técnica e intuição.
  • 6. 2 – Metodologia O presente artigo se baseia num procedimento de investigação teórica e revisão de conceitos através de estudo bibliográfico. Para tanto foi realizado criteriosa pesquisa em livros, artigos, teses, dissertações e sites da internet relacionados ao tema proposto. Textos clássicos da MTC (Medicina Tradicional Chinesa) e teóricos da psicologia humanista e fenomenológica foram correlacionados a fim de discutir o tema proposto. A coleta e a revisão dos conceitos citados utilizou em parte a técnica de investigação cientifica do levantamento bibliográfico baseado nas palavras-chaves: Acupuntura, yin-yang, Qi, Teoria dos Cinco Elementos, Martin Buber, Eu-Tu, Eu-Isso, empatia, presença, congruência. A apresentação e discussão dos conceitos se deu através da analise e interpretação destes.
  • 7. 3 – Revisão de literatura Introdução a Medicina Tradicional Chinesa e Acupuntura Conforme Yamamura (2001), a MTC se constitui através de uma base filosófica milenar e tem um vasto campo de conhecimento voltado ao estudo de fatores que geram saúde e doença. Muitos de seus métodos e pensamentos ainda não foram completamente explicados pela lógica ocidental. O paradigma chinês sempre deu importância ao estudo das formas de prevenção e gerou diversas técnicas como a Acupuntura, Ventosaterapia, Moxabustão, etc. Para Yamamura (2001), a Acupuntura, uma das técnicas que fazem parte do corpo da MTC, baseia-se na idéia de que estímulos causados pela inserção de agulhas geram movimentação do “Qi” pelos canais de energia, reequilibrando os excessos e vazios energéticos em determinadas regiões ou órgãos. Esses estímulos agem sobre o sistema nervoso central e autônomo provocando reações tais como analgesia, hipoalgesia, hiper ou hipofunção de estruturas orgânicas. Conforme o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo – CRF SP (2010, p. 6), "(...) a Acupuntura possui a finalidade de restaurar, promover e equilibrar as funções energéticas dos tecidos e órgãos, melhorando a circulação sanguínea, aumentando a imunidade, e trazendo bem-estar físico e mental". A Medicina Tradicional Chinesa e a Acupuntura tomam como base a existência de uma estrutura energética. A doença, por sua vez, é sempre uma desorganização da energia funcional que controla e dinamiza os órgãos. Maciocia (2007), define que a teoria geral da medicina chinesa sustenta-se em três pilares: teoria do Qi, teoria do Yin-Yang e Teoria dos Cinco Elementos.
  • 8. O Qi Segundo Maciocia (2006), o corpo tem padrões naturais de energia que circulam por canais denominados meridianos. A fisiologia humana é baseada na transformação do Qi. É considerado simultaneamente material e imaterial, e tem capacidade de se manifestar de diferentes formas, dependendo apenas de sua tendência para Yin ou Yang. Em condensação tem natureza Yin e quando se move tem natureza Yang. Yin/Yang Para Wen (2006), yin/yang são forças complementares que compõem tudo que existe, do equilíbrio dinâmico entre elas surge todo movimento e mutação. Yang é o princípio ativo, diurno, luminoso, quente. Yin o princípio passivo, noturno, escuro, frio. Esses princípios estão implícitos em toda e qualquer manifestação. Não há qualquer hierarquia entre Yin e Yang. Assim, referir-se a yang como positivo apenas indica que ele é positivo quando comparado com Yin. Os opostos complementam-se e toda vez que cada uma das forças atinge seu ponto extremo, manifesta dentro de si a semente de seu oposto Teoria dos Cinco Elementos Ainda segundo Wen (2006), a teoria dos cinco elementos ocupa um lugar importante na Medicina Chinesa e baseia-se nas propriedades dos cinco elementos – madeira, fogo, terra, metal, água – todos eles elementos da natureza, sendo suas características relacionadas com a fisiologia dos órgãos e vísceras. A relação entre os elementos baseia-se em dois aspectos que se apóiam mutuamente para propiciar harmonia: os ciclos de Geração e de Dominância ou Controle. O ciclo de Geração envolve o processo de produzir, crescer e promover. Madeira gera fogo, fogo gera terra, terra gera metal, metal gera água e água gera madeira. No ciclo de Dominância que envolve o processo de combate, restrição e controle, madeira controla
  • 9. terra, terra controla água, água controla fogo, fogo controla metal e o metal controla madeira. As relações de geração e dominância asseguram o equilíbrio entre os elementos e a normalidade de seus processos no corpo humano. O desequilíbrio na relação entre alguma delas irá repercutir no sistema inteiro. Introdução ao Eu-Tu e Eu-Isso de Martin Buber Segundo Ayres (2004), importantes avanços na ciência da saúde não se concretizarão com a descoberta de novas técnicas. Algo mais tem sido desejado, os avanços da saúde precisam estar baseados na relação, no encontro. A civilização moderna, tecnocrática tem valorizado radicalmente a realidade do individuo em detrimento dos grupos e coletivos. Precisamos repensar novamente a prática da saúde a partir da esfera do campo social e do campo relacional tanto como a singularidade. Considerando Hycner (1995), a existência humana em seu nível mais fundamental é inerentemente relacional. O modelo individualista de pessoa, no caso o que estamos vivenciando hoje nas suas diversas formas e matizes, pressupõe a existência de indivíduos como “entidades” separadas e considera o relacional como fenômeno secundário. Essas instâncias precisam ser entendidas como dialógicas e dialéticas. A relação Eu-Tu de Martin Buber é uma atitude de genuíno interesse na pessoa com quem estamos interagindo. Valorizar sua alteridade significa reconhecer sua singularidade e separação do outro. Sou diferente de você, mas temos uma relação humana subjacente que nos liga. Na relação Eu-Tu a pessoa é um fim em si mesma, reconhecemos que somos uma parte dessa pessoa. Isso começa quando voltamos nosso ser para o de nosso parceiro, ou seja, quando existe empatia na relação.
  • 10. “Embora nenhum médico possa prescindir de uma tipologia, ele sabe que em algum momento a pessoa incomparável do paciente irá se defrontar com a pessoa incomparável do médico; tanto quanto possível, ele põe de lado sua tipologia e aceita esse algo imprevisível que acontece entre terapeuta e paciente” (Buber 1967, p 164) A relação Eu-Isso ocorre quando uma pessoa é essencialmente um objeto para nós, utilizado como meio para um fim específico. Não é a atitude Eu-Isso que está errada, ela é um aspecto necessário na vida humana, no entanto sua predominância tem sido esmagadora. A ênfase excessiva no conhecimento técnico e no materialismo tem relação direta com a preponderância na atitude Eu-Isso. Existe um perigo real de que cada “Tu” acabe se transformando num “Isso” e que não consigamos reconhecer como é limitador e cruel essa realidade Os termos Eu-Tu e Eu-Isso indicam a natureza recíproca de nossa orientação relacional. Eles criam o contexto para a atitude com a qual os outros se aproximam. Uma abertura genuína para com os outros tende a evocar uma resposta recíproca. Se, pelo contrario, os outros se sentem tratados como objetos por nós, provavelmente irão se aproximar com intenções e defesas. A atitude com que me aproximo do outro é também a atitude com que me aproximo de mim mesmo. Se valorizo o outro, isso reflete minha própria auto-valorização. Pensando dessa maneira, quando trato o outro como objeto, acabo me tratando como objeto, por conseguinte. Para Buber (1965a, p 204) “do lado de lá do subjetivo, do lado de cá do objetivo, na vereda estreita onde Eu e Tu nos encontramos, aí fica o reino do Entre”. Buber faz algumas distinções entre dialogo genuíno, diálogo técnico e monólogo disfarçado de diálogo: “Há diálogo genuíno -não importa se falado ou silencioso- quando cada um dos participantes realmente tem em mente o outro ou os outros, em seu ser
  • 11. presente e único e se voltam para eles com a intenção de estabelecer uma relação viva e mútua entre ambos” (Buber 1968, p19). Essa pessoa única e particular é considerada como o foco exclusivo de sua atenção e isso é retribuído pela outra pessoa. O desejo é encontrar aquela pessoa como pessoa. Em momentos como este não se tem reservas sobre estar aberto para o outro. Nessa descrição verifica-se o contraste com a relação Eu-Isso na qual o diálogo técnico é uma forma. Para Buber (1965a, p19), “há o diálogo técnico provocado exclusivamente pela necessidade do entendimento objetivo”. Aqui o foco está no entendimento objetivo, mais do que na pessoa. Não há nada de errado nisso, desde que não seja a única forma de uma pessoa interagir com outra. Introdução aos Conceitos de Empatia, Presença e Congruência Empatia “O retorno é ação do Tao A suavidade é a função do Tao (...)” (Tse, 1983, p 99) A empatia ocorre quando uma pessoa “Sem negligenciar nenhum aspecto da realidade percebida em sua atividade ao mesmo tempo vive o evento comum aos dois a partir do ponto de vista do outro”. (Buber, 1965a, p97) A entrada no mundo do outro e percepção a partir da perspectiva dele, acontece quando voltamos nossa existência para o outro, uma tentativa intensa de viver a experiência da outra pessoa tanto quanto a sua própria. Buber assinala em seus trabalhos que o psicoterapeuta, assim como o educador e os pais, precisa praticar o que ele chama de “inclusão”, conceito muito próximo da empatia,
  • 12. que ele entende como mais amplo, uma entrada mais radical no mundo do outro. Ele está se referindo a “um impulso audacioso – que exige uma mobilização muito intensa do próprio ser – para dentro da vida do outro.” De acordo com Hycner (1995), a empatia é um movimento de ir e vir. Sendo impossível e infrutífero manter incessantemente a postura empática. O sentimento de “companheirismo” dá força ao desejo do terapeuta de empatizar, no entanto, o terapeuta também precisa estar centrado em si mesmo. Buber encoraja o terapeuta a ir além do óbvio, do “visível” e focalizar a “alma” da pessoa, o cerne do seu ser – em vez de ser afastado desse foco pela patologia. “(...) todas as coisas têm uma mesma origem E dela as contemplamos a retornar Todas as coisas emanam florescentes E cada uma delas retorna à sua origem Regressar ao seu princípio é repousar Repousar é encontrar novo destino (...)” (Tse, 1983, p.49) Presença O Conceito de presença perpassa toda a filosofia da Medicina Tradicional Chinesa, aparece na literatura do Tao e principalmente nos poemas metafóricos de Tse. “(...)Mas o Sábio favorece o ventre, e não o olho Assim rechaça este e persiste naquele” (Tse,1983, p41) Como diz Hycner (1995), a presença é dimensão do ser que quando percebida e vivenciada remete a um fazer honesto e ancorado em princípios e na ética. Requer o “esforço” do terapeuta para estar tão totalmente presente quanto possível na situação clínica, uma percepção muito sofisticada e demanda astúcia profissional para encontrar a disposição desejável de ser sempre surpreendido pelo momento de “agora”, pelo que “é”, e
  • 13. ainda assim, manter a sua posição. Isso significa estar, a cada momento, com qualquer coisa que emerja. Se não me surpreendo pelo menos uma vez durante uma sessão isso indica que estou dessintonizado. Hycner (1995) ainda ressalta que a presença não pode ser técnica. Ela é o reconhecimento do mistério e da permeabilidade de nossa existência, a percepção do “aqui – agora”. De forma alguma a presença pode ser descrita como o simples estar junto fisicamente. Embora o estar junto físico seja, certamente a preliminar para o sentido de presença. Trata-se de “reverenciar o cotidiano” a que Buber se refere, ou seja, é o reconhecimento do “agora eterno”, da dimensão espiritual de cada momento, não importa quão aparentemente mundano ele possa ser. Estar totalmente presente já é reverenciar. Isso salienta nossa ligação com o ser gerando uma prática clínica espiritual/meditativa/acolhedora. Nos Poemas de Tse (1983, p53) podemos encontrar estrofes que fazem referência a essa dimensão espiritual: “O que carece de fé, não poderá exigir fé dos demais.” Buber sugere que o terapeuta precisa desenvolver a habilidade aparentemente contraditória, de manter uma “presença-distanciada”. Ambos os aspectos são essenciais para a compreensão das experiências subjetivas desse outro ser humano. Esse pensamento também emerge na filosofia de Tse (Tse, 1983, p83). “Quem conhece a outrem, é ilustrado Quem conhece a si mesmo, é sábio O que conquista a outrem, tem força muscular O que conquista a si mesmo, é poderoso Quem sabe contentar-se, é rico Quem obra firme em seu propósito, tem caráter O que não perde sua interioridade, resiste O que morre, mas não perece, possui a vida eterna”.
  • 14. Congruência Para Hycner, congruência entre ser, estar e fazer no terapeuta implica uma busca de entendimento dos próprios passos, um caminho de disciplina e sabedoria. Convívio positivo com as mudanças. Acontece com a consciência de que somos nossos problemas, eles não são externos e estranhos a nossa realidade. Tse aponta essa consideração de Hycner em seu poema: “(...) O que te faz mais infeliz, ganhar ou perder? Por isso, aquele que deseja demasiado, demasiado consome(...) ” (Tse,1983, p107) Em um sentido, temos que nos identificar completamente com nossas questões, apesar delas nos incomodar ou nos impossibilitar. Percebê-las como parte de nós mesmos dá início a um processo de integração do que estava dissociado. Precisamos de um diálogo com essa instância “problemática” dentro de nós, paralelamente, isso abre um diálogo com os outros. Um poema de Tse retrata esta luta eterna com nossas questões contraditórias. Para Tse, trata-se de lidar com o nosso “inimigo”. “(...) Não há pior mal que subestimar a força do inimigo Atacando com ligeira começa-se a perder Assim, na batalha, o exército que menosprezar o contrário, perderá. (Tse, 1983, p157) À medida que nos abrimos para aquelas partes que não reconhecemos, podemos aceitar nossa fragilidade humana e sermos mais compassivos com a fragilidade e a vulnerabilidade dos outros. Isso nos permite retirar nossas “projeções” sobre os outros e verdadeiramente encontrá-los, “não projeção com projeção”, mas pessoa com pessoa. “(...)Logo, o homem bom é mestre do homem mau E o mau é a lição do bom E quem não honra seu mestre Nem ama a lição, Ainda que erudito, parecerá néscio Nisto enraíza-se o segredo do Essencial” (Tse,1983, p71)
  • 15. 4 – Discussão: a contribuição dos conceitos citados para a prática do Acupunturista Lidar com o outro basicamente requer a transcendência de nossa individualidade, o senso de identidade que normalmente conhecemos. O paradoxo primordial é a tensão sempre presente entre as dimensões subjetiva e objetiva no atendimento clínico dentro da área da saúde. O processo de cura requer e até mesmo exige um grande envolvimento pessoal por parte do profissional de saúde, ao mesmo tempo ele também precisa manter a objetividade apropriada. Há muito conhecimento a ser aprendido, a fim de desenvolver a disciplina e a objetividade necessárias para facilitar o tratamento clínico da Acupuntura. Esse conhecimento precisa estar sempre fundamentado na experiência subjetiva do paciente e do terapeuta. O terapeuta precisa ter conhecimentos aprofundados sobre sua prática, os seres humanos em geral; no entanto, precisa sempre se esforçar para apreciar profundamente a experiência única da pessoa a sua frente. Faz muita diferença como o Acupunturista aborda sua profissão, qual o espectro a ser visto de uma realidade ou da outra. O objetivo é que o terapeuta integre as duas dimensões no seu fazer. A negligência de um resulta num desserviço ao paciente. Não é por acaso que os seres humanos raramente experienciem o lado do outro. Isso requer um senso muito apurado do próprio “centro” e flexibilidade existencial. O medo da perda de si gera resistência e defesa em empatizar. É necessário congruência que gera empatia e por conseqüência empatia que também gera congruência. A personalidade do Acupunturista é um dos instrumentos que será utilizado no seu fazer clínico. O “instrumento” precisa ser mantido “afinado” para responder aos ritmos
  • 16. constantemente mutáveis do encontro humano. No processo de cura a inteireza e disponibilidade são cruciais. A auto-análise para o terapeuta é certamente necessária. De forma alguma ela garante o desenvolvimento filosófico e pessoal, e a maturidade requerida para se empenhar uma profissão complexa como a do Acupunturista. São necessárias uma atitude e visão de mundo que reconheçam as qualidades opostas exigidas no fazer clínico e o esforço de integrá-las, sabendo que estará sempre aquém do exigido e, ainda assim, aceitando seus próprios limites. Para poder entrar no mundo do cliente o Acupunturista deve, em primeiro lugar, estar completamente “presente” para o cliente. Não deve ser apenas amigável, mas deve estar disposto a efetivamente contribuir com sua própria personalidade para o encontro. Pré-julgar é cortar a emergência de novas possibilidades. O Acupunturista precisa aceitar a ambiguidade e a natureza contínua e inacabada de sua disciplina e da existência humana. Ele é solicitado a responder a vasta extensão das experiências humanas. Isso requer abertura, flexibilidade substancial e um talento artístico de mestre.
  • 17. 5 - Conclusão O presente artigo coloca em discussão a necessidade de humanização nas relações terapêuticas baseada em seus efeitos positivos e numa ética das relações humanas e profissionais. Essa realidade tem sido corroborada por outros trabalhos recentes. Uma atitude relacional do profissional de saúde, no caso o Acupunturista com seu cliente se dá levando em conta sua empatia, presença e congruência de seu ser e de seu fazer. Essa prática gera um movimento de escuta de si e do outro mais apurada e a procura do não julgamento e um sentimento de segurança e confiança, que se perpassa entre os presentes através do respeito pelas individualidades. Essas qualidades ao fazerem parte de um profissional são base para que se dê uma sincronia positiva. Um grande passo em direção ao equilíbrio buscado pelo cliente quando procura ajuda.
  • 18. 6 - Referência Bibliográfica Amatuzzi, M.M.; O que é Ouvir. Estudos de Psicologia. n°2, ago-dez 1990, PUCCAMP Ayres, J.R.C.M.; O Cuidado, modos de ser (do) humano e as praticas de saúde. Saúde e Sociedade. v.13, n°3, p16-29. set-dez, 2004 Barreto, E.T.S.M; Acupuntura: técnica milenar oriental na visão médica ocidental. CBES Curitiba – PR, 2006 Buber, M.; Eu e tu. São Paulo: Centauro, 2001 _____. Do diálogo e do dialógico. São Paulo: Perspectiva, 2009 CFP - Conselho Federal de Psicologia. CFP regulamenta prática da acupuntura por psicólogos. Jornal do Federal, Brasília Set/02 p14 CRF SP – Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo. Acupuntura. Publicado em janeiro, 2010 Farber, P.L. Timo-Laria C; Acupuntura e sistema nervoso. Jornal Brasileiro de Medicina. v67 n 5-6 p 125-131, 1994 Gomes, M.P.; Acupuntura e Sua Implementação no Sistema Único de Saúde. Belo Horizonte, MG 2011 Hycner, R.; De pessoa a pessoa: Psicoterapia Dialógica. São Paulo: Summus, 1995 Luczinski, G.F. & Ancona-Lopez, M.; A psicologia fenomenológica e a filosofia de Buber: O encontro na clínica. Estudos de Psicologia. Campinas 27(1) 75-82 jan-mar, 2010 Luo, H; Jia, Y, Shon, L.; Electro-Acupunture v. Amitripyline in the tratment of depressive states. Jornal os Tradicional Chinese Medicine, S 1985, p 5-8 (Beijing) Maciocia, G; Os fundamentos da medicina chinesa. 1° Ed. São Paulo, Ed Roca, 1996
  • 19. Macpherson et al.; Empathy, enablement, and outcome: An Exploratory Study on Acupuncture Patients’ Perceptions. The Journal Of Alternative And Complementary Medicine. v. 9, n° 6, p. 869–876, 2003 Mann, F; Acupuntura: A antiga arte chinesa de cura. São Paulo: Hemus, 1971 Medeiros, J.B.; Redação científica: A prática de fichamentos, resumos, resenhas – São Paulo: Atlas, 2000 Moore, J. et al; Why do people seek treatment by alternative medicine? British Medical Journal v 290 n°5 Jan,1985 Neto, J.S.M. & Schrader, F.T. (Orgs); Curso de desenvolvimento gerencial do SUS: Coletânea de Textos. Cuiabá: Edo UFMT, 2011 Orientações da Organizaçao Mundial de Saude (OMS), Resolução WHA 44.34 Oyanedel, J; Acupuntura e sintomas psicossomáticos. 2002 Disponível em: http://aesculapius.com (acessado em 10/06/2012) PEREZ, Carlos A. Nogueira. Acupuntura: fundamentos de bioenergética. Madrid: Mandala, 1993. Pires, P.M.; Análise das características da língua para diagnóstico em Medicina Tradicional Chinesa. Artigo de conclusão de curso, Barra Mansa, RJ, 2011 Requena, Y; Acupuntura e Psicologia; São Paulo: Andrei, 1990 Silva, D.F.; Psicologia e acupuntura: Aspectos históricos, políticos e teóricos. Instituto de Psicologia e Acupuntura Espaço-Consciência, Psicologia Ciência e Profissão, 27 (3), p418- 419, 2007 Tom Sitan Wen; Acupuntura clássica chinesa. 1° Ed. São Paulo: Cultrix, 2006
  • 20. Tse, L.; Tao te king: O livro do sentido e da vida. Trad. Norberto de Paula Lima. São Paulo: Hemus, 1983 Vectore, C.; Psicologia e acupuntura: Primeiras aproximações – Universidade Federal de Uberlândia, psicologia ciência e profissão, 25 (2), p266-285, 2005 Yamamura, Y; Acupuntura tradicional: A arte de inserir. 2°Ed. São Paulo. Ed Roca 1996