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A Internet e a Democratização
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Também o “dilema do ditador” tem sua versão digital: as mesmas tecnologias da informação e
das comunicações que hoje são indispensáveis na promoção da prosperidade econômica
podem servir de instrumento para ameaçar as estruturas de poder. Com efeito, são inúmeras
as evidências de que a internet e a telefonia móvel têm se revelado extremamente úteis à
socidade civil na construção de sistemas de comunicação política independente do estado e
além da manipulação fácil por parte das elites, sobretudo em países cujo regime carece de
virtudes democráticas. Por outro lado, embora amplamente creditada como capaz de facilitar
a propagação da democracia, ao propiciar o acesso e a disseminação da informação como
nunca dantes visto na história da humanidade, a internet também tem sido utilizada para
restringir, manipular e censurar informações de forma cada vez mais eficaz. Resta saber se, no
final das contas, estamos diante de uma tecnologia democratizante.

Justamente em torno desse tema foi organizado em Outubro passado na Brown University um
encontro intitulado “Access and Authority: Is the Internet a Democratizing Technology?”
(21/10/10), sob forma de um debate entre Evgeny Morozov, estudioso dos impactos da
internet nas mudanças socio-políticas, e autor de “The Net Delusion: The Dark Side of Internet
Freedom” (PublicAffairs, Jan 2011), e Clay Shirky, professor de comunicação social da New
York University e autor de “Here Comes Everybody: The Power of Organizing Without
Organizations” (Penguin, Fev 2009).

Fiel a seu espírito contrário aos entusiastas da nova mídia, Morozov começa chamando a
atenção para o fato de que, apesar de democratizar o acesso à informação, a internet tem seu
lado negro: em regimes autoritários, o estado tem se utilizado das ferramentas da mídia social
para manter o status quo através de meios anti-democráticos como a violação da privacidade
de opositores do regime. Até mesmo as sofisticadas tecnologias de geração de perfil
comportamental na internet, usadas por empresas de anúncio online, podem estar sendo
utilizadas para efeito de censura e repressão a dissidentes políticos. Exemplo marcante foi a
utilização de “crowdsourcing” (uso de seres humanos para realizar tarefas difíceis ou inviáveis
para computadores, tais como analisar o conteúdo de imagens) pelo governo do Irã para
reconhecer dissidentes a partir de fotos das passeatas realizadas em 2009 disponibilizadas em
sítios como Flickr e Picasa.

Segundo Morozov, o excesso de entusiasmo com a suposta natureza democratizante da
internet, exemplificado no discurso “Remarks on Internet Freedom” que Hillary Clinton
proferiu no The Newseum em Jan/2010 (“Queremos por essas ferramentas nas mãos das
pessoas que as usarão para fazer avançar a democracia e os direitos humanos”), pode nos
fazer esquecer que essa mesma tecnologia permite o entrincheiramento de ditadores, a
repressão a dissidentes, e o tiro pode acabar saindo pela culatra. Com efeito, o discurso da
secretária de estado norteamericana acabou por despertar governos considerados autoritários
para a importância de vigiar o ciberespaço e dele fazer uso a seu favor. Como se não fosse o
bastante, a percepção, por parte de países como China, Rússia e Irã, de uma aliança do estado
americano com o Vale do Silício, uma espécie de “estado maior” da tecnologia, acabou
fazendo com que as grandes empresas de internet e mídia social como Google, Facebook,
Twitter e Skype passassem a ser vistas como ameaças, a ponto, por exemplo, o uso irrestrito
dos serviços desta última ter sido recentemente declarado ilegal na China. Nesses países,
serviços como busca na internet, redes sociais e até e-mail têm subido vertiginosamente na
lista de prioridades estratégicas que precisariam ser protegidas do controle por parte de
empresas estrangeiras. O plano da Rússia de investir alto na criação de uma alternativa
doméstica para a Google, a intenção das autoridades iranianas de banir o Gmail em Fevereiro
passado e de lançar uma alternativa doméstica para a Facebook, e os planos turcos de
fornecer um endereço de e-mail mantido pelo governo a cada cidadão turco para minimizar a
dependência de provedores norteamericanos, todos esses são exemplos concretos de reação à
iniciativa de promoção da “liberdade internética” capitaneada pelo governo norteamericano.

Ainda que se declarando menos otimista do que há um ano atrás em função das conversas
com Morozov, Clay Shirky diz acreditar que a internet é sim uma tecnologia democratizante,
no mínimo no sentido de ajudar a garantir alguns dos princípios democráticos básicos:
liberdade de expressão, liberdade de imprensa, e liberdade de associação. Não obstante,
Shirky reconhece que a internet poderia não ser considerada como uma tecnologia
democratizante se apenas efeitos de curto prazo forem observados, pois historicamente as
liberdades de comunicação afetam a capacidade de alterar as estruturas de poder apenas no
longo prazo. O fato é que, como bem lembra Shirky em seu recente artigo “The Political Power
of Social Media. Technology, the Public Sphere and Political Change” publicado no início do
mês na revista “Foreign Affairs”, a idéia de que a mídia dá apoio fundamental às mudanças
sociais na medida em que fortalece a esfera pública é um reflexo do papel histórico da prensa
de Gutemberg. Como já pregava o filósofo alemão Jürgen Habermas em seu livro “The
Structural Transformation of the Public Sphere” (1962), a imprensa escrita ajudou a
democratizar a Europa ao propiciar espaço para discussão, discordância e concordância entre
cidadãos politicamente engajados, em geral antes que o estado tivesse atingido minimamente
a democracia. Mas isso pode levar tempo.

Nos dias de hoje, à medida em que o cenário das comunicações se torna mais complexo, mais
denso, e mais participatório, a população conectada em rede acaba ganhando não apenas
maior acesso à informação, mas também maiores oportunidades de se engajar no discurso
público, além de uma maior capacidade de empreender ações coletivas. E isso pode ser crucial
no que diz respeito à capacidade de provocar mudanças nas estruturas de poder. É aí que
entra o papel da mídia social: blogs, wikis e redes sociais se apresentam como ferramentas de
mobilização e de ação coletiva. É natural que se observe que tais ferramentas são mais
comumente utilizadas para fins de socialização, entretenimento e comércio, mas Shirky lembra
que nos anos 1500’s, logo após a invenção da prensa, havia muito mais leitores para romances
eróticos do que para literatura de conteúdo político, e ainda assim essas obras políticas
exerceram enorme influência nas mudanças sociais.

Recentes avaliações quantitativas da influência das ferramentas digitais chegaram à conclusão
de que os efeitos mais dramáticos ocorrem em estados onde uma esfera pública já restringe as
ações do governo.
Numa dessas avaliações, Jacob Groshek (“A Time–Series, Multinational Analysis of Democratic
Forecasts and Internet Diffusion”, International Journal of Communication, 2010), com base
em dados estatísticos de 72 países no período 1994-2003, conclui que a difusão da internet
não foi um mecanismo específico causal do crescimento democrático a nível nacional durante
o período estudado.

Em outro levantamento quantitativo, Philip Howard, professor de Ciência Política da
Washington University, argumenta em seu livro “The Digital Origins of Dictatorship and
Democracy: Information Technology and Political Islam” (Oxford University Press, Set 2010)
que “uma parcela significativa da democratização contemporânea, por definição, significa
desenvolver uma esfera pública online.” Concentrando suas observações num universo de 75
países do mundo islâmico, Howard se propõe a identificar se, e quando, na última década, as
tecnologias da informação e de comunicação têm sido uma causa necessária ou suficiente de
entrincheiramento ou transição democrática, ao mesmo tempo em que investiga se a difusão
das tecnologias da informação ajudam a fazer avançar as culturas democráticas.

Usando dados originais assim como dados de fontes consolidadas, Howard demonstra que a
difusão da tecnologia tem tido um papel causal fundamental nos avanços nas instituições
democráticas no mundo islâmico. Ainda segundo seus resultados, embora claramente nem a
internet nem a telefonia móvel por si só tenham causado uma única transição democrática
sequer, é possível concluir com segurança que, nos dias de hoje, nenhuma transição
democrática é possível sem as tecnologias da informação.

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Materia projetec 18_setembro_2011
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Balanço gestão 2011 07-12-2011
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Eduardo o globo
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Relatório_Refinaria
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Internet e Democracia

  • 1. A Internet e a Democratização Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE Também o “dilema do ditador” tem sua versão digital: as mesmas tecnologias da informação e das comunicações que hoje são indispensáveis na promoção da prosperidade econômica podem servir de instrumento para ameaçar as estruturas de poder. Com efeito, são inúmeras as evidências de que a internet e a telefonia móvel têm se revelado extremamente úteis à socidade civil na construção de sistemas de comunicação política independente do estado e além da manipulação fácil por parte das elites, sobretudo em países cujo regime carece de virtudes democráticas. Por outro lado, embora amplamente creditada como capaz de facilitar a propagação da democracia, ao propiciar o acesso e a disseminação da informação como nunca dantes visto na história da humanidade, a internet também tem sido utilizada para restringir, manipular e censurar informações de forma cada vez mais eficaz. Resta saber se, no final das contas, estamos diante de uma tecnologia democratizante. Justamente em torno desse tema foi organizado em Outubro passado na Brown University um encontro intitulado “Access and Authority: Is the Internet a Democratizing Technology?” (21/10/10), sob forma de um debate entre Evgeny Morozov, estudioso dos impactos da internet nas mudanças socio-políticas, e autor de “The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom” (PublicAffairs, Jan 2011), e Clay Shirky, professor de comunicação social da New York University e autor de “Here Comes Everybody: The Power of Organizing Without Organizations” (Penguin, Fev 2009). Fiel a seu espírito contrário aos entusiastas da nova mídia, Morozov começa chamando a atenção para o fato de que, apesar de democratizar o acesso à informação, a internet tem seu lado negro: em regimes autoritários, o estado tem se utilizado das ferramentas da mídia social para manter o status quo através de meios anti-democráticos como a violação da privacidade de opositores do regime. Até mesmo as sofisticadas tecnologias de geração de perfil comportamental na internet, usadas por empresas de anúncio online, podem estar sendo utilizadas para efeito de censura e repressão a dissidentes políticos. Exemplo marcante foi a utilização de “crowdsourcing” (uso de seres humanos para realizar tarefas difíceis ou inviáveis para computadores, tais como analisar o conteúdo de imagens) pelo governo do Irã para reconhecer dissidentes a partir de fotos das passeatas realizadas em 2009 disponibilizadas em sítios como Flickr e Picasa. Segundo Morozov, o excesso de entusiasmo com a suposta natureza democratizante da internet, exemplificado no discurso “Remarks on Internet Freedom” que Hillary Clinton proferiu no The Newseum em Jan/2010 (“Queremos por essas ferramentas nas mãos das pessoas que as usarão para fazer avançar a democracia e os direitos humanos”), pode nos fazer esquecer que essa mesma tecnologia permite o entrincheiramento de ditadores, a repressão a dissidentes, e o tiro pode acabar saindo pela culatra. Com efeito, o discurso da secretária de estado norteamericana acabou por despertar governos considerados autoritários para a importância de vigiar o ciberespaço e dele fazer uso a seu favor. Como se não fosse o bastante, a percepção, por parte de países como China, Rússia e Irã, de uma aliança do estado americano com o Vale do Silício, uma espécie de “estado maior” da tecnologia, acabou
  • 2. fazendo com que as grandes empresas de internet e mídia social como Google, Facebook, Twitter e Skype passassem a ser vistas como ameaças, a ponto, por exemplo, o uso irrestrito dos serviços desta última ter sido recentemente declarado ilegal na China. Nesses países, serviços como busca na internet, redes sociais e até e-mail têm subido vertiginosamente na lista de prioridades estratégicas que precisariam ser protegidas do controle por parte de empresas estrangeiras. O plano da Rússia de investir alto na criação de uma alternativa doméstica para a Google, a intenção das autoridades iranianas de banir o Gmail em Fevereiro passado e de lançar uma alternativa doméstica para a Facebook, e os planos turcos de fornecer um endereço de e-mail mantido pelo governo a cada cidadão turco para minimizar a dependência de provedores norteamericanos, todos esses são exemplos concretos de reação à iniciativa de promoção da “liberdade internética” capitaneada pelo governo norteamericano. Ainda que se declarando menos otimista do que há um ano atrás em função das conversas com Morozov, Clay Shirky diz acreditar que a internet é sim uma tecnologia democratizante, no mínimo no sentido de ajudar a garantir alguns dos princípios democráticos básicos: liberdade de expressão, liberdade de imprensa, e liberdade de associação. Não obstante, Shirky reconhece que a internet poderia não ser considerada como uma tecnologia democratizante se apenas efeitos de curto prazo forem observados, pois historicamente as liberdades de comunicação afetam a capacidade de alterar as estruturas de poder apenas no longo prazo. O fato é que, como bem lembra Shirky em seu recente artigo “The Political Power of Social Media. Technology, the Public Sphere and Political Change” publicado no início do mês na revista “Foreign Affairs”, a idéia de que a mídia dá apoio fundamental às mudanças sociais na medida em que fortalece a esfera pública é um reflexo do papel histórico da prensa de Gutemberg. Como já pregava o filósofo alemão Jürgen Habermas em seu livro “The Structural Transformation of the Public Sphere” (1962), a imprensa escrita ajudou a democratizar a Europa ao propiciar espaço para discussão, discordância e concordância entre cidadãos politicamente engajados, em geral antes que o estado tivesse atingido minimamente a democracia. Mas isso pode levar tempo. Nos dias de hoje, à medida em que o cenário das comunicações se torna mais complexo, mais denso, e mais participatório, a população conectada em rede acaba ganhando não apenas maior acesso à informação, mas também maiores oportunidades de se engajar no discurso público, além de uma maior capacidade de empreender ações coletivas. E isso pode ser crucial no que diz respeito à capacidade de provocar mudanças nas estruturas de poder. É aí que entra o papel da mídia social: blogs, wikis e redes sociais se apresentam como ferramentas de mobilização e de ação coletiva. É natural que se observe que tais ferramentas são mais comumente utilizadas para fins de socialização, entretenimento e comércio, mas Shirky lembra que nos anos 1500’s, logo após a invenção da prensa, havia muito mais leitores para romances eróticos do que para literatura de conteúdo político, e ainda assim essas obras políticas exerceram enorme influência nas mudanças sociais. Recentes avaliações quantitativas da influência das ferramentas digitais chegaram à conclusão de que os efeitos mais dramáticos ocorrem em estados onde uma esfera pública já restringe as ações do governo.
  • 3. Numa dessas avaliações, Jacob Groshek (“A Time–Series, Multinational Analysis of Democratic Forecasts and Internet Diffusion”, International Journal of Communication, 2010), com base em dados estatísticos de 72 países no período 1994-2003, conclui que a difusão da internet não foi um mecanismo específico causal do crescimento democrático a nível nacional durante o período estudado. Em outro levantamento quantitativo, Philip Howard, professor de Ciência Política da Washington University, argumenta em seu livro “The Digital Origins of Dictatorship and Democracy: Information Technology and Political Islam” (Oxford University Press, Set 2010) que “uma parcela significativa da democratização contemporânea, por definição, significa desenvolver uma esfera pública online.” Concentrando suas observações num universo de 75 países do mundo islâmico, Howard se propõe a identificar se, e quando, na última década, as tecnologias da informação e de comunicação têm sido uma causa necessária ou suficiente de entrincheiramento ou transição democrática, ao mesmo tempo em que investiga se a difusão das tecnologias da informação ajudam a fazer avançar as culturas democráticas. Usando dados originais assim como dados de fontes consolidadas, Howard demonstra que a difusão da tecnologia tem tido um papel causal fundamental nos avanços nas instituições democráticas no mundo islâmico. Ainda segundo seus resultados, embora claramente nem a internet nem a telefonia móvel por si só tenham causado uma única transição democrática sequer, é possível concluir com segurança que, nos dias de hoje, nenhuma transição democrática é possível sem as tecnologias da informação.