3. do Caderno em Lisboa, em 2009, e pude trocar algumas
palavras com ele e com a Pilar del Rio. Foi um momento
engraçado porque o Caderno tem uma parte muito crítica
sobre os italianos.
O que leu de Saramago?
Gostei muito do Memorial do Convento. Nunca tinha lido
um livro com tantos pormenores sobre uma construção tão
monumental. Também li o Ensaio sobre a Cegueira, As
Intermitências da Morte, e depois O Caderno, que não é
tanto um romance mas sim uma recolha de artigos escritos
por ele. Li todos estes livros em português e alguns tam‑
bém em italiano. Sou tradutora, mas sei que há momentos
da tradução, sobretudo literária, que são difíceis. Defendo a
tradução, mas tenho um enorme prazer em ler as obras na
sua versão original. Quando lemos uma tradução, confia‑
mos no tradutor. Se ele não fez um bom trabalho, nós
nunca chegaremos a saber. Como tradutora, sinto que
tenho uma tarefa, uma responsabilidade. Estou entre o
autor e o público e tenho de ser a intermediária. Houve
casos de traduções que não respeitaram a intenção origi‑
nal, e os leitores ficaram com uma ideia errada. Todos os
dias lemos traduções, por exemplo no âmbito jornalístico,
nas quais temos de confiar.
Além de ser uma paixão em si mesma, a tradução
parece ser para si um meio de aceder a outras culturas.
Sim, para que eu aceda a outras culturas e para que através
de mim outras pessoas também consigam fazê-lo. Tenho a
possibilidade de ajudar a veicular informação, algo que me
dá muita satisfação. Mas a língua muda e o tradutor tem de
acompanhar essa mudança. Sem perder a beleza da língua
que temos, devemos reconhecer isso e estar conscientes
dos fenómenos linguísticos que estão a acontecer. Não
podemos ser puristas.
Está a meio da investigação, depois regressará a
Itália. O que se seguirá?
Boa pergunta! A minha ideia seria terminar a tese primeiro
e depois dedicar-me, se puder, à língua e cultura portugue‑
sas e à tradução português-italiano. Depois há o choque
com a realidade. Em Itália não estamos a passar um bom
momento, mas, se tiver de fazer sacrifícios para realizar os
meus sonhos, estou preparada.
Gostaria de viver em Portugal?
Acho que tenho duas portas abertas, a portuguesa e a ita‑
liana, e não posso dizer qual delas escolherei. Confio muito
nas duas possibilidades. Espero poder, caso fique em Itália,
viajar até Portugal com frequência por causa da investiga‑
ção e para me manter em contacto com esta cidade e com
este país que adoro.
Como é viver em Lisboa?
Como disse, não é a primeira vez que venho a Lisboa. Já não
faço muito turismo, estou a tentar concentrar-me muito no
trabalho de investigação, o que significa que durante a
semana estou praticamente todo o tempo a estudar e a ver
os filmes de Oliveira. Vou a algumas bibliotecas procurar
material, costumo ir à Cinemateca, que me dá a possibili‑
dade de aceder a material cinematográfico português que
não existe em Itália e que me tem permitido descobrir
obras fundamentais. Durante o fim de semana posso ficar
a escrever ou dar um passeio, o que tem ultimamente tem
sido difícil porque tem chovido bastante. Em Lisboa, gosto
de passear e descobrir novos pormenores, azulejos, prédios
antigos; divirto-me a ouvir as conversas na rua, nas tascas
ou no elétrico, e tento aproveitar a programação cultural da
cidade. O Tejo é uma das razões pelas quais me sinto tão
bem cá, sempre que venho a Lisboa vou ver o rio. Gosto de
ir à Graça porque há muitos gatos e eles têm um estatuto
privilegiado, quase como no Antigo Egito. Visitei também o
Porto, com os seus esplêndidos palácios, e a Ribeira, home‑
nageada tantas vezes por Oliveira, além dos Açores, que me
fascinaram.
Chegou a viver em Espanha. Que semelhanças e
diferenças identifica entre os dois países?
Passei alguns verões em Espanha a partir dos dezassete
anos, pois tenho uma prima que casou com um espanhol e
nesse ano, em que tinha começado a estudar castelhano,
fui visitá‑los à Andaluzia.
As minhas primeiras experiências no estrangeiro, foram
esse contacto com a cultura andaluza, de tal forma que
quando comecei a dar aulas tive de me livrar do meu sotaque.
Com 20 ou 21 anos terminou essa fase espanhola e come‑
çou a portuguesa. São países muito diferentes, embora com
uma parte da história comum. A nível da língua, a portu‑
guesa é mais íntima e fechada, no sentido em que é uma
língua para descobrir pouco a pouco. A espanhola abre-se
mais facilmente, o que também reflete o caráter do povo. O
povo português também é muito acolhedor, embora talvez
seja um pouco mais discreto. ■
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